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10/10/2017 Anemia Megaloblástica - Versão para Impressão

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Anemia Megaloblástica
Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de


Medicina da USP

Anemias Megaloblásticas são anemias causadas por uma série de distúrbios provocados pela
síntese comprometida do DNA. A divisão celular é lenta, porém o desenvolvimento citoplasmático
progride normalmente, de modo que células megaloblásticas tendem a ser grandes, com uma proporção
aumentada de RNA em relação ao DNA. Estas alterações levarão às anormalidades hematológicas tanto
na medula óssea como no sangue periférico.
O termo megaloblástico define uma anormalidade morfológica dos núcleos celulares dos
precursores eritroides facilmente reconhecíveis, mas difíceis de descrever. Aparecem grandes núcleos,
com cromatina rendilhada. A anemia perniciosa, também denominada de Anemia de Addison, é a causa
mais comum de deficiência de vitamina B12, com predominância do sexo feminino e a mediana de idade
é de 60 anos. Um estudo demonstrou que 1,9% das pessoas acima de 60 anos têm anemia perniciosa
não diagnosticada.
As causas mais comuns são a deficiência de folato e a vitamina B12 e são totalmente corrigíveis
com a terapia apropriada. O distúrbio provoca ainda anormalidades neurológicas e psiquiátricas que
podem ser revertidas se tratadas no início do processo.
Antes mesmo de discutir a anemia magaloblástica propriamente dita, devemos lembrar que uma
série de alterações podem estar associadas à megaloblastose, mesmo sem anemia, e iremos discutir
estas condições sumariamente à seguir. A megaloblastose é definida pelo Volume Corpuscular Médio ou
VCM, quando este é superior a 100 pg/ml.Temos por definição uma megaloblastose, são condições
associadas à megaloblastose álcool, doenças hepáticas, uso de medicações e as anemias refratárias com
medula hipocelular, como nas mielodisplasias e nas anemias siderobláticas.
No espectro das doenças hepáticas, a megaloblastose pode ocorrer particularmente em
pacientes com doença hepática crônica associada à obstrução de vias biliares, neste caso temos uma
sobrecarga de colesterol na porção lipídica na membrana da hemácia, o VCM se torna frequentemente
elevado, mas raramente excede 115g/dl, no esfregaço as células podem ter aparência em alvo, mas sem
grande variação na forma. Devemos ainda lembrar que na doença hepática temos outros motivos para
ocorrer anemia, como sangramento, hemólise e deficiência de ácido fólico.
Na circunstância do uso excessivo de álcool, costuma-se ter concomitantemente baixa ingesta de
ácido fólico, deve-se ainda considerar que o álcool interfere com metabolismo do ácido fólico. A tabela 1
cita os principais diagnósticos diferenciais em pacientes com anemia e VCM aumentado.

Diagnóstico diferencial da anemia com VCM aumentado


-Espúria
-Reticulocitose marcante
-Doença hepática
-Alcoolismo
-Síndromes mielodisplásicas
-Mieloftise
-Drogas
-Anemias megaloblásticas
-Variação do normal
-Malignidade
-Anemia aplásica
-Anemia sideroblática (paciente apresenta duas populações de hemácias, uma microcítica e outra
macrocítica)
-Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
-Gestação
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As alterações morfológicas afetam todas as linhagens, incluindo a granulocítica e a


megacariocítica, e pode ocorrer pancitopenia.

Etiologia
Basicamente quatro alterações podem ser causadoras da anemia megaloblástica, são elas:

1-Deficiência de cobalamina
2-Deficiência de folato
3-Drogas (principalmente o uso de antagonistas da purina ou pirimidina e inibidores de algum
aspecto da síntese de DNA)
4-Outras causas, incluindo distúrbios inexplicados e raras deficiências enzimáticas, neste grupo
entram ainda as mielodisplasias e as leucemias, além de outras patologias como a Síndrome de Lesch-
Nyhan.

