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Problema 3 - M2 - Moisés Popp de Oliveira

1. Explicar o metabolismo da vitamina B12 e folato e sua relação com a


formação da molécula hemoglobina.
O termo vitamina B 12 , especificamente, refere-se à cianocobalamina, entretanto
várias outras formas de cobalaminas têm propriedades nutricionais idênticas e, na
literatura hematol ógica, os termos cobalamina (Cbl) e vitamina B12 são usados como
sinônimos. Por sua vez, o nome ácido fólico designa um composto específico, o
ácido pteroilglut âmico, mas comumente é utilizado como um termo geral para uma
classe de compostos com atividade nutricional similar, chamados de folatos.
Os metabolismos da Cbl e do folato estão intrinsecamente relacionados, e
anormalidades nestas vias provocam diminuição na produção de ácido
desoxirribonucleico (DNA). Ambos são considerados vitaminas essenciais, já que o
ser humano não pode sintetizá-los, tornando imprescind ível a sua ingestão dietética.
COBALAMINA
A Cbl pertence a um complexo grupo de moléculas que apresenta quatro anéis
picolicos formando um núcleo de corrina ao redor de um átomo de cobalto. Existem
quatro tipos principais de Cbl, que se diferenciam pelo radical incorporado ao
nucleotídeo corrina: cianocobalamina, hidroxicobalamina, metilcobalamina e
desoxiadenosilcoba lamina, sendo estas duas últimas as formas fisiologicamente
ativas da Cbl. É produzida por micro-organismos e encontrada em tecidos animais,
portanto, alimentos de origem animal constituem sua fonte primária. A quantidade
diária de Cbl ocidental (5 a 15 mcg/dia) é mais do que suficiente para repor as
necessidades diárias recomendadas, que correspondem a 2 mcg/dia. O organismo,
todavia, tem a capacidade de estocar de 2 a 5 mg de Cbl, quantidade grande em
relação à necessidade diária. Esta razão pela qual a deficiência de Cbl geralmente
apresenta um longo tempo de instalação (2 a 5 anos).
A absorção da Cbl é um processo relativamente complexo; nos alimentos, ela está
geralmente ligada a proteínas. O suco gástrico libera a Cbl de sua proteína
carregador a e ela se liga a glicoprote ínas específicas, as haptocorrinas, presentes
em secreções de glandulas salivares e do estômago. No duodeno, as haptocorrinas
são digeridas, o que permite a ligação da Cbl ao fator intrínseco (FI), glicoprote ína
secretada no estômago. Subsequentemente, no íleo terminal, o complexo Cbl-FI
liga-se à cubilina, receptor especifico, e à megalina, proteína de transporte de
membrana. Após a endocitose pela célula endotelial do íleo, a Cbl liberada do FI
liga-se à transcobalamina II (apotranscobalamina) produzida pelo endotelio
microvascular do vilo ileal. O complexo Cbl-transcoba lamina II, chamado
holotranscobalamina II, é considerado o transportador funcional da Cbl sérica.
Outras proteínas de transporte associadas à Cbl, como a transcobalamina l e a
transcobalamina III, têm sua função pouco compreendida. A holotranscobalamina II
apresenta capacidade de ligação a receptores proteicos específicos presentes na
superfície de diferentes células. Por fim, após endocitose deste complexo, a Cbl é
liberada de transportador.
Em seres humanos, a Cbl participa como coenzima de duas reações:
1. Transferência do grupo metil do 5-metil-tetra-hidrofolato para
homocisteína, via metilcobalamina, gerando metionina. Essa reação
representa a ligação entre as coenzimas folato e Cbl e está relacionada à
demanda por ambas na eritropoese normal.
2. Conversão de metilmalonil coenzima-A em succinil coenzima-A. Neste
caso, a deficiência de Cbl leva ao aumento da metilmalonil coenzima-A, cuja
hidrólise origina o ácido metilmalônico. Essa reação é responsável pela
neuropatia observada na deficiência de Cbl.
FOLATO
O folato é composto por um anel de pterina ligado ao ácido para-aminobenzoico
(PABA) e conjugado com um ou mais resíduos de glutamato. Não existe geração
endógena de folato, já que os seres humanos não sintetizam o PABA nem conjugam
o primeiro glutamato. Ele se encontra largamente distribuído em vegetais verdes e
frutas cítricas.
