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Hoje apetece-me

Pintar os teus lábios,


POESIA
Tradutora do conto “O Gato Com a tinta da minha boca,
E este pincel nela mergulhado
Peludo e o Rato de Sobre-
até ela ficar oca.
tudo” do escritor brasileiro
Wilson Bueno, de língua Por- Hoje apetece-me
tuguesa para Xichangana, edi- Soletrar em surdina
tado pela Editora Kutsemba Tudo o quererias ouvir Deusa d’Africa, nasceu aos 05
Cartão em 2010. Como o sopro que deu a vida a Adão de Julho de 1988, na cidade de
E ulteriormente tornar-me
Xai-Xai, tem dito poemas des-
Co-apresentadora do progra- Tuas vestes
ma Literário Xiziku Gazence Desse corpo despido Deusa d’Africa de 1994, e, tem se apresentado
em saraus desde 1997 o ano
do Xitende, na Rádio Xai-Xai, Pelo meu desejo
E os deuses dando-me um ensejo em que torna-se me membro

A Voz das Minhas


em 2013.
De alcançar a carreira de estilista do Núcleo Literário Xitende,
Co-fundadora do Grupo Cul- Só para te vestir é autora de várias obras ainda
tural que herda o nome do Com a tua nudez que almejo. não editadas mas sim publica-

Entranhas
único Núcleo Literário de das parcialmente na imprensa
Hoje apetece-me nacional e internacional em

Deusa d’ Africa
Xai-Xai denominado Xiten- Fazer sem cunhas
de, onde actualmente ocupa prosa (Contos, romances, en-
Mas sim, usando minhas unhas
o cargo de Coordenadora saios literários, prosa poética)
na textura da tua tez.
Geral. e verso. Muitos dos seus poe-

-
Hoje apetece-me mas, contos, e artigos de críti-

A Voz das Minhas Entranhas


Prémio Melhor Declamadora Fumar as tuas mágoas ca literária (assinados por um
em 1997, na cidade de Xai- E aliviar os pulmões heterónimo), porém, encon-
-Xai; Prémio Destaque Lite- Com um charuto. tram-se na Imprensa, como
rário Internacional em 2011 é o caso de “Jornal Notícias”,
pelo poema São e Vão, Pré- Hoje apetece-me “O País”, “Pirâmide”, “Diário
mio Destaque Literário Inter- Ao altar, levar-te, de Moçambique”, em revistas
E casar-te tais como “Xitende”, Varal do
nacional da Obra “A Voz das Só e só por hoje,
Minhas Entranhas” em 2011; Brasil, também, possui poe-
Ter a lua-de-mel,
Vencedora Absoluta e de di- E esquecer a acerbidade mas traduzidos em sueco e
versos Destaques Literários Desse coração fel publicados na ”Suécia”. Foi an-
Internacionais em Maio de Na escolha de homem, cheio de tologiada em Brasil na Colec-
2012, na modalidade de po- sumptuosidade. tânea Veríssimos “O Escritor
esia, e Destaques Literários Diante do Espelho…” editada
de vários contos da obra “O Hoje apetece-me em 2012 por Alpas XXI, e na
Limpopo, das Nossas Vidas” Nas tuas entranhas, arquejar Antologia Brasileira “Mil Poe-
em Outubro de 2012, em Nelas manejar mas para Gonçalves Dias” em
Mergulhar no mar da incerteza, só para te ter. 2013.
Concursos Literários Interna-
cionais “A Palavra do Século
XXI (Alpas XXI), na República Patrocínio:
Federativa do Brasil.
Prémio Literário Internacional ALPAS XXI 2011
Deusa d’Africa

A ENTRANHAS
VOZ DAS MINHAS
Ficha Técnica
Titulo: A Voz das Minhas Entranhas
Autora: Deusa d’ Africa
deusadafrica@yahoo.com.br
Revisão: Aurélio Ginja
Fotografia e Organização: Grupo Cultural Xitende
Layout & Impressão: Ciedima, Lda.
Tiragem: 000 exemplares
N° de Registo: 0000/RLINLD/2013
Maputo, 2014
Deusa d’ África

Índice

Dedicatória.................................................................................................... 3
A Mãe de Malditos: Clara Jossias Boane........................................... 3
Agradecimentos.......................................................................................... 4
PREFÁCIO....................................................................................................... 6
O canto do futuro....................................................................................... 6
São e Vão (à Abid Khan)........................................................................... 11
Quarta-Feira.................................................................................................. 12
Hoje Apetece-me........................................................................................ 14
O Vaivém do Meu Coração...................................................................... 16
Numa Manhã Nervosa.............................................................................. 18
Fina (a Fina)................................................................................................... 22
Lágrimas de Açúcar.................................................................................... 24
Quando o dia e a noite acordarem...................................................... 26
Se olhos meus cegarem........................................................................... 27
O Erro Divino................................................................................................ 29
Os Olhos que Falam................................................................................... 30
Ontem apagamos o amor....................................................................... 31
Poesia Financeira (a Suleiman Cassamo).......................................... 32
O Delírio.......................................................................................................... 36
A Escravatura............................................................................................... 38
Joana (a minha amiga do futuro)......................................................... 40
A Vida Que Não Tive.................................................................................. 41
Quando o Céu Abrir................................................................................... 42
Abalroamento.............................................................................................. 44
Perguntas...................................................................................................... 45
Moça................................................................................................................ 46

3
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Naquela Noite de 1 de Abril.................................................................... 49


Coitadinho do Papel.................................................................................. 52
O Melhor dia Para se Morrer.................................................................. 54
Quando Estivermos Vivos....................................................................... 56
Que Triste Sina a dos Versos Meus...................................................... 58
A Rendição do Inferno.............................................................................. 60
Entristeci-me................................................................................................. 61
- É condenada por homicídio voluntário e com dolo.................... 64
A Voz das Minhas Entranhas.................................................................. 65
Vento............................................................................................................... 67
Morreu............................................................................................................ 68
Se eu Morresse Hoje................................................................................. 69

4
Deusa d’ África

Obra Premiada,
no Concurso Literário Internacional Alpas XXI 2011 ,
na República Federativa do Brasil.

