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Noções de Epidemiologia

Aula 1: Conceito de Epidemiologia e Epidemiologia Descritiva


Vania Reis Girianelli (ENSP – Fiocruz)
vania.girianelli@ensp.fiocruz.br
Objetivo da disciplina
 Conhecer os principais conceitos e delineamentos de estudos
epidemiológicos.
 Instrumentalizar o aluno para compreender e interpretar os
indicadores apresentados na literatura científica e boletins
epidemiológicos, de forma a subsidiar a contextualização do
problema a ser estudado na sua monografia.
Metodologia:
 Aula expositiva.
 Exercícios interativos.
Avaliação: Trabalho individual com base no artigo “Relação de fatores pessoais e
ambientais com a prevalência de deficiências físicas adquiridas no Brasil - estudo de
base populacional” que deverá ser postado na Plataforma Moodle até 12/12/2022.
Conteúdo da aula 1
 Conceito de epidemiologia

 Ciclo de produção de conhecimento

 Epidemiologia descritiva (pessoa-tempo-lugar)

 Definição de endemia/epidemia/surto/pandemia

 Transição Demográfica, Epidemiológica e Nutricional


Conceito etimológico de Epidemiologia
(origem grega)
Epi = sobre;

Demos = população;

Logos= estudo.

 Estudo sobre o que afeta a população.

A epidemiologia distingue-se de outras disciplinas, como as ciências


biomédicas e a medicina clínica que estudam o indivíduo.
Conceito de epidemiologia
Estudo da distribuição e determinantes* dos eventos relacionados à saúde
em populações específicas, e a aplicação deste conhecimento no controle
dos problemas de saúde. Doenças/evento/agravos, causas de óbito,
hábitos comportamentais (ex.: tabagismo),
aspectos positivos em saúde (ex.: bem-estar,
Epidemiologia Epidemiologia felicidade, etc.), reações a medidas
preventivas, utilização e oferta de serviços de
Descritiva Analítica saúde entre outros.

Last, JM. A Dictionary of Epidemiology, 4th ed. New York, Oxford University Press, 2001. p.62.

*Fatores biológicos, sociaisƗ, econômicos, culturais e ambientais, a maioria dos quais fora do setor
saúde, mas responsáveis pela manutenção da saúde ou instalação da doença no indivíduo.
ƗFatores
sociais, em última análise, englobam aspectos políticos, institucionais, históricos, etc. que
possam estar implicados nas diferentes suscetibilidades à saúde de grupos populacionais e suas
consequências indesejáveis (sofrimento, limitação e morte).
Correção do texto de referência*

Os primeiros estudos epidemiológicos tinham por objetivos investigar a causa


(etiologia) das doenças transmissíveis. Tais estudos continuam sendo essenciais
porque possibilitam a identificação de métodos preventivos. Nesse sentido, a
epidemiologia é uma ciência da saúde médica básica aplicada que tem por
objetivo melhorar a saúde das populações, especialmente dos menos favorecidos.

* BONITA, R.; BEAGLEHOLE, T. Epidemiologia Básica. 2.ed. São Paulo: Santos, 2010. Capítulo 1 página 4.
Utilização da epidemiologia é um dos princípios do SUS
(Lei nº 8.080/90 art. 7º)

Universalidade Integralidade Preservação da autonomia

Igualdade Direito à informação Divulgação de informação

Utilização da estabelecimento de prioridades, alocação de


Epidemiologia recursos e orientação programática

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm


Interesses comuns da saúde coletiva, epidemiologia,
profissionais de saúde e população em geral:

 Como determinadas doenças/eventos/agravos se distribuem nas populações e


regiões?

 Quem são os grupos prioritários (grupos de risco/vulneráveis) para determinadas


doenças/eventos/agravos?

 Quais as causas de determinada doença/evento/agravo?

 Atividades de prevenção/tratamento vêm surtindo efeito?

 Como formular e avaliar políticas de saúde pública?


Premissas da Pesquisa Epidemiológica
Ocorrência, distribuição e progressão dos problemas de
saúde em populações humanas não ocorrem por acaso.

 Análise dos padrões de ocorrência, distribuição e progressão pode informar


sobre os determinantes dos problemas de saúde.
A epidemiologia visa identificar grupos vulneráveis e ações
para contribuir com a promoção da equidade na população
Igualdade Equidade
 A disseminação diferenciada dos agravos
é produto da ação de fatores que se
distribuem desigualmente na população.