Duzentos a 300 mcg/dia de folato são encontrados na dieta, quantidade bastante
adequa da à necessidade diária; todavia, cozimento e processamento dos alimentos
podem reduzir significativamente o conteúdo de folato para cerca de 50 a 100
mcg/dia. Diferentemente da Cbl, o depósito corpóreo de folato, de 5 a 10 mg, é
pequeno em relação à necessidade diária, o que explica a rápida instalação da
deficiência de folato, em 3 a 6 meses.
Os folatos presentes em alimentos e tecidos encontram-se na forma de
poliglutamatos, o que auxilia sua permanência no interior das células. No plasma e
na urina, são encontados como monoglutamatos porque esta é a única forma pela
qual são transportados através das membranas. As enzimas presentes no lúmen do
intestino delgado convertem o poliglutamato em monoglutamato, que tanto por
transporte ativo quanto passivo.
O folato absorvido entra no sangue e circula como monoglutamato de 5-metil-THF.
O transporte de folato para o interior da célula pode ocorrer por diversos
mecanismos, duas proteínas de membrana envolvidas no transporte de folato estão
bem caracterizadas: as proteínas de ligação do folato ou FBPs (cell-surface folate-
binding protein) e a carregadora de folato reduzido ou RFC (reduced folate carrier).
Ambas são ligadas à proteína âncora glicosil-fosfatidil-inositol e atuam por meio da
endocitose. Uma vez transportado até a célula, ele é retido pela ação da
folilpoliglutamato-sintetase que o converte à forma poliglutamato.
A forma reduzida do folato, o tetra-hidrofolato (THF), age como cofator de múltiplas
reações bioquímicas pela doação ou recepção de unidades de carbono durante a
síntese de DNA, RNA e proteinas. Em três passos bioquímicos da síntese de DNA,
é necessária a doação de átomos de carbono: na síntese de purina e de timidilato e
na metilação do DNA. Manifesta ções da deficiência de folato, portanto, envolvem
bloqueio da divisão celular, acúmulo de metabólitos tóxicos, como a homocisteina, e
bloqueio das reações de metilação envolvidas na regulação da expressão gênica,
com consequente aumento do risco de neoplasias.
2. Compreender a anemia megalobl ástica (causas, fisiopatologia, quadro
clínico-laboratorial e tratamento).
Anemia megaloblástica é um subgrupo de anemias macrocíticas no qual a medula
óssea (MO) mostra anormalidades morfológicas características, chamadas de
eritropoese megaloblástica. Diferentemente, o outro subgrupo de anemias
macrocíticas apresenta eritropoese normoblástica.
Ela é causada por defeito na síntese de DNA, o que afeta as células de renovação
rápida, nas quais se incluem os precursores hematopo éticos e as células do epitelio
gastrointestinal. Como consequência, observa-se desequilíbrio entre crescimento e
divisão celular, isto é, enquanto o desenvolvimento citoplasmático é normal, a
divisão celular é lenta, causando a despropor ção entre o tamanho do núcleo e do
citoplasma, ou seja, o assim chamado "assincronismo" de maturação núcleo-
citoplasmático. Essa alteração ocorre em todos os setores da hematopoese:
eritrocitico, granulocítico e megacarioc ítico, embora mais proeminente no primeiro.
O resultado dessa dissociação é a eritropoese ineficaz, com a destruição
eritrocitária no meio intramedular.

FISIOPATOLOGIA
A base molecular da megaloblastose é a falência na síntese do DNA e suas
principais causas são as deficiências de cobalamina (Cbl) e de folato, que
apresentam metabolismo intrinsecamente relacionado.
Apesar de o folato e a Cbl interagirem em diferentes passos da síntese bioquímica
de DNA, o bloqueio na via de transforma ção do monofosfato de desoxiuridina
(dUMP) em monofosfato de desoxitimidina (dTMP) parece ser a causa da
megaloblastose por deficiência vitamínica, enquanto a megaloblastose induzida pelo
metotrexato tem sido relacionada à deficiência de trifosfato de desoxitimidina (dTTP).
Por outro lado, a neuropatia associada à deficiência de Cbl é devida à mudança na
conversão de metilmalonil coenzima-A em succinil coenzima-A, reação dependente
da adenosilcobalamina, e pode ocorrer independentemente da presença de
alterações megaloblasticas no tecido hematopo ético.