5
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

6
Deusa d’ África

Dedicatória

A Mãe de Malditos: Clara Jossias Boane

7
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

8
Deusa d’ África

Agradecimentos

Aos empreiteiros deste edifício que se chama Deusa


d´Africa: Clara Jossias Boane, Dom Midó das Dores, Andes
Chivangue, Silvestre Salvador.
Ao Dércio Tunes, o único deus lúcido. neste planeta.
Ao FUNDAC, o meu inefável agradecimento pelo ensejo
concedido, financiando a mera arte da vossa divindade.
Ao Dr. Aurélio Ginja, pela assistência linguística concedida.
As pétalas da minha vida e irmãos sempiternos: Ana Dinícia,
Alex Dau, Carmélio Libombo, Irene Boane, Hermenegildo
Chiúre, Sérgio Carlos Mapiquije, e Poeta Militar.
Antes que me esqueça de me lembrar dos esquecidos,
míseros irmãos meus, cujas vozes já calejam por comigo içar
a bandeira da nossa identidade:
- Ao Grupo Cultural Xitende.

Aos amigos não se agradece, porém é sancionável esta


atitude, perdoem-me por o ter tentado, mas felizardos os
não mencionados porque não houve delito contra eles...

Khanimambo!

9
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

A maior obra
Que um empreiteiro pode edificar
É uma obra cujas vigas tenham como baluarte
A voz das suas entranhas.

10
Deusa d’ África

PREFÁCIO

O Canto do Futuro

Kenguelekeze!
O surgimento da lua é o surgimento da vida. Por isso,
quando a criança nasce, as mulheres, as avós, soltam
culunguanas de boas vindas gritando. Na grande cerimónia,
apresentam o recém-nascido com vozes que se assemelham
ao cantar de um galo no despertar da lua nova: Kenguelekeze!
Esta é a primeira lua da tua vida. Que tenhas muita bênção e
longa vida; que tenhas boa saúde, sorte, fortuna, e não sejas
atacado pelas doenças da lua, Kenguelekezê!
Cantem comigo este canto do futuro, no grito da origem
da vida. Apresentemos pois a “A voz das minhas entranhas”
à lua nova, lua mágica, lua recém-nascida como esta obra
poética e por isso digo: kenguelekeze! Esta é a primeira lua da
tua vida, ó A voz das Minhas entranhas! Bem-vindo ao mundo
literário, depois da longa gestação no ventre da tua mãe!
Deusa d’Africa, pelo teu primeiro parto literário endereço as
minhas congratulações e desejos de bênção de longa vida,
muita saúde, e muita sorte para ti e para a tua criatura. Tal
como a lua, este livro conhecerá o crescimento, o brilho, o
declínio, para voltar a renascer mais belo, mais forte, e assim
participar na eternidade literária da nossa terra.
Uma literatura equilibrada se desenha com a pluralidade
de vozes dos seus escritores. A voz das mulheres não morreu,
mesmo esmagada pelo peso das tradições, que encerram os

11
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

seus doces acordes na solidão das cozinhas. Nem sucumbiu


perante a tirania do patriarcado e das suas religiões fanáticas.
Ela sobreviveu e se foi afirmando, com escritoras irreverentes,
que quebraram o mito ao longo das gerações: foram elas a
Clotilde Silva, Noémia de Sousa, Lilia Momplé, Lina Magaia.
Novas mulheres foram escrevendo, publicando, como
gotas de água no oceano imenso. O número de escritoras
vai crescendo gradualmente, com mais pujança, provando
ao mundo que a literatura feita por mulheres é uma linha
contínua, essencial, não pode morrer, e nunca se deve calar.
Deusa d´Africa, escuta bem: nós mulheres escritoras, somos
ainda uma gota de água, no oceano imenso, mas diz o adágio
popular: gota de água mole em pedra dura, tanto bate até
que fura. Um dia seremos muitas e também seremos maiores.
Não desanime, avança.
Pode, uma mulher, participar na construção de um
país? Gomocumu, nosso poeta cantor de timbila, compôs
o seguinte poema: se queres tocar a timbila, tens que
primeiro sonhar com ela. Então, para construir o país, é
preciso primeiro, sonhar com ele. Será que a sociedade, dá
às mulheres o direito de sonhar o país? Mas sonhar é viver,
por isso elas sonham sonhos reprimidos. O sonho da mulher
se escuta quando ela pilando milho e amendoim, ritmando
os movimentos numa canção de lamento, pela violência da
vida. Encontra-se na canção de amargura, com que adoça a
vida, quando lava roupas e mágoas nas águas dos rios. Na
canção de embalar da sua criança. No conto oral à volta da
fogueira, quando a mulher já adulta transmite valores morais

12
Deusa d’ África

e culturais à nova geração. A maioria das mulheres constrói


o país assim, cantando e sonhando com um mundo melhor e
livre do sofrimento, nas esquinas mais sombrias da vida.
A Deusa d´Africa, quis participar no sonho da construção
da nação, juntando a sua voz poética ao canto coletivo,
através desta obra. Inspirada no Gomocumu, quis ela, dar a
entender, que uma boa obra literária, não pode ser produto
de pensamentos dissimulados, mas sim do mais profundo das
entranhas, tal como o filho que vem da parte mais profunda
do nosso ser. Por isso começa com a seguinte epígrafe:

A maior obra
Que um empreiteiro pode edificar
É uma obra cujas vigas tenham como baluarte
A voz das suas entranhas.

