Você está na página 1de 25

Doença Renal Crônica: Artigo do Medicina


Atual explica do diagnóstico ao tratamento
 Artigos CientíJcos, Destaque, Doenças, Temas Médicos  Revisamed

Doença Renal Crônica é o tema do artigo do Medicina Atual desta semana. De autoria do

nefrologista e doutor em Medicina pela UNIFESP, Marcus Gomes Bastos, um dos mais
renomados especialista da área, o texto tem como objetivo abordar as principais questões

da doença.

O Revisamed-Revisional em Medicina disponibiliza o conteúdo na íntegra. Uma forma de te


ajudar a se preparar para a Residência Médica ou mesmo se aprofundar no tema na

faculdade.

O Revisamed também disponibiliza, ao Jnal do artigo, um Caderno Digital de perguntas e


A doença renal crônica (DRC) é prevalente e comumente subdiagnosticada. Determina alto

impacto Jnanceiro no sistema de saúde e, frequentemente, está associada à mortalidade


aumentada em todas as idades, em particular quando a taxa de Jltração glomerular (TFG)

diminui para valores inferiores a 60 mL/min/1,73 m2. Assim, a identiJcação precoce e a

implementação de medidas preventivas de progressão são fundamentais para o manejo


adequado da DRC.

[subscribe_to_unlock_form]

Definição da doença renal crônica

A deJnição atual da DRC constitui um dos grandes avanços da nefrologia e é aceita


mundialmente. A categorização da doença é baseada na TFG estimada (TFGe) e um

marcador de lesão do parênquima renal (por ex., proteinúria e/ou hematúria e/ou
documentação de alteração renal em exame de imagem ou biópsia renal). Por deJnição, tem

DRC todo indivíduo que apresentar uma TFG <60 mL/min/1,73 m2 e/ou um marcador de

lesão do parênquima renal presente por um período igual ou superior a três meses.

O prognóstico, a evolução e o manejo da DRC estão relacionados ao estágio da doença. As

diretrizes do KDIGO (2012) disponibilizam uma classiJcação estruturada da CKD baseada na

albuminúria e na TFG, assim como sugestões de ações a serem implementadas (Tabela 1).

Diagnóstico da doença renal crônica

Taxa de Gltração glomerular

A TFG normal é de 120 mL/min/1,73 m2 para os homens e 110 mL/min/1,73 m2 para as


mulheres. De maneira prática, TFG pode ser estimada ou determinada pela depuração da

creatinina. A equação CKD-EPI, baseada em idade, gênero e creatinina, permite estimar a

TFG, seja a partir de nomogramas ou por meio de aplicativos. O resultado obtido deve ser

multiplicado por 1,16 em casos de pacientes negros dos Estados Unidos da América.
Tabela 1: Categorias da doença renal crônica e plano de ação recomendado

* Lesão renal representada por albuminúria e/ou hematúria e/ou alteração em imagem renal e/ou alterações

histopatológicas; TFGe (em mL/min/1,73 m2)= Taxa de Jltração glomerular estimada; TRS= Terapia renal

substitutiva; DRC= Doença renal crônica e DCV= Doença cardiovascular.

A depuração da creatinina é obtida aritméticamente relacionando a concentração da

creatinina urinária total e a concentração sérica em um período de 24 horas, considerando


peso e volume corporal. Valores conJrmadamente diminuídos expressam queda da Jltração

glomerular e declínio funcional renal.

A TFG diminui com a idade, mas o nível de queda normal não é claro. A diminuição da TFG
decorrente de patologia renal é comum em indivíduos idosos, independentemente do

estágio da DRC e, assim, o manejo não deveria ser inmuenciado somente pela idade. Por

exemplo, pacientes idosos com TFGe estável >45 mL/min/1,73m2 e sem outra evidência de
lesão renal diJcilmente desenvolverão as complicações decorrentes da DRC.

Proteinúria

A proteinúria é reconhecidamente o indicador mais importante da DRC e níveis muito

elevados (>1 g/dia) indicam maior risco de progressão e complicações da doença. A


proteinúria é um componente importante na categorização da DRC e deveria ser

quantiJcada pela relação albumina/creatinina (para níveis urinários até 300-500 mg/dia) e
pela relação proteína/creatinina ou proteinúria de 24 horas (para níveis urinários acima a 500

mg/dia). Com relação à determinação da proteinúria, a quantiJcação da albuminúria

apresenta menor variabilidade.