FATORES ETIOLÓGICOS
A anemia megalobl ástica pode ocorrer por deficiência de Cbl, de folato, ou, mais
raramente, por outros fatores não relacionados a essas vitaminas, como síndromes
mieloproliferativas, síndromes mielodisplásicas e infecções virais, como o HIV.
QUADRO CLÍNICO
A anemia megaloblástica se instala de maneira lenta e progressiva. Por isso, o
indivíduo só apresenta sintomas quando houver diminuição importante de
hemoglobina e hematocrito. Os principais sintomas são palpitações, dor precordial,
astenia, fraqueza, dispneia, palidez cutaneomucosa, língua careca e icterícia,
decorrente da hemolise intramedular pela eritropoese ineficaz.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de anemia megaloblástica deve ser suspeitado a partir da anamnese
e do exame físico cuidadosos.
No hemograma, os eritrócitos apresentam aniso e poiquilocitose, com
macrovalócitos. Nos casos mais graves, pode ocorrer aparecimento de pontilhado
basófilo e restos nucleares. A anemia é macrocítica, com volume corpuscular médio
variando de 100 a 150 fL, embora quando ocorra associação com outra deficiência,
como a anemia ferropriva, ele possa não ser tão elevado. A contagem de
reticulócitos é caracteristicamente baixa e o índice de anisocitose (RDW) costuma
aumentar. Os neutrófilos apresentam hipersegmenta ção do núcleo, pleiocariocitose,
podendo ocorrer leucopenia, bem como plaquetopenia.
O mielograma apresenta aumento numérico de eritroblastos grandes com aparência
imatura, os megaloblastos, invertendo a relação G/E. O setor granulopoetico
também revela alterações, como a presença de metamielócitos gigantes (alteração
de Tempka-Braun). Os megacariócitos podem apresentar aumento de tamanho,
com poucos grânulos no citoplasma e alteração nuclear. Na coloração para ferro
(Fe), os sideroblastos aumentam em número e também contêm maior quantidade
de grânulos de Fe. Outras alterações recorrentes são o aumento de bilirrubina
indireta e de DHL, por causa da hemolise intramedular.
TRATAMENTO
O ideal é a identifica ção precisa do fator causal da anemia megaloblástica, não só
para que o tratamento seja planejado com reposição da vitamina específica, mas
também para a correção do fator etiológico. Além disso, o tratamento inadequado
da deficiência de Cbl com ácido fólico pode permitir a instalação de lesão
neurológica irreversível.
Em virtude do importante papel do folato nas doenças cardiovasculares, existe uma
tendência atual de estimular a suplementa ção de ácido fólico em indivíduos idosos.
Entretanto, essa prática tem sido questionada, pois pode mascarar uma eventual
deficiência de Cbl.
DEFICIÊNCIA DE CBL
Estudos epidemiológicos revelam uma prevalência de 20% de deficiência de Cbl em
países industrializados. A anemia decorrente de deficiência de Cbl geralmente é
secundária a alterações no processo de absorção da vitamina, pois a deficiência
dietética de Cbl é pouco frequente. A anemia perniciosa, ou doença de Biermer,
responsável por 20 a 50% dos casos de deficiência de Cbl, é bastante comum em
pacientes idosos.
Quadro clínico
Caracteristicamente, na deficiência de Cbl ocorrem anormalidades neurológicas e
psiquiátricas. Os sintomas observados são devidos à neuropatia periférica,
degenera ção subaguda combinada das colunas dorsais e laterais ou
desmielinização da substância branca do cérebro. Esses sintomas incluem
parestesias em extremidades, neuropatia, distúrbios sensitivos de propriocep ção e
vibratórios, ataxia espástica, irritabilidade, alteração da personalidade, alteração de
memória, sonolência, demência e psicose (loucura megaloblástica), que pode se
apresentar como depressão ou mimetizando esquizofrenia paranoide. Não existe
uma relação entre a gravidade do quadro neurológico e hematócrito, assim, os
pacientes mais afetados podem ter índices de hematocritos normais.
A anemia perniciosa caracteriza-se pela associação com gastrite atrófica de origem
imunológica, com diminuição do fator intrínseco e consequente deficiência de Cbl
por falta de absorção. Os pacientes que desenvolvem anemia perniciosa são
caucasianos na sua maioria e a idade média de diagnóstico é de 60 anos. Existe
predisposição familiar, cerca de 20% dos parentes de indivíduos com anemia
perniciosa desenvolvem a mesma doença, e associação com outras doenças
autoimunes, como endocrinopatias e diabetes melito. Risco aumentado de
carcinoma gástrico também é referido.
