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Recebimento dos originais: 25/04/2023

Aceitação para publicação: 23/05/2023

O diário de campo como instrumento na pesquisa científica:


contribuições e orientações

The field diary as a tool in scientific research: contributions


and orientations

Érica Jaqueline Pizapio Teixeira


Doutoranda em Educação
Instituição: Instituto Federal de Rondônia (IFRO)
Endereço: BR 435, Km 63, Zona Rural, Colorado do Oeste - RO
E-mail: erica.pizapio@ifro.edu.br

Juracy Machado Pacífico


Doutora em Educação
Instituição: Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
Endereço: BR-364, S/N, Km 9,5, Porto Velho - RO
E-mail: juracypacifico@unir.br

Josemir Almeida Barros


Doutor em Educação
Instituição: Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
Endereço: BR-364, S/N, Km 9,5, Porto Velho - RO
E-mail: josemir.barros@unir.br

RESUMO
O trabalho apresenta reflexões acerca da construção e do uso do diário de
campo na pesquisa. Acontece através de uma observação realizada com
crianças da educação infantil de uma escola situada na área do campo e de suas
brincadeiras no ambiente escolar. O resultado nasce a partir de um projeto de
Doutorado em Educação Escolar pela Universidade Federal de Rondônia. Trata
como objetivo demonstrar o passo a passo da construção de um diário de campo
na pesquisa, orientando o uso do mesmo na coleta de dados, visto na
metodologia qualitativa e no bojo das ciências humanas, como uma ferramenta
metodológica imprescindível em pesquisas dessa natureza. Com isso, ensina
como o pesquisador poderá realizar registros confiáveis ao observar ações e
interações das crianças, nesse caso, no ambiente escolar. A conceituação e as
estruturas teóricas sobre o diário de campo seguiu orientações de Bogdan e
Biklen (1994), bem como, de pesquisadores que se utilizaram desse instrumento
de registro na pesquisa, como é o caso do antropólogo Malinowski (1967);
Débora Diniz (2017) e Brandão (1982). Ambos demonstram o instrumento de
coleta, em diferentes formatos, garantindo as especificidades desse registro na
pesquisa. O estudo considera que o diário de campo é um relevante instrumento
de registro em pesquisas com crianças e/ou na área das ciências humanas e
socais. Reflete que o alcance de resultados significativos e densos em uma
investigação, será possível, a partir de uma observação minuciosa, dos cuidados

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com a reescrita em memorandos, após a volta do campo de pesquisa, e então,
opulente material de dados.

Palavras-chave: construção do diário de campo, instrumento de pesquisa,


educação infantil.

ABSTRACT
The paper presents reflections about the construction and use of the field diary
in research. It takes place through an observation carried out with children in early
childhood education at a school located in the countryside and their play in the
school environment. The result is born from a PhD project in School Education at
the Federal University of Rondônia. It aims to demonstrate the step-by-step
construction of a field diary in research, guiding its use in data collection, seen in
qualitative methodology and in the human sciences as an indispensable
methodological tool in research of this nature. With this, it teaches how the
researcher will be able to make reliable records when observing children's actions
and interactions, in this case, in the school environment. The conceptualization
and theoretical frameworks about the field diary followed guidelines from Bogdan
and Biklen (1994), as well as, from researchers who have used this recording
instrument in research, as is the case of the anthropologist Malinowski (1967);
Débora Diniz (2017) and Brandão (1982). Both demonstrate the collection
instrument, in different formats, ensuring the specificities of this record in
research. The study considers that the field diary is a relevant recording
instrument in research with children and/or in the area of human and social
sciences. Reflects that the achievement of significant and dense results in an
investigation, will be possible, from a thorough observation, the care with the
rewritten in memoranda, after returning from the research field, and then, opulent
data material.

Keywords: field diary construction, research instrument, early childhood


education.

1 INTRODUÇÃO
Nas pesquisas de natureza qualitativa percebe-se que a criança, seus
brinquedos e suas brincadeiras são aspectos ainda pouco estudados, sendo
esse, um campo que ainda necessita produzir conhecimentos, especialmente
trabalhos detalhando a coleta de dados no campo de pesquisa com o público
infantil.
O diário de campo na pesquisa com crianças em interação com seus
brinquedos e brincadeiras garante que as minúcias gravadas, escritas,
desenhadas ou anotadas no momento da coleta de dados, transformam-se

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posteriormente, em materiais densos com possibilidade de escrita fecunda e rica
em detalhes.
O objetivo desse artigo é demonstrar como o pesquisador e a
pesquisadora, ao fazer pesquisa com crianças ou em outras áreas das humanas,
poderão registrar dados coletados e produzidos em diário de campo. No entanto,
as reflexões propostas nesse trabalho abordam intencionalmente o uso dessa
ferramenta metodológica na pesquisa social, no sentido de contribuir com
informações sobre o melhor uso ao valer-se desse instrumento no momento da
coleta e produção de dados em campo.
Apresentamos no decorrer do texto reflexões sobre o uso do diário de
campo com registros de dados produzidos a partir do contato com crianças da
educação infantil, que neste caso, eram crianças em idade de quatro e cinco
anos. De modo geral, os registros por nós produzidos incluem informações,
impressões, reflexões, transcrições de falas, descrições de ambientes, espaços,
pessoas e de situações bem como informações sobre brinquedos e brincadeiras
realizadas no ambiente de uma escola da área do campo.
As reflexões deste artigo foram possíveis a partir da construção de um
problema para um projeto de pesquisa e submissão a um curso de doutorado
cuja área de concentração é Educação Escolar, sendo a pesquisa-ação como
horizonte metodológico. Para Thiollent (2011), na construção de um problema a
ser investigado por meio da pesquisa-ação, há sempre a necessidade de se ter
um conhecimento prévio da comunidade a ser pesquisada ou partícipe da
pesquisa. Dessa forma, ao coletar os dados para a construção desse projeto,
momento em que se fez uso do diário de campo, originou-se as reflexões
contidas nesse trabalho.
Com um bom conhecimento sobre a necessidade de registros confiáveis
e sobre o diário de campo, a ida a campo sempre garante bons registros sobre
diferentes aspectos. Afinal, o diário de campo, como o próprio nome leva a supor,
serve para registrar tudo o que foi captado como instigante, interessante ou
inquietante pelo pesquisador e pesquisadora. Mas se ainda não se tem um
problema de pesquisa, os registros, os mais diversos possíveis, poderão dar