Fisiopatologia
Antes de discutirmos a fisiopatologia, propriamente dita, da anemia megaloblástica, devemos
discutir sumariamente o metabolismo do folato e da cobalamina. O folato transfere a unidade de um
carbono como os grupamentos metil, metileno e formol para vários substratos através de inúmeras
reações enzimáticas que estão intimamente relacionadas com síntese de DNA, RNA e proteínas. Na
deficiência de folato teremos alteração de crescimento e da maturação das células que tem rápido
crescimento como as células da medula óssea.
A cobalamina, por sua vez, atua como fator essencial para apenas duas enzimas nas células
humanas, que são a metionina sintase, que catalisa a reciclagem da homocisteína em metionina usando a
5-metil-cobalamina como coenzima necessária e a metilmalonil-CoenzimaA mutase, atuando através da
adenosilcobalamina transformando a metilmalonil-Coenzima A em succinilcoenzima A. A metionina é um
aminoácido essencial para síntese de proteínas, também na forma de S-adenosilmetionina como principal
doador de metil em reações enzimáticas importantes. Na défice de cobalamina ocorrerá déficit de todas
as formas de folato, exceto 5-metiltetraidrofolato (diminuem todas as enzimas que transferem grupos de
1-carbono a timidilato sintase), por este motivo as alterações hematológicas da deficiência de folato e da
vitamina B12 são indistinguíveis.
Toda a vitamina B12 presente no corpo humano provém da dieta, e está presente em todos os
alimentos de origem animal, assim deficiência de vitamina B12 só ocorre em vegetarianos estritos. A
absorção diária de B12 é de 5mcg.
Alguns fármacos atuam em diversas enzimas envolvidas na síntese de DNA: 5-fluoracil inibe
diretamente a timidilato sintase. A adição de 5-formiltetraiodofolato (leucovorin) a esquema de 5-fluoracil
pode a aumentar a inibição da timidilato sintase, visto que o formiltetraidrofolato é rapidamente convertido
em 5,10 metiltetraidrofolato e timidilato sintase.
Não se sabe completamente por que as mielodisplasias e leucemias agudas causem
megaloblastoses, mas provavelmente isto ocorre devido às alterações secundárias da síntese de DNA.

Fisiologia da Absorção da Vitamina B12


As cobalaminas são liberadas do alimento para luz gástrica pela combinação de ácido clorídrico e
pepsina, onde são levados pelo carreador R. No duodeno os complexos R-Cobalamina são digeridos por
proteases pancreáticas liberando novamente as cobalaminas que desta vez são ligadas as moléculas de
fator intrínseco (FI) que são resistentes à protease. O FI originalmente secretado nas células parietais
gástricas. Os complexos IF-Cobalamina migram para o intestino delgado aonde chegam ao íleo e são
transportadas para células epiteliais por receptores específicos para este complexo, as cobalaminas
agora ligadas às transcobalaminas, principalmente a transcobalamina II são levadas a circulação porta e
estocadas no fígado. As transcobalaminas são as proteínas de transporte de vitamina B12, e até o
momento foram identificados três tipos: I, II e III, cada um com um local de síntese diferente, variações na
estrutura de glicoproteínas e, no caso da Transcobalamina III, com capacidade de ser captada apenas no
fígado. A transcobalamina I e III é produzida por macrófagos e monócitos, aproximadamente 90% da B12
plasmática circula ligada às transcobalaminas, porém apenas a transcobalamina II tem a capacidade de
transportar a vitamina B12 para o interior das células por endocitose, sendo posteriormente degradada
reduzida e convertida por suas coenzimas: metilcobalamina e adenosilcobalamina. O fígado contém entre
2.000 e 5.000mg de Vitamina B12 estocada, e desde que a perda diária de B12 seja entre 3 e 5mg, a
carência pode levar mais de três anos para se estabelecer após a instalação de um bloqueio de absorção.