Diagnóstico laboratorial
Determina ção da concentra ção sérica de Cbl: os limites de normalidade
variam de acordo com a técnica utilizada; em geral, o limite inferior à
normalidade considerado é 148 pmol/L (200 pg/mL). A sensibilidade e a
especificidade do teste variam bastante, em decorrência da falta de um
exame padrão-ouro (gold standard) para o diagnóstico desta deficiência;
Dosagem de homocisteina sérica: elevada na deficiência de Cbl e de folato
também. A variação de normalidade depende da técnica utilizada;
Excreção urinária de metilmalonato, aumentada na deficiência de Cbl. A
variação de normalidade depende da técnica utilizada;
Determina ção da presença de anticorpos bloqueadores do fator intrinseco:
exame bastante específico, mas pouco sensível (presente em até 50% dos
pacientes com anemia perniciosa);
Pesquisa de anticorpos anticélula parietal: presente em até 90% dos
pacientes, útil para diagnóstico de anemia perniciosa. Todavia, são
anticorpos inespecíficos e estão presentes em endocrinopatias autoimunes e
em até 10% de indivíduos normais;
Teste de Schilling: permite identificar se a deficiência de Cbl ocorreu por
deficiência de fator intrínseco, mas, pela necessidade de ingestão de isotopo
radioativo, não tem side muito utilizado. O teste clássico é realizado em duas
fases; na primeira, administra- se dose alta de cianocobalamina intramuscular,
com o objetivo de saturar os sítios de ligação das transcobalaminas; na
segunda, administra-se a Cbl via oral marcada radioativamente. Se esta for
absorvida, ao chegar à circulação, não haverá sítio de ligação livre e ela será
excretada pela via urinária. Quando não há absorção, ela é excretada
diretamente nas fezes, não havendo Cbl marcada na urina. Um segundo
exame pode ser feito em caso de falta de absorção. Repete-se o teste,
administrando-se, juntamente com a Cbl marcada, o fator intrínseco. A
correção da má absorção demonstra claramente que ela é decorrente da
deficiência de FI, caracterizando a anemia perniciosa;
Teste de supressão da desoxiuridina (dU): baseia-se na capacidade da dU
suprimir a captação de timidina na síntese de DNA em cultura de células
normais. Na anemia megaloblástica, essa supressão é menor que na
medula normal. Adição à cultura de Cbl ou de folato, isoladamente, leva à
correção da megaloblastose e permite a diferencia ção entre as deficiências.
Tratamento
Na deficiência de Cbl, é utilizada hidroxi ou cianocobalamina. Como o principal fator
etiológico da deficiência de Cbl é a absorção deficiente, é preconizado o tratamento
por via parenteral (intramuscular). O uso de comprimidos restringe-se praticamente
aos individuos com ingestão deficiente (vegetarianismo).
DEFICIÊNCIA DE FOLATO
Em geral, a carência dietética de folato é considerada um importante fator etiológico.
Apesar de o folato apresentar processamento e absorção complexos, raramente
alterações nesse mecanismo causam anemia. Doenças que causam má absorção
(sprue), necessidade metabólica aumentada e perdas também podem levar à
deficiência de folato.
Quadro clinico
São descritas alterações não hematol ógicas relacionadas à deficiência de folato:
Associação com doença vascular ateroscler ótica, incluindo doença
coronariana e acidente vascular cerebral, devido à elevação de
homocisteína que ocorre na deficiência de folato;
São consideradas complicações gestacionais secundárias ao estado do
folato materno: aborto espontâneo, placenta abrupta e má-formações
congênitas, entre elas o defeito de tubo neural;
Associação com neoplasia de cólon tem sido referida.