É surpreendente, que este pensamento seja emanado por


uma jovem autora, logo no seu primeiro livro. É maravilhoso,
ouvi-la aconselhando a todos que, toda a boa obra deve vir
da profundidade, do íntimo, com as melhores qualidades do
coração. São palavras de sabedoria, que aconselham a todos
os que querem seguir o caminho da escrita e construir algo
na vida.
Com esta obra, a Deusa d’Africa se estreia. É como uma
nova planta que acaba de brotar e deve ser tratada com
carinho. Ela está em crescimento. Está a definir um caminho,
um ritmo. Vai-traçando versos cheios de sonhos, que vão se
afirmando à medida que os tece, com a tenacidade de uma

13
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

alpinista que escala em direção ao pico sagrado do monte alto.


E chegará. Porque é jovem e perseverante. Muitos dos seus
poemas foram já premiados em concursos internacionais.
A Deusa d’Africa observa o mundo com os seus olhos
juvenis e nada lhe escapa. Cada uma das suas palavras tocam
o coração e iluminam o espírito de quem a lê. Evocam todos
eles a paz, a igualdade, a harmonia e o equilíbrio do mundo. No
poema intitulado São e Vão, ela diz uma verdade intemporal:
os olhos do poeta são um mar. O mar é uma imensidão. A
poesia é uma viagem pela imensidão que só os olhos do poeta
conseguem empreender, para observar as diferentes faces
da existência. Alguns poemas são uma verdadeira resposta à
desordem humana e à angústia do quotidiano. E ela fornece
a luz, no poema Fórmula da Felicidade, quando diz que
consiste em “encontrar o sorriso no meio das lágrimas”. Os
poemas falam da liberdade recordando-nos da escravatura,
que é a parte mais dolorosa da história de Africa, quando nos
diz “no dia que encher o rio jamais serei escrava.” No poema
Eternidade mostra-nos a face do amor mundano, que começa
com o fogo da paixão para terminar em violência, chegando
a afirmar no poema O Erro Divino, que, “até a morte é mais
deliciosa que o matrimónio”. Ela mostra que, a nova geração
de esquebra os tabus que são impostos às mulheres. Ela entra
no erótico, de uma forma púdica e afirma “hoje apetece-me…
com a tua nudez almejo.” Rende homenagem aos grandes
imbondeiros da arte, como o Malangatana.
De que vale a poesia de uma mulher nesta sociedade
onde a voz das mulheres se pretende silenciada, submissa

14
Deusa d’ África

e obediente, e até os editores preferem publicar romances


e conto? Será que a poesia se vai extinguir do universo
literário? Não, não se extinguirá. Resistirá, porque poesia é
sopro, á a alma a respirar, é imortal. A poesia no feminino
ocupa o espaço sagrado, na gestação da vida. Nós mulheres
conhecemos o grito da aurora que deve ser cantado em
poesia. Poesia de mulher não é um cacarejo a reprimir. A
visão feminina do mundo não é exterior à essência humana. O
feminino e o masculino não estão separados. Somos apenas
um em dois corpos e duas almas que se completam. Neste
momento de turbilhão humana, a poesia no feminino é a voz
que embala, que equilibra e eleva as almas humanas em voos
de esperança. Por isso grito, em plenos pulmões:
Kenguelekezê!
Esta é a primeira lua da tua vida, ó A voz das Minhas
entranhas! Bem-vindo ao mundo literário, depois da longa
gestação no ventre da tua mãe! Deusa d’Africa, pelo teu
primeiro parto literário endereço as minhas congratulações e
desejos de bênção de longa vida, muita saúde, e muita sorte,
kenguelekeze!

Paulina Chiziane

15
I PARTE
MASMORRA
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

18
Deusa d’ África

São e Vão

(à Abid Khan)

Os olhos do poeta são um mar,


ondas consecutivas vão tecendo o luar,
conchas e mariscos vão decorando o espaço lunar,
em todas manhãs o sol e seus filhos a raiar,
tsunamis e outros sismos vão construindo o epicentro e seu
lar,
ventos e brisas vão se confundindo na arte de amar,
postais e cartas são recebidos mesmo sem selar,
homens bons e maus vão jogando o lixo mesmo respirando
esse ar,
casas vão se erguendo na paridade territorial a desmoronar,
gotas de água vão salgando vidas para o homem saborear,
e essas vidas vão esmorecendo com o nascer da cegueira do
mar;
Cardiologistas vão se afogando tentando animar
o coração marítimo desalentado por se explorar
seus bens, em prol de remédios para remediar,
a dor pelos mesmos causada, sem intenção de consciencializar,
os outros matadores deste inocente e puro olhar.

(Poema Premiado em Destaque Literário do Concurso


Internacional de Poesia , no Concurso Literário Internacional
Alpas XXI 2011 , na República Federativa do Brasil.)

19
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Quarta-Feira

Aquela velha rameira


Vendeu a quarta
Numa manhã cheia de ternura
Pronta para parir o dia
Quando foi a feira

Sem anuência
Nem sequer dos deuses
A velha levou a quarta parte do dia
Para uma feira
Numa periodicidade
Em que tal como a cidade, o mercado se encontrava
Azafamado por monopolistas com quem negociava

Em troca de míseras moedas


A velha vendeu ainda esverdeada
a parte quarta dos dias, como vendeu a enteada.

- É verdade imperatriz
Que aquela meretriz
Que diz ser actriz
Dos prostíbulos, na feira vendeu os dias
A parte quarta dos dias
E os monopolistas
Tomaram-na e o pior, é que para a civilizarem
chamam-na por quarta-feira

20
Deusa d’ África

Como se não existisse nome melhor


Sejam tomadas deliberações
Antes que venda a quinta e também a sexta
Parte dos dias para os mesmos
E esgote os nossos dias numa feira.

21
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Hoje Apetece-me

Hoje apetece-me
Pintar os teus lábios,
Com a tinta da minha boca,
E este pincel nela mergulhado
até ela ficar oca.

