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DPC Valorizar-me – Intervenção Psicológica em Situações de Violência Doméstica (10ª Edição)

Módulo 1
A violência doméstica em Portugal

Objetivos do Módulo

 Clarificar o conceito de violência doméstica e a sua abrangência.


 Diferenciar violência exercida sobre familiares ou parceiros/as íntimos/as e violência
exercida na comunidade.
 Especificar o que é e de que forma ocorre a ciberviolência.
 Descrever a evolução do enquadramento legal em Portugal acerca da violência
doméstica.
 Identificar situações de perseguição ou assédio.
 Compreender a legitimidade da intervenção no âmbito da proteção de crianças e jovens
em perigo.

Enquadramento concetual, histórico e legal

O conceito de violência doméstica


O conceito de violência doméstica não se esgota nas relações de conjugalidade ou análogas
(incluindo namoro).
De acordo com o tipificado no artigo 152º do Código Penal Português (CPP) estão
abrangidos no conceito de violência doméstica:

 Violência perpetrada contra crianças;


 Violência contra grupos em situação de vulnerabilidade (por exemplo, adultos mais
velhos)
 Violência filioparental

O conceito de Violência Doméstica tem apresentado ao longo do tempo uma evolução


concetual, mediante a maior ou menor interferência de aspetos culturais, religiosos,
ideológicos e políticos-legais.
O conceito de Violência Doméstica encerra em si mesmo a relação entre um conjunto de
pessoas (crianças, homens, mulheres, adultos mais velhos) e a presença de atos que, de forma
global, são definidos como comportamento violentos (força, intimidação, humilhação,
agressão e/ou coação) intencionalmente exercidos de forma isolada ou continuada, por uma
ou mais pessoas, sobre uma ou mais pessoas e que provocam danos físicos, emocionais,
sexuais e/ou psicológicos que se fazem sentir de forma imediata, a médio ou a longo prazo.

Definição de Violência Doméstica segundo a Organização das Nações Unidas (2002):


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Violência que ocorre na esfera da vida privada, geralmente entre indivíduos que estão
relacionados por consanguinidade ou por intimidade podendo a mesma assumir diferentes
tipos de violência, incluindo a física, a psicológica e a sexual.

Definição de Violência Doméstica segundo a Convenção do Conselho da Europa para a


Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica (ou
Convenção de Istambul), ratificada pelo Estado Português, em 2013:
Todos os atos de violência física, sexual, psicológica ou económica que ocorrem:

 no seio da família ou do lar


 entre os atuais ou ex-cônjuges ou parceiros, quer o infrator partilhe ou tenha
partilhado (ou não) o mesmo domicílio que a vitíma.

A Convenção de Istambul sublinha ainda que a violência doméstica afeta


desproporcionalmente as mulheres em todo o mundo, o que aponta para um exercício de
violência baseado no género que resulta, ou é passível de resultar, “em danos ou sofrimento
de natureza física, sexual, psicológica ou económica, incluindo a ameaça do cometimento de
tais atos, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, quer na vida pública quer na vida
privada.

Violência Interpessoal
A violência interpessoal integra duas subcategorias (tendo por referência a pessoa que é
vítima):

 Violência familiar/violência entre parceiros/as íntimos/as


inclui-se nesta subcategoria, os maus-tratos a crianças e jovens, a violência entre
parceiro/as íntimo/as e a violência contra pessoas idosas.

A violência entre parceiro/as íntimos/as se refere a situações de violência nas relações


de intimidade e/ou conjugalidade, violência no namoro, e diz respeito tanto a casais
heterossexuais (incluindo a que é exercida contra homens) como casais homossexuais.

 Violência na comunidade
Inclui-se tanto a violência perpetrada no círculo de pessoas próximas de quem é
maltratado como a que ocorre fora dele. Inclui-se:

 Violência juvenil
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 Atos fortuitos violentos


 Assédio/abuso sexual ou violação por estranhos
 Violência em contexto institucional – locais de trabalho (mobbing), escolas
(bullying), estabelecimentos prisionais, lares de acolhimento
 Stalking e o grooming1 enquanto estratégias de coação psicológica, por vezes
exercida de maneira insidiosa.

Violência Online
Ciberviolência – comportamento, exercido em ambiente digital (computador, smartphone) que
configura uma agressão a alguém (ou a um grupo de pessoas), podendo provocar um impacto
negativo no bem estar físico ou psicológico da(s) pessoa(s) afetada(s).
A crescente utilização da internet tem levado ao aumento do risco de cibervitimação.

Processo de vitimação de alguém ou de um grupo de pessoas por meio do uso de tecnologias


de informação e comunicação.

As vítimas cibernéticas podem incluir indivíduos de todas as idades, grupos ou


organizações. Neste quadro, inscrevem-se vários cibercomportamentos com especificidades
distintas dos praticados em meio real, nomeadamente o cyberbullying, o ciberassédio ou o
cyberstalking.

Evoluções no Enquadramento Legal da Violência Doméstica


Código Penal - Artigo 152.º - Violência Doméstica
Em Portugal, com a integração no contexto jurídico português de um conjunto de
recomendações internacionais, também se registaram evoluções no enquadramento legal da
Violência Doméstica:

 Tipificação da violência doméstica como crime autónomo2


 Adquire a natureza de crime público (2000), devendo ser objeto de denúncia por
parte de qualquer cidadão ou cidadã, tendo o Ministério Público legitimidade para
instaurar e prosseguir procedimento criminal face a atos previstos no Artigo 152º do
Código Penal3.