Diagnóstico laboratorial
Determina ção da concentra ção sérica de folato: limite inferior do normal é
6,8 nmol (3 ng/mL), embora ocorram variações relacionadas aos fatores
técnicos. Esse nivel diminui após poucos dias de dieta com restrição de
folato, mesmo com estoque tecidual normal; por essa razão, observa-se a
diminuição de folato sérico em 1/3 dos pacientes internados. Por outro lado,
a alimenta ção eleva rapidamente a concentra ção sérica de folato. A
sensibilidade e a especificidade desse exame são baixas;
Determina ção da concentra ção de folato eritrocítico: é considerado o método
mais específico do estoque tecidual de folato. Considerado diminuído
quando inferior a 340 nmol/L (150 ng/mL). Entretanto, um dos fatores que
geram a falsa diminuição do folato eritrocitário é a deficiência de Cbl. Esse
exame é de difícil realização no Brasil;
Dosagem de homociste ína sérica: elevada na deficiência de folato e de Cbl.
A variação de normalidade depende da técnica utilizada;
Teste de supressão da dU: referido acima.
Tratamento
A deficiência de folato é corrigida com suplementa ção vitamínica por via oral (VO)
até correção da anemia e eliminação do fator etiológico. O uso de ácido folínico
deve ser restrito aos casos de resgate pelo uso de medicações que interferem na
síntese de DNA.
Deve-se sempre observar que, na falta da resposta esperada ao tratamento, é
necessário considerar a presença de outras deficiências concomitantes e não
diagnosticadas A resposta ao tratamento é rápida, com melhora da anemia em
cerca de uma semana.
3. Estudar a anemia perniciosa.
É causada por agressão autoimune à mucosa gástrica, levando à atrofia do
estômago. A parede do estômago torna-se delgada, com infiltrado de linfócitos e
plasmócitos na lâmina própria. Pode ocorrer metaplasia intestinal, há acloridria, e a
secreção de fator intrínseco (FI) torna-se ausente ou quase ausente. A gastrina
sérica aumenta. A infecção por Helicobacter pylori pode iniciar uma gastrite
autoimune: em pacientes jovens, apresenta-se como anemia ferropênica; em idosos,
como anemia perniciosa.
O acometimento é maior no sexo feminino (1,6:1), com pico de ocorrência aos 60
anos, podendo haver doença autoimune associada, particularmente da tireoide. A
doença é encontrada em todas as raças, mas é mais comum nos norte-europeus e
tem certa incidência familiar. Também há aumento de incidência de carcinoma de
estômago (aproximadamente 2-3% de todos os casos de anemia perniciosa).
Anticorpos
Noventa por cento dos pacientes têm, no soro, anticorpos contra células parietais,
dirigidos contra a H+/K+-ATPase gástrica. A anemia perniciosa distingue-se de
gastrite atrófica ou gastrite autoimune simples pela presença no soro de anticorpos
ao FI; 50% dos pacientes têm um anticorpo que inibe a ligação do FI à vitamina B12.
Um segundo anticorpo, bloqueando a ligação do FI a seu sítio receptor no íleo é
menos frequente. Os anticorpos anti-FI também ocorrem no suco gástrico. São
praticamente específicos para a anemia perniciosa, porém, como estão presentes
no soro apenas na metade dos pacientes, a falta deles não exclui o diagnóstico. O
anticorpo mais comum contra células parietais é menos específico, pois é comum
em idosos (p. ex., 16% das mulheres normais com idade acima de 60 anos), sem
anemia perniciosa.

4. Correlacionar cirurgia bariátrica com as anemias carenciais, discutindo o


tratamento da anemia pós cirurgia bariátrica.
Todos os procedimentos bariátricos apresentam risco de desnutrição e deficiências
de micro e macro nutrientes a curto, médio ou longo prazo e todos os pacientes em
preparo pré-operatório deverão ser orientados sobre estes riscos, sobre a
necessidade de suplementa ção vitamínica e controle com exames periódicos para o
resto da vida. As cirurgias com componente disabsortivo, como as derivações
gástricas em Y-de-Roux (DGYR) e as derivações biliopancre áticas (DBP),
apresentam maior eficácia na redução de peso e melhora de comorbidades a longo
prazo, porém apresentam maior necessidade de suplementa ção vitamínica, sendo
que a deficiência de ferro e as anemias ferroprivas podem ocorrer após muitos anos
do procedimento, principalmente em mulheres em idade fértil e perdas menstruais
abundantes, e muitas vezes de difícil manejo para o profissional de saúde não
habituado a tratar pacientes bariátricos.
A cirurgia bariátrica altera a anatomia e a fisiologia do trato digestório. O resultado
satisfatório da cirurgia pode ser atribuído a redução da ingestão calórica, restrição
do volume das refeições, má absorção de nutrientes, alterações do apetite,
alterações da percepção da palatabilidade dos alimentos e mudanças
comportamentais pósoperatórias.
