A doença renal crônica (DRC) se refere às muitas anormalidades clínicas que
pioram progressivamente à medida que a função renal diminui. A DRC resulta de
numerosas doenças sistêmicas que danificam o rim ou de distúrbios intrínsecos ao rim. A gravidade da DRC é graduada pela depressão da taxa de filtração glomerular (TFG). Estimativas da TFG baseadas na creatinina sérica e nos dados demográficos do paciente são usadas para monitorar a evolução da DRC. A lesão renal na DRC raramente é reparada, então a perda da função é persistente. Em pacientes com DRC, a perda da função renal adicional gera mais danos e, portanto, anormalidades clínicas mais graves. Na verdade, a DRC pode piorar progressivamente, mesmo que o distúrbio que a causou se torne inativo.
Com base em dados de estudos populacionais, alguns autores estimaram que,
nos Estados Unidos, no mínimo 6% da população adulta tenha DRC em estágios 1 e 2. As mesmas estimativas sugeriram que outros 4,5% da população norte- americana tenha DRC nos estágios 3 e 4. A fisiopatologia da DRC caracteriza-se por dois amplos grupos de mecanismos lesivos: (1) mecanismos iniciais específicos da etiologia subjacente (p. ex., anormalidades do desenvolvimento ou da integridade renal, deposição de imunocomplexos e inflamação em alguns tipos de glomerulonefrite, ou exposição a toxinas em algumas doenças dos túbulos e do interstício renais); e (2) hiperfiltração e hipertrofia dos néfrons viáveis remanescentes, que são uma consequência comum da redução da massa renal a longo prazo, independentemente da etiologia subjacente e que leva ao declínio adicional da função renal. Por fim, essas adaptações de curto prazo (hiperfiltração e hipertrofia) para manter a TFG tornam-se mal-adaptativas à medida que a pressão e o fluxo sanguíneo aumentados dentro do néfron predispõem à distorção da arquitetura dos glomérulos, função anormal dos podócitos e rompimento da barreira de filtração, levando à esclerose e à destruição dos néfrons remanescentes.
A evolução da DRC, entretanto, se dá de forma lenta e progressiva: seres
humanos são capazes de se manterem vivos com até 10% da função renal normal, isso ocorre porque os néfrons normais conseguem se adaptar a condição e multiplicar seu ritmo de trabalho. As manifestações clínicas na Doença Renal Crônica são variadas e depende do nível de acometimento dos rins, em geral se manifestam por uremia: 1. Distúrbios secundários ao acúmulo das toxinas normalmente excretadas pelos rins; 2. Anormalidades consequentes à perda das outras funções renais, como a homeostase hidreletrolítica e a regulação hormonal; 3. Inflamação sistêmica progressiva e suas consequências vasculares e nutricionais. As manifestações clínicas e laboratoriais da DRC incluem acumulação de escórias nitrogenadas; distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos; distúrbios minerais e ósseos; anemia normocítica e normocrômica e distúrbios da coagulação (não produção de eritropoetina e trombopoetina); hipertensão e alterações da função cardiovascular, como insuficiência cardíaca; distúrbios gastrintestinais (hálito urêmico, disgeusia, gastrite, doença péptica e úlceras, constipação); complicações neurológicas (evidentes no nível 3 da DRC: distúrbios de memória e concentração, anormalidade do sono, soluços, caibras, abalos musculares, asterixe, mioclonia, convulsões e coma); distúrbios dermatológicos (prurido, calcifilaxia, dermopatia fibrosante nefrogênica); e distúrbios do sistema imune. A ocasião em que esses distúrbios aparecem e a gravidade das suas manifestações clínicas são determinadas em grande parte pelo grau de função renal existente e pelas doenças coexistentes. Algumas dessas manifestações clínicas e laboratoriais da DRC ocorrem antes que a TFG tenha alcançado o estágio de insuficiência renal.