Hoje apetece-me
Soletrar em surdina
Tudo o quererias ouvir
Como o sopro que deu a vida a Adão
E ulteriormente tornar-me
Tuas vestes
Desse corpo despido
Pelo meu desejo
E os deuses dando-me um ensejo
De alcançar a carreira de estilista
Só para te vestir
Com a tua nudez que almejo.

Hoje apetece-me
Fazer sem cunhas
Mas sim, usando minhas unhas
na textura da tua tez.

Hoje apetece-me
Fumar as tuas mágoas

22
Deusa d’ África

E aliviar os pulmões
Com um charuto.

Hoje apetece-me
Ao altar, levar-te,
E casar-te
Só e só por hoje,
Ter a lua-de-mel,
E esquecer a acerbidade
Desse coração fel
Na escolha de homem, cheio de sumptuosidade.

Hoje apetece-me
Nas tuas entranhas, arquejar
Nelas manejar
Mergulhar no mar da incerteza, só para te ter.

(Poema Classificado em 1º Lugar do Concurso Internacional de


Poesia Alpas XXI, na República Federativa do Brasil, 2012)

23
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

O Vaivém do Meu Coração

Vai coração
E vem meu amor
Vem travar a chuva
Pela qual a terra clama
Neste solo irrigado
Pela miudeza dos meus pingos
Demandando a ti o arco-íris
E sinta o palpitar da oração
No juízo final, onde a terra, no inferno, pega chama.

Vai coração
E vem meu amor
Vai vender a vida
Para outras clientes
No mercado do pénis
Mas não te esqueças
Da nossa mansão
De areia que pode desmoronar

24
Deusa d’ África

Vai coração
E vem meu amor
Vem me dar a vida
Que tua clientela
Esgotou-ta
Dando-te o bónus da Sida.

Vai coração
E vem meu amor
Vai ao teu público-alvo
E a quota de mercado epicena
Enquanto eu na nossa mansão te espero
Mesmo sendo de areia nela te quero.

Vai coração
E vem meu amor
Vem apaziguar
Esta vegetação
Da Mandioca que na minha terra se aborta
Quando o noitibó chuvoso à espécie desespera
Enquanto o futuro te espera
Num jantar para comer Xiguinha.

Vai coração
E vem meu amor
Vai viver de take away
Com amante em qualquer way
Mas não te esqueças

25
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Que as nossas esperanças se amareleceram


Remanesce-nos apenas crermos no sol
Raiando migalhas da tua remuneração
Para electrificar os cadernos
Dos nossos filhos
Pois o ano lectivo começou.

(Poema Premiado em Destaque Literário do Concurso


Internacional de Poesia, na República Federativa do Brasil, em
2012.)

26
Deusa d’ África

Numa Manhã Nervosa

Choveu granizo
do rosto de uma mulher,
exornando por águas diluviais,
todos os bens que estavam dentro do quarto,
desde o colchão sustentado
por dez blocos de cimento,
os ternos mais caros do mercado,
capulanas bastante significantes e de diversas cores,
colecções de sapatos com sola de céu nublado,
livroxadas de enxadas taxadas,
na sua aquisição, catanas entre outros;
quando um ser em suas entranhas,
trovejara anunciando a sua existência,
o que enervara a manhã,
enchendo-a de desgostos e, dando-a o gosto pelo hedonismo
espantando o sol,
que no preâmbulo do circunlóquio diluvial
num gorro e num cachecol
se agasalhara
e daquele meio se apartara,
e passara a alumiar de longe, a casa
de cabelos loiros,
bem barriguda,
com a pele enegrecida,
pelo fumo da panela,
que alimentava o seu povoado.

27
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

(a Jejé)
Tenro
De ternura
É o teu olhar
Pupilas enlutadas, sim enquanto eu não ressuscitar.

Teus
Lábios decorados pela terra
Erguem tectos para neles o homem morar,
E cabelos anoitecidos para neles a lua poisar

Quero
Sim, de bem-querer,
Esculpir tua carícia, o teu beijar
O teu cheiro e o teu pestanejar

Até
Malangatana reconhecer minha habilidade
Em esculpir sentimentos de verdade
E todo teu ser com a minha agressividade

Depois
Que Malangatana reconhecer a beldade
Da escultura e a sua realidade
Não querer-te-ei mais

Darei

28
Deusa d’ África

Vida a obra
Com ela sempre
Morarei na morte e no teu mausoléu pupilar
Sem formigas para me atiçar.

29
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Fina (a Fina)

Vós que sois deusa


menina dos sonhos meus enfeitiçados
pela beldade e vossa voz que fez meus olhos encantados.

Vossos cabelos curtos,


pretos resplandecentes e que não perdoam
rodeados pelos insectos voadores
que revelam que vós sois deusa
mãe das águas, ao vivo e a cores
vós que fostes dado o poder
de governar o trono de ser bela.

Mas, quem sou eu!


para vo-la admirar!
O vosso olhar que desperta
e alerta as pestanas que sorriem
como dentes pela deslumbrância
dos vossos olhos que cintilam
e ao mundo atilam.

A vossa cor da pele


que a noite repele
às estrelas não resiste,
vossas mãos ao que tocam
a tranquilidade coloniza
will you be the lost angel

30
Deusa d’ África

mas eles eram cruéis e vós sois fiéis


Em vossos calcanhares
as serpentes se arrastam
como numa monarquia de servos
que à monarca respeitam.
Sois deusa! De florestas não desvendadas,
dos mares enigmáticos onde repousam os vossos nervos,
que libertam o mundo dos maremotos
e terramotos, só por pisardes a terra que é nossa.

31
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Lágrimas de Açúcar

Malditos Crocodilos
Que atacam outros crocodilos, irmãos!
quando tentam fugir do rio, sem deixar rastos.

Malditos que se vestem de paz


e decoram sua casa de guerra
exalando as lágrimas de açúcar
ao atacar suas presas indefesas.