O acompanhamento de pós-operat ório do paciente bariátrico deve ser ininterrupto,
já que a cronicidade da doença continua associada aos efeitos colaterais da cirurgia,
que são esperados e, se forem bem tratados, são controlados.
Os grupos de maior risco para desenvolvimento de anemia e deficiência de ferro no
pós-operat ório de cirurgia bariátrica são os compostos por:
Mulheres em idade fértil (com perdas pela menstrua ção);
Gestantes ;
Adolescentes ;
IMC pré-operat ório superior a 50 kg/m2;
Deficiência concomitante de vitamina B12;
Procedimentos com maiores componentes disabsortivos (derivação
biliopancre ática e derivações gastrojejunais em Y-de-Roux).
As causas para deficiência de ferro e anemia ferropriva no pós-operat ório ocorrem
por alteração no metabolismo do ferro e incluem:
Perdas por hemorragia, sendo mais comum em mulheres com metrorragia ;
Absorção insuficiente do ferro dos alimentos e dos suplementos orais pelo
desvio do duodeno e primeira porção do jejuno;
Aumento da concentra ção de hepcidina decorrente do status inflamat ório
crônico da obesidade, com consequente excreção elevada de ferro nas
fezes;
Redução do ácido clorídrico pela pequena bolsa gástrica necessária para
facilitar a absorção de ferro dos alimentos e suplementos orais;
Redução no consumo de carne vermelha por intolerância e/ou saciedade
precoce, sendo esta a principal fonte alimentar de ferro.
Tratamento de deficiência de ferro e anemia ferropriva
Modificações da dieta
A orientação para ingestão de alimentos ricos em ferro deve ser realizada
concomitantemente com o tratamento medicamentoso, sendo importante ressaltar
que, no máximo, 15 a 35% do ferro de alimentos de origem animal e 2 a 20% do
ferro de alimentos de origem vegetal serão absorvidos.
Cerca de 90% do ferro dos alimentos estão na forma de sais de ferro, denominados
ferro não heme. O grau de absorção desse tipo de ferro é altamente variável e
depende das reservas de ferro do indivíduo e de outros componentes da dieta. Os
outros 10% do ferro da dieta estão na forma de ferro heme, provenientes
principalmente da hemoglobina e da mioglobina. O ferro heme é bem absorvido, e
seu nível de absorção é pouco influenciado pelas reservas orgânicas do mineral ou
por outros constituintes da dieta. Todavia, não se conhece exatamente o mecanismo
de absorção e biodisponibilidade do ferro em dietas mistas cujos alimentos são
consumidos em diferentes proporções e de maneira não uniforme em cada refeição,
uma vez que os constituintes da dieta que interferem na biodisponibilidade do ferro
não heme do pool de ferro intraluminal podem ser classificados em estimuladores e
inibidores da absorção de ferro.
O ácido ascórbico converte o ferro férrico em ferroso, tornando-o solúvel no meio
alcalino do intestino delgado. Além disso, no pH ácido do estômago, o ácido
ascórbico forma um quelato com o cloreto férrico que permanece estável em pH
alcalino.
Entre os inibidores da absorção estão os polifenóis, os fitatos, os fosfatos e os
oxalatos. Os polifenóis são metabólitos secundários de origem vegetal, ricos em
grupos hidroxila fenólicos, que formam complexos insolúveis com ferro. Polifenóis
de alto peso molecular – os taninos – presentes no chá e no café são os maiores
inibidores da absorção de ferro dos alimentos.
Os fosfatos ligados ou não a proteínas formam complexos insolúveis com ferro e
são os principais responsáveis pela baixa biodisponibilidade do ferro de ovos, leite e
derivados. Os fitatos, presentes em muitos cereais, inibem a absorção do ferro não
heme da dieta pela formação de complexo insolúvel de fitato di e tetraférrico. O leite
de vaca contém cerca de 0,5 a 1 mg de ferro, mas somente cerca de 10% do ferro
do leite de vaca é absorvido. Acredita-se que a baixa biodisponibilidade do ferro do
leite de vaca esteja relacionada com a alta concentra ção de cálcio e fosfoprote ínas,
juntamente com a baixa concentra ção de vitamina C.