Causa da inequidade removida

Conhecimento dos fatores determinantes (biológicos e/ou sociais).


Aplicação de medidas direcionadas a grupos específicos.
Aumento da efetividade das intervenções.
Ciclo de produção de conhecimento
Informação articulada a um
referencial teórico (composta de
elementos teóricos e
componentes empíricos)
expressa em conceito (unidade
elementar do modelo teórico).
Processo de iden- Resultado da combinação de
tificação, seleção, Atributos vários DADOS, a partir do pro-
coleção e registro mensurados: cesso de organização, indexa-
sistemático de Medida ção, classificação, condensação
objetos naturais, e interpretação: integra
culturais e sociais. conhecimento e experiência.
Almeida Filho N, Barreto ML, Rouquayrol MZ. Introdução ao método epidemiológico. Capítulo 8. In: Almeida Filho N e Barreto ML. Epidemiologia & Saúde: Fundamentos,
Métodos, Aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014, p. 77-84.
Bases da Epidemiologia
 Ciências Sociais: compreensão da estrutura e da dinâmica
social.

 Estatística: noções de probabilidade, inferência e estimação.

 Ciências Biológicas: conhecimento do substrato orgânico onde


as manifestações observadas encontrarão expressão individual
(clínica, patologia, microbiologia, parasitologia, imunologia, etc.).
Epidemiologia Descritiva
Distribuição de um
evento/agravo/doença

Quem? Onde?
Quando?
Características das Características do lugar
pessoas (individuais e espaço (ambiental e
e/ou contextuais) Características do tempo geopolítica)
(tendência, variação
cíclica, sazonal, etc.)
Características das pessoas
Número e percentual de casos de Síndrome
Individuais Contextuais/ Comportamentais Respiratória Aguda Grave (SRAG) por Covid-19
Idade Estado civil segundo raça/cor. Pernambuco, 2020-2021

Sexo Renda
Cor da pele Escolaridade

Herança Idade da mãe


genética
Estilo de vida: tabagismo, atividade
física, consumo alimentar
Medronho RA, Werneck GL, Perez MA. Distribuição das doenças no espaço e no tempo.
Capítulo 4. In: Medronho RA, Carvalho DM,Bloch KV; Luiz RR; Werneck GL (Org.).
Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu, 2 ed., 2009; p. 83-102
Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco. Boletim Covid-19 Nº 738. Dados
atualizados em 11/03/2022. Disponível em: https://www.pecontracoronavirus.pe.gov.br/wp-
content/uploads/2022/03/11-03-22_boletim_covid-19_comunicacao_ses-pe.pdf
Taxa de óbitos por covid-19 segundo status vacinal e faixas etárias.
Rio de Janeiro, início de sintomas Dezembro 2021 – Janeiro 2022

Fonte: SIVEP; SIPNI; SRV. Atualizado em: 07/02/2022

Secretaria Municipal do Rio de Janeiro. Centro de Operações de Emergência. Boletim Epidemiológico de 19/02/2022. Disponível em:
https://coronavirus.rio/wp-content/uploads/2022/02/Boletim-Epidemiologico_07.02.2022.pdf
Características do lugar e espaço
Lugar Espaço
Variáveis geográficas (local de Ambiente físico: clima, água, ar
nascimento, local de residência)
Variáveis político-administrativas Ambiente biológico: fauna e flora

Variáveis geopolíticas Ambiente socioambiental: tradições


culturais, tipo de ocupação

Medronho RA, Werneck GL, Perez MA. Distribuição das doenças no espaço e no tempo. Capítulo 4. In: Medronho RA, Carvalho DM, Bloch
KV; Luiz RR; Werneck GL (Org.). Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu, 2 ed., 2009; p. 83-102
Taxa de mortalidade de Covid-19 por 100 mil habitantes para os
países mais afetados

Johns Hopkins University & Medicine. Coronavirus Resource Center. Dados atualizados em 14/03/2022. Disponível em:
https://coronavirus.jhu.edu/data/mortality
Número de óbitos de Covid-19 Coeficiente de Mortalidade por Covid-
por município de notificação 19 por região de saúde de notificação

Ministério da Saúde. Painel Coronavírus (13/03/2022). Disponível em: https://covid.saude.gov.br