Fisiopatologia da Deficiência de Vitamina B12


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Uma vez que a vitamina B12 está presente em todos os alimentos de origem animal, a ocorrência
de deficiência da vitamina por ausência de ingesta é rara, podendo afetar os indivíduos considerados
vegetarianos radicais (que não ingerem ovos nem produtos lácteos), apos a parada de ingesta ou
absorção de vitamina B12 levam ainda 10 a 15 anos para que apareçam os sinais da deficiência.
As cirurgias de gastrectomia podem causar deficiência de B12, tanto pela retirada da camada de
mucosa produtora de FI, como por ocorrência da chamada síndrome da alça cega, onde o crescimento
bacteriano excessivo leva à competição pela vitamina B12 no lúmen intestinal. Ileotomias onde for retirada
a porção absorvedora de B12 também provocam carência. Acloridria e perda da secreção de pepsina são
comuns em idosos (mais 50% em mais 70 anos) e com gastrectomia parcial pode ocorrer déficit de
cobalamina devido à incapacidade de liberar cobalamina ligada às proteínas dos alimentos. A má
absorção de vitamina pode ainda ocorrer na insuficiência pancreática (incapaz de degradar o complexo R-
cobalamina).
Uma causa rara de deficiência de B12, porém frequentemente citada,é a infestação por
Diphyllobothrium latum, um parasita que afeta peixes de águas frias. Na pancreatite e na doença de
Crohn severa há deficiência de B12 por retardo da absorção no íleo.
Numerosos distúrbios genéticos afetam o transporte de transcobalamina, sua conversão em
coenzima e sua utilização pelas duas enzimas dependentes da cobalamina, estes distúrbios genéticos em
geral se manifestam nas primeiras semanas de vida. Uma causa rara de deficiência de vitamina B12 é o
uso do óxido nitroso, que é um anestésico associado à deficiência de utilização da cobalamina, por
alteração em várias vias. Parasitose intestinal ainda é uma causa a ser considerada de vitamina B12, pois
a absorção intestinal da vitamina pode ficar prejudicada.
A causa mais comum de deficiência de B12 é a chamada Anemia Perniciosa, doença hereditária
que dificilmente se manifesta antes da idade adulta quase sempre em pacientes com mais de 35 anos de
idade. Neste caso, ocorre lesão autoimune, gastrite atrófica e eventualmente pode haver outras
alterações imunológicas, como a deficiência de IgA, insuficiência endócrina poliglandular e deficiência de
IgA. A doença tem influência hereditária e gastrite atrofica histológica está invariavelmente presente e
resultado no teste da histamina mostra acloridria, estes pacientes têm risco aumentado de carcinoma
gástrico.

A primeira descrição da literatura foi de Addison em 1849, a doença é mais comum em idosos,
sendo que 1,9% dos indivíduos com mais 60 anos: anemia perniciosa não diagnosticada,
macroscopicamente é evidenciada pela perda de paredes da mucosa e afinamento da parede gástrica,
pode ser dividida em dois tipos:

Tipo A: autoimune envolvem corpo e fundo gástrico e poupam antro. Os pacientes apresentam
anticorpos anticélulas parietais e antifator intrínseco, que cursam com diminuição do pepsinogênio sérico
e acloridria.
Tipo B: não autoimune relacionada à infecção pelo H.pylori e com baixa concentração de gastrina
associada, envolve o antro, e cursa com hipogastrinemia.

Os achados histológicos incluem um infiltrado mononuclear de células T e não T (principalmente


linfócitos B), as células plasmáticas contêm anticorpos contra células parietais.
A extensão do infiltrado acompanhado de alterações degenerativas das células parietais e de
zimogênio na lesão, diminui marcadamente o número de glândulas gástricas e de células parietais e
zimogênicas, sendo substituídas por células contendo muco (metaplasia intestinal).
Na progressão da gastrite atrófica tipo A até ocorrer anemia clínica leva cerca de 20 a 30 anos. A
presença de anticorpos anticélulas parietais gástricas é preditiva de gastrite autoimune, em fase inicial a
lesão imune poderia ser prevenida com glicocorticoides e imunossupressores. O antígeno iniciador do
processo parece ser a H+/K+-ATP se gástrica, que é responsável secreção de ions H+ em troca de
potássio. Os anticorpos anticélulas parietais gástricos, por sua vez, fixam o complemento e lesam as
células parietais.
A doença tem fatores hereditários, com 12% de concordância em gêmeos monozigoóicos.
Associação com outras doenças imunes podem ocorrer como tireoidite autoimune, Doença de Graves,
diabetes mellitus autoimune, Addison sugerido pela presença de hiperpigmentação, hipotensão ortostática
e perda de peso, falência ovariana primária (infertilidade), hipoparatireoidismo primário, vitiligo, miastenia
gravis e síndrome de Lambert-eaton.
A prevalência dos autoanticorpos aumenta conforme a idade com 2,5% dos indivíduos na terceira
década a 9,6% na oitava década em indivíduos sem diagnóstico de anemia perniciosa.