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boas pistas para se chegar ou definir um bom problema de pesquisa. No entanto,
fazer diários de campo também requer critérios e certos cuidados que iremos
apontar mais adiante.
O diário de campo se fez presente enquanto realizávamos o levantamento
para a construção do projeto de pesquisa de doutorado. Passados alguns
meses, notamos a relevância da descrição para a produção desse artigo, mas
com destaque para um aspecto importante: o uso do diário de campo na
observação com crianças da educação infantil.
Nossa intenção é delinear o uso do diário de campo na pesquisa em
educação em se tratando da observação com crianças. Isso porque as crianças
representam um público diferenciado em muitos aspectos, com destaque para
os mais visíveis, como a faixa etária e seu desenvolvimento corporal, afetivo,
relacional e social, o que aponta para certos cuidados com os detalhes a serem
observados na coleta, produção e registro de dados. Capturar ou captar o maior
número de informações, sensações, emoções e descrições é o objetivo de um
pesquisador em pesquisa com crianças, momento em que se faz uso de vários
instrumentos e até equipamentos, como câmeras fotográficas, registros fílmicos
e gravadores de voz. No entanto, há momentos que o gravador e câmera não
poderão substituir o caderno e a caneta, pois não captam os movimentos, os
cheiros, os comentários extras (BOGDAN; BIKLEN, 1994).
A literatura sobre o diário de campo se apresenta em diversas épocas e
lugares, tendo como maior precursor o antropólogo Malinowski (1967), que a
partir de seus trabalhos demonstrou que esse instrumento de registro é
imprescindível no campo da pesquisa social e também para os registros
solitários e vivos. Malinowski já destacava que os melhores registros, os mais
confiáveis, são aqueles realizados logo após a saída do local denominado de
campo de pesquisa.
Esperamos com esse trabalho provocar reflexões acerca da relevância do
uso do diário de campo em pesquisas qualitativas, especificamente do diário
construído a partir do contato com crianças e suas atividades brincantes na

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escola, corroborando detalhes que muitas vezes não foram apresentados aos
leitores e pesquisadores do campo social infantil.

2 COMO DEFINIR DIÁRIO DE CAMPO?


Nossa reflexão acerca desse termo parte do princípio que “diário de
campo” está atrelado, especialmente, à pesquisa social visto como um
instrumento para registro de dados coletados ou produzidos no e a partir do
tempo de permanência no campo de pesquisa. Configura-se em “[...] relato
escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia, pensa no decurso da
recolha e refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo.” (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 150).
Deste modo, apresentamos, de antemão, a estrutura básica de um diário
de campo, conforme detalhado por Bogdan e Biklen. Porém, os autores, ao
definirem o instrumento e ao relacioná-lo com uma sequência de ações após a
coleta, apresentam uma ação imprescindível para dar continuidade ao objeto
investigado: a reflexão sobre os dados. Os autores destacam que essa reflexão
pertence ao momento das análises da própria escrita realizada no diário de
campo, após a volta do investigador/pesquisador do local de pesquisa (campo).
As reflexões resultantes das páginas de um diário de campo se referem
às etapas posteriores dentro de uma pesquisa. Cabe ressaltar segundo as
orientações dos autores, após a volta do campo de pesquisa, é necessárias que
as transcrições do diário de campo sejam revisadas, corrigidas imediatamente e
transformadas em memorandos.
Para endossar esse primeiro esclarecimento sobre diário de campo de
forma pontual, retomaremos posteriormente as reflexões explicativas sobre o
assunto, porém esse instrumento para o registro de dados em pesquisas
qualitativas nos conduz, para outros significados postulados ao termo: diário e
campo.
Percorrendo na busca das definições de “diário” e “campo”, e após uma
espessa pesquisa etimológica do termo “campo”, pudemos apresentar que por
se tratar de uma palavra polissêmica, dependerá do contexto a ser empregada,

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pois os diversos dicionários consultados apresentam significados denotativos
(literais) e significados conotativos (figurados) ou metafóricos. Destarte, pareceu-
nos que nenhum dicionário abarca todas as possibilidades significativas da
palavra em questão, todavia destacamos alguns significados pontuais a partir do
dicionário Aurélio:

Campo. 1. Extensão de terra, sem mata, e que tem ou não árvores


esparsas. 2. Grande terreno plantado. 3. Zona forte do perímetro
urbano das grandes cidades, na qual predominam as atividades
agrícolas. 4. Matéria, assunto. 5. Área ou setor de conhecimento ou
atividade; âmbito, domínio, esfera; campo de ação. 6. Fis. Campo de
força. 7. Grupo bem definido de informações conexas e adjacentes,
num formulário, questionário, etc. Campo de ação. V. campo (5).
Campo de força. Fis. Aquele em que a grandeza física é uma força;
campo. Campo elétrico. Fis. Aquele em que sobre uma carga elétrica
age uma força independente da velocidade da carga. Campo
eletrostático. Fís. 1. O campo (6) de um imã. 2. Aquele em que sobre
uma carga elétrica age uma força dependente da velocidade da carga,
e que é numa quando esta se acha em repouso. Campo vetorial. 1. Fís.
Campo cuja grandeza física é de natureza vetorial. 2. Mat. Região do
espaço a cada ponto da qual se associa um vetor. (FERREIRA, 2001,
p. 124).

Como se pode observar, os significados atribuídos a “campo” pelo Aurélio


ficam distante daquilo que nos referimos como “campo”, mas não esgotamos
nossa busca. Mais adiante retomaremos o conceito.
Fomos buscar no mesmo dicionário a origem da palavra “diário” e
encontramos: “Adj. 1. Que se faz ou sucede todos os dias; cotidiano. sm. 2.
Relação do que se faz ou sucede em cada dia. 3. Registro dessa relação; jornal.
4. Jornal (1).” (FERREIRA, 2001, p. 235). Por se tratar de um adjetivo, a palavra
“diário” apresenta a ideia de estado ou qualidade, apresentando-se em outros
dicionários como um substantivo masculino. Sua etimologia é nítida, logo,
observamos que seus significados traduzem a intenção de nossa busca ao
explicar o termo: “[...] registro dessa relação [...]”. Fazer diário de campo é fazer
um registro. É observar o campo (local de pesquisa) e anotar, descrever os fatos,
os sujeitos, suas reações é “2. Relação do que se faz ou sucede em cada dia
[...]”.

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Voltando ao conceito de campo, o dicionário online Michaelis1 apresenta
uma lista de significados para a palavra campo e também muitas expressões.
Dentre as expressões apresentadas, parece-nos, no caso da pesquisa, o que
entendemos por campo aproxima-se, mais, de duas delas. Uma expressão
aponta que é “Assunto que se quer desenvolver; Espaço para realizar ou discutir
algo; azo, ensejo”. Outra expressão apresentada no dicionário “De campo”, que
significa: “Por observação e contato direto, no próprio local do objeto de estudo,
de pesquisa ou de colheita de informação, sem se limitar as teorias ou a outras
fontes”.
Ainda a palavra “campo” pode ser conceituada a partir de vertentes
diferenciadas, por exemplo, ao se tratar da abordagem postulada pelos estudos
sociológicos de Bourdieu (2011), aduzindo o termo “campo político” o qual
apresenta significados diferentes do campo ligado ao diário utilizado para a
coleta de dados qualitativos na pesquisa. Não obstante, procede-nos a condução
dessas reflexões pertinentes ligadas às áreas humanas e socais relacionadas a
esse vocábulo.
Em síntese, o campo apresentado por Bourdieu (2011) está relacionado
ao sistema político imposto à sociedade, o qual permite outras análises
diretamente ligadas ao termo, constituídas por outras realidades: campo
religioso, campo, artístico, dentre outros campos. Esses “campos”, dos quais
fazemos parte, são denominados de teias. Para compreender esse campo, faz-
se necessário entender o termo habitus, que é composto por um sistema de
posições sociais duráveis, tendo por objetivo articular e manter o controle do
comportamento individual, definido como regras.
Bourdieu explica que o habitus está ligado ao campo social, que nada
mais é que as regras que cada espaço possui para manter os indivíduos em seus
“campos”. Ou seja, não basta desejar viver nesse ou naquele campo, é
necessário conhecer as regras/habitus para ser aceito.

1Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=CAMPO. Acesso


em: 26 jul. 2021.

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Falar de campo político é dizer que o campo político (e por uma vez
citarei Raymond Barre) é um microcosmo, isto é, um pequeno mundo
social relativamente autônomo no interior do grande mundo social.
Nele se encontrará um grande número de propriedades, relações,
ações e processos que se encontram no mundo global, mas esses
processos, esses fenômenos, se revestem aí de uma forma particular.
É isso o que está contido na noção de autonomia: um campo é um
microcosmo autônomo no interior do macrocosmo social (BOURDIEU,
2011, p. 194-195).

Emprestando os conceitos de “campo” de Bourdieu, podemos pensar que


um campo de pesquisa também é um microcosmo (aonde acontece às
observações e anotações no diário de campo) situado no macrocosmo que é a
sociedade (esse campo geral/total). Ao adentrar nesse microcosmo é necessário
que o pesquisador mergulhe, de certa forma, no habitus existente nesse campo
social, antropológico, cultural, religioso, artístico, histórico, que de certa forma,
passará a viver/conviver e a conhecer a realidade desse campo para então
refletir sobre os dados (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Por isso que Bourdieu (2011)
ressalta a importância de cada sujeito conhecer as regras existentes em cada
campo para “jogar” /conviver em determinada sociedade e dela extrair e produzir
conhecimentos.
A partir das reflexões realizadas sobre o diário de campo percebe-se que
não há um modelo único nem uma única forma de construí-lo. Pelo contrário, ele
pode ser produzido conforme o conhecimento do pesquisador e das mais
diversas formas. Porém, o conteúdo do diário (sejam registros em um caderno
ou outro suporte) é o que fará a diferença na descrição e análise da realidade
em sua totalidade.
Ao reunirmos a expressão destacada do dicionário Michaelis às definições
de Bourdieu (2011), o diário de campo consiste em material físico com registros
produzidos a partir de informações do campo, local físico da pesquisa, onde
acontecem as observações e anotações, que é um microcosmo constituído por
habitus que deve ser considerado nas análises com vista à produção de
conhecimentos.
Com isso, consideramos os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, em
definir diário de campo como um suporte para o registro de observações

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realizadas a partir de relatos. São documentos constituídos por percepções,
reflexões, fatos de observações que foram possíveis de serem capturadas, a
partir da mediação da linguagem. Linguagem, considerada como um sistema
simbólico dos grupos humanos, que irá fornecer os conceitos, as formas de
organização de uma comunidade (local). Este, por sua vez, garantirá a mediação
entre o sujeito (pesquisador/pesquisadora) e o objeto de conhecimento precisa
considerar a totalidade dos fenômenos em cada microcosmo. Microcosmo, esse
pequeno mundo social relativamente autônomo no interior do grande mundo
social (BOURDIEU, 2011) - o campo da pesquisa. Tais conceituações para o
diário de campo podem ser observadas nos diários de campo produzidos pelos
que apresentaremos.
O diário de campo de Brandão (1982), originário de suas diversas
experiências com a pesquisa social, demonstra que o produto de uma coleta de
dados em forma de notas de campo, pode se transformar em um diário com
nuances poéticas, derivado de fatos, lugares e pessoas. Porém, o diário poético
apresentado por Brandão, é organizado pelos períodos temporais e em
minudências às quais revelam as características desse tipo de registro.
Débora Diniz (2017), jornalista e pesquisadora contemporânea, explica
que o diário de campo é um caderno utilizado para tomar notas rápidas no local
de pesquisa e posteriormente, após a tomada dessas notas, serve como um
ajuste de memórias. Ou seja, durante a investigação ou a coleta de dados, o
pesquisador toma notas, pois não haverá como guardar na memória, tudo o que
foi falado, ouvido ou vivenciado no campo de pesquisa.
Portanto, para as análises derivadas de pesquisas sociais, fazem-se
necessários recursos metodológicos minuciosos, sendo o diário ou caderno de
campo, um grande facilitador nos ajustes de memórias no momento da
transcrição das gravações e de outros dados.
No capítulo explicativo abordado no livro Investigação qualitativa em
educação2, Bogdan e Biklen (1994), apresentam como construir o diário de

2 BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Porto Editora, 1994

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campo durante todo o processo investigativo, bem como, as análises e leituras
após o material coletado.

Depois de voltar de cada observação, entrevista, ou qualquer outra


sessão de investigação, é típico que o investigador escreva, de
preferência num processador de texto ou computador, o que
aconteceu. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 150).

Então, logo após o retorno do local de pesquisa, inicia-se um trabalho


árduo exigindo que essa transcrição se realize imediatamente. Tal procedimento
atua como uma medida “para que a memória não comece a nos trair e a
experiência não seja a lembrança da experiência (DINIZ, 2017) 3”. Caso o
pesquisador não tenha tempo disponível para transcrever o diário logo após o
retorno do campo de pesquisa, é necessário rascunhar, desenhar, gravar áudios.
Sendo recursos acrescidos nas memórias do diário de campo para as análises
posteriores. Porém, a sugestão é não protelar essa tarefa, pois a transcrição
urgente das anotações do campo em memorandos corrobora com as
lembranças recentes e em resultados mais ricos e detalhados do fenômeno
observado.
Atualmente, com o uso do computador as notas escritas durante a
pesquisa são transcritas do diário de campo para documentos digitais e salvos
em pastas com segurança. Mas, nem sempre foi assim.
Considerado o trabalho do antropólogo Bronislaw Malinowski (1978),
responsável pela invenção de sua técnica central (o trabalho de campo) e da
forma de apresentação de seus resultados - a monografia etnográfica4, o diário
de campo passou a ser a ferramenta principal na antropologia. Durante os meses
em que esteve em campo realizando suas pesquisas, o antropólogo produziu
muitos quilos de notas de campo em papel, com detalhes acurados da vida dos
nativos da região pesquisada. O computador não existia, então, a escrita
manualmente era o único recurso.

3DINIZ, 2017, YouTube. Como fazer diário de campo, 3m33s.


4O trabalho da etnografia derivado da observação participante de Malinowski descreve fatos
minuciosos com imagens do grupo pesquisado, do lugar e de seu modo de viver.

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Durante o trabalho Argonautas do Pacífico Ocidental5, título publicado em
1922 com prefácio de James Frazer6, Malinowski realizou a metodologia de
observação participante nos meses em que esteve nas Ilhas Trobriand
localizadas na Papua Nova Guiné, noroeste da Melanésia. A partir dos detalhes
descritos no diário de campo do pesquisador, realizados ao observar os nativos,
pode-se constatar que:

Através desse processo, que é análogo ao do aprendizado de uma


língua estranha e, como este, também em parte inconsciente, o
observador apreende uma ‘totalidade integrada’ de significados que é
anterior ao processo sistemático da coleta e ordenação das
informações etnográficas. Isto é, a apreensão inconsciente da
totalidade precede e permite o procedimento analítico consciente da
investigação da realidade cultural. (MALINOWSKI, 1978, p. 14).

