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Entranhas
único Núcleo Literário de das parcialmente na imprensa
Hoje apetece-me nacional e internacional em
Deusa d’ Africa
Xai-Xai denominado Xiten- Fazer sem cunhas
de, onde actualmente ocupa prosa (Contos, romances, en-
Mas sim, usando minhas unhas
o cargo de Coordenadora saios literários, prosa poética)
na textura da tua tez.
Geral. e verso. Muitos dos seus poe-
-
Hoje apetece-me mas, contos, e artigos de críti-
A ENTRANHAS
VOZ DAS MINHAS
Ficha Técnica
Titulo: A Voz das Minhas Entranhas
Autora: Deusa d’ Africa
deusadafrica@yahoo.com.br
Revisão: Aurélio Ginja
Fotografia e Organização: Grupo Cultural Xitende
Layout & Impressão: Ciedima, Lda.
Tiragem: 000 exemplares
N° de Registo: 0000/RLINLD/2013
Maputo, 2014
Deusa d’ África
Índice
Dedicatória.................................................................................................... 3
A Mãe de Malditos: Clara Jossias Boane........................................... 3
Agradecimentos.......................................................................................... 4
PREFÁCIO....................................................................................................... 6
O canto do futuro....................................................................................... 6
São e Vão (à Abid Khan)........................................................................... 11
Quarta-Feira.................................................................................................. 12
Hoje Apetece-me........................................................................................ 14
O Vaivém do Meu Coração...................................................................... 16
Numa Manhã Nervosa.............................................................................. 18
Fina (a Fina)................................................................................................... 22
Lágrimas de Açúcar.................................................................................... 24
Quando o dia e a noite acordarem...................................................... 26
Se olhos meus cegarem........................................................................... 27
O Erro Divino................................................................................................ 29
Os Olhos que Falam................................................................................... 30
Ontem apagamos o amor....................................................................... 31
Poesia Financeira (a Suleiman Cassamo).......................................... 32
O Delírio.......................................................................................................... 36
A Escravatura............................................................................................... 38
Joana (a minha amiga do futuro)......................................................... 40
A Vida Que Não Tive.................................................................................. 41
Quando o Céu Abrir................................................................................... 42
Abalroamento.............................................................................................. 44
Perguntas...................................................................................................... 45
Moça................................................................................................................ 46
3
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
4
Deusa d’ África
Obra Premiada,
no Concurso Literário Internacional Alpas XXI 2011 ,
na República Federativa do Brasil.
5
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
6
Deusa d’ África
Dedicatória
7
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
8
Deusa d’ África
Agradecimentos
Khanimambo!
9
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
A maior obra
Que um empreiteiro pode edificar
É uma obra cujas vigas tenham como baluarte
A voz das suas entranhas.
10
Deusa d’ África
PREFÁCIO
O Canto do Futuro
Kenguelekeze!
O surgimento da lua é o surgimento da vida. Por isso,
quando a criança nasce, as mulheres, as avós, soltam
culunguanas de boas vindas gritando. Na grande cerimónia,
apresentam o recém-nascido com vozes que se assemelham
ao cantar de um galo no despertar da lua nova: Kenguelekeze!
Esta é a primeira lua da tua vida. Que tenhas muita bênção e
longa vida; que tenhas boa saúde, sorte, fortuna, e não sejas
atacado pelas doenças da lua, Kenguelekezê!
Cantem comigo este canto do futuro, no grito da origem
da vida. Apresentemos pois a “A voz das minhas entranhas”
à lua nova, lua mágica, lua recém-nascida como esta obra
poética e por isso digo: kenguelekeze! Esta é a primeira lua da
tua vida, ó A voz das Minhas entranhas! Bem-vindo ao mundo
literário, depois da longa gestação no ventre da tua mãe!
Deusa d’Africa, pelo teu primeiro parto literário endereço as
minhas congratulações e desejos de bênção de longa vida,
muita saúde, e muita sorte para ti e para a tua criatura. Tal
como a lua, este livro conhecerá o crescimento, o brilho, o
declínio, para voltar a renascer mais belo, mais forte, e assim
participar na eternidade literária da nossa terra.