Urinálise (avaliação da sedimentoscopia)

Embora a TFG e a proteinúria sejam os marcadores mais frequentemente utilizados na

identiJcação da DRC, a avaliação minuciosa da sedimentoscopia à urinálise apresenta papel


importante no diagnóstico da doença de base (Tabela 2). A observação de células, cilindros

e cristais à sedimentoscopia pode indicar a etiologia da doença renal subjacente. Por


exemplo, sedimento urinário com hemácias dismórJcas, cilindros hemáticos e mais de 5%

de acantócitos é altamente sugestivo de glomerulonefrite. Por outro lado, a presença de

cilindros leucocitários e leucocitúria num contexto clínico adequado sugere pielonefrite


aguda ou nefrite intersticial aguda. A Tabela 2 mostra os achados urinários em algumas

causas comuns de DRC.

UltrassonograGa

A ultrassonograJa (US) do trato urinário é considerada o exame de imagem de primeira linha

na avaliação de indivíduos com doença renal não diagnosticada. A diminuição da TFG


presente por longo período de tempo, geralmente, se associa com a redução do tamanho

renal e ecogenicidade cortical aumentada, enquanto, nas disfunções agudas, os rins

mantêm o seu tamanho, sem alterar ecogenicidade do parênquima. A US permite diferenciar


as disfunções renais decorrentes das doenças renais intrínsecas das causas obstrutivas,

assim como identiJcar doenças hereditárias, como a doença renal policística do adulto.

Tabela 2: Achados típicos de proteinúria (ou albuminúria) e sedimentoscopia no diagnóstico

diferencial de causas comuns de doença renal crônica.


DRD= Doença renal diabética; DRH= Doença renal hipertensiva; DRCis= Doença renal cística; UO/NTI= Uropatia

obstrutiva/Nefrite túbulo-intersticial; PNA= Pielonefrite aguda; GN= Glomerulonefrites; RAC= Relação

albumina/creatinina.

Biópsia renal percutânea

Em algumas circunstâncias, haverá necessidade de avaliação microscópica do tecido renal

obtido por biópsia para estabelecer o diagnóstico, orientar o tratamento e identiJcar o grau

de atividade e cronicidade da doença renal encontrada, como, por exemplo, nos casos de
doenças glomerulares.

Considerações sobre a prevenção e o tratamento da doença


renal crônica

A obtenção de uma história médica detalhada, com especial atenção ao uso de

medicamentos nefrotóxicos, o exame físico minucioso e a apreciação do estilo de vida (dieta

e atividade física) são essenciais na avaliação e manejo da DRC. Uma vez identiJcada a
doença, o paciente deveria ser submetido a uma avaliação diagnóstica detalhada para

determinar a etiologia. As quatro causas mais frequentes de DRC são a doença renal
hipertensiva, a doença renal diabética, as glomerulonefrites e a doença renal policística do

adulto.

1. Controle glicêmico

No Brasil, o diabetes mellitus é a segunda causa de falência funcional renal (FFR). O controle
glicêmico inadequado se associa com o desenvolvimento e a progressão da doença renal

diabética, via alterações na retroalimentação tubuloglomerular, anormalidades no


metabolismo de polióis e formação de produtos Jnais de glicosilação avançada. Cerca de

um terço dos pacientes com diabetes desenvolverá a doença renal diabética. Assim, nos

pacientes com DRC e diabetes, a manutenção do controle glicêmico adequado é


fundamental para reduzir a ocorrência de proteinúria, a progressão da DRC e a incidência de

FFR.

A partir dos resultados de estudos recentes sobre as complicações relacionadas ao controle


glicêmico rigoroso (p. ex., risco aumentado de hipoglicemia), tem-se recomendado manter a

hemoglobina glicosilada alvo ao redor de 7%, com valores até mais elevados aceitos para os
pacientes com expectativa de vida reduzida ou com risco elevado de hipoglicemia. Além dos

benefícios na redução da proteinúria e na diminuição da progressão da doença, o controle

glicêmico é também importante na atenuação do risco cardiovascular. As diretrizes atuais


recomendam o tratamento com os inibidores da enzima de conversão da angiotensina

(IECA) e com os bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA) nos diabéticos com


proteinúria associada ou não com a hipertensão arterial.

2. Hipertensão arterial

Pacientes com DRC apresentam alto risco de doença cardiovascular e o tratamento da


hipertensão diminui esse risco. Atualmente, recomenda-se manter a pressão arterial

<140/90 mmHg e <130/80 mmHg quando o paciente apresentar relação albumina-creatinina


>30 mg/g.

Os IECAs e os BRAs são as medicações preferidas tendo em vista seu potencial de melhorar

os desfechos em pacientes com DRC, particularmente naqueles com proteinúria >0,5 g/dia.
A combinação de IECA com BRA não é recomendada, pois aumenta o risco de ocorrência de

eventos adversos e de hiperpotassemia.