Com o trabalho de observação participante e os registros no diário de


campo realizados por Malinowski, elucidamos, que, mesmo tendo observado
povos com línguas e costumes tão distintos dos seus, sua observação cuidadosa
na transcrição detalhada durante a pesquisa permitiu que as análises
originassem resultados vivos e reais, servindo de referência posterior para o
campo antropológico, para as pesquisas de cunho social e como orientação para
o uso do próprio diário de campo.
A partir da concepção de campo de Bordieu (2011), dos conceitos
etimológicos de Ferreira (2001) e das estruturas descritas por Brandão (1982),
Diniz (2017), Bogdan e Biklen (1994) e Malinowski (1967; 1978), consideramos
que o diário de campo pode ser explicado como um instrumento prático, simples
e útil no campo de pesquisa social. Este, representado por um caderno e uma
caneta destinados às anotações detalhadas do pesquisador ao observar o local
de pesquisa, os sujeitos e objetos envolvidos no processo.
Atribuíamos os adjetivos prático e simples – caneta e papel - pelo fato de
configurar o material físico do diário de campo o qual poderá acompanhar o

5MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
6Antropólogo britânico (1854-1941). Sua publicação The Golden Bough: A Study in comparative
Religion, em 1890, tese em que demonstra que a evolução do pensamento e do conhecimento
humano se processou em três etapas fundamentais: magia, religião e ciência.

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investigador em qualquer lugar, mesmo aos lugares de difícil acesso. Ou seja,
um caderno e uma caneta não dificultam a vida do pesquisador, como foi o caso
da pesquisadora Débora Diniz (2017), a qual se valeu desses objetos ao
pesquisar mulheres detentas no local onde não poderiam entrar outros tipos de
objetos de coletas de dados. Ainda é um recurso não oneroso comparado com
outros instrumentos e equipamentos tecnológicos os quais também, podem ser
utilizados para a coleta de dados.
Precisamos destacar a nossa compreensão diante de um editor de texto
ou ainda de um gravador de voz tidos como diários, pois estes poderão receber
registros com muita precisão descritiva. No entanto, não estão disponíveis a todo
o momento e dependem de outros fatores (baterias ou eletricidade, cabos de
energia, etc) que nem sempre estão à mão ou disponíveis. Assim, o velho lápis
e papel, que originaram o nome ao instrumento de registro, ainda são muito
utilizados. Mas, na atualidade, não nos restringimos a ele como único
representativo do nome e uso como diário de campo ou caderno de campo.

2.1 DIFERENTES FORMATOS DE DIÁRIOS DE CAMPO


Apresentaremos, a seguir e de forma mais detalhada, alguns exemplos
de registros que podemos denominar de diário de campo ou de diário pessoal,
mas com isso, não temos qualquer pretensão de parecer que esgotamos as
possibilidades de registros dessa natureza. Apenas faremos uma síntese, a
partir dos pesquisadores apresentados neste artigo e de exemplos de alguns
diários relevantes escritos por figuras ilustres da humanidade.

2.2 UM DIÁRIO PARTICULAR


O diário de campo não apenas acontece no local da pesquisa, mas é
comum nas investigações com seres humanos, os pesquisadores criarem outro
diário após a observação in loco, como é o caso do diário encontrado após a
morte do antropólogo Malinowski, em 1942 e publicado em 1967 por decisão da

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viúva do autor. O livro Diário no Sentido Estrito do Termo7 nasceu de um diário
particular do pesquisador e de sua realidade vivida no campo de pesquisa nas
Ilhas Trobriand. Sua conduta foi muitas vezes condenada por pesquisadores da
época pelo fato desse diário narrar suas tristezas, suas doenças, seus medos,
preconceitos, fraquezas, diante do seu comportamento com os povos nativos,
como visto no pequeno recorte:

[...] No domingo, 27.9. Ontem fez duas semanas que estou aqui. Não
posso dizer que venha me sentindo bem fisicamente. No sábado
passado fiquei extenuado na excursão com Ahuia, e não consegui me
recobrar ainda. Insônia (não muito acentuada), coração
sobrecarregado e nervosismo (principalmente) parecem ser os
sinônimos, até agora. Tenho a impressão de que a falta de exercício,
causada por um coração fraco, combinados com um trabalho
intelectual positivamente intensivo são as bases desses sintomas. [...].
(MALINOWSKI, 1967, p. 50).

No entanto, esse diário particular e confidencial contribuiu para que a


antropologia pudesse refletir a rigorosidade no campo de observação e no
momento das análises. Atualmente esse diário particular (MALINOWSKI, 1967)
é considerado um instrumento interessante no campo da pesquisa social. Essa
prática da construção de um diário particular pelo pesquisador durante o período
de pesquisa pode atenuar os anseios e medos comuns, ocultados no diário de
coletas de dados científicos. Frequentemente, na realidade contemporânea,
diários particulares são editados e publicados pelos diversos cantos do mundo.

2.3 UM DIÁRIO POÉTICO


Outro exemplo sobre formas de registros de diários é visto em Brandão
(1982), ao apresentar o diário de campo em forma poética denominado de “Diário
de Campo: A Antropologia Como Alegoria8”. Nesse livro o autor trata os estudos
da antropologia pelos sentimentos, apresentando o objeto por uma expressão
figurativa, na arte e no abstracionismo. Esse diário é o resultado de diversas

7 MALINOWSKI, Bronislaw. Um diário no sentido estrito do termo. Rio de Janeiro: Record.


1967.
8 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Diário de campo: a antropologia como alegoria. São Paulo:

Editora Brasiliense. 1982.

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viagens realizadas pelo autor por lugares rurais, narrando costumes, crenças,
valores, festividades, dentre outras observações. O livro é um diário de campo
expondo o “Diário Camponês”, com trinta e nove categorias de trabalhos
importantes realizadas pelos trabalhadores rurais, tais como: plantar, arar, ceifar,
dentre outras.
No diário de campo de Brandão (1982) a estrutura poética da escrita
apresenta um cabeçalho contendo dia, mês, ano, o título do texto e o local,
características importantes de um diário, como se pode ver no excerto
apresentado a seguir:

24 de janeiro de 1982
O semeador
Santa Luzia
A noite não demora na morada do escuro,
ela anseia o claro alvorar da manhã.
Estava o semeador de auroras sulcando a aragem da terra
com riscos de um fio invisível
que somente tecem e sabem tecer
as mãos hábeis dos rituais do amanhecer.
E alvorava de elo trabalhar, curvado sobre a terra,
a suave equação que de grão em grão movia
a complicada arquitetura do universo.[...]. (BRANDÃO, 1892, p. 5).

O exemplo do diário acima é uma sugestão para os apreciadores da


poesia e da vida interiorana. Porém, a estrutura organizacional do diário
(BRANDÃO, 1982) é um exemplo sugestivo de construção, observado pelos
títulos, os quais sugerem o nascimento de uma nova categoria a cada enunciado.
Mesmo apresentando um diário em forma de poesia, o autor descreve a vida das
pessoas observadas, tecendo reflexões e criticidades para esse poético diário
de campo.
A obra de Brandão (1982) nos faz perceber que a construção do diário de
campo é uma ferramenta muito particular do pesquisador e de seu modo próprio
de fazer registros no campo de pesquisa, cada investigador irá escrevendo seu
caderno conforme seu entendimento, criatividade, realidade e vivências, bem
como seguindo a estrutura de datas, locais, horários, características dos
participantes, dentre outras minúcias.

