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Durante a anamnese e o exame físico, o médico deve estar atento a sintomas e sinais de
doenças sistêmicas possivelmente envolvidas na perda da função renal, como diabetes
melito, hipertensão arterial, lúpus eritematoso sistêmico e outras doenças autoimunes,
infecções virais, hepatopatias, mieloma múltiplo e outras disproteinemias, entre outros. A
avaliação de antecedentes familiares também é extremamente útil, tanto para doenças
poligênicas complexas, como diabetes melito, HAS, litíase e nefrocalcinose, como em
doenças monogênicas, como doença dos rins policísticos, doenças medulares císticas e
síndrome de Alport, doença de Fabry, Dent, cistinose, etc.
Com a progressão do distúrbio, surgem uma série de sinais e sintomas decorrentes de
edema, congestão, alterações hidreletrolíticas, distúrbios do equilíbrio acidobásico e
toxicidade de produtos de catabolismo proteico e lipoproteico, como ureia e amônia. Os
sintomas mais comuns são fadiga, ,. náuseas (principalmente pela manhã) e vômitos. E
bastante comum opaciente notar alterações em memória, padrão de sono e surgimento
de lentificação. Em idosos, estes sintomas podem não ser valorizados, atrasando ainda
mais o diagnóstico. A perda de peso pode ser exuberante, obrigando o diagnóstico
diferencial com outras síndromes de caquexia.
Hipertensão
Cerca de 50 a 70% dos pacientes com DRC estágios 3 a 5 são hipertensos. O controle
adequado da HAS é o principal fator implicado no retardo da progressão da DRC em suas
mais diversas etiologias, além de ser importante em diminuir o dano causado a outros
órgãos-alvo.
A retenção hídrica está mais pronunciada nos estágios 4 e 5 da DRC e uma droga
diurética deve ser incluída no tratamento destes pacientes. Os diuréticos poupadores de
potássio e os inibidores da ECA devem ser usados com cautela nesse grupo de
pacientes.
Dislipidemia
Pacientes com DRC a partir do estádio 3 apresentam alterações no me- ,, tabolismo das
lipoproteínas e triglicérides. E caracterizado pelo acúmulo de moléculas de VLDL-
colesterol parcialmente metabolizadas e distúrbios na metabolização do HD L-colesterol,
ocasionando altos níveis sanguíneos de triglicérides e baixos de HD L-colesterol.
Assim como na hipertensão, o tratamento da dislipidemia pode ter benefício no retardo da
progressão da DRC. No entanto, não há evidências clínicas significativas para o emprego
de medidas terapêuticas diferentes daquelas utilizadas nos pacientes não portadores de
DRC. Em breve, o estudo Lipid lowering Onset of Renal Disease (LORD) será publicado
para tentar responder esta questão.
DRC e risco cardiovascular
A DRC confere alto risco cardiovascular, sendo esta principal causa de óbito tanto nos
pacientes pré-dialíticos quantos naqueles já em terapia renal substitutiva. Seja pela
presença de fatores de risco em comum, seja pela intensificação da aterosclerose depois
do surgimento do estado urêmico, esses pacientes apresentam incidência e prevalência
elevadas de doença coronariana e de insuficiência cardíaca (Alg. 7.2).
Alterações hematológicas
A anemia da doença renal crônica é multifatorial e tem como fator mais importante a
deficiência na produção de eritropoietina. Tem como característica ser normocítica e
normocrômica com redução da massa eritrocitária. Outros fatores que contribuem para
anemia são deficiência de ferro, diminuição do tempo de meia-vida das hemácias
ocasionado por produtos urêmicos, hemólise e perda crônica ocasionados durante o
procedimento dialítico, além de perdas insensíveis no trato gastrintestinal.
O guia prático da National Kidney Foundation's define anemia em adultos como níveis de
Hb < 13,5 g/dL em homens e < 12 g/dL em mulheres. A prevalência dessa alteração varia
de acordo com o estádio em que a DRC se encontra, acometendo cerca de 15% dos
pacientes no estádio 3 e 50 a 70% nos estádios 4 e 5. A anemia também é mais
prevalente nos pacientes acometidos por DRC de etiologia diabética macroalbuminúricos.