Quando houver necessidade de associação medicamentosa, o uso de diurético é indicado


por diminuir o volume de líquido extravascular, a pressão arterial, o risco de doença

cardiovascular, além de potencializar os efeitos de IECA, BRA ou outra medicação anti-


hipertensiva. A escolha do diurético depende do nível da TFG: os tiazídicos são indicados

para TFG >30 mL/ min/1,73 m2 e o diurético de alça (p. ex., furosemida) quando a TFG<30

mL/ min/1,73 m2.

Nos casos em que associação de IECA ou BRA com diurético não for suJciente para o

controle da pressão arterial, devem-se acrescentar outras medicações, como os

bloqueadores dos canais de cálcio, os vasodilatadores (hidralazina, minoxidil) e os agonistas


α2-adrenérgicos de ação central (clonidina e alfa-metildopa).

3. Acidose metabólica

A acidose metabólica (AM) é uma complicação importante, encontrada mais

frequentemente quando a TFG <30 mL/ min/1,73 m2. A AM contribui para a progressão da

DRC, na resistência à insulina e na diminuição do condicionamento cardiovascular, bem


como impacta desfavoravelmente o metabolismo ósseo. Atualmente, recomenda-se corrigir

a AM com terapia alcalina no paciente que apresentar bicarbonato sérico menor que o limite
inferior à normalidade (<22 mEq/L).

4. Anemia

A anemia é uma complicação frequente e precoce no curso da DRC e decorre da diminuição


da produção da eritropoetina. A anemia (normocítica e normocrômica com contagem baixa

de reticulócitos) se associa com perda da qualidade de vida, hipertroJa do ventrículo

esquerdo e complicações cardiovasculares em pacientes com DRC. A avaliação dos


pacientes com DRC e anemia deveria incluir a determinação de hemoglobina, hematócrito,

índices hematimétricos, contagem de reticulócitos, índice de saturação da transferrina,


ferritina, vitamina B12 e ácido fólico. Quando presente, a deJciência de ferro deve ser

corrigida sob pena de não resposta ao tratamento de reposição com a eritropoetina.


5. Vitamina D e metabolismo do fósforo

Embora o metabolismo da vitamina D e do fosfato possa estar desbalanceado nos estágios

iniciais da DRC, alterações signiJcativas, geralmente, só ocorrem quando a TFG diminui para
valores inferiores a 30-40 mL/ min/1,73 m2. A hiperfosfatemia e a deJciência de 1,25-

dihidroxivitamina D induzem hiperparatireoidismo, que se associa com a osteodistroJa renal.


As diretrizes atuais recomendam a combinação de restrição de fósforo na dieta, quelantes

de fosfato e suplementação de vitamina D para a manutenção do cálcio e fósforo séricos

nos limites normais.

6. Hiperpotassemia

A hiperpotassemia é uma complicação tardia e potencialmente grave na DRC, sendo


observada mais frequentemente quando a TFG <30 mL/ min/1.73 m2. Os níveis normais de

potássio (3,5-5,5 mEq/L) deveriam ser mantidos com dietas restritas em potássio e, quando

necessário, acrescentando as resinas à base de poliestireno sulfonato de sódio. Nos casos


mais graves de hiperpotassemia (potássio sérico >6,5-7,0 mEq/L), pode haver necessidade

de medicações intravenosas (p.ex., gluconato de cálcio) e mesmo hemodiálise.

7. Tratamento dos fatores de risco cardiovasculares

Os riscos cardiovasculares são elevados em pacientes com DRC e, por conseguinte, os

fatores de risco para aterosclerose deveriam ser agressivamente reduzidos. Adequações dos
hábitos de vida, como cessação do tabagismo, 30 minutos de exercício/dia, limitação da

ingesta alcoólica e manutenção do índice massa corporal na faixa de normalidade, deveriam

ser insistentemente aconselhadas.

Ademais, controle adequado dos níveis de pressão arterial, avaliação e tratamento da

dislipidemia e rastreio frequente para diabetes mellitus – que, se diagnosticado, deve ser
tratado – são medidas a serem perseguidas frequentemente.
Precauções com o paciente que apresenta doença renal
crônica

Cabe destacar que muitas das medicações prescritas e/ou seus metabólitos são eliminados

pelos rins. Consequentemente, é importante o ajuste de dosagem baseado na TFGe de


maneira a evitar ou reduzir a ocorrência de toxicidade medicamentosa ou complicações.

Várias medicações podem causar lesão renal aguda e, por conseguinte, iniciar ou acelerar

uma DRC já instalada. Assim, seria prudente descontinuar ou suspender temporariamente


as medicações que podem causar diminuição aguda da Jltração glomerular (p.ex., IECA,

BRA, anti-inmamatórios não esteroides – AINE) e aquelas que apresentam potencial de


complicações (p. ex., acidose lática por metformina) ou o uso de contraste iodado nos

exames de imagem, particularmente num contexto clínico de risco aumentado de depleção

de volume.