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2.4 O DIÁRIO NO GRAVADOR
Apresentamos outra maneira de construção para o diário de campo,
abstendo-se de papel e caneta, realizada através de recursos contemporâneos,
a partir do uso de aparelho gravador de voz.
Esse tipo de diário é feito com frequência no campo da pesquisa social e
de humanas. No entanto, destacamos que hoje a função do gravador de voz
também, é encontrada nos aparelhos celulares.
O entrevistador ou pesquisador grava o diálogo ou a entrevista com a
autorização dos participantes e após o retorno, no momento das análises,
escuta, degrava e transcreve os conteúdos das gravações. Também, ele
mesmo, o pesquisador, em vez de escrever, grava suas observações,
informações e reflexões sobre a realidade observada. A esse respeito, a
pesquisadora Diniz (2017)9 demonstra como realiza suas notas de campo com
o uso de gravador, como por exemplo, ao entrevistar presos na cadeia. “Eu dito
a minha memória. Esses memorandos orais são peças essenciais no diário de
campo. Dez minutos de diário de campo oral, rendem quinze páginas escritas,
aproximadamente, depois10”.
Diniz (2016) ainda destaca uma forma de fazer o diário de campo por
categorias. Por exemplo, ao pesquisar sobre o Zika vírus, quando algo lhe
provocava, gravava o assunto e em seguida, transcrevia-o, surgindo assim, uma
nova categoria. Segundo o exemplo da autora, seu diário de campo não é como
aqueles diários longamente escritos do passado no caderno físico ou digitados
no computador, ela o faz oralmente e cotidianamente.
Um dos benefícios ao utilizar o gravador de voz, no lugar do caderno e
caneta, é devido sua praticidade e rapidez, conforme o local e as ideais que
surgem inesperadas. A pesquisadora Diniz (2016) demonstra que muitas vezes
surgem categorias imediatas e que o gravador de voz, torna-se seu aliado como
diário.

9 DINIZ, 2017, YouTube. Como fazer diário de campo, 3m33s.


10 Idem.

CUADERNOS DE EDUCACIÓN Y DESARROLLO, Portugal, v.15, n.2, p. 1678-1705, 2023 1692


Diniz (2016) explica ter o costume de gravar as ideias que surgem
instantaneamente ou repentinamente, até mesmo quando está no trânsito. Por
isso é imprescindível que o pesquisador carregue sempre em sua bagagem o
diário de campo, físico (caderno e caneta) ou gravador de voz, para os
momentos inesperados.
Percebe-se que o diário de campo pode apresentar formatos diversos,
especificamente na época das tecnologias digitais em que estamos inseridos,
tais como: o uso do gravador de voz em aparelho convencional, ou nos aparelhos
celulares (DINIZ, 2016), a construção direta das notas de campo com o auxílio
de editores de texto do computador ou de aparelhos celulares, dentre outros
programas disponíveis, são bons exemplos.
No entanto, Bogdan e Bliklen (1992) enfatizam que no local da pesquisa,
mesmo com o gravador, o diário de campo físico, papel e caneta são
insubstituíveis. Enquanto grava, o pesquisador, com o diário físico, poderá
rascunhar ilustrar, marcar ideias, descrever sua percepção sobre as fisionomias
dos participantes, os gestos surgidos no decorrer da pesquisa, dentre outras
informações as quais serão de grande valia no momento das análises.
Uma orientação pontual é a transcrição dos áudios do diário de campo do
gravador, especialmente, logo após retornar do campo de pesquisa. A técnica
de transcrever o material dos áudios corrobora para estruturar com organização
o material. Pois, futuramente o pesquisador poderá se deparar com um volume
intenso de materiais desorganizados e sem o tempo necessário para a
transcrição e observação do mesmo.

3 O DIÁRIO DE CAMPO EM PESQUISA COM CRIANÇAS: AS PRIMEIRAS


ANOTAÇÕES PASSO A PASSO
Apresentaremos neste item nossos registros de diário de campo
produzidos a partir de contato com escolas em nossas primeiras aproximações
em busca da definição e delimitação de nosso problema de pesquisa para um
curso de doutorado. Não se tratava, ainda, da pesquisa propriamente dita, mas

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já tínhamos a autorização da rede municipal para adentrar as escolas e
desenvolver pesquisa.
Sob o consentimento dos responsáveis das crianças da educação infantil
e da escola, foi marcada a primeira visita para a coleta de dados. De início foi
elucidada que seria a observação participante junto com registros no diário de
campo.
A estrutura metodológica da construção do diário de campo em todas as
etapas foi orientada por Bogdan e Biklen (1994). Os autores observam que “A
página em branco do diário deve apresentar um cabeçalho com data, nome de
quem tomou as notas, horário que iniciou as anotações e horário em que
terminou as anotações, local e especificação do número da nota (primeira,
segunda, terceira).” (BOGDAN; BLIKLEN, 1992, p. 152-166). Assim fizemos.
Para a escrita do texto do diário de campo o pesquisador poderá atentar-
se em registrar os mínimos detalhes observados durante a pesquisa.
Um ponto significativo dentro do diário é a sigla “C.O.” apresentada por
Bogdan e Biklen (1994). Essa sigla significa “Comentário do Observador”. Essa
“C.O”, se possível usar outra cor de tinta, serve enquanto o pesquisador realiza
sua observação. A sigla alerta que o pesquisador não deve interferir no ambiente
enquanto observa. Porém, quando uma situação lhe despertar reflexão, uma
nova ideia ou uma teorização, então, o pesquisador usa-se a sigla “C.O” e anota
sua observação particular na frente da sigla. Posteriormente nas análises, o
pesquisador irá relembrar porque fez tal anotação.
No caso dessa pesquisa com crianças, foi acrescentado um título sobre o
que se pretendia observar. Visto que esse título possivelmente contribuiria para
a organização das categorias a posteriori. Para melhor organização do tempo no
local da pesquisa, o cabeçalho com os seus detalhes foram escritos antes da
chegada ao local, conforme orientam Bogdan e Biklen (1994). Esse
procedimento, em realizar o cabeçalho antes da chegada ao local de pesquisa é
essencial para o início das anotações. Pois, pode acontecer de tumultuar as
primeiras observações, principalmente em se tratando de crianças da educação
infantil, as quais são ágeis e repletas de novidades no início da aula. Ou seja,

CUADERNOS DE EDUCACIÓN Y DESARROLLO, Portugal, v.15, n.2, p. 1678-1705, 2023 1694


muitas informações a serem registradas ao mesmo tempo. Caso o pesquisador
queira fazer cabeçalho completo, anotar o que está vendo, por exemplo, poderá
acabar se perdendo ou esquecendo algum fato importante no início das
primeiras observações. Por isso, Bogdan e Blinklen (1994) orientam a
importância da construção do cabeçalho antes da chegada ao campo de
pesquisa.