Relativamente incomum em pacientes nos estágios iniciais da DRC, a prevalência da
anemia aumenta significativamente quando o clearance de creatinina (ClCr) está abaixo
de 60 mL/min e torna-se mais frequente e severa quando se aproxima de 30 mL/min,
geralmente necessitando de tratamento medicamentoso. Portanto, o screening deve ser
iniciado em pacientes com DRC estádio 3. Os pacientes apresentam sintomas como
fadiga, dispneia, diminuição da atividade intelectual, depressão, perda de libido, distúrbios
do sono, anorexia, entre outros sintomas que levam a uma perda importante da qualidade
de vida.
Anemia associa-se a um aumento no risco cardiovascular e de morte (Alg. 7. 3). A
hipertrofia ventricular esquerda está presente em 4 5 % dos pacientes com ClCr < 2 5
mL/min e é diretamente associada aos níveis de Hb em pacientes com DRC devido ao
efeito compensatório de aumento do débito cardíaco. A queda dos níveis de Hb em 1 g/dL
corresponde a um risco relativo de 6% no desenvolvimento de hipertrofia ventricular
esquerda.
Alterações neurológicas
As alterações neurológicas são comumente observadas nos pacientes com DRC. O
espectro dessas alterações inclui anormalidades no sensório, disfunção cognitiva,
fraqueza generalizada e neuropatia periférica.
A encefalopatia urêmica se refere a sinais e sintomas decorrentes da perda da função
renal que se inicia geralmente quando o RFG está abaixo de 10 mL/min. O paciente
apresenta-se com alteração de memória, retardo cognitivo, lentificação de fala e
raciocínio, além de distúrbio na percepção e humor. Apesar de vários fatores
influenciarem o surgimento da encefalopatia, não há correlação entre o grau de
acometimento do sistema nervoso central com nenhum marcador bioquímico associado à
disfunção renal.
A neuropatia periférica, acomete cerca de 65% dos pacientes com DRC no estágio 5.
Podem variar desde alterações oligossintomáticas detectadas por eletroneuromiografia
até disfunção sexual, parestesias e pré-síncope. A neuropatia é distal e simétrica (bota e
luva), e está associada à desmielinização secundária da porção posterior da medula
espinhal. O exame físico revela perda do reflexo tendíneo profundo, além de diminuição
de sensibilidade a dor, vibração e pressão.
Acidose metabólica
A acidose metabólica se deve sobretudo à incapacidade renal de excretar íons hidrogênio
e pode ser composta ainda de bicarbonatúria nos casos de doenças em que há
acometimento intersticial. O desenvolvimento da acidose metabólica agrava a
hipercalemia, inibe o anabolismo proteico e acelera a perda óssea de cálcio, acentuando
a DMO-DRC.
Desnutrição
A desnutrição é frequente nos pacientes com DRC e está associada a aumento na
mortalidade. Vários fatores influenciam seu desenvolvimento, incluindo anorexia, acidose,
resistência a insulina, estado pró-inflamatório e proteinúria. Os marcadores bioquímicos
são albumina sérica, transferrina e colesterol. Nos estágios 4 e 5 da DRC, os níveis de
creatinina podem permanecer estáveis, a despeito da perda progressiva da função renal
em decorrência da diminuição da massa muscular.
Alterações imunológicas
As infecções são a segunda maior causa de óbito nos pacientes com DRC. Há deficiência
na resposta antigênica dos linfócitos T, causada parcialmente pela incapacidade de
apresentação dos antígenos pelos monócitos. A ativação neutrofílica é deficiente e,
apesar dos níveis séricos de imunoglobulinas serem normais, a resposta vacinai é pobre.