1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo
castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais:

1
Aliciamento/Manipulação
2
Com a publicação da Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro. Até então a violência doméstica estava integrada no
subtítulo dos “Maus tratos e infracção de regras de segurança” (c.f. Lei nº7/2000, de 27 de Maio).
3
Que sofreu alterações com a Lei n. º 59/2007, de 4 de Setembro alterada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro.
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a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge

b) A pessoa do outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha


mantido uma relação de namoro ou uma relação análogo à dos cônjuges, ainda que
sem coabitação

c) A progenitor de descendente comum em 1º grau

d) A pessoa particularmente indefesa nomeadamente em razão da idade, deficiência,


doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;

É punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por
força de outra disposição legal

2. No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na


presença de menor, no domicílio comum ou no domicilio da vítima é punido com pena
de prisão de 2 a 5 anos.

3. Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:

a) Ofensa à Integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8


anos
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.

4. Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas
acessórios de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de
armas, pelo período de 6 meses a 5 anos, e de obrigação de frequência de programas
específicos de prevenção de violência doméstica.

5. A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento de


residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por
meios técnicos de controlo à distância.

6. Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atentando à concreta
gravidade do facto e sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido e
coerência do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de 1 a 10 anos.

Código Penal - Artigo 154.º - A Perseguição


A ratificação da convenção de Istambul pelo Estado Português 4 promoveu a nova revisão do
Código Penal5 que passa a integra novos crimes, nomeadamente, os de Mutilação Genital
Feminina (artº 144.º - A), de Perseguição (artº 154.º - A) e de Casamento Forçado (art. º 154.º
- B).

4
Pela resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 21 de Janeiro.
5
Com a Lei n-º 83/2015, de 5 de Agosto, procede à trigésima oitava alteração ao Código Penal.
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1. Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta
ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a
prejudicar a sua liberdade de terminação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou
pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.

2. A tentativa é punível.

3. Nos casos previstos no n.º 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de
proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de
frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas de perseguição.

4. A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da


residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por
meios técnicos de controlo à distância.

5. O procedimento criminal depende de queixa.

O crime de Perseguição pode, frequentemente, estar associado ao crime de Violência


Doméstica.

Políticas Públicas de Combate à Violência Doméstica

Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo - Artigo 3.º - Legitimidade da Intervenção


O Estado Português incrementou, desde 1999, um conjunto de políticas públicas de combate à
Violência Doméstica, sendo plasmados os seus objetivos em diversos planos de ação
(nacionais, regionais e municipais), que informam a prática profissional de vários
intervenientes6.
Destaca-se ainda a criação e a consolidação da “Rede Nacional de Apoio a vítimas de
Violência Doméstica” que integra um conjunto de estruturas e respostas, tais como as
estruturas de atendimento e acolhimento de emergência, respostas especializadas das
forças de segurança, casas de abrigo para vítimas de Violência Doméstica, linhas de
atendimento telefónico, estando definidos os requisitos legais e técnicos para a abertura e o
funcionamento das estruturas de atendimento e de acolhimento a vítimas de Violência
Doméstica7.
Relativamente à intervenção no âmbito da Violência Doméstica com crianças e jovens,
importa atender ao que está previsto na Lei nº 147/99, de 1 de Setembro – Lei de Proteção de
Crianças e Jovens em Perigo, na sua atual redação de Setembro de 2015 (Lei nº 142/205, de 8
de Setembro).

6
Em vigor, o Plano de ação para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica
(2018/2021), que integra a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação – Portugal + Igual (2018-
2030), publicada no Diário da República do passado dia 21 de Maio e que corresponde ao 6º instrumento de política
pública nestas matérias.
7
Decreto regulamentar nº 2/2018, de 24 de janeiro e Requisitos Mínimos para Intervenção em Violência Doméstica e
Violência de Género (CIG, 2016). Este último documento pode ser consultado em https://www.cig.gov.pt/wp-
content/uploads/2017/01/Guia_requisitos_minim_intervenc_situac_violencia_domestica_e_de_genero.pdf
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1. A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo


tem lugar quando os pais, o representante legar ou quem tenha a guarda de facto poem
em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando
esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a
que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.

2. Considera-se que a criança ou jovem está em perigo quando se encontra numa das
seguintes situações:

a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;


b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente
a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
e) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem
gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem
que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham
de modo adequado a remover essa situação.

Esta lei delimita e confere atribuições de atuação a entidades com competência em matéria de
infância e juventude, às comissões de proteção de crianças e jovens e ao próprio sistema
judicial, definindo no artigo 3º a legitimidade para a intervenção do sistema de proteção sempre
que alguma criança ou jovem que resida em território português, seja exposto a situações que
comprometem a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.
Resulta da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo o reconhecimento de que crianças e
jovens podem ser vítimas da ação violenta por parte dos/as progenitores/as ou de representantes
legais, havendo estruturas oficiais especificamente adstritas à sua proteção, através do
desenvolvimento de ações que contribuem para o desenvolvimento de competências e
capacidades parentais junto das famílias ou da promoção do afastamento das vítimas desses
agregados.
Outra realidade é a prática de atos de Violência Doméstica pelos jovens contra ascendentes –
progenitores e avós - irmãos e outros familiares. Quando o acto constitua facto qualificado
pela lei como crime e é perpetrado por jovem com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos,
aplica-se a Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro, e sucessivas alterações)
que prevê a imposição de medidas tutelares educativas que “visam a educação do menor para
o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade” (n.º1 do artigo
2-º).

FIM

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