3.1 A CONSTRUÇÃO DO DIÁRIO DE CAMPO COM AS CRIANÇAS


Os registros no diário de campo realizados a partir da observação in loco
na escola do campo, com as crianças seus brinquedos e brincadeiras,
aconteceram em cinco dias consecutivos. Duas coletas realizadas por uma das
pesquisadoras e três coletas efetivadas por uma auxiliar, sob orientação de uma
das pesquisadoras.
No primeiro dia a pesquisadora valeu-se de caderno como diário de
campo, com cabeçalho elaborado, a priori, caneta de cor azul. Essas primeiras
notas renderam nove laudas escritas frente e verso. Ainda no mesmo dia, a
pesquisadora ao retornar do local de pesquisa, transcreveu as notas para um
diário no computador, em documento no editor de texto Word, denominado de
“memorando” (BOGDAN; BIKLEN, 1994).
No momento em que a elaboração do memorando (BOGDAN; BIKLEN,
1994) ia acontecendo, a pesquisadora conseguia anotar outras minúcias que
ficaram despercebidas no momento rápido da tomada de notas. Esse processo
de acréscimos vindos das lembranças na transcrição para memorando, somente
é possível quando o pesquisador não se demora em realizar essa tarefa (DINIZ,
2016).
No segundo dia de coleta a pesquisadora modificou sua forma de diário
de campo. Junto com o caderno e a caneta, levou o notebook. Somente foi
possível valer-se do uso do equipamento, pelo fato, no primeiro contato, ter
observado a realidade e dialogado com a professora sobre sua metodologia para
o dia seguinte.

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Caso a pesquisadora, no primeiro dia, ao observar as crianças,
necessitasse de movimentar-se, ir a lugares diferentes, brincadeiras agitadas,
passeios, dentre outros movimentos, então o caderno seria o ideal.
O documento no editor de texto Word foi o diário de campo na segunda
coleta de dados, o qual ficou pronto com maior facilidade sem necessitar da
transcrição posterior. Porém, no retorno, ainda no mesmo dia, realizaram-se
várias leituras das notas desse diário e como no primeiro, as ideais iam surgindo
e o diário ia sendo acrescido e melhorado, transformando-se em memorando.
Ainda nesse segundo registro aconteceu um momento no local de
pesquisa, em que a professora da classe, levou as crianças para brincarem no
parque. Então, o notebook foi deixado na sala, devido não ser um local
apropriado para se tomar as notas no aparelho e a pesquisadora passou a utilizar
o caderno físico novamente. Posteriormente essas notas, passaram para o diário
realizado no computador. Foram escritas dez laudas do diário de campo no editor
de texto Word.
Os próximos três dias de registro de dados em forma de diário de campo
realizaram-se a partir da observação da auxiliar, sendo que esta gravava um
áudio após cada término da aula e enviava para a pesquisadora. Esses áudios
eram transcritos no editor de texto Word do computador logo após serem
recebidos. Esse procedimento não é aconselhável pelo fato de detalhes não
serem captados pelos áudios e esses serem gravados somente no final da aula.
Porém, a pesquisadora precisou valer-se desse auxílio nesse levantamento
prévio de notas, caracterizando-os como relatos.
A pesquisadora tomou essa experiência através dos áudios, pelo fato de
conhecer a turma, a metodologia da professora e por não poder estar presente
nas coletas consecutivas. No entanto, aconselha–se que o diário seja realizado
durante a presença in loco, no momento real. Neste caso, a pesquisadora
observou os detalhes nesses relatos, identificando os brinquedos presentes e as
brincadeiras realizadas pelas crianças em cada dia. Com esse objetivo os relatos
da estagiária contribuíram significativamente.

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Apresentaremos, a seguir, algumas notas primárias do diário de campo
realizado com as crianças e suas atividades brincantes no ambiente escolar.

Entrei na sala de aula e saudei com um “Bom dia!” as crianças e a


estagiária as quais estavam presentes. Algumas (poucas) crianças
responderam a saudação. Logo a professora titular chegou e entrou
atrás de mim. Então, solicitei uma cadeira e mesa para ficar em um
canto observando. Já havia conversado com a professora e, conforme
sua autorização, falo sobre meus objetivos ali. “Vou observar e
futuramente vamos dialogando e vendo como poderei contribuir com a
turma sobre o brincar.” A professora sempre me recebe com muito
afeto. (NOTAS DE CAMPO 1 - A CHEGADA À SALA DE AULA,
MARÇO, 2020).

Esse recorte do diário de campo mostra o local da pesquisa, como


aconteceram as primeiras observações e o momento da chegada da
pesquisadora em campo.
Durante a escrita do diário o pesquisador não deve se preocupar em
sinônimos ou palavras enfeitadas, porém ser ágil e claro com as ideias
(BOGDAN: BIKLEN, 1994). No momento da transcrição (memorando) a escrita
vai sendo ajustada, os adjetivos vão surgindo e melhorando a linguagem escrita
de maneira geral. Percebe-se que a pesquisadora narra como entrou na sala, a
saudação e a preocupação em reafirmar o consentimento com a professora em
estar ali.
Vejamos outra tomada de notas no momento inicial da aula e o uso da
função da sigla “C.O.”, descrita anteriormente, onde a pesquisadora apresenta
reflexões no diário de campo:

[...] A professora inicia a aula, com alguns lembretes: “Vocês podem


fazer xixi na roupa?” as crianças respondem em coro: “Não!” a
professora prossegue: “Então vocês devem pedir para ir ao banheiro
sempre que precisar?” [...]. Logo solicita que façam a oração da manhã,
uma oração decorada: “Bom dia meu Deus querido, a aula já vai
começar, nós pedimos ao Senhor que venha conosco ficar [...].” Após
cantar a música “bom dia coleguinhas como vai”, a professora mostra
um envelope com um dos cantos colado para o lado de fora e pergunta
às crianças: “Que história é essa?” As crianças respondem: “O gato
Xadrez!” Então a professora começa contar a história e conforme vai
lendo, vai retirando um gato e atrás do gato, aparece outro gato,
sempre mudando as cores do gato que vem depois. A história é em
rimas com gatos de todas as cores. [...]. (NOTAS DE CAMPO 1 - AS
PRIMEIRAS ATIVIDADES DA MANHÃ, MARÇO 2020).