Existem dois tipos de anticorpos contra FI:


tipo I: bloqueia ligação com a vitamina B12: mais frequentes no suco gástrico.
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tipo II: combina-se ao receptor que remove B12, ocorre em 35-40% dos pacientes.

Mecanismos das Anormalidades Psiquiátricas na Deficiência de Cobalamina


Estas alterações não são observadas na deficiência de folato. Por isso é natural tentar atribuir
estas alterações à deficiência da segunda enzima dependente da cobalamina a l-metilmalonil-CoA-
mutase. Na sua conversão em succinil CoA utilizando a adenosilcobalamina, como coenzima necessária,
ocorrem formação de ácidos graxos de cadeia ramificada que poderiam ser associados a estas alterações
neurológicas.

Mecanismos da Deficiência de Folato


O folato é amplamente distribuído em vegetais e animais, principalmente em vegetais, o
cozimento excessivo, entretanto destrói grande parte do folato. O folato não costuma estar presente em
polivitamínicos, pois poderia mascarar deficiência de cobalamina. A maior causa de sua deficiência é a
baixa ingesta. Algumas doenças podem ser associadas com alteração de sua absorção como o sopro
tropical e a doença celíaca. Medicações como anticonvulsivantes e sulfassalazina prejudicam sua
absorção assim como o triantereno. Situações com hipermetabolismo, como hipertireoidismo, gestação,
doenças hemolíticas crônicas e doenças cutâneas esfoliativas também podem levar a déficit de folato, em
pacientes em hemodiálise também é frequente perda de folato.

As principais etiologias da anemia megaloblástica são especificadas na tabela abaixo.


Deficiência de Vitamina B12
Dieta: vegetarianos extremos
Deficiência de fator intrínseco: anemia perniciosa, gastrectomia
Insuficiência pancreática
Doenças intestinais: ressecção ileal ou doenças do íleo, síndrome da alça
cega, tênia de peixe – Diphyllobotrium latum
Deficiência de ácido fólico
Dieta inadequada: pobre em frutas e vegetais folhosos, alcoolismo,
senilidade
Aumento das necessidades: gestação, dermatite esfoliativa, anemias
hemolíticas crônicas
Drogas: fenitoína, sulfasalazina, bactrin, carbamazepina, fenobarbital
Doenças intestinais: Esprú tropical

Quadro Clínico e Laboratorial


O paciente refere sintomas relacionados com anemia, geralmente severa, muitas vezes com
hematócrito entre 10 e 15%, podendo ocorrer também sangramentos, quando se instala plaquetopenia
associada, tipicamente a anemia tem desenvolvimento lento e o número de reticulócitos tanto relativo
como absoluto é diminuído. O estado megaloblástico produz mudanças nas mucosas, levando à glossite,
assim como outros distúrbios gastrointestinais inespecíficos, como anorexia e diarreia.
O VCM é quase sempre aumentado, pode estar até 140, com frequência o esfregaço revela
hipersegmentação de neutrófilos, pode ocorrer neutropenia com valores menores do que 1000 cels/mm3 e
trombocitopenia com valores menores que 50.000 céls/mm3. São critérios para considerar o esfregaço
como tendo hipersegmentação:

1-pelo menos 1 netrófilo com 6 ou mais loboso


2-5% ou mais com 5 ou mais lobos
3-aumento do número médio de lobos (media 3,4 lobos)
4-Acentuada variação de tamanho entre os neutrófilos