Homeostase do sódio e da água: com a função renal normal, a excreção
tubular de água e sódio filtrado corresponde à ingesta. Muitas formas de doença renal rompem esse equilíbrio, de modo que a ingesta alimentar de sódio excede sua excreção urinária, resultando na retenção de sódio e consequente expansão do volume de líquido extracelular (VLEC). Isso pode contribuir para a hipertensão que, por si só, pode acelerar a lesão dos néfrons. A hiponatremia é pouco comum em pacientes com DRC e, quando presente, costuma responder à restrição de água. O paciente com expansão do VLEC (edema periférico, às vezes com hipertensão pouco responsiva ao tratamento) deve ser orientado a fazer restrição de sal. Homeostase do potássio: com a DRC, o declínio da TFG não é necessariamente acompanhado de uma redução correspondente na excreção urinária de potássio, a qual é mediada de modo predominante pela aldosterona nos segmentos distais dos néfrons. Nesses pacientes, outra defesa contra a retenção de potássio é o aumento da sua excreção pelo trato GI. Apesar dessas duas respostas homeostáticas, a hiperpotassemia pode ser precipitada em determinadas situações clínicas. O maior risco da hiperpotassemia é o desenvolvimento de arritmias cardíacas. Acidose metabólica: A acidose metabólica é um distúrbio comum na DRC avançada. A maioria dos pacientes ainda consegue acidificar a urina, mas produz menos amônia e, por essa razão, não é capaz de excretar a quantidade normal de prótons. Quando presente, a hiperpotassemia suprime ainda mais a produção de amônia. Dessa forma, a acidose é gerada pela incapacidade do néfron em formar íon amônio e excretar íons H+. Na ausência de alternativas, o excesso de ácido fixo acaba sendo tamponado pelo tecido ósseo, que se descalcifica progressivamente. Esse processo de desmineralização óssea, denominado osteomalacia, leva a um enfraquecimento do esqueleto, com consequente predisposição a fraturas. Homeostase do cálcio e do fosfato: Na DRC, a perda progressiva de massa renal resulta em uma queda dos níveis circulantes de calcitriol e, portanto, em uma drástica redução da absorção intestinal de cálcio. A consequente tendência à hipocalcemia leva ao estabelecimento de um quadro de hiperparatireoidismo secundário, que possibilita manter o cálcio plasmático em níveis normais, ou pouco reduzidos, à custa de uma mobilização das reservas ósseas e do estabelecimento de um balanço negativo de cálcio. Os pacientes com DRC avançada e, especialmente, aqueles já dependentes de diálise crônica apresentam grande retenção de fosfato, visto que a taxa de excreção desse íon é grosseiramente proporcional à TFG, enquanto sua absorção intestinal é muito menos dependente de vitamina D do que a de cálcio. Elevação dos níveis de fosfato resultam em maior liberação de PTH resultando em distúrbio mineral e ósseo da doença renal crônica e adinamia óssea. Outra consequência do excesso de fosfato sérico é a reação que esse pode estabelecer com o cálcio, estabelecendo a cristalização: formação de cristais de fosfato de cálcio que podem resultar em obstrução coronariana e nefrocalcinose.
Anamnese e exame físico: os sinais e sintomas francos de doença renal são
frequentemente sutis ou estão ausentes, até que o paciente atinja estados mais avançados da DRC. Por essa razão, o diagnóstico da doença renal costuma surpreender os pacientes e pode gerar ceticismo e negação. Os elementos específicos da história clínica que sugerem doença renal incluem relatos de hipertensão (que pode causar DRC ou, mais comumente, ser uma consequência da doença), diabetes melito, anormalidades do exame de urina e distúrbios gestacionais como pré-eclâmpsia ou abortamento precoce. É necessário obter uma história farmacológica detalhada. Os fármacos a serem considerados incluem anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), inibidores da cicloxigenase-2 (COX-2), antimicrobianos, quimioterápicos, antirretrovirais, inibidores da bomba de prótons, laxantes contendo fosfato e lítio. O exame físico deve concentrar-se na pressão arterial e nas lesões dos órgãos-alvo secundárias à hipertensão. Portanto, é necessário realizar exames fundoscópico e precordial. O exame do fundo de olho é importante no paciente diabético para detectar evidências de retinopatia diabética, que está associada à nefropatia. Outras manifestações de DRC ao exame físico dos pacientes são edema e polineuropatia sensitiva. Exames laboratoriais: A DRC é definida por uma lesão renal de 3 meses de duração (marcada por anormalidades estruturais ou funcionais), anormalidades histopatológicas renais, marcadores de lesão renal presentes, proteinúria, anormalidades sanguíneas e alteração em exames de imagem ou RFG<60ml/min/1,73m2 por 3 meses. Microalbuminúria é definida como 30 a 300 mg de albumina/24 h em uma amostra de urina em pelo menos duas amostras separadas por 3 meses. Macroalbuminúria (> 300 mg/24 h) indica DRC avançada. A eletroforese das proteínas séricas e urinárias à procura de mieloma múltiplo deve ser realizada em todos os pacientes com mais de 35 anos e DRC inexplicável, principalmente se houver anemia associada e níveis séricos altos ou inapropriadamente normais de cálcio em presença de disfunção renal; Nos pacientes com glomerulonefrite, as doenças autoimunes (p. ex., lúpus) e as etiologias infecciosas (p. ex., hepatites B e C e infecção por HIV) subjacentes devem ser investigadas; As concentrações séricas do cálcio, do fósforo, da vitamina D e do PTH devem ser determinadas para avaliar doença óssea metabólica;
A ultrassonografia do aparelho urinário é o exame de imagem mais útil porque
permite verificar a presença dos dois rins, determinar se são simétricos, obter uma estimativa das dimensões renais e excluir a existência de massas renais e evidências de obstrução. O diagnóstico da doença renovascular pode ser estabelecido por diferentes técnicas, inclusive eco-Doppler, TC ou RM. Uso de técnicas com contraste não é recomendado. Biopsia renal também é contraindicada, principalmente em pacientes graves em que os rins são pequenos, dificultando a técnica, pelo alto risco de hemorragia, pelo elevado grau de fibrose e pelo fato de a condição primária não poder mais ser tratada. Estadiamento da doença renal crônica: 1- TFG > 90 2- TFG entre 60-89 3.a- TFG entre 45-59 → anemia em 15% dos pacientes 3.b- TFG entre 30-44 3- TFG entre 15-29 → anemia mais grave e síndrome hemolítico-urêmica 4- TFG < 15 → em diálise