Os AINEs podem determinar redução aguda da TFG por inibirem prostaglandinas

vasodilatadoras, especialmente em condições de desidratação e insuJciência cardíaca,


circunstâncias que diminuem a perfusão renal. Adicionalmente, os AINEs se associam com

quadros de nefrite intersticial alérgica com ou sem doença de lesão mínima,

hiperpotassemia, hipertensão e edema e, quando utilizados cronicamente podem acelerar a


progressão da DRC. Os AINEs deveriam ser evitados em pacientes que apresentam TFGe

<30 mL/ min/1,73 m2.

A ocorrência de acidose lática em pacientes com DRC tem limitado o uso da metformina,

uma importante medicação no tratamento do diabetes mellitus, particularmente quando a

creatinina sérica for ≥1,5 mg/dL e ≥1,4 mg/dL em pacientes do sexo masculino e feminino,
respectivamente. Contudo, as diretrizes atuais recomendam a descontinuação da

metformina somente para pacientes com TFGe <30 mL/ min/1,73 m2 e sua utilização com

cuidado quando a TFGe estiver entre 30 e 45 mL/ min/1,73 m2.

A DRC é o maior fator de risco para a nefropatia induzida por meio de contraste. Embora

medidas como administração de N-acetilcisteína, minimização da dose do contraste


administrado, expansão de volume com soro Jsiológico isotônico ou bicarbonato e não

administração concomitante de medicamentos que aumentam o risco de lesão renal aguda


(AINE, diuréticos, IECA ou BRA, metformina) têm sido propostas para prevenir disfunção

renal pelos agentes de contraste, nenhuma, isoladamente ou em combinação, tem se

mostrado deJnitivamente eJcaz. Assim, recomenda-se avaliar funcionalmente os rins cerca


de 48-96 horas após a exposição, período de maior incidência de injúria renal aguda induzida

por meio de contraste.

Como acompanhar o paciente com doença renal crônica

A frequência de monitorização da progressão da DRC e de suas complicações (acidose


metabólica, anemia, hiperfosfatemia, hiperparatireoidismo secundário, desnutrição,

hiperpotassemia) varia de acordo com a categoria da DRC (Tabela 3). A monitorização deve
ser mais frequente em pacientes nas seguintes situações: 1. Categorias mais avançadas da

DRC (4 e 5); 2. Diminuição rápida da TFG (>5 mL/min/1,73 m2/ano); 3. Controle inadequado

da pressão arterial; 4. Ocorrência de acidose metabólica; 5. Albuminúria acentuada (>1g/dia);


6. Exposição a uma causa conhecida de lesão renal aguda (p. ex., contraste iodado,

antibiótico aminoglicosídeo, entre outros) e 7. Necessidade de introdução ou troca de


intervenções terapêuticas para tratar a DRC, a hipertensão ou a proteinúria.

Dois outros aspectos clínicos que não têm recebido a devida atenção da comunidade

nefrológica merecem destaque: o letramento em saúde (LS) e o comprometimento


cognitivo. Ambos apresentam consequências indesejáveis no curso da DRC, particularmente

no que se refere à qualidade de vida e à aderência medicamentosa.

O LS ou a habilidade de leitura, que permite ao indivíduo transitar no ambiente de saúde, é


um tema relativamente novo, que vem ganhando espaço nas agendas de pesquisa e política

de saúde, notadamente nos países desenvolvidos. Onde estudado, o LS inadequado associa-


se com cuidados de saúde de pior qualidade e maior custo. Infelizmente, a maioria dos

médicos não consegue identiJcar o problema e não têm preparo para lidar com o paciente

que apresenta LS inadequado. Por ser comum e associar-se com desfechos clínicos
indesejáveis, o LS inadequado deveria ser regularmente avaliado nos pacientes com doença

renal.

Pacientes com DRC têm grande risco de desenvolver comprometimento cognitivo (CC),
inicialmente leve (CCL), passível de identiJcação, mas ainda subdiagnosticado e subtratado.

O CCL avaliado em pacientes não idosos com DRC em tratamento não dialítico, utilizando-se
o instrumento Montreal Cognitive Assessment (MoCA) mostrou-se frequente e decorreu

principalmente do comprometimento de funções executivas.

Encaminhamento do paciente com doença renal para


acompanhamento nefrológico

A DRC é frequentemente não diagnosticada, seja nos estágios iniciais, quando a doença é

frequentemente assintomática, seja nos estágios mais avançados, por inespeciJcidade dos
achados clínicos. Assim, é fundamental identiJcar os grupos de risco e rastreá-los para DRC

por meio da medição da TFGe e pesquisa da proteinúria e/ou hematúria.

