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Em sua aproximação inicial, a inclusão escolar foi entendida sumariamente como a inserção dos
estudantes com deficiência que frequentavam classes e escolas especiais nas turmas das escolas
comuns. Conquanto ainda muitos a concebam assim, estamos chegando pouco a pouco à
compreensão de seu mote: garantir o direito à diferença na igualdade de direitos à educação.
Quando nos referimos à igualdade, estamos falando de direitos iguais e não de educandos
igualados e reduzidos a uma identidade que lhes é atribuída e definida de fora, formando
conjuntos arbitrariamente compostos: bons e maus, repetentes e bem sucedidos, normais e
especiais etc. Quando nos referimos ao direito à diferença, estamos tratando da diferença entre os
estudantes que, mesmo passíveis de serem agrupados por uma semelhança qualquer, continuam
diferentes entre si, dado que a diferença tem seu sentido adiado infinitamente.
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06/04/24, 13:17 Diferenciar para incluir ou para excluir? Por uma pedagogia da diferença
A igualdade gera identidades naturalizadas, estáveis, fixadas nas pessoas ou em grupos e elas têm
sido úteis para que a escola defina aparatos pedagógicos e estabeleça em sua organização
critérios e perfis educacionais idealizados. A diferença não cabe nesses perfis engessados, nas
classificações e identificações que encerram os estudantes mais adiantados, por exemplo, em uma
dada turma, os mais atrasados, em outra. Os alunos são sujeitos únicos, singulares, heterogêneos,
que não se encaixam plenamente nelas.
Quando se abstrai a diferença, para se chegar a um sujeito universal, a inclusão perde seu sentido.
Conceber e tratar as pessoas igualmente esconde suas especificidades. Porém, enfatizar suas
diferenças, pode excluí-las do mesmo modo. Como, então, encarar o processo ardiloso de
(des)equilibração impostos pela inclusão? Como ir em frente, sem cair nas suas armadilhas?
Distinguir diferença de diversidade é um primeiro passo. Não se trata de um jogo de palavras, mas
de se reconhecer a natureza de ambas. A diferença tem natureza multiplicativa e não se reduz à
identidade – a diferença vai diferindo e se reproduzindo. A diversidade tem a ver com o idêntico e,
portanto, com o existente, o imutável. Identidade e diferença não se compõem. Ademais, estamos
habituados às formas de representação da diferença, que são resultantes de comparações e de
contrastes externos. As peculiaridades definem a pessoa e estão sujeitas a diferenciações
contínuas, tanto interna, como externamente. Para Burbules, estudioso do tema, a forma usual de
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Os modos de subjetivação nos aprisionam na representação pela qual o outro nos define. Uma
identidade enunciada resulta do poder de assujeitamento de quem nos nomeia. Segundo Guattari,
a produção subjetiva, ou melhor, a fixação em uma identidade atribuída de fora torna a pessoa
tributária de verdades universais, que a fazem perder a sua singularidade e submeter-se à
exclusão. Por se apoiarem no sentido da diferença “entre” e em discursos científicos que instituem
a identidade pela definição de desvios e da normalidade, grande parte de nossas políticas públicas
confirmam o projeto igualitarista e universalista da modernidade. Embora já tenhamos avançado
muito, desconstruir o sentido de diferença “entre” e desconsiderar a identidade idealizada e fixa
do indivíduo modelar em nossos cenários sociais é ainda uma gigantesca tarefa.
A diferença “entre” está subjacente a todos os entraves às mudanças propostas pela inclusão.
Velada ou explicitamente, ao fazermos comparações, fixamos padrões desejáveis, definimos
classes e subclasses com base em atributos que não dão conta das pessoas por completo,
excluindo-as por fugirem à média ou à norma estabelecida. O poder que subjaz a essas
enunciações estabelece, pela via da comparação, os processos de diferenciação para excluir, que
limitam o direito de participação social e o gozo do direito de decidir e de opinar de determinadas
pessoas e populações. Essa tendência se opõe à inclusão e ainda é a mais frequente.
A diferenciação para incluir como saída para se enfrentar as ciladas da inclusão está se impondo
aos poucos e cada vez mais se destacando e promovendo a inclusão total. Tal processo de
diferenciação implica a quebra de barreiras físicas, atitudinais, comunicacionais, que impedem
algumas pessoas em certas situações e circunstâncias de conviverem, cooperarem, estarem com
todos, participando, compartilhando com os demais da vida social, escolar, familiar, laboral, como
sujeitos de direito e de deveres comuns a todos.
Os que se envolvem na defesa dos preceitos inclusivos precisam estar atentos ao sentido da
diferença como padrão produzido pelos que procuram se diferenciar cada vez mais para manter a
estabilidade de sua identificação ou diferença. Aí mora o perigo. Há muitas formas de se contribuir
para que se confirme o sentido desestabilizante da diferença, no qual a inclusão se fundamenta,
para que continuemos a progredir na direção de uma sociedade verdadeiramente democrática.
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Deslizes que possam ocorrer no entendimento do direito à diferença, com base no que esta
significa, e durante os processos de diferenciação criam problemas e caminhos equivocados para
os que buscam construir uma pedagogia alinhada aos preceitos inclusivos. Os processos de
diferenciação precisam ser cuidadosamente observados, para que, na intenção de acertar, as
escolas acabem se perdendo e caindo em armadilhas difíceis de escapar.
Diferenciar para incluir é possível, quando a aluno ou beneficiário de uma ação afirmativa qualquer
estiver no gozo do direito de escolha ou não dessa diferenciação. Um exemplo desse direito é o
aluno que pode optar pelo lugar que ocupará em uma sala de aula, quando usa cadeira de rodas.