Malditos irmãos
Devoradores do presente
E, empreiteiros de um passado
Edificado na margem de um rio
Devorador de suas espécies.

32
Deusa d’ África

Hoje Estou fértil

Com o ovário
pronto para fundir
o teu sémen ao meu óvulo

Aguardando pela semente


Que não chega para cobrir
de esperanças, aos olhos humanos.

Pronta para receber


E para doar
À sociedade, seres esperados.

Pronta para calar as vozes dos que, me chamam de estéril,


e vingar, os que me deram fertilizantes,
e reprovaram a probabilidade, de eu parir o pão.

33
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Quando o dia e a noite acordarem


Encontrando sua casa azafamada pelos seus
Que aproveitando-se da noite de amor dos pais
Viraram a casa de cabeça para baixo e pernas para o ar
Jurará vingança, o par

Chorarão lágrimas de luz e trevas


Lançarão raios contra o homem
Acusando-o de ser responsável
Pela azáfama inexorável
Causada pelos seus
E um eclipse, poderão jogá-lo como vingança
Desfazendo a sua aliança com o homem.

(Poema Premiado em Destaque Literário do Concurso


Internacional de Poesia, na República Federativa do Brasil,
2012)

34
Deusa d’ África

Se olhos meus cegarem


Apalparei com as mãos a tudo o que elas alcançarem

Se os rios de trigo secarem


Os crocodilos e peixes nadarão no pão, se eles quiserem

Se o teu sorriso alumiar minhas noites por elas merecerem


Nos amaremos nas trevas se elas nos receberem
Sem se importar com as classes sociais a crescerem.

(Poema Premiado em Destaque Literário do Concurso


Internacional de Poesia, na República Federativa do Brasil,
em 2012.)

35
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Eternidade

Uma eternidade
Para te conhecer
Para realmente saber
Quem mora em ti

Antes abraços e beijos


Em todos cantos do universo
Depois de assinar o negócio jurídico
Pancadarias e críticas inacabadas
Em todos locais, até no berço
Da criança dormindo.

(Poema Premiado em Destaque Literário do Concurso


Internacional de Poesia, na República Federativa do Brasil, em
2012.)

36
Deusa d’ África

O Erro Divino

Estabelecer uma aliança


Entre homem e mulher
Foi o maior erro
Mesmo anulado por zero

Até a morte é mais deliciosa


Que o matrimónio
Que só entulha o ministério da justiça
de processos de injustiça
Promulgados no divórcio
Numa progressão geométrica
Crescente em cada manhã.

(Poema Premiado em Destaque Literário do Concurso


Internacional de Poesia na República Federativa do Brasil,
2012.)

37
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Os Olhos que Falam

Dizem que viram


A noite prostituindo-se com o sol
Na ausência do seu cônjuge, a lua
Testemunhando o acto como um farol

Esta que se declarara sua esposa


Numa grande festa, na presença
De todos planetas convidados
E hoje mostrava a indiferença.

Tantos anos de casados


Tantos filhos paridos
De ilusão cansados

Quando tentavam falar


Engasgavam-se de desespero
Mas sem saída tinham que calar
E assumir o enteado nascido
Do adultério, o dia.

(Poema Premiado em Destaque Literário do Concurso


Internacional de Poesia na República Federativa do Brasil, 2012.)

38
Deusa d’ África

Ontem apagamos o amor


No quadro da vida.
Cujas mãos envelheceram-se por amar
Enrugando os olhos dos que naquela turma
Mal-educados foram.

39
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Poesia Financeira
(a Suleiman Cassamo)

Saltam os números no papel


Sorrisos esverdeados adornam-no
Olhares friccionados originam o fogo
Sobre os céus azuis, que lá se tecem
Limpopos e rios de outras cores
Arrastam-se sobre o asfalto
Sem sequer uma cadeira de rodas
Que os tutele das lesões corporais a que se expõem ;
Enquanto há, como outros meninos,
Doutros mundos, números de todas as cores,
Que abraçam-se em marchas de solidariedade
Sem discriminar a outrem,
Mesmo sendo asmático o metical
Que como qualquer outra criança
Corre mantendo a lealdade
Sobre a sua doença a que é fiel

Jogam mathocozana
Jogam ntchuva
Adoptam uma ama
Para educá-los na peste financeira
E abrigá-los da chuva que dilacera seus pulmões.

40
Deusa d’ África

Dólar deprecia
E se o metical não deprecia
É por 1,62% que aprecia

Mas, quebram-se os pés monetários,


Não sendo auspicioso financiar uma obra artística ;
Hah! Há superstição africana
Inefável e mística
Sobre a arte
Anuncia o Mocho rasgando o céu
Por sua vez, o Pirilampo riste ejacula,
Os seus gâmetas, sobre o céu negrume do papel ;
E, como ensinara o sibila quando previu agoiros, assim cuspiu
e volvera:
- Não mostre onde vai mostre-mo donde vem.

Porém, há ainda
Míopes insólitos
Que vêem o metical
Enchendo bolsos das machambas
Plenos de moedas deixadas em mhambas.

Projectos culturais e de investimento


Só falam a língua financeira
É VAL para cá é Pay Back para lá
Todavia, a medicina ainda se limita
A desanuviar a ciência
Aclarando os mecanismos

41
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Para a recessão do índice da deficiência


Física, dos agentes económicos
Desprovidos da aptidão para financiar
A arte de uma rameira
Que demanda recursos para a classe deficitária .
Oferecendo suas noites como garantia
Para o acesso ao tal crédito bancário
E serve muito menos ainda a lei do mecenato
Ah! Sim, e a responsabilidade social?!
Heh! (risos) … essa clausula ai
Continua reluzindo sobre os papéis
Atraindo trovões sobre os nossos prostíbulos
Nevrálgicos no seu telhado
A que se poluíra ate se converter no crescimento do PIB
E dos seus habitantes,
Os pulmões numéricos que contraíram câncer.