Apesar de reticulócitos normais ou baixos, vários outros achados que ocorrem em anemias
hemolíticas,como aumento de LDH, bilirrubina indireta, diminuição de haptoglobina. O ferro sérico pode
estar aumentado.
A produção e destruição nestes pacientes podem estar aumentadas mais confinadas a medula
óssea com: hemólise intramedular ou eritropoiese ineficaz, caso ocorra déficit de ferro concomitante o
diagnóstico pode ser falseado, pois o VCM pode diminuir. Um estudo em pacientes com déficit
documentado de cobalamina encontrou os seguintes achados:

-44% dos pacientes sem anemia


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-VCM menor que 100 em 33%


-Contagem leucócitos norma em 86% dos casos
-Contagem normal de plaquetas em 79% dos casos
-Esfregaço de sangue perférico normal em 33% dos casos
-DHL normal em 43% dos pacientes
-Níveis séricos de biliorrubina normais em 83% dos casos

A medula óssea destes pacientes costuma ser hiperplásica com eritropoiese marcadamente
ineficaz, eritrócitos megaloblásticos com núcleos abertos e citoplasma maduro são também evidentes.
Podem ocorrer ainda metamielócitos gigantes e bastões. No sangue periférico encontramos macro-
ovalocitose, ocasionais corpúsculos de Howell-jolly, neutrófilos hipersegmentados com grau variável de
neutropenia e plaquetopenia. Os anticorpos anticelular pariental são encontrados em 90% dos casos de
anemia anti-F1 em 60% dos pacientes com anemia perniciosa.
Complicações gástricas incluem metaplasia intestinal com aumento de risco de três vezes de
adenocarcinoma gástrico e de 13 vezes a chance de tumor carcinoide, sendo necessária vigilância
endoscópica nestes pacientes.
Ocorre também uma síndrome neurológica complexa, característica, onde os nervos periféricos
geralmente são os primeiros a serem afetados, e as queixas iniciais são de parestesias. Estudos
histopatológicos revelam desaparecimento da mielina com degeneração axonal, mais frequente nas
colunas dorsais e laterais da medula espinhal, mas também de nervos periféricos e cranianos no córtex
cerebral. O termo doença de sistemas combinados descreve um distúrbio da medula espinhal,
caracterizada por início insidioso e desmielinização progressiva: inicialmente colunas dorsais (aferentes
proprioceptivas) e mais tarde nas colunas laterais (eferentes corticoespinhais) a degeneração dos axônios
afeta os mesmos tratos que a alteração tardia e irreversível.
As colunas posteriores da medula espinhal começam a sofrer lesão, e os pacientes queixam-se
de alterações sensoriais mais severas, caracteristicamente ocorrendo redução da propriocepção. Em
casos mais graves, podem ocorrer alterações neuropsiquiátricas graves e até demência, mesmo antes de
aparecerem às alterações hematológicas. Todo esse quadro clínico pode ocorrer com hemograma normal.
A neuropatia desmielinizante das grandes fibras periféricas pode preceder as alterações
raquimedulares ou desenvolverem-se concomitantemente, em geral os sintomas são simétricos e quase
sempre incluem parestesias nas extremidades, juntamente com comprometimento, percepção vibratória e
propriocepção, que pode progredir para marcha com ataxia espástica e até tetraparesia. Pode-se
observar a incontinência urinária e fecal e impotência em raros casos. Alterações dos nervos cranianos
incluem irritabilidade, perda da memória e desorientação, obnubilação, alterações do paladar, olfato e
visão, progredindo algumas vezes para atrofia ótica grave e quase cegueira.
Anormalidades neuropsiquiátricas podem ser proeminentes e isoladas e incluem depressão,
alucinações, agitação, alteração personalidade, comportamento anormal e suicídio.
Pouca correlação existe entre as alterações hematológicas e gravidade das alterações
neuropsiquiátricas, na verdade às vezes a correlação é inversa, com 25 a 50% dos pacientes com
Hematócrito e até VCM normal. A lista abaixo sumariza estas alterações.