Características do tempo

Tempo
Tendência secular ou histórica
Variações cíclicas
Variações sazonais

Variações Irregulares

Medronho RA, Werneck GL, Perez MA. Distribuição das doenças no espaço e no tempo. Capítulo 4. In: Medronho RA, Carvalho DM,Bloch
KV; Luiz RR; Werneck GL (Org.). Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu, 2 ed., 2009; p. 83-102
Prevalência de fumantes adultos e as Ações de
Controle do Tabagismo

Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco. Disponível em:
https://www.inca.gov.br/observatorio-da-politica-nacional-de-controle-do-tabaco/dados-e-numeros-prevalencia-tabagismo
Mortalidade de mulheres por agressões antes e
após a vigência da Lei Maria da Penha

Antes da Lei Após a Lei

Garcia, LP et al. Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil. IPEA, 2013. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130925_sum_estudo_feminicidio_leilagarcia.pdf
Endemia (ex.: caso 1) Epidemia (ex.: caso 2)

Presença usual de uma Elevação brusca, temporária e


doença dentro dos limites acima do esperado
esperados numa determinada
área geográfica Surto
Todos os casos
relacionados entre si numa
Diagrama de controle área geográfica pequena .

Pandemia
Ampla distribuição espacial.
Atingindo diversas nações
ou continentes .

Limite endêmico ou faixa endêmica:


intervalo entre Incidência Mínima Esperada e
a Incidência Máxima Esperada.
Transição Demográfica
Pirâmide demográfica do Rio de Janeiro e Brasil em 2010, 2019 e estimativa para
2060 antes da pandemia de covid-19

Fonte: IBGE, 2019


Transição Epidemiológica
“Pestilência e da Fome”
Sociedades Pré-industriais Expectativa de vida
Doenças Infecciosas e Parasitárias 30 anos

 “Declínio das Pandemias”


Processo de Industrialização Expectativa de vida
Doenças Infecciosas e Parasitárias 40-50 anos

 “Doenças Degenerativas e Provocadas pelo Homem”


Sociedades Industriais Expectativa de vida
DCV, neoplasias e causas externas 70 anos

 “Nova” Transição para as Enfermidades Infecciosas e Parasitárias


 Emergentes e Reemergentes

Pontes RJS et al. Capítulo 6. Transição Demográfica e Epidemiológica. In: Medronho RA; Carvalho DM; Bloch KV; Luiz RR; Werneck GL (Org.). Epidemiologia. São
Paulo: Editora Atheneu, 2 ed., 2009; p. 123-151.
Transição Nutricional
 Modificações importantes no padrão de nutrição e consumo, que acompanham
mudanças econômicas, sociais e demográficas.

Privação Alimentar : DESNUTRIÇÃO Doenças crônicas não


E DOENÇAS CARENCIAIS transmissíveis:
OBESIDADE

Pontes RJS et al. Capítulo 6. Transição Demográfica e Epidemiológica. In: Medronho RA; Carvalho DM; Bloch KV; Luiz
RR; Werneck GL (Org.). Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu, 2 ed., 2009; p. 143.
Por que quantificar a ocorrência de eventos
relacionados à saúde?
 Medidas de saúde e doença permitem o diagnóstico do estado de saúde de
uma população (Indicadores de Saúde):
 Identificação dos principais problemas de saúde pública.
 Definição de áreas prioritárias para investimento de recursos
 Subsidiam a elaboração de políticas de saúde pública.
 Avaliação do impacto de ações de prevenção e assistência sobre estado de
saúde de população (efetividade).
 Comparação da situação de saúde entre grupos populacionais com
diferentes características (diferentes áreas geográficas, diferentes níveis
socioeconômicos, etc.)
Indicadores de Saúde

O que se deseja medir? Saúde


“... O estado de completo bem-estar físico, mental e social, e
não apenas a ausência de doença” (OMS, 1946) Utópico

O que mede tradicionalmente? Ausência de saúde e Doença


 relação direta com aplicação de medidas de controle.
Indicadores de saúde propriamente ditos
 Indicadores Positivos - qualidade de vida: são incomuns e de construção e
interpretação mais difíceis.

Devido à complexidade desse conceito, a OMS recomenda que a mensuração


da qualidade de vida das populações seja abordada de forma pluralista, isto é,
considerando vários componentes passíveis de quantificação (conceito ampliado
de saúde):
Componentes:
 Saúde, incluindo condições demográficas;  Transporte;
 Alimentos e nutrição;  Moradia;
 Educação;  Vestuário;
 Condições de trabalho;  Recreação;
 Situação do emprego;  Segurança social;
 Consumo e economia;  Liberdade humana.

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