Compram vida
Vendem Sida
Negam comida aos que a demandam.
Porque eles podem tudo
Podem saltar, podem tudo
Podem quebrar, podem guerrear
Podem apaziguar, podem amar
Mas não podem deixar de saltar do papel
Para estes bolsos esvaziados pela política da crise financeira.

42
Deusa d’ África

O Delírio

As vezes tudo é dejà-vú


Uma sensação que não sei
da onde a vivi nem aonde a viverei
Mas tudo é velho
Como a fome que nasce adolescente.

As pessoas são as mesmas


Umas mais doidas que outras, as fofoqueiras,
Intrometendo-se na vida alheia
Mesmo sem salário no fim da fofoca.

Os lugares são os mesmos


Uns mais deteriorados que outros
E outros mais desagradáveis que os deteriorados
Agravando a situação do meio ambiente
Mesmo sem cliente para defendê-lo.

Os livros são os mesmos


Todos menos interessantes
E sempre repetindo o sabido
Mesmo sem necessidade de ser referido
Fazem-no com muito gosto.

43
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Os amores são os mesmos


Julieta e Romeu mais aprimorados
E tantos outros mal-humorados
Mas é assim a vida, é uma apreciação
de uma grande depreciação.

44
Deusa d’ África

A Escravatura

Sou escrava
Sim, não me agrava
Saber que sou colonizada
Pelas minhas entranhas

Vou ao xibalo
Mas em vez
de plantar sisal
em vez de construir
pontes e estradas
o meu patronato
manda-me encher rios

Carrego baldes
e baldes de água
todo o dia e noite
quando sozinha fico
ate o patronato tornar-se rico.

No dia e noite
em que eu encher o rio
terei a minha liberdade
e nunca mais serei
de nenhum colono, escrava.

45
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

(Poema Premiado em Destaque Literário do Concurso


Internacional de Poesia na República Federativa do Brasil, 2012.)

46
Deusa d’ África

Joana
(a minha amiga do futuro)

Minha Joana
Linda como a Ana
Todavia, nenhuma é a outra
A Joana é a linda Joana
E a Ana é também a linda Ana.

Minha Joana
Cuja voz
Soa como a chuva
Que faz crescer o arroz
E cala a voz da fome

Minha Joana
Cuja beleza só seus deuses
Conhecem a sua proveniência
E sua clemência

Minha Joana
Linda como a Ana
Todavia, nenhuma é a outra,
Porém, tanto a Joana assim como a Ana,
São a alegria dos meus olhos
Que quando as vêem se extasiam
E sentem-se idosos de viver
Por terem visto o reviver
Da beleza moçambicana.

47
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

A Vida Que Não Tive

Um abraço
Um apreço
Um vaso
Para jogar a semente e irrigá-la
E clientes para fornecer-lhes
A água vinda das minhas pupilas.

Um afecto
Como um insecto
Cujo pai ensina-o a voar.

Um punhal
Para encravar
Em minhas entranhas,
A liberdade,
E livrar-me da colonização da vida.

48
Deusa d’ África

Quando o Céu Abrir

Jorrando lágrimas aos seus utentes


Desvirginando terras Africanas
Engravidando solos estéreis
A natalidade ascenderá
Como a mortalidade crescente
E a criminalidade concomitantemente

Nossas entranhas avultar-se-ão de paixão


Só para contemplar a deslumbrância do seu azul sorriso
E emigraremos para com ele morarmos
E uma grande história de amor vivermos

As mães poderão ter de volta


Seus filhos que os abortaram
E como sanção poderão
Tornar-se gestoras de orfanatos.
E as aves que abandonaram ovos chochos
Poderão chocar os dos répteis.

O mundo poderá diminuir as choldras


Poderão falir os canais televisivos
E ascenderem as livrarias
em tautocronia as bibliotecas
Trazendo-nos os verdadeiros toltecas
Do Herberto Hélder.

49
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Abalroamento

Demando-me
Difícil é encontrar-me
Sem abalroar-me.

No meu reflexo em cada espelho


Na silhueta minha do dia-a-dia
No soletrar do meu semblante pelo toque
Das mãos na tez
E não reconheço-me.

Demando-me
Mas só ofereço-me
Gente estranha em mim
E abalroo-me
Com essa gente que encontro
Mesmo nos dias que o ensejo
é reencontrar-me por não encontrar-me
Comigo, que tanto almejo.

50
Deusa d’ África

Perguntas

Quando alguém mo pergunta se feliz sou


A esse alguém respondo
- Propósitos há por revelar a felicidade
E felicidade há ao revelarem-se propósitos.

Quando alguém mo pergunta o que faço da vida


A esse alguém respondo o que faço dela.
-aprecio-a, amo-a, o mínimo que eu possa fazer por ela estar
comigo.
Dela desde que nasci me enamoro
Quando a pedi em namoro
E como usei belos paralogismos para tê-la
Ela não resistiu e disse-me: –sim.

51
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Moça

Psiuu! ………. Moça, sim tu moça.


-Ah! Meu nome é Mbique.

Mbique és tão moça


Mesmo linda ainda vais à roça
Com orgulho e vestígios
Dos teus antepassados

Mbique tens tanta cultura


Mesmo que as novas gerações
Por nascerem míopes
Não te enxerguem
Tu continuas ai
Tu continuas ai
tão culta
Mas tão culta
E sem multa
Com tanta tradição
E sempre na implementação

Mbique
Tens tanta arqueologia
Tanta boémia
Nesse teu lindo corpo
E tão chique

52
Deusa d’ África

Mbique
Tens tanta história
E também estória
Na tua memória
E muita filosofia

53
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Raios!

E quero querendo
Te dizer que a tristeza
Me arrasta até aos confins da mesa
Como a aranha construindo o seu mistério

Me arrasta até aos desertos


Aos sítios mais incertos
Que mesmo não estando abertos
Me recebem sem necessitar de dias certos

Querendo digo dizendo


Que ela faz de mim um monstro
Para falar me elegendo

Como uma bruxa


Que na vassoura puxa
Voo no meu mundo.