O manejo clínico da DRC pode se tornar um desaJo cativante para diferentes especialistas,
particularmente quando realizado em colaboração com o nefrologista. Os pacientes

deveriam ser encaminhados quando complicações tais como anemia, acidose metabólica,

doença óssea e hipertensão arterial de difícil controle ocorrem no curso da DRC (Tabela 3).
Adicionalmente, o nefrologista deveria ser consultado quando a DRC decorrer de doença

renal complexa ou já apresente perda funcional avançada, assim como nos casos de
patologias glomerulares ou tubulointersticiais agudas ou crônicas que requeiram tratamento

com medicamentos imunossupressores.

Tabela 3: Recomendações para o encaminhamento ao nefrologista


Estudos têm demonstrado uma relação favorável entre o tempo de acompanhamento nefrológico pré-dialítico e

melhores desfechos clínicos após o início de Terapia Renal Substitutiva (TRS). Com a perda funcional, o

nefrologista deveria ser consultado antes da progressão para as categorias 4 e 5 da DRC, ou seja, TFG <30

min/1,73 m2. Se assim for feito, haverá tempo suJciente para que ele discuta com o paciente e seus familiares as

modalidades de TRS, como hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal, implemente intervenções

psicossocio educacionais e referencie para confecção de fístula arteriovenosa ou implante de cateter peritoneal.

Com o manejo adequado da DRC e encaminhamento nefrológico oportuno, é possível evitar hospitalizações,

obstar o início do tratamento dialítico em condições de urgência ou emergência médica e possibilitar a realização

do transplante preemptivo.

Indicações para terapia renal substitutiva

As principais indicações para iniciar a TRS são sobrecarga de volume não responsivo a

diureticoterapia, pericardite, encefalopatia urêmica, sangramento secundário à disfunção

plaquetária e hipertensão arterial não controlada com anti-hipertensivo(s). Outras indicações


são a hiperpotassemia e acidose metabólica não controladas por medicamentos, sintomas

urêmicos (fadiga, náuseas, vômitos, perda do apetite), desnutrição e insônia.

Conclusão

A hipertensão arterial e o diabetes mellitus são as principais causas de DRC no Brasil. O


diagnóstico da DRC é baseado nos achados de TFGe <60 min/1,73 m2 e/ou documentação

de lesão parenquimatosa renal (p. ex., proteinúria) e caracterização da cronicidade


(persistência por 90 ou mais dias) das alterações morfofuncionais encontradas. O

tratamento das complicações e comorbidades no curso da DRC permite estabilizar ou

diminuir a velocidade de progressão da doença. O encaminhamento oportuno dos pacientes


para acompanhamento nefrológico se associa com melhores desfechos clínicos em todo o

curso da DRC e oportuniza a melhor escolha de TRS quando o paciente evoluir para o

estágio de FFR.

BIBLIOGRAFIA

Lamprea-Montealegre JA, Shilipak MG, Estrella MM. Chronic kidney disease prevention.
Heart 2021 Feb 1o:heartjnl-2020-318004.

Sugahara M, Pak WLW, Tanaka T, Tang SCW, Nangaku M. Update on diagnosis,

pathophysiology, and management of diabetic kidney disease. Nephrology (Carlton). 2021


Feb 7.

Yamazaki T, Mimura I, Tanaka T, Nangaku M. Treatment of Diabetic Kidney Disease: Current

and Future. Diabetes Metab J. 2021 Jan;45(1):11-26.

Polychronopoulou E, Wuerzner G, Burnier M. How Do I Manage Hypertension in Patients with

Advanced Chronic KidneyDisease Not on Dialysis? Perspectives from Clinical Practice. Vasc
Health Risk Manag. 2021 Jan 6;17:1-11.

Murton M, Goff-Leggett D, Bobrowska A, Garcia Sanchez JJ, James G, Wittbrodt E, Nolan S,

Sörstadius E, Pecoits-Filho R, Tuttle K. Burden of Chronic Kidney Disease by KDIGO


Categories of Glomerular Filtration Rate and Albuminuria: A Systematic Review. Adv Ther.

2021 Jan;38(1):180-200.

Charles C, Ferris AH. Chronic Kidney Disease. Prim Care. 2020 Dec;47(4):585-595.
Tonelli M, Dickinson JA. Early Detection of CKD: Implications for Low-Income, Middle-Income,

and High-Income Countries. J Am Soc Nephrol. 2020 Sep;31(9):1931-1940.

Paraizo MA, Almeida AL, Pires LA, Abrita RS, Crivellari MH, Pereira BS, Fernandes NM, Bastos
MG. Montreal Cognitive Assessment (MoCA) screening mild cognitive impairment in patients

with chronic kidney disease (CKD) pre-dialysis. J Bras Nefrol. 2016 Mar;38(1):31-41.

Magacho EJ, Pereira AC, Mansur HN, Bastos MG. [Nomogram for estimation of glomerular

Jltration rate based on the CKD-EPI formula]. J Bras Nefrol. 2012 Jul-Sep;34(3):313-5.