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C.O: Nessa atividade sobre a história do gato xadrez, penso que o objetivo
é mostrar as cores ou fixá-las, no entanto, percebo que essa atividade é ampla
e pode desencadear outras atividades, por exemplo, introduzir essa história após
uma exploração do protagonismo das crianças e sua oralidade, bem como suas
vivências. A história terminou logo, não sequenciou as cores, ou explorou sobre
a vida dos gatos, nem sobre o que eles comem, ou sobre outros tipos de animais
existentes no meio rural, onde as crianças residem. Essa história poderia
sequenciar uma série de assuntos inter-relacionados com o próprio texto dos
gatos ou das cores desses gatos, dentre outros assuntos semelhantes. (NOTAS
DE CAMPO 1 - AS PRIMEIRAS ATIVIDADES DA MANHÃ, MARÇO 2020).
Conforme apresentado na nota anterior, a pesquisadora narra os detalhes
das atividades iniciais na sala de aula com as crianças de educação infantil.
Descreve os diálogos da professora e das crianças. “Com a descrição é
importante evitar o uso de palavras abstratas, não diga que o professor estava a
ensinar, mas o que ele estava a ensinar” (BOGDAN; BIKLEN, p. 165, 1994).
Bogdan e Biklen (1994) também orientam que o pesquisador deve tirar
um tempo para teorizar suas notas, contemplando suas experiências e
adicionando informações.
No comentário “C.O” da pesquisadora, observa-se uma preocupação com
as atividades e a metodologia realizada em sala de aula, pautada na realidade
das crianças e de uma sequência de fatos que contemplasse o interesse das
crianças. Como visto a pesquisadora não pode intervir, mas, apenas observar.
No entanto, suas reflexões, percepções e sugestões não ditas, são realizadas
em seu diário de campo e diferenciadas com a sigla “C.O”, como uma via
expressiva e particular do pesquisador no campo de pesquisa. Porque a
pesquisadora estava ali para observar e não para sugerir.
Mas será que a pesquisadora, após voltar do campo e rever suas
anotações, pode refletir também sobre o “C.O.” elaborado? Será que as
observações registradas também podem sofrer outras interpretações e
adequações? De posse dos registros e de seu “C.O.”, irá voltar-se para as
orientações e fundamentos teóricos sobre os conteúdos de suas reflexões?

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Em nosso caso, muitas observações tomaram outro rumo. Como o
conteúdo, em si, não é o objeto de discussão deste artigo. Tomemos como
exemplo a observação da sigla “C.O”, anteriormente:
O Comentário da Observadora (C.O.) partiu de um pressuposto de que a
literatura infantil deve ser introduzida para ensinar “conteúdos”. Seria um
pretexto “para”. No entanto, com a calmaria do retorno e a possibilidade de se
perguntar teoricamente sobre a proposta da professora, percebeu que também
seu comentário apresentava uma visão equivocada sobre a presença da
literatura infantil na sala de aula de educação infantil. Soares (2011) alerta para
isso, e lembra que precisamos não atrelar a literatura infantil a uma cultura
escolar que a considera um instrumento pedagógico e não como tendo um valor
em si mesmo. Baptista (2010, p. 8) ressalta que “[...] a literatura é fonte de prazer
e de experiências estéticas”, e que, por isso, “Creches e pré-escolas devem e
podem realizar um trabalho de imersão da criança no mundo literário, superando
uma visão instrucional, pragmática e escolarizante da literatura infantil.”
Destarte Girotto e Souza (2010) e Souza, Barbosa e Hernandes (2019)
destacam a importância das estratégias de leitura para o trabalho com a literatura
infantil na formação de leitores literários. Percebemos que algo poderia ser
alterado naquela prática pedagógica, mas não pelo caminho que pensamos e
registramos em nosso C.O.
Apenas queremos destacar que as leituras e análises a posteriori
precisam ser realizadas com a devida atenção, pois tanto a crítica aos eventos
observados como a concordância com eles, precisam ser fundamentados. Em
nosso caso, tivemos que rever nossas impressões.
As leituras sobre as temáticas apontadas em nossos registros foram
fundamentais para que percebêssemos que nosso olhar para os eventos
ocorridos em campo é sempre um olhar com fundamentos. No entanto, temos
que buscar, na pesquisa, nos distanciarmos dos fundamentos do senso comum
e nos colocarmos a necessidade dos fundamentos epistemológicos, filosóficos
e histórico-sociais que contribuirão com nossas análises.

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Em resumo, devemos sempre desconfiar de nossas certezas e
impressões. À desconfiança, a busca; à busca, o avanço no campo de
conhecimento específico. Eis o propósito da pesquisa. Feito as ressalva, não nos
atentaremos mais ao conteúdo, mas à forma.
Durante as observações e tomadas de notas, a pesquisadora precisou
acompanhar todos os momentos da aula e descrever todas as atividades
realizadas pelas crianças. Assim, foi observada logo após a volta ao recreio, às
dez horas, a professora disse aos alunos que iriam brincar.
A professora diz: “Hoje não vamos ver vídeo, as mulheres estão lavando
a sala. Nós vamos brincar aqui na sala. Mas preciso de colaboração de vocês.
Vamos arrumar a sala e brincar aqui!” Então com a sala arrumada em círculo,
pede que as crianças entrem no meio, onde está vazio, e diz que a brincadeira
é cantar uma cantiga, “A linda rosa Juvenil”. Algumas crianças resistem a essa
atividade e pedem para irem ao pátio. Outras querem escolher a rosa, porém a
professora diz: “Quem escolhe a rosa, sou eu!”. (NOTAS DE CAMPO 1 - O
BRINCAR NA SALA DE AULA, MARÇO 2020).
Como visto, a pesquisadora anotou o primeiro momento das brincadeiras
das crianças, narrando os detalhes iniciais da organização da atividade. Em se
tratando de observar as crianças, é necessário ater-se às falas das mesmas
diante das atividades, bem como suas reações negativas e positivas. “Esse
processo contribui com as reflexões e constituem documentos relevantes.”
(BOGDAN; BLIKLEN, 1994, p. 167).
A seguir, apresentamos recortes do diário de campo e da observação do
brincar no espaço aberto, no ambiente escolar.

[...] Às onze horas a professora conduz as crianças ao parque para a


realização de brincadeiras livres. Entrega brinquedos para elas:
bonecas, banheiras, panelas, pecinhas de montar. [...] As crianças
brincam livremente no pátio com a areia. Oito crianças estão brincando
com a areia. Fazendo bolinhos com os baldes, peneiram a areia
(gostam de peneirar), jogam fora as pedrinhas grossas que sobram na
peneira. Duas meninas brincam de fazer comida com uma panelinha
cheia de areia sobre um fogãozinho de plástico pequeno. Enquanto
outra menina, ao lado, segura uma boneca. A menina que está no
fogãozinho, grita: “Filha, está pronta a comida dela!” [...] Outra menina,
sozinha, segura sua boneca e numa banheira pequena, cheia de areia,

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passa a dar banho na boneca, enquanto diz: “Vem, a mamãe vai te
banhar!”. Uma menina se aproxima das meninas que estão cozinhando
no fogãozinho e com um bolinho de areia no pratinho, diz: “Mamãe, fiz
panqueca! [...]” Esse ambiente onde as crianças brincam é o parque,
com balanços, gangorra e gira-gira. Nem todas as crianças
participaram das brincadeiras na areia, preferiram brincar nos
brinquedos do parque. Nesse dia, as crianças brincaram
aproximadamente vinte minutos. Quando faltavam dez minutos para
tocar o sinal, recolheram todos os brinquedos, lavaram as mãos e
voltaram para a sala. [...]. (NOTAS DE CAMPO 1 - O BRINCAR NO
PARQUE, MARÇO 2020).