54
Deusa d’ África

Naquela Noite de 1 de Abril

O mundo repousava
Sonolento e saturado sobre a cama
Roncando afincadamente
Sobre o lodo da terra em que se acobertava.

Dentro do vaso, a carne das rosas se avultava


E o instinto tomava a forma
Quando uma langerie escarlate
Num striptease acompanhado pelo zéfiro marítimo
Engravatara a camisa do macho.
Aí, uma abelha cujo sono a zumbira
Bebendo o seu mel, ignorara a fêmea a si exposta.

Quando a tristeza ventilara


Sussurrando falácias em suas pétalas
Alegando ter sido trocada por outra rosa
Naquela noite, mais nova ainda
Com idade para ser sua neta
O que a deixara histérica, e perdendo ânimos murchara.
Levando o seu agente polinizador na manhã seguinte ao
tribunal
e defendendo seu lar começara com acusações
a que o seu cônjuge fora condenado perpetuamente a viver
na colmeia
sobre o seu comando e o do vento, tendo sido efervescente
ao proferir tais acusações :

55
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

- É réu primário porque fui cobarde


Ingeri algas e nenúfares
Para entender como pode alguém
Esperar tanto, quanto o Agostinho Neto,
Mas diante dos factos, aborto toda violência
A que se me fora aplicada
Citar todos os episódios é impossivel
Mas há que destacar as noites glaciárias
Em que o nevoeiro enxugara minhas lágrimas
A chuva extinguira o fogo,
Em cada beijo inflamável
Como o fogo sobre o carvão
De Zongoene ou Zimilene,
Que eu depositara em sua tez.

Houve noites em nos deitamos


num único mar
e acordamos divorciados
como o rio Limpopo.

Também, desconfiei a cada vez


Que meu corpo chamara por si
e respondera pelo silêncio
Como o leão caçando suas vítimas
Para oferecê-las à mãe natureza em sacrifício.

56
Deusa d’ África

Despertei em cada conversa


em que a sua voz era exterminada
Pelo tempo e espaço,
Como a história da minha África.

Senti-o em cada acariciar


em que os dedos não o alcançavam
mesmo estando,
na cama ausente,
e na cachimónia presente.

57
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Coitadinho do Papel

A esferográfica desprovida de fralda


Defecou sobre o seu pai, o Papel.
E, tendo diarreia, seu pai ficou inundado de porcaria
E como solução, decidiu o papá,
Arrumar uma babá!
Para coadjuvá-lo a gerir a merda,
que nem ele o pai suportava do filho,
tal como terminará a minha casa, nas mãos de uma babá,
que querendo melhorar a vida, suporta até a merda da
esferográfica.

58
II PARTE
FÓRMULA DA MORTE
Deusa d’ África

O Melhor dia Para se Morrer:

O céu cheio de náuseas e vómitos


Suja os deuses que dormem por debaixo da terra
Um incenso dentro de quatro paredes
Perfumando o universo da alma da terra
Sem que a Cahora Bassa seja nossa
Um beijo selando o compromisso com a morte
Um silêncio da noite emudecida
E a terra estendida sobre uma cama!

61
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Fórmula da Felicidade

Saber morrer em paz e sorrir


Mesmo quando o sepulcro é pouco agradável

Encontrar um sorriso no meio das lágrimas

Lembrar-me de que mesmo


Estando distante do meu deus
Seu beijo continua vivo nos meus lábios

Sentir-me vitoriosa
Por ter conquistado um homem invejável
Mesmo tendo durado pouco

Saber que a matemática do amor


Não é igual à do Pitágoras
Pois sempre cedemos para sermos felizes.

62
Deusa d’ África

Quando Estivermos Vivos

Quando estivermos vivos


Nos amaremos e activos
Elanguesceremos outros cadáveres
Sepultados na nossa boca
Transladando uns aos intestinos delgados
E aos intestinos grossos a todos os que em vida não foram
amados
E a quem aos estóicos emanara.

Quando estivermos vivos


Nos abraçaremos na varanda
E, pararemos a lua,
Para que não haja sol na rua

Quando estivermos vivos


Eu e tu seremos um
Iguais a outro casal nenhum
E em cada solo, nosso sémen
Fecundará o alimento do povo, o pão.

Quando estivermos vivos


Todas as noites serão tardes de sarau
Saraus, serenatas, satisfação em semblantes
Sem lugar para os com cara de pau.

63
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Quando estivermos vivos


Gargalharemos de tal maneira
Que nossos olhos jorrem água
Que inundará a cidade de felicidade.

Quando estivermos vivos


Como ovíparos pariremos
Um enxame de príncipes
Que serão os munícipes
Desta cidade sem mocidade.

Quando estivermos vivos


Beberemos água gelada
Neste tormento que nem a fada
Nos pode dar por misericórdia
Ou por compaixão
Mesmo vendo que em nós há paixão.

64
Deusa d’ África

Que Triste Sina a dos Versos Meus

Versos meus sangram


Mesmo quando se alegram
Ensanguentando a papelada
Que mora nas gavetas
Esperando os ratos que se integram
Na leitura do conteúdo sem metas

Versos meus morrem


De nervos e dor
No banco de socorro
Enquanto o médico
Delicia-se de uma boa mandriice
Na sala de urgências
De uma boa contabilidade
Da sua remuneração
Que o inconforma
Por tê-la que dividir
Com suas enteadas,
Em troca de sexo
Crescendo por fora
A taxa de mortalidade
Junto às obrigações públicas
Sem integridade
Nem idoneidade.

65
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

A Rendição do Inferno

Se me levasse junto ao meu amado,


amarmo-nos-iamos nas trevas,
até a rendição da luz,
para que com as regiões discriminadas,
acabasse a desigualdade celestial
e, as presas ganhassem o direito de tocar a cruz,
e seríamos levados à praça dos heróis celestiais.