Santos LT, Mansur HN, Paiva TF, Colugnati FA, Bastos MG. Health literacy: importance of
assessment in nephrology. J Bras Nefrol. 2012 Jul-Sep;34(3):293-302.

Kirstajan GM Salgado Filho N, Draibe S A, Netto, MVPadua, Thome FS, Souza E, Bastos MG.
Leitura rápida do KDIGO 2012: Diretrizes para avaliação e manuseio da doença renal crônica

na prática clínica / Fast Reading of the KDIGO 2012: Guidelines for evaluation and

management of chronic kidney disease in clinical practice J Brasil Nephrol 2014;36(1): 63-73.

Bastos MG, Kirsztajn GM. Chronic kidney disease: importance of early diagnosis, immediate

referral and structured interdisciplinary approach to improve outcomes in patients not yet on

dialysis. J Bras Nefrol. 2011 Mar;33(1):93-108.

Condé SA, Fernandes N, Santos FR, Chouab A, Mota MM, Bastos MG. Cognitive decline,

depression and quality of life in patients at different stages of chronic kidney disease. J Bras
Nefrol. 2010 Jul-Sep;32(3):242-8.

Bastos MG, Bregman R, Kirsztajn GM. [Chronic kidney diseases: common and harmful, but

also preventable and treatable]. Rev Assoc Med Bras (1992). 2010 Mar-Apr;56(2):248-53.
Tratamento da Doença Renal Crônica

1. Como se deGne doença renal crônica (DRC)?

A deJnição e a classiJcação das diretrizes para DRC foram introduzidas pela Fundação
Nacional do Rim (NKF) em 2002. Posteriormente, sofreram pequenas modiJcações pelo

Grupo Internacional de Diretrizes de Doença Renal (KDIGO), melhorando os resultados


globais.

DeJne-se DRC pela presença de dano renal ou diminuição da função renal por três ou mais

meses, independentemente da causa. A persistência do dano ou a diminuição da função por


pelo menos três meses é necessária para distinguir a DRC da doença renal aguda (DRA).

Danos renais referem-se a anormalidades patológicas, estabelecidas por meio de biópsia


renal e exames de imagem, ou inferidas a partir de marcadores, como anormalidades do

sedimento urinário – presença de albuminúria –, anormalidades do sedimento urinário,

anormalidades anatômicas descobertas com exames de imagem, anormalidades


patológicas descobertas com biópsia renal ou história de transplante renal.

A diminuição da função renal refere-se à diminuição da taxa de Jltração glomerular (TFG),

que é geralmente estimada (TFGe), utilizando creatinina sérica e uma das várias equações
disponíveis. Ela é identiJcada na maioria dos casos por uma TFGe inferior a 60 ml/min por

1,73 m2.

2. Explique por que o paciente com DRC tem que ter mais que três meses de duração do

quadro clínico.

O paciente precisa desse tempo pois, antes de três meses de duração, ele pode recuperar
por completo ou parcialmente a função renal. Após esse período, a chance diminui de forma

substancial, tornando o quadro crônico.

3. Explique o motivo de estar ocorrendo um aumento na prevalência e na incidência da

DRC.

Com o avanço no tratamento da hipertensão arterial sistêmica (HAS) e do


diabetes mellitus (DM), há um aumento na sobrevida dos pacientes portadores de tais

comorbidades, crescendo, consequentemente, a quantidade de complicações relacionadas

com essas próprias doenças, sendo uma delas a DRC. Além disso, o aumento de sobrevida
da população aumenta a prevalência de todas as doenças crônicas relacionadas com a

senilidade.

4. Como a DRC deve ser classiGcada?

A classiJcação da DRC se baseia na TFG e na albuminúria:

Estágios da TFG (ml/min/1,73 m2):

• G1 ≥ 90 – normal ou alto;
• G2 60 a 89 – diminuiu ligeiramente;

• G3a 45 a 59 – de leve a moderadamente diminuída;

• G3b 30 a 44 – moderada a severamente diminuída;

• G4 15 a 29 – gravemente diminuída;

• G5 < 15 – insuJciência renal (adicionar D se tratado por diálise).

Estágios de albuminúria (mg/dia):

• A1 < 30 – normal a moderadamente aumentada (pode ser subdividida para previsão

de risco);

• A2 30 a 300 – moderadamente aumentada;

• A3 > 300 – gravemente aumentada (pode ser subdividida em nefrótica e não nefrótica

para diagnóstico diferencial, gerenciamento e previsão de risco).

5. José, 60 anos, portador de HAS há 15 anos, vem apresentando TFG de 33 ml/min/1,73

m2 de superfície corpórea e albuminúria de 285 mg/g de creatinina. Qual é sua

classiGcação quanto à DRC?