As dietas ocidentais contêm cerca de 6 mg de Fe/1.000 kcal, estimando-se um
consumo diário de 12 a 18 mg de ferro para muitos indivíduos.
Para aumentar as reservas orgânicas de ferro por intermédio da dieta é necessário:
Aumentar o consumo de ferro heme;
Aumentar o consumo de vitamina C e outros estimuladores da absorção de
ferro nas refeições;
Diminuir, durante as refeições, o consumo dos inibidores da absorção de
ferro (chá, café, alguns cereais, leite e derivados).
Nos pacientes de pós-operat ório de cirurgia bariátrica, dificilmente se consegue o
controle dos níveis de ferro e outros micronutrientes e vitaminas apenas com
cuidados alimentares, sendo que estas condutas de controle da qualidade de
alimentação devem ser estimuladas, porém é indispensável reforçar que a
suplementa ção vitamínica é indispensável e deve ser continuada por toda a vida.
Tratamento medicamentoso
O tratamento com ferro medicamentoso deve ser utilizado em todos os pacientes
com diagnóstico clínico-laboratorial de deficiência e de ferro e/ou anemia ferropriva,
uma vez que as modificações da dieta, por si só, não podem corrigir a deficiência de
ferro em pacientes bariátricos.
A resposta à suplementa ção de ferro por via parenteral é muito mais efetiva e obtém
resultados mais rápidos e eficazes, porém nem sempre todos os pacientes têm
acesso a este tipo de suplementa ção, e, apesar de baixos, existem alguns riscos de
reações alérgicas e intolerâncias.
Idealmente, o ferro VO deve ser ingerido com o estômago vazio. No entanto, isso
pode aumentar seus efeitos colaterais desagrad áveis, incluindo náuseas,
desconforto epigástrico, cólicas abdominais e prisão de ventre e, consequentemente,
diminuir a adesão ao tratamento. O tempo necessário para corrigir os estoques de
ferro por terapia oral é de, no mínimo 4 meses, e as doses podem aumentar de
acordo com as respostas aos exames séricos.
A absorção do sulfato ferroso, que contém 20% de ferro elementar, pode ser
facilitada pela administra ção conjunta de fonte de vitamina C, como o suco de
laranja.
A absorção do ferro eleva-se nas primeiras semanas de tratamento. O aumento da
contagem de reticulócitos ao final da primeira semana de tratamento ou de 1 g/dia
na hemoglobina e 3% no hematócrito após 1 a 2 meses seria indicativo de eficácia
no tratamento.
Dependendo da sensibilidade individual, os sais ferrosos podem produzir diarreias
em 5% dos pacientes e obstipação intestinal em cerca de 10%. Essas
manifesta ções em adultos são mais frequentes com doses superiores a 200 mg de
ferro elementar.

Dores epigástricas podem ocorrer em 7% dos casos com doses em torno de 200 mg
e em 20% dos casos quando se administram doses próximas a 400 mg/dia. Fezes
escuras são comuns na terapêutica com sais de ferro e podem ser apontadas
inclusive como indício do cumprimento da prescrição, não se devendo interromper a
terapêutica por seu aparecimento.
Alguns autores mencionam que a ingestão de ferro oral sistemática não parece ser
capaz de impedir o desenvolvimento de anemia em 30 a 50% dos pacientes após
DGYR e em 2 a 30% após DBP.
As multivitaminas orientadas aos pacientes no pós-operat ório incluem o ferro no
estado ferroso, mas sua concentra ção é bem abaixo das doses recomendadas,
também não prevenindo a deficiência. O ferro não deve ser administrado
conjuntamente a suplementos polivitamínicos e minerais.
Os minerais são mais bem absorvidos no trato digestório na sua forma quelada.
Existem muitos veículos de quelação com uma grande variação na absorção. A
captação dos minerais aminoácidos quelados pelas células intestinais é mais rápida
que quantidades similares de íons metálicos, em razão do estado previamente
quelato dos metais, o que leva à sua absorção como moléculas semelhantes a
dipeptídios.
O ferro quelado sobrevive ao pH ácido do estômago sem alteração, não sofre as
influências que sofrem os compostos de ferro inorgânico, e a efetividade quanto à
sua absorção é até 4 vezes maior que a dos sais ferrosos.