Nota-se nesse último recorte do diário de campo que as brincadeiras


espontâneas realizadas pelas crianças, no momento de observação da
pesquisadora, recebem uma atenção cuidadosa nos detalhes da descrição da
fala dos participantes.
Como visto na fala das crianças no parque, as brincadeiras passam a
imitar o adulto ou os outros seres, demonstram suas vivências transportadas
pelo protagonismo da ludicidade. Vigotski (2018) não apenas aborda a
imaginação diante das experiências vivenciadas pela criança, mas acrescenta a
sua relação com o outro: “a primeira forma de ligação entre a imaginação e a
realidade faz-se a partir das primeiras experiências do sujeito com o outro.”
(VIGOTSKI, 2018, p. 11). E a brincadeira de fazer comida realizada pelas
meninas no parque, demonstra a imitação do adulto, denominada de brincadeira
de faz-de-conta. Essa brincadeira é a principal atividade das crianças em idade
pré-escolar.
Em nosso caso, essa observação cuidadosa aconteceu com as crianças
em seus momentos lúdicos na escola, exigindo cuidado nos detalhes, nos
gestos, falas, movimentos, na cumplicidade, nas trocas de olhares entre elas ao
realizarem as comidinhas e nas ações advindas da imaginação lúdica infantil, as
brincadeiras protagonizadas (ELKONIN, 2009) ou brincadeiras de faz-de-conta,
conforme o estudo precursor de Vigotski (2008).
As crianças combinaram quem seria a mãe e quem seria a cozinheira e
passaram a interpretar as personagens naturalmente. Os detalhes das falas,
gestos e movimentos são elementos essenciais no caso da observação com

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crianças e dos significados que essas brincadeiras e brinquedos possuem para
elas naquele momento.
No campo da Teoria Histórico Cultural podemos refletir que esse diálogo
entre as crianças é sempre um novo processo de generalização de significados
e, na medida em que elas se deparam com situações diferentes, então, essa
generalização, sofre modificações, resultando em novas aprendizagens. As
aprendizagens da criança são os resultados de novas estruturas de
generalização produzidas por meio daquilo que faz sentido para ela (VIGOTSKI,
2018), como é o caso da relação lúdica entre as crianças no recorte do diário de
campo em questão. Percebe-se que a criança aprende novos conceitos ao se
relacionar com outras crianças por meio da brincadeira e a partir daquilo que lhe
apresenta sentido.
Prosseguindo nos detalhes das tomadas de notas no parque, a
pesquisadora agia com discrição, anotando rapidamente e acompanhando todo
o ambiente com olhares e ouvidos atentos. Quando as crianças estão brincando
livremente é necessário manter certo distanciamento, pois caso percebam que
estão sendo observadas, deixam de realizar as atividades e a ação espontânea
é freada.
A intenção não era brincar com as crianças ou dialogar com elas, mas
observar como elas brincam e como esse brincar é realizado na escola.
Nos dias seguintes, o diário de campo continuou a ser realizado com as
crianças no ambiente escolar, nos moldes já descritos. As atividades que
envolviam o brincar foram realizadas sempre no final da aula, com um tempo de
trinta a quarenta minutos destinado às brincadeiras. Notou-se que quando as
atividades brincantes foram desenvolvidas no ambiente fora de sala, às crianças
participaram na totalidade, demonstraram alegria, união, inventividade,
criatividade e a presença do pensamento volitivo, a partir das decisões que
tomavam.
Muitas reflexões foram desenvolvidas a partir dos registros do diário de
campo, fossem elas apontando os eventos ocorridos ou os próprios registros e

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comentários realizados. Sem os cuidadosos registros realizados no momento,
certamente, nossas reflexões e aprofundamentos não teriam sido possíveis.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões sobre o uso do diário de campo realizadas a partir da
observação de crianças e suas interações com o brincar, demonstraram que a
construção dos registros materializa-se em um trabalho minucioso e detalhado,
exigindo rigorosidade antes, durante e após a volta do campo da pesquisa. Tal
rigorosidade se coloca independente do objeto investigado.
Vimos também que um olhar é sempre um olhar contaminado. Com isso,
o olhar do pesquisador e da pesquisadora precisa ser contaminado por um
referencial teórico-metodológico que sustente seus registros e suas análises. Por
isso, a importância da descrição dos eventos. Ao tecer algum comentário
valorativo, adjetivo ou de qualquer natureza, estes devem ser identificados nos
registros, evitando confundir os fatos com suas leituras, que certamente estão
atravessadas por suas teorias, que são suas lentes com as quais uma realidade
pode ser interpretada. Após o campo é fundamental a revisão de todos os
registros, o que inclui as percepções da pesquisadora.
No campo social, em pesquisas realizadas com seres humanos, é comum
o uso do diário de campo, mas, atualmente, o caderno físico tem sido substituído
pelo uso de gravadores e de computadores. Porém, há lugares em que o diário
físico (caderno e caneta) é insubstituível, como é o caso dos exemplos citados
pela pesquisadora Diniz, (2017).
Contudo, o diário de campo ancora-se em anotações precisas,
observações detalhadas e por reflexões constantes sobre as notas realizadas e
os memorandos construídos após a chegada do campo. Além disso, vimos que
é imprescindível identificar as notas com títulos previamente devidos para as
sessões que se procurará escrever mais adiante, no relatório da pesquisa,
dissertação ou tese.
Procuramos realizar esse trabalho considerando os fundamentos da
Teoria Histórico-Cultural durante a construção do projeto de pesquisa e nas

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análises futuras, mediante as observações e anotações sobre a criança e o
brincar. Tais observações refletiram a vivência, a realidade e a cultura da
comunidade em que vivem as crianças observadas, elementos significativos
para o desenvolvimento integral desses sujeitos, o que inclui o desenvolvimento
das funções psíquicas superiores das crianças a partir do contato com o meio.
De modo geral, ficou evidenciado que o diário de campo se apresenta
como um instrumento de registro e produção de dados, sendo favorável para a
investigação com crianças, visto que é ideal para as anotações particulares das
observações de sala da aula e nos demais espaços do ambiente escolar, aonde
a criança vivencia suas atividades cotidianas.
Pelas diversas notas coletadas pode-se observar como a criança da
educação infantil, da escola rural, realiza suas brincadeiras em espaço livre,
quais são seus brinquedos e suas atividades brincantes cotidianas.
Muitas reflexões realizadas após a chegada do campo só foram possíveis
mediadas pelas anotações realizadas no local da pesquisa. Com o passar dos
dias, muitas análises e reflexões aconteceram, porque, ao chegar do campo, a
primeira providência foi realizar os memorandos, ou seja, reescrever os diários,
incluindo novos olhares, não deixar para depois.
Portanto, os resultados de uma pesquisa, cujo objeto de conhecimento
dependia dos dados de campo, estará comprometido (para o bem ou para o mal)
com a qualidade dos registros no local e com o que deles (dos registros) se fez
imediatamente após o retorno do campo e das leituras com as
transcrições/memorandos das notas do diário. Desse cuidado dependerão as
análises posteriores.

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REFERÊNCIAS

BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Porto Editora,


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BOURDIEU, Pierre. O campo político. Revista Brasileira de Ciência Política, n.5,


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BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Diário de campo: a antropologia como alegoria. São


Paulo: Editora Brasiliense. 1982.

BRASIL. Educação, Ministério e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental;


Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF,
1998. v. 1.

Dicionário Online, AURELIO. Disponível em:<


https://www.dicio.com.br/categoria/>Acesso em 20 de junho de 2021.

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