Paciente se encontra em G3b A2.

6. Lucas, 70 anos, portador de DM há 20 anos e de DRC no estágio G4 A1. Explique se o


paciente apresenta ou não riscos para obter complicações devido à DRC e elucide os

valores na TFG e na classiGcação da albuminúria esperados para tal quadro.

O paciente apresenta risco muito elevado. Os valores esperados para um paciente G4 A1 é


TGF entre 15 e 29 ml/min/1,73 m2 e albuminúria menor que 30 mg/g ou menor que 3

mg/mmol.

7. Quais os benefícios da nova classiGcação da DRC?

As diretrizes da DRC mudaram o conceito de doença renal, passando de uma condição

incomum com risco de vida, manipulada apenas por nefrologistas, para uma condição
comum, com uma gravidade que merecesse atenção dos clínicos gerais e exigisse

estratégias para prevenção, detecção precoce para melhor controle e diminuição de

morbimortalidade. As diretrizes tiveram um efeito importante na prática clínica, na pesquisa


e na saúde pública.

O objetivo do estadiamento da DRC é orientar o diagnóstico e o manejo, incluindo a


estratiJcação do risco de progressão e as complicações da DRC. A estratiJcação de risco é

usada como um guia para orientar quanto a tratamentos apropriados, gravidade, risco de

progressão de doença e intensidade do monitoramento e educação do paciente.

8. Por que a creatinina não foi usada como critério de deGnição da DRC?

A creatinina isolada não é um bom parâmetro para a avaliação da função renal, pois ela pode

permanecer na faixa normal em alguns grupos, como idosos, amputados, crianças e


mulheres, quando houver redução da TFG. Além disso, ela varia de acordo com a massa

muscular, independente da função renal. Por isso, a nova classiJcação defende que se use o
valor de creatinina em fórmulas que estimem a TFG. Por outro lado, valores acima do normal

de creatinina (homens acima de 1,5 mg/dl e mulheres acima de 1,3 mg/dl), via de regra,

signiJcam TFG reduzida.

9. Quais são os principais indicadores na medida da função renal?

Os principais marcadores são ureia e creatinina.


10. Qual é o exame padrão-ouro para a medida de Gltração glomerular?

Inulina.

11. Quais são os sinais radiológicos de uma nefropatia crônica?

Entre os achados, temos ruim diminuída, aumento da ecogeniciade, diminuição da camada

cortical do rim e perda da diferenciação corticomedular.

12. Quais são as principais causas de DRC com rim aumentado?

Entre as principais causas, temos: mieloma múltiplo, DM, amiloidose, vírus da

imunodeJciência humana (HIV), uropatia obstrutiva, rins policísticos, anemia falciforme e



esclerose sistêmica.

13. Em alguns casos, a DRC apresenta instalação aguda. Quais são as principais causas

para esse fato?

As principais causas são necrose cortical aguda e glomerulonefrite rapidamente

proliferativa.

14. Diferencie o quadro da insuGciência renal aguda (IRA) do quadro da DRC.


InsuJciência renal aguda (IRA) do quadro da DRC

15. Explique como o tratamento farmacológico com inibidores da enzima conversora de


angiotensina (IECA) e bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA) auxilia no

tratamento dos pacientes com dano renal.

Tais fármacos irão dilatar a arteríola eferente, diminuindo a pressão intraglomerular e a


hiperJltração glomerular. Além desse fator, esses medicamentos têm ação antiJbrótica.

16. Esquematize a Gsiopatologia da DRC.


Fisiologia da DRC

17. Qual a relação entre a DRC e o risco cardiovascular?

A DRC, em qualquer estágio, está associada ao maior risco cardiovascular. Essa associação

pode ser explicada pelas características dessa população, que apresenta elevada incidência
dos fatores de risco tradicionais, como DM, hipertensão arterial e síndrome metabólica. O

risco de um evento cardiovascular ser fatal é maior do que um indivíduo vir a necessitar de

diálise. O risco de evento fatal é semelhante ao dos indivíduos que têm diagnóstico de
insuJciência coronariana. Esta é uma prerrogativa importante do manuseio desses

pacientes.

18. Quais são as principais complicações em pacientes com DRC?

São complicações principalmente cardiovasculares, como acidente vascular cerebral (AVC),

infarto e arritmia.

19. Qual a Gsiopatologia da DRC?


A DRC é uma síndrome que ocorre como o evento Jnal de uma lesão que envolveu mais de

80% do parênquima renal. Independente do evento inicial, o que essas lesões têm em
comum é a perda de unidades renais funcionantes, de néfrons funcionantes. Uma patologia

aguda extensa, como uma glomerulonefrite, e uma doença crônica progressiva, como a

nefropatia diabética, podem levar ao aparecimento da DRC, pois ambas têm em comum a
perda de massa renal funcionante.