A vitamina C é um potente ativador da absorção do ferro não hemínico (alimentos
de origem animal). A absorção do ferro contido em uma dieta pode ser multiplicada
até 5 vezes quando ela contém vitamina C. Essa vitamina não intervém apenas no
nível da absorção do ferro não hemínico, ela também favorece a incorpora ção do
ferro na ferritina e estimula a utilização do ferro das reservas, principalmente do
baço.
A dose terapêutica diária para pessoas que não tenham problema de absorção é de
3 a 5 mg/kg/dia de ferro elementar durante o tempo necessário para a correção da
anemia e a reposição dos estoques de ferro, ou 150 a 200 mg de ferro elementar
por dia, divididos em 2 a 3 tomadas. As quantidades superiores a 100 mg de ferro
elementar por vez são dificilmente absorvidas, pois a mucosa intestinal atua como
barreira, impossibilitando a absorção excessiva. A recomenda ção de reposição para
adultos após cirurgia bariátrica é de 1 a 2 g de ferro oral por dia, preferencialmente
na forma quelada ou sulfato ferroso, fora da alimenta ção e com suco cítrico. Alguns
autores sugerem que todas as mulheres operadas que menstruam deveriam
receber preventivamente suplementa ção de 100 mg de ferro elementar por dia
desde o primeiro mês de pós-operat ório por período indeterminado (talvez até a
menopausa).
A reposição de ferro na forma intravenosa é a mais eficaz em pacientes pós-cirurgia
bariátrica e, sempre que possível, deve ser a primeira escolha em pacientes com
anemia ferropriva e níveis de ferritina abaixo de 20 ng/mℓ. A única apresenta ção
comercial de ferro intravenoso no Brasil é o sacarato de hidróxido férrico (ou ferro
sacarato) .
A dose de ferro a ser reposta pode ser calculada pela seguinte fórmula:
[Hb (g/dℓ) desejada – Hb (g/dℓ) encontrada] × peso corporal (kg) × 24 + 500
Partindo deste cálculo, uma paciente com Hb 8,5 g/dℓ e peso 65 kg precisaria
receber, para chegar a Hb 12,0 g/dℓ, a seguinte dose de ferro: (12 – 8,5) × (65 × 24)
+ 500 = 727,5 mg de ferro elementar.
Estima-se que a administra ção de 4 ampolas de ferro (2 aplicações de 200 mg cada)
seja capaz de aumentar em pelo menos 1 g/dℓ a concentra ção de hemoglobina,
efeito similar ao obtido com a transfusão de 1 unidade de concentrado de hemácias.
Na prática, geralmente se indica utilizar 2 ampolas de sacarato de ferro (200 mg)
diluída em SF 0,9% 250 ml, correr por via IV lento, em 1 h. Repita semanalmente
até completar 5 aplicações (1 g de ferro elementar).
Os efeitos adversos do ferro intravenoso são: deturpa ção passageira do paladar,
hipotens ão, febre, tremores, sensação de calor, reação no local da injeção e
náuseas, porém ocorrem em menos de 1,5% dos pacientes e geralmente são
amenizados quando respeitada a velocidade de aplicação do medicamento.
A aplicação do sacarato de ferro intramuscular (não é a mesma do intravenoso)
serve como alternativa na impossibilidade de realizar a aplicação intravenosa,
porém tem absorção irregular e mais efeitos indesejáveis como dor local, mancha
hipercrômica no local da aplicação (se o ferro extravasar para o tecido subcutâneo),
náuseas, hipotens ão e, raramente, necrose muscular. É indispensável que seja
aplicado por via intramuscular profundamente, com agulha longa, idealmente na
nádega, com aplicação em Z.
Considerações finais
A deficiência de ferro e a anemia ferropriva são complicações muito frequentes e
podem ocorrer em qualquer momento do pós-operat ório de cirurgia bariátrica,
principalmente nas técnicas com componente disabsortivo. Uma dieta rica em
proteínas de origem animal e ferro pode ajudar a prevenir e amenizar estas
deficiências, porém, apesar de todos os cuidados com a alimentação, estas
deficiências não conseguem ser corrigidas sem tratamento medicamentoso. Nem
todas as apresenta ções de suplementos orais de ferro são absorvidas
adequadamente em pacientes com desvio intestinal, portanto a compreensão do
mecanismo fisiopatol ógico da deficiência de ferro no paciente bariátrico bem como a
escolha individualizada do melhor tratamento são fundamentais para se obter um
bom resultado.

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