Uma literatura equilibrada se desenha com a pluralidade
de vozes dos seus escritores. A voz das mulheres não morreu,
mesmo esmagada pelo peso das tradições, que encerram os
11
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
12
Deusa d’ África
A maior obra
Que um empreiteiro pode edificar
É uma obra cujas vigas tenham como baluarte
A voz das suas entranhas.
13
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
14
Deusa d’ África
Paulina Chiziane
15
I PARTE
MASMORRA
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
18
Deusa d’ África
São e Vão
(à Abid Khan)
19
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Quarta-Feira
Sem anuência
Nem sequer dos deuses
A velha levou a quarta parte do dia
Para uma feira
Numa periodicidade
Em que tal como a cidade, o mercado se encontrava
Azafamado por monopolistas com quem negociava
- É verdade imperatriz
Que aquela meretriz
Que diz ser actriz
Dos prostíbulos, na feira vendeu os dias
A parte quarta dos dias
E os monopolistas
Tomaram-na e o pior, é que para a civilizarem
chamam-na por quarta-feira
20
Deusa d’ África
21
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Hoje Apetece-me
Hoje apetece-me
Pintar os teus lábios,
Com a tinta da minha boca,
E este pincel nela mergulhado
até ela ficar oca.
Hoje apetece-me
Soletrar em surdina
Tudo o quererias ouvir
Como o sopro que deu a vida a Adão
E ulteriormente tornar-me
Tuas vestes
Desse corpo despido
Pelo meu desejo
E os deuses dando-me um ensejo
De alcançar a carreira de estilista
Só para te vestir
Com a tua nudez que almejo.
Hoje apetece-me
Fazer sem cunhas
Mas sim, usando minhas unhas
na textura da tua tez.
Hoje apetece-me
Fumar as tuas mágoas
22
Deusa d’ África
E aliviar os pulmões
Com um charuto.
Hoje apetece-me
Ao altar, levar-te,
E casar-te
Só e só por hoje,
Ter a lua-de-mel,
E esquecer a acerbidade
Desse coração fel
Na escolha de homem, cheio de sumptuosidade.
Hoje apetece-me
Nas tuas entranhas, arquejar
Nelas manejar
Mergulhar no mar da incerteza, só para te ter.
23
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Vai coração
E vem meu amor
Vem travar a chuva
Pela qual a terra clama
Neste solo irrigado
Pela miudeza dos meus pingos
Demandando a ti o arco-íris
E sinta o palpitar da oração
No juízo final, onde a terra, no inferno, pega chama.
Vai coração
E vem meu amor
Vai vender a vida
Para outras clientes
No mercado do pénis
Mas não te esqueças
Da nossa mansão
De areia que pode desmoronar
24
Deusa d’ África
Vai coração
E vem meu amor
Vem me dar a vida
Que tua clientela
Esgotou-ta
Dando-te o bónus da Sida.
Vai coração
E vem meu amor
Vai ao teu público-alvo
E a quota de mercado epicena
Enquanto eu na nossa mansão te espero
Mesmo sendo de areia nela te quero.
Vai coração
E vem meu amor
Vem apaziguar
Esta vegetação
Da Mandioca que na minha terra se aborta
Quando o noitibó chuvoso à espécie desespera
Enquanto o futuro te espera
Num jantar para comer Xiguinha.
Vai coração
E vem meu amor
Vai viver de take away
Com amante em qualquer way
Mas não te esqueças
25
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
26
Deusa d’ África
Choveu granizo
do rosto de uma mulher,
exornando por águas diluviais,
todos os bens que estavam dentro do quarto,
desde o colchão sustentado
por dez blocos de cimento,
os ternos mais caros do mercado,
capulanas bastante significantes e de diversas cores,
colecções de sapatos com sola de céu nublado,
livroxadas de enxadas taxadas,
na sua aquisição, catanas entre outros;
quando um ser em suas entranhas,
trovejara anunciando a sua existência,
o que enervara a manhã,
enchendo-a de desgostos e, dando-a o gosto pelo hedonismo
espantando o sol,
que no preâmbulo do circunlóquio diluvial
num gorro e num cachecol
se agasalhara
e daquele meio se apartara,
e passara a alumiar de longe, a casa
de cabelos loiros,
bem barriguda,
com a pele enegrecida,
pelo fumo da panela,
que alimentava o seu povoado.