20. Como a perda de massa renal funcionante leva ao aparecimento da DRC?

Esta é a chamada teoria do néfron remanescente. Uma perda inicial ou o resultado de um


processo crônico, que comprometa mais de 80% do parênquima, desencadeia alterações

adaptativas que se caracterizam inicialmente pela hipertroJa com hiperfunção dos néfrons
ainda saudáveis – os néfrons remanescentes. Estes, porém, submetidos ao estresse

hemodinâmico sustentado, são acometidos de amuxo de células inmamatórias e síntese de

mediadores inmamatórios (citocinas, quimiocinas e angiotensina II).

O estresse hemodinâmico e o processo inmamatório lesam tanto o glomérulo como as

células tubulares e o interstício renal, criando assim uma alça de retroalimentação de lesão.
Como resultado, mais glomérulos são perdidos e há também atroJa das células tubulares e

Jbrose do interstício. Esse mecanismo de retroalimentação de lesão é responsável por uma

das características mais importantes da DRC: seu caráter progressivo. Uma vez presente
algum sinal clínico sustentado de lesão renal, como redução da TFG ou proteinúria, as

alterações adaptativas à lesão ocorrida vão progressivamente lesar cada vez mais o restante
do parênquima não afetado inicialmente, levando, em um período de tempo variável, à

falência renal.

21. Há fatores de risco deGnidos para DRC? Quais?

Sim. As situações consideradas de risco estão listadas a seguir e diferenciadas entre

modiJcáveis e não modiJcáveis. Dessas condições, as mais importantes são: diagnóstico

de hipertensão e DM, idade avançada, história familiar de DRC e transplante renal prévio. São
esses grupos que merecem maior atenção e monitoramento ao surgimento da DRC.

Fatores de risco para o desenvolvimento de doença renal

22. Quais as principais causas de doença renal crônica DRC?

A nefropatia diabética e a nefropatia hipertensiva são as causas mais comuns de DRC. Vale

ressaltar que a DRC pode resultar de: 1. uma doença que cause lesão renal progressiva e
sustentada, como a nefropatia diabética; 2. de afecções que causem episódios repetidos de

injúria, como as agudizações da glomerulopatia lúpica; ou 3. de doença que, mesmo após a

sua cura, causou perda tão importante de massa renal que as alterações adaptativas
hemodinâmicas e inmamatórias, que ocorrem em paralelo às outras Jsiopatologias citadas,

levam à perda inexorável da função renal. Outras causas de DRC incluem: glomerulonefrites,
pielonefrite crônica, obstrução do trato urinário e doença policística. Entre as causas mais

raras, destacam- se mieloma mútiplo, nefrite tubulointersticial, amiloidose e nefropatia

isquêmica.

23. Como se manifesta clinicamente a DRC?

Nos estágios iniciais, quando o tratamento é mais efetivo, a DRC é oligossintomática ou

assintomática. Porém, à medida que a doença progride, surgem as complicações da doença


e os sinais e sintomas começam a se tornar evidentes. Por isso, a importância da

abordagem e do diagnóstico precoce.

24. O que é síndrome urêmica?

É o conjunto de sinais e sintomas decorrentes da presença de DRC e de suas complicações.

A presença e a intensidade dos sintomas dependem do grau de perda de função renal e da


suscetibilidade de cada indivíduo.

Sinais e sintomas da síndrome urêmica


25. Cite as principais alterações hematológicas no paciente com DRC.

Na DRC, ocorre anemia devido a múltiplos fatores, entre eles, inmação da DRC, gerando
diminuição no estoque e na oferta de ferro, bem como na produção da eritropetina, o que

acarretará em uma alteração na produção da hemácia.

Outro fator é a predisposição para sangramento em razão do acúmulo de ureia e dos


compostos granidínicos que geram disfunção plaquetária. Além desses fatores, o paciente

apresentará disfunção imune.

26. Explique as causas da hipertensão nos pacientes com DRC.

O paciente com DRC apresenta hipertensão devido a dois mecanismos:

1. aumento da volemia – há aumento na pré-carga, dessa forma, ocorrerá hipertensão; 2.


diminuição da produção de óxido nítrico no rim – provoca vasoconstrição, o que gerará a

hipertensão.

O Revisamed disponibiliza outras artigos na íntegra, Veja também o artigo Alzheimer: artigo
do portal Medicina Atual traz tudo sobre a doença e InsuJciência Cardíaca: saiba tudo com

artigo do Medicina Atual

Leia também...

Entenda o tratamento Conheça as Estratégias ClassiJcação e terapia do


cirúrgico do câncer de de tratamento para câncer de próstata de alto
próstata câncer de próstata risco: saiba mais!
avançado

Você também pode gostar