Ele não é obrigado a se sujeitar à imposição de sentar-se sempre à frente de todos, em um lugar
especial, definido por especialistas, se sua turma de colegas está localizada mais ao fundo.
Um aluno cego ou com baixa visão, que é o único a usar um computador na sala de aula não está
sendo diferenciado e excluído dos seus colegas, se o computador o faz participar das aulas com
autonomia e independência, por meio de um leitor de tela, por exemplo. Ele também tem o direito
de estudar os conteúdos escolares em braille, ampliados na fonte e essas diferenciações são
aceitáveis, porque não são recursos que o discriminarão em sala de aula.
Nos exemplos de diferenciações citados, que envolvem inclusão nos processos educativos, estão
resguardados os direitos à igualdade – de estudar e compartilhar conhecimentos com os colegas
de turma – e à diferença, que assegura ao aluno equipamentos, apoio da tecnologia na sala de
aula e outros suportes e que lhe faculta a liberdade de escolhê-los, de modo que se sinta melhor
assistido para participar das aulas e aprender.
Há alunos que são diferenciados por participarem de programas de reforço escolar e outros cujos
estudos são realizados de acordo com atividades conteúdos adaptados e limitados, que
professores e especialistas lhes prescrevem na ilusão de serem capazes de definir e controlar o
aprendizado. Há mesmo intervenções que são realizadas por professores de educação especial,
que acontecem na sala de aula, durante as atividades diárias e que também diferenciam alunos,
excluindo-os da turma, mesmo temporariamente.
Muitos poderão entender que essas diferenciações são para incluir, pois do contrário os alunos
seriam relegados pela escola, por falta de atenção a suas necessidades. Ocorre que tais programas,
por restringirem conteúdos e atividades escolares, são considerados discriminatórios e
excludentes e atentam para a liberdade de estudante aceitá-las ou não, no período de aula. Na
boa vontade de “customizar” o processo educativo, de modo que se ajuste ao feitio de cada um, a
exclusão se manifesta, embora estejamos pretendendo o contrário.
A escola tem poderes para diferenciar e para identificar os alunos, submetendo-os a mecanismos
de inclusão e de exclusão educacional.
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A tendência de diferenciar o ensino escolar comum para certos grupos ou mesmo para um único
aluno é uma prática que não corresponde a uma educação verdadeiramente inclusiva. Os aparatos
pedagógicos que visam tornar menor ou maior o grau de dificuldade do ensino nas salas de aula,
associar exclusivamente algumas atividades e níveis de dificuldade a certos alunos, realizar a
escolarização de alguns, seguindo uma programação à parte, mesmo que estejam gozando igual
direito de estar com todos nas salas de aulas do ensino comum, eles continuam sendo excludentes
e, portanto, descumprindo o direito à diferença.
Para que uma pedagogia da inclusão seja exercida nas escolas, ela deverá acolher a diferença de
todos os alunos como próprias da natureza multiplicativa da diferença, que se reproduzem, não se
repetem, se ampliam e não se reduzem ao idêntico e existente. Esse acolhimento impede que o
ensino e aprendizagem escolares de alguns alunos sejam restritas a currículos adaptados,
objetivos educacionais reduzidos, critérios de avaliação abrandados, terminalidade específica para
certificação escolar, facilitação de atividades, sempre levando em conta o que o nosso poder de
decidir sobre o que nossos alunos têm ou não capacidade de aprender.
Tais procedimentos diferenciam para excluir e são próprios de um ensino diferenciado que chega
ao nível de sua individualização, ou seja, a ser proposto sob medida para cada um.
A pedagogia a que queremos chegar não seria jamais concebida como uma pedagogia que
congela identidades e que em função dessa estabilidade construída, estabelece um campo
específico, uma fórmula padrão para atuar com cada uma delas. São típicas desse congelamento
as pedagogias para alunos com deficiência intelectual, com surdez, com problemas de linguagem,
em que a “customização” do ensino considera o cliente como um sujeito abstrato, desencarnado
para os quais se destinam procedimentos universalizados, generalizados. A esta maneira de fazer
educação escolar comum e especial podermos chamar de “pedagogia da diversidade”, em que a
diferença é redutível à identidade, a um dado cultural, à natureza.
Na linha da diversidade, estão as pedagogias das etnias, religiões, gênero, minorias, que têm um
caráter estático e que celebram identidades estáveis, prontas, que se impõem como
representativas de grupos que buscam entre outros objetivos, a afirmação social.
A expressão livre de ideias, sentimentos, posicionamentos desloca o poder que identifica e reduz
as diferenças a níveis de compreensão, desempenho e acompanhamento do ensino, segundo
normas que permitem distinguir a verdade no que parece ser um erro. O exercício propiciado pelo
ensino em que a autonomia intelectual revela a capacidade de tomada de decisão do aluno,
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escolhendo por si só suas tarefas e o modo de desenvolvê-las, de acordo com suas capacidades e
interesses, corresponde ao que almejamos atingir em uma pedagogia alinhada à inclusão.
Uma sociedade inclusiva é possível e está a caminho. Os avanços nessa direção são evidentes e
resultantes de conquistas que os tornam irreversíveis. Nosso compromisso como educadores do
século XXI reveste-se da responsabilidade de concretizar uma pedagogia que responda aos
anseios e necessidades desse novo tempo.
©Instituto Rodrigo Mendes. Licença Creative Commons BY-NC-ND 2.5. A cópia, distribuição e
transmissão dessa obra são livres, sob as seguintes condições: Você deve creditar a obra como de
autoria de Maria Teresa Eglér Mantoan e licenciada pelo Instituto Rodrigo Mendes e DIVERSA.
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