27
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
(a Jejé)
Tenro
De ternura
É o teu olhar
Pupilas enlutadas, sim enquanto eu não ressuscitar.
Teus
Lábios decorados pela terra
Erguem tectos para neles o homem morar,
E cabelos anoitecidos para neles a lua poisar
Quero
Sim, de bem-querer,
Esculpir tua carícia, o teu beijar
O teu cheiro e o teu pestanejar
Até
Malangatana reconhecer minha habilidade
Em esculpir sentimentos de verdade
E todo teu ser com a minha agressividade
Depois
Que Malangatana reconhecer a beldade
Da escultura e a sua realidade
Não querer-te-ei mais
Darei
28
Deusa d’ África
Vida a obra
Com ela sempre
Morarei na morte e no teu mausoléu pupilar
Sem formigas para me atiçar.
29
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Fina (a Fina)
30
Deusa d’ África
31
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Lágrimas de Açúcar
Malditos Crocodilos
Que atacam outros crocodilos, irmãos!
quando tentam fugir do rio, sem deixar rastos.
Malditos irmãos
Devoradores do presente
E, empreiteiros de um passado
Edificado na margem de um rio
Devorador de suas espécies.
32
Deusa d’ África
Com o ovário
pronto para fundir
o teu sémen ao meu óvulo
33
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
34
Deusa d’ África
35
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Eternidade
Uma eternidade
Para te conhecer
Para realmente saber
Quem mora em ti
36
Deusa d’ África
O Erro Divino
37
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
38
Deusa d’ África
39
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Poesia Financeira
(a Suleiman Cassamo)
Jogam mathocozana
Jogam ntchuva
Adoptam uma ama
Para educá-los na peste financeira
E abrigá-los da chuva que dilacera seus pulmões.
40
Deusa d’ África
Dólar deprecia
E se o metical não deprecia
É por 1,62% que aprecia
Porém, há ainda
Míopes insólitos
Que vêem o metical
Enchendo bolsos das machambas
Plenos de moedas deixadas em mhambas.
41
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Compram vida
Vendem Sida
Negam comida aos que a demandam.
Porque eles podem tudo
Podem saltar, podem tudo
Podem quebrar, podem guerrear
Podem apaziguar, podem amar
Mas não podem deixar de saltar do papel
Para estes bolsos esvaziados pela política da crise financeira.
42
Deusa d’ África
O Delírio
43
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
44
Deusa d’ África
A Escravatura
Sou escrava
Sim, não me agrava
Saber que sou colonizada
Pelas minhas entranhas
Vou ao xibalo
Mas em vez
de plantar sisal
em vez de construir
pontes e estradas
o meu patronato
manda-me encher rios
Carrego baldes
e baldes de água
todo o dia e noite
quando sozinha fico
ate o patronato tornar-se rico.
No dia e noite
em que eu encher o rio
terei a minha liberdade
e nunca mais serei
de nenhum colono, escrava.
45
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
46
Deusa d’ África
Joana
(a minha amiga do futuro)
Minha Joana
Linda como a Ana
Todavia, nenhuma é a outra
A Joana é a linda Joana
E a Ana é também a linda Ana.
Minha Joana
Cuja voz
Soa como a chuva
Que faz crescer o arroz
E cala a voz da fome
Minha Joana
Cuja beleza só seus deuses
Conhecem a sua proveniência
E sua clemência
Minha Joana
Linda como a Ana
Todavia, nenhuma é a outra,
Porém, tanto a Joana assim como a Ana,
São a alegria dos meus olhos
Que quando as vêem se extasiam
E sentem-se idosos de viver
Por terem visto o reviver
Da beleza moçambicana.