66
Deusa d’ África

Entristeci-me

Quando apagaste o poema que escrevi na tua alma


Em contrapartida de uma tatuagem no peito em nome
doutra.

Quando disseste adeus


Em contrapartida de deixares teu rosto cravado em olhos
meus.

Quando sorrindo trocamos beijos e abraços


Com as tuas amantes no meio de nós dois.

Quando limpaste as minhas lágrimas


Com os dedos acariciando as bundas da outra.

Quando concebi em entranhas minhas


O nosso filho fecundado no ovário da outra.

Quando vi uma carta


Por ti escrita para ela em meu corpo,
E levada pelos correios,
ela a recebeu, leu-a, beijou-a e, a guardou por debaixo do
travesseiro,
me prendendo em vós eternamente.

67
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Juro

Juro que ressuscitei


dos teus braços, em que a vida me sepultara,
acompanhada por meio mundo que urinara
hinos melancólicos de júbilo,
sobre a minha desgraça e o meu penico ensurdecido,
por todo o dejecto expelido
por artistas da minha praça sem arte,
que tinham sido convidados,
à minha cerimónia fúnebre.

Juro também,
que tendo sido exterminada a natureza,
com a qual fui soterrada,
desabrocharam meus dias murchos,
na presença de criminosos em debandada
que me saquearam a vida
em troca da alegria, da tristeza e da doença
na jura de Junho junto aos juízes
e aos Padres e Abades
que com a minha família
desvalorizaram-me pelo gado.

Juro que ressuscitei,


da simpática morte que me acolhera,
em seus aposentos, onde teus abraços e beijos,
me enlutavam da venenosa ternura

68
Deusa d’ África

pela qual fui morta,


não tendo jurado em Junho junto aos juízes
junto aos Padres e Abades
morrer eternamente.

69
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

- É condenada por homicídio voluntário e com dolo


Representando um perigo para a sociedade.
Assim, se traçou a sentença da Borboleta
Por ter infectado meio mundo
Pelo vírus do HIV
Ao fornicar com todas as habitantes a sangue frio
Em pleno dia, infectando os antúrios e jasmins de Agosto
O que enegreceu as tardes do planeta terra.

70
Deusa d’ África

A Voz das Minhas Entranhas

Gritam o sim e o não


As vezes o yes and no
Sem hora nem espaço
Sem critério nem consideração
Do que as vezes faço

Um idioma ainda não descoberto


Uma guerra ainda não vencida
Uma guerra entre corpo e alma
Ressuscitando Tchakas em mim
Que expulsam Nduandes das minhas entranhas
E vingam-se da morte de Dinguiswayo.

Não tem nenhuma cor


Mas resplandece como a dor
Segmentando este território
Por subculturas
Pelas quais, nenhuma bandeira se iça
No espelho da minha alma
Para extinguir a sofreguidão
Neste solo cujo sangue alimentara terras.

Há em mim uma terra mais agressiva


Violentando outra por vezes
Mesmo a outra sendo mansa em meses
Determinados, que ela deriva.

71
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Uma é verdadeira
E a outra é hipócrita
Mas vence quem é mais forte
E sobrevive da guerra da morte.
(Poema Premiado em Destaque Literário do Concurso
Internacional de Poesia na República Federativa do Brasil,
2012.)

72
Deusa d’ África

Vento

Há quem conteste
Soprando para este
Mas para quem mo teste
Levo-o para a tenebrosidade do paraíso do leste
De outra tipicidade de ar em movimento que de mim se veste
Prefiro mais ciclone que arrasta homens e a mim se reveste
E o mais doce é construir os edifícios arrastando-os para o
sudoeste
Mas, mais doce é chegar de surpresa e ouvi-los dizendo: - Ah!
Me surpreendeste.
Encontro gente dormindo neste
E gente acordada noutro lugar que reste
E sem discriminação deste
Arrasto-o comigo mesmo alguns me chamando por cafajeste
Até ao infinito dos meus aposentos no noroeste
Alimento-os com poeira em que se investe
E nunca deixo hóspedes meus solitários, mesmo quem não
preste,
Sempre os levo com suas paixões para o celeste
E quando no túmulo não cabem como teste
Envio-os ao paraíso infernal para que se manifeste
O sentimento, meu mestre, desta existência do desamor
agreste.

73
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Morreu

Morreu a doçura
Das minhas palavras
Palavras tristes,
Amargas, e alegres como loucura

Morreu quem?
Ninguém morreu!
Morri eu.

Morreu a versificação
Da emoção
Pupilar.

Morreu eu!
Eu, quem já não existe
Na tua íris.

74
Deusa d’ África

Se eu Morresse Hoje

Morreria tão feliz


Da infelicidade que não me foge
E por se me ter cumprido a profecia de ser infeliz.

Morreria com os alvéolos inflamados,


Com o coração negro,
Também com a língua negra,
Evidenciando o veneno da paixão,
Que a fada mo servira no chá,
Do último pequeno-almoço,
Tomado ao lado duma divindade que mo trouxera.

Morreria tão confusa


Por não ter dito ao meu povo
O quão odeio as suas idiotices
De fazer a revolução esperançosa sobre os meus versos
Enquanto a terra vai se ruindo de tédio
e me soterrando com a minha musa
Que mo admoestara a dizer doseando o que não o querem
ouvir.

Talvez tantas almas fossem salvas


Da condenação por mim influenciada
Em decisões não financiadas.

75
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS

Génese

Quando Deus fez o mundo


A cada ser indagou sobre o que almejava
Tendo concedido asas,
para as aves,
mas elas também pediram
espaço e penas para equilibrá-las
que a ulterior as quebraram
uma vez que, os cristãos acertaram
uma asa apenas por uma pedrada
E consumou-se o declínio.

76

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