Anormalidades Neurológicas e Psiquiátricas na Deficiência de Cobalamina


-Parestesias
- Comprometimento DA propriocepção
-Comprometimento da percepção de tato e dor
-Ataxia
-Marcha anormal
-Fadiga
-Perda da memória
-Desorientação
-Reflexos diminuídos
-Fraqueza
-Força muscular diminuída
-Romberg positivo e Exacerbação dos reflexos
-Espasticidade
-Babinsky positivo
-Fenômeno de Lhermite
-Incontinência urinaria ou fecal
-Urgência urinária ou noctúria
-Impotência
-Olfato ou paladar anormal
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-Visão diminuída ou atrofia ótica


-Depressão e Paranoia
-Apatia
-Estado confusional agudo
-Alucinações
-Insônia
-Psicose
-Raciocínio lento
-Parafrenia
-Mania e Ataques de pânico
-Alterações de personalidade
-Suicídio

A deficiência de folato pode, por sua vez, ser associada à neuropatia periférica, especialmente
em alcoolistas. A reposição de folato é capaz de corrigir a anemia, porém não afeta o quadro neurológico
nos casos de deficiência de B12.

Diagnóstico
O diagnóstico de deficiência de vitamina B12 é feito pela dosagem da vitamina no sangue, que
deverá estar baixa, desde que o paciente não tenha recebido recentemente um aporte exógeno da
vitamina. É frequente encontrarmos pacientes com deficiência de B12, mas com níveis séricos normais
por terem recebido hidratação venosa ou suplementos vitamínicos contendo complexo B. A suspeita
diagnóstica é realizada na situação de anemia macrocítica, e valores de VCM acima de 115 na verdade
só permitem hemólise com grande reticulocitose como diagnóstico diferencial.
O teste de Schilling, hoje abandonado, era realizado como forma de evidenciar a redução da
absorção da vitamina B12 administrada por via oral. Permite fazer o diagnóstico diferencial entre a anemia
perniciosa e as falhas de absorção que ocorrem sem relação com a falta de FI. Sumariamente o teste é
realizado da seguinte maneira:

-Para verificar se ocorre diminuição de absorção oral da vitamina B12: dar uma dose IM grande
para saturar proteínas de transporte.
-Dar vitamina B12 radiomarcada: verificar 24 horas a B12: normalmente > 7% na urina. A maioria
dos pacientes com anemia perniciosa tem absorção menor que 3%.
-Na Segunda fase: dar vitamina radiomarcada com FI: verificar se corrige má-absorção. Na
anemia perniciosa normalmente corrige anemia com FI, mas se estado megaloblástico causou alterações
epiteliais na mucosa intestinal pode levar a má-absorção generalizada. Neste caso corrigir B12 em dois
meses e repetir avaliação.
-Se a deficiência for por supercrescimento bacteriano: antibióticos reverteriam falha na segunda
fase do Schilling.
-Se insuficiência pancreática é a causa: enzimas pancreáticas reverteriam à falha na segunda
fase do Schilling.
Uma abordagem sistemática nestes pacientes poderia ser a seguinte:

Indicações de investigar
1-Anormalidades hematológicas inexplicadas
2-Anormalidades neuropsiquiátricas compatíveis

Testes iniciais
1-Cobalamina sérica (normal 200-900 pg/ml)
2-Folato sérico (normal 2,5-20 pg/ml)

Testes especiais para as seguintes condições clínicas:


Anormalidades hematológicas ou neuropsiquiátricas sem anemia
Alterações muito sugestivas de deficiência de cobalamina e folato, mas com dosagens normais

Solicitar:
1-Ácido metilmalônico (normal 7 a 270 n/m): elevado na deficiência de cobalamina: padrão ouro
para o diagnóstico
2-Homocisteina sérica (normal 5 a 16 mcg): elevada na deficiência de cobalamina e folato.
Fazer testes adicionais se fora destas condições ou:
1-Mielodisplasia pronunciada em pacientes que irão fazer QT.
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2-Incontinencia urinária ou fecal incapacitante de causa desconhecida em paciente jovem.