47
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Um abraço
Um apreço
Um vaso
Para jogar a semente e irrigá-la
E clientes para fornecer-lhes
A água vinda das minhas pupilas.
Um afecto
Como um insecto
Cujo pai ensina-o a voar.
Um punhal
Para encravar
Em minhas entranhas,
A liberdade,
E livrar-me da colonização da vida.
48
Deusa d’ África
49
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Abalroamento
Demando-me
Difícil é encontrar-me
Sem abalroar-me.
Demando-me
Mas só ofereço-me
Gente estranha em mim
E abalroo-me
Com essa gente que encontro
Mesmo nos dias que o ensejo
é reencontrar-me por não encontrar-me
Comigo, que tanto almejo.
50
Deusa d’ África
Perguntas
51
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Moça
Mbique
Tens tanta arqueologia
Tanta boémia
Nesse teu lindo corpo
E tão chique
52
Deusa d’ África
Mbique
Tens tanta história
E também estória
Na tua memória
E muita filosofia
53
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Raios!
E quero querendo
Te dizer que a tristeza
Me arrasta até aos confins da mesa
Como a aranha construindo o seu mistério
54
Deusa d’ África
O mundo repousava
Sonolento e saturado sobre a cama
Roncando afincadamente
Sobre o lodo da terra em que se acobertava.
55
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
56
Deusa d’ África
57
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Coitadinho do Papel
58
II PARTE
FÓRMULA DA MORTE
Deusa d’ África
61
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Fórmula da Felicidade
Sentir-me vitoriosa
Por ter conquistado um homem invejável
Mesmo tendo durado pouco
62
Deusa d’ África
63
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
64
Deusa d’ África
65
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
A Rendição do Inferno
66
Deusa d’ África
Entristeci-me
67
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Juro
Juro também,
que tendo sido exterminada a natureza,
com a qual fui soterrada,
desabrocharam meus dias murchos,
na presença de criminosos em debandada
que me saquearam a vida
em troca da alegria, da tristeza e da doença
na jura de Junho junto aos juízes
e aos Padres e Abades
que com a minha família
desvalorizaram-me pelo gado.
68
Deusa d’ África
69
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
70
Deusa d’ África
71
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Uma é verdadeira
E a outra é hipócrita
Mas vence quem é mais forte
E sobrevive da guerra da morte.
(Poema Premiado em Destaque Literário do Concurso
Internacional de Poesia na República Federativa do Brasil,
2012.)
72
Deusa d’ África
Vento
Há quem conteste
Soprando para este
Mas para quem mo teste
Levo-o para a tenebrosidade do paraíso do leste
De outra tipicidade de ar em movimento que de mim se veste
Prefiro mais ciclone que arrasta homens e a mim se reveste
E o mais doce é construir os edifícios arrastando-os para o
sudoeste
Mas, mais doce é chegar de surpresa e ouvi-los dizendo: - Ah!
Me surpreendeste.
Encontro gente dormindo neste
E gente acordada noutro lugar que reste
E sem discriminação deste
Arrasto-o comigo mesmo alguns me chamando por cafajeste
Até ao infinito dos meus aposentos no noroeste
Alimento-os com poeira em que se investe
E nunca deixo hóspedes meus solitários, mesmo quem não
preste,
Sempre os levo com suas paixões para o celeste
E quando no túmulo não cabem como teste
Envio-os ao paraíso infernal para que se manifeste
O sentimento, meu mestre, desta existência do desamor
agreste.
73
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Morreu
Morreu a doçura
Das minhas palavras
Palavras tristes,
Amargas, e alegres como loucura
Morreu quem?
Ninguém morreu!
Morri eu.
Morreu a versificação
Da emoção
Pupilar.
Morreu eu!
Eu, quem já não existe
Na tua íris.
74
Deusa d’ África
Se eu Morresse Hoje
75
A VOZ DAS MINHAS ENTRANHAS
Génese
76