As manifestações clínicas dessas anormalidades incluem aumento da suscetibilidade a
infecções bacterianas, aumento do risco de reativação da tuberculose e incapacidade de
eliminar os vírus das hepatites B e C.
Exames complementares
Medidas laboratoriais de função renal
A principal forma de medição da função do rim é a medida do ritmo de filtração glomerular
(RFG). Obviamente, medidas de avaliação de função tubular, capacidade de
concentração e acidificação urinárias, metabolismo hormonal, etc. também refletem a
função do órgão, mas o RFG consagrou- -se como o principal parâmetro clínico e
experimental. Uma vez que o RFG não pode ser medido diretamente, a taxa de
depuração de algumas substâncias pode ser usada como estimativa da filtração
glomerular.
O padrão-ouro para medida do RFG até hoje é a taxa de depuração da inulina, mas sua
realização é extremamente trabalhosa e inviável na prática clínica. Outros métodos de
estimativa de RFG são precisos (1251-iotalamato, 51Cr-EDTA, iotalamato e iohexol), mas
ainda caros e pouco disponíveis.
A depuração de creatinina apresenta boa correlação com a depuração de inulina, mas
pode estar superestimada quando a redução no RFG é grave (conforme há redução no
RFG, a creatinina passa a ser secretada pelos tú- ,, bulos). E feita habitualmente em
coleta de 24 horas, outra fonte de erro por coleta inadequada e por esvaziamento
incompleto da bexiga, principalmente em crianças e idosos. Diversas equações de
estimativa do RFG foram criadas, levando em consideração a variabilidade no RFG
determinado por sexo, idade, peso e raça. As equações mais utilizadas são as de
Cockcroft-Gault e do MDRD (Tab. 7.6). Outra forma de estimar o RFG é fazer a média
entre as taxas de depuração de creatinina e ureia, uma vez que a primeira superestima e
a segunda subestima o RFG nas fases mais adiantadas da DRC.
O uso da creatinina sérica como marcador isolado de função renal é usual pela sua
simplicidade, mas deve ser feito com muito critério. A creatinina sérica tem relação
exponencial com o RFG (Fig. 7.3) e seus valores apenas se alteram significativamente
quando a perda na função do órgão já é de aproximadamente 50%. Além disso, a
creatinina é produzida endogenamente a partir de catabolismo muscular e varia
imensamente de acordo com a massa muscular (dependente do sexo do indivíduo, idade,
grau de atividade física, estado nutricional e eventual presença de amputações). Assim, o
mesmo valor de creatinina sérica de 1 mg/dL pode refletir um RFG de 120 mL/min num
jovem do sexo masculino, como de 40 mL/min numa senhora de 80 anos desnutrida ou
até mesmo um RFG de 10 mL/min num neonato.
Recentemente, a medida da proteína de baixo peso molecular cistatina e, sintetizada em
ritmo constante e catabolizada por filtração glomerular, foi proposta como uma alternativa
à medida de creatinina para a avaliação do RFG. No entanto, o custo mais elevado, a
pouca disponibilidade de sua determinação em rotina, além da necessidade de uma
melhor avaliação na prática clínica, ainda inviabiliza seu uso no lugar da creatinina.
Exames complementares diagnósticos
São exames úteis na avaliação etiológica da DRC:
1. Exame de urina: pode revelar a presença de proteinúria, hematúria com ou sem
dismorfismo eritrocitário, leucocitúria, cilindrúria, glicosúria, ,,. entre outras
alterações. E de fundamental importância no decorrer da investigação da DRC,
podendo direcionar a suspeita clínica para doenças específicas, assim como o
seguimento do tratamento (controle de cura e recidivas).
2. Proteinúria de 24 horas.
3. Microalbuminúria. Exame bastante sensível, mas pouco específico no diagnóstico
etiológico da DRC, é o marcador mais precoce da nefropatia diabética. Nesta
doença, deve ser avaliada anualmente. Vale lembrar que é redundante a
solicitação de exame de microalbuminúria em pacientes que já apresentem
proteinúria em fase de macroalbuminúria detectável na urina tipo 1. Emergiu
também como um marcador importante de risco cardiovascular e mortalidade geral,
provavelmente por sinalizar a presença de lesão endotelial difusa.