Fazer testes adicionais se abaixo destes valores ou condições clínicas graves muito sugestivas
da deficiência de uma das vitaminas:
1-mielodisplasia pronunciada em pacientes que irão iniciar quimioterapia.
2-Incontinência urinária e fecal incapacitante de causa desconhecida em paciente jovem.
3-Pancitopenia e aumento do VCM e LDH.
4-Parestesias simétricas nas mãos e pés em paciente com ataxia espástica e alteração recente
na personalidade.
Outra alternativa diagnóstica em pacientes com clínica sugestiva, mas sem confirmação
laboratorial, é a realização de prova terapêutica com observação dos resultados.

Diagnóstico diferencial
Deve-se, primeiramente, devido à semelhança de quadro clínico e laboratorial, diferenciar a
deficiência de B12 da deficiência de folato. É necessário ainda descartar os quadros mielodisplásicos, que
são capazes de causar alterações morfológicas medulares bem semelhantes, mas sem ocorrer
concomitantemente queda dos níveis de B12 nem quadros neurológicos associados. As tabelas abaixo
sumarizam as diferenças clínicas e laboratoriais entre as deficiências de cobalamina e folato.

Tabela: Fatores de distinção entre as deficiências de vitamina B12 e folato

Características Vitamina B12 Folato


Doença Subaguda, Ausente ou
neurológica sistemas combinados associada com álcool
Dieta Normal Alcoolismo,
lanches rápidos, chá,
torradas, falta de vegetais
verdes
Nível sérico de Normal Baixo
folato
Nível eritrocitário Baixo ou normal Baixo
de folato
Resposta com Ausente Presente
dose fisiológica de folato
(200 mcg/dia)
Ácido Ausente Aumentado
forminoglutâmico na urina
Ácido Aumentados Ausentes
metilmalônico e níveis de
homocísteína

Achados séricos típicos da anemia megaloblástica

Normal Deficiência Défice


de cobalamina folato
Cobalamina 200-900 Diminuída, Normal
pg/ml limite inferior, às
vezes
Folato 2,5-20 Normal Diminuída,
ng/ml às vezes limite
inferior
Ac mm 70-270 nM Aumentado Normal
Homocisteína 5-16 uM Aumentado Aumentado

Tratamento
Os pacientes com anemia perniciosa são tratados com aporte parenteral de vitamina B12,
sugerindo-se o uso diário de 100mg de vitamina intramuscular uma vez ao dia. O esquema proposto é de
uma injeção ao dia por uma semana, uma injeção por semana por um mês e, depois uma vez ao mês
pelo resto da vida. Sugere-se, também, a manutenção com cobalamina oral, 1.000mg ao dia, contínua.
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Deve-se evitar o uso de folatos antes do início da reposição de vitamina B12, pois podem agravar
o quadro neurológico do paciente. O primeiro sinal de resposta do paciente é uma sensação inespecífica
de bem-estar, seguida da redução dos outros sintomas, pode ocorrer hipocalemia nos primeiros dias de
tratamento, principalmente se a anemia é muito severa. Espera-se um pico de contagem reticulocitária no
final da primeira semana de tratamento, e a normalização hematológica ocorre em torno de dois meses
após o início da terapêutica.
Os sintomas do SNC são reversíveis se tiverem pouco tempo de evolução, idealmente menos de
seis meses, mas podem ficar sequelas permanentes se o tratamento não for iniciado prontamente.
Em relação ao tratamento da deficiência de ácido fólico, se utilizar o ácido fólico oral na dose de
1mg ao dia a resposta costuma ser rápida e satisfatória. Se causa for fármacos ou drogas deve-se
suspender ou diminuir dose, em outros caso tentar piridoxina ou tiamina com resposta em alguns
pacientes.

Referências
Antony AC. Megaloblastic anemias. In: Hematology: Basic principles and practice, 4th ed, Hoffman R,
Benz EJ, Shattil SJ, et al. (Eds), Churchill Livingstone, New York 2005. p.519.

Stabler SP. Clinical practice. Vitamin B12 deficiency. N Engl J Med 2013; 368:149.

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