4. Fundoscopia. Exame simples que sugere o diagnóstico nos casos de retinopatias
diabética, hipertensiva e estigmas de nefroesclerose maligna. E bastante útil no
diagnóstico diferencial de DRC e aguda à beira do leito.
5. Eletrocardiograma, radiografia torácica e ecodopplercardiograma para avaliação de
lesão em órgãos-alvo (HAS, diabetes melito e doenças de depósito, como
amiloidose).
6. Ultrassonografia de rins e vias urinárias, que permite identificar sinais de: (a)
cronicidade (alteração em ecogenicidade, diferenciação corticomedular e tamanho
renal); (b) assimetria renal (compatível com nefropatia isquêmica, rim hipoplásico
ou pielonefrite crônica, doença renovascular); (c) aumento no tamanho renal
(compatível com nefropatia diabética, doença policística, infiltração neoplásica e
doenças de depósito, como amiloidose); e (d) presença de cistos, tumores,
malformações, prostatismo, obstrução de via urinária por cálculos e hidronefrose. E
mandatório na investigação das mais diversas causas de DRC.
7. Exames específicos frente a suspeita de nefrites e vasculites, como: eletroforese
de proteínas séricas, imunoeletroforese de proteínas no sangue e na urina
(paraproteinemia), sorologias para hepatite B, C e HIV, complemento sérico,
pesquisa de autoanticorpos (FAN, ANCA), pesquisa de crioglobulina, Coombs
direto e indireto, pesquisa de esquisócitos (na presença de plaquetopenia e anemia
hemolítica pode indicar microangiopatia), etc.
8. Doppler renal, angiorressonância de artérias renais, cintilografia com captopril e
arteriografia, quando houver assimetria renal ou sinais clínicos sugestivos de
estenose de artéria renal. Vale lembrar que o Doppler só é útil em mãos de
radiologista experiente e que a angiorressonância apresenta um índice de falso-
positivo não desprezível, sendo a arteriografia renal o padrão-ouro. O Doppler renal
também é útil na suspeita de trombose de veia renal e, mais recentemente, na
avaliação de síndrome hepatorrenal.
9. Uretrocistografia miccional, estudo urodinâmico e cintilografia renal morfológica,
quando houver suspeita de refluxo, bexiga neurogênica e pielonefrite crônica.
Exames complementares úteis na avaliação de distúrbios secundários à DRC
1. Dosagem de sódio e potássio, para avaliar presença de hiponatremia e
hipercalemia. A primeira pode intensificar a presença de sintomas
neuropsiquiátricos, principalmente se em valores inferiores a 125 mEq/L. A
segunda, assintomática, ocorre tanto pela redução na excreção do potássio, como
por redistribuição entre os compartimentos intra e extracelular frente à acidose
metabólica. Está associada a risco de arritmias e parada cardiorrespiratória. As
alterações eletrocardiográficas que podem ser encontradas são: onda T apiculada,
redução na amplitude da onda P e alargamento do complexo QRS, até que este
adquira a forma sinusoidal (risco iminente de parada cardíaca, habitualmente em
atividade elétrica sem pulso ou assistolia).
2. Dosagem de cálcio, fósforo, vitamina D e PTH. Quando o RFG cai abaixo de 60
mL/ min/1,73 m2 , alguns pacientes já começam a apresentar distúrbios no
metabolismo de cálcio, fósforo, vitamina D e PTH. Esses distúrbios tendem a
agravar-se em fases mais avançadas da DRC, principalmente na fase pré-dialítica
e no período dialítico. Assim, nas fases 3 e 4 da DRC, estão recomendados
monitoração dos valores de cálcio e fósforo, dosagem de 25-hidroxivitamina D
anualmente e dosagem de PTH de uma a duas vezes por ano (Tab. 7. 7).