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CURITIBA
2022
We hold these truths to be self-evident, that all men
are created equal, that they are endowed by their
Creator with certain unalienable Rights
(Declaração de Independência dos Estados Unidos
da América de 1776)
RIBEIRO, Marcella L. O.. O Direito a ter Direitos: A Crítica de Arendt aos Direitos
Humanos Universais. 2022. Número total de folhas. Atividade Avaliativa (Mestrado em
Direito Empresarial e Cidadania) – UNICURITIBA, Curitiba. 2022
RESUMO
ABSTRACT
1
Todos os textos do original em inglês são de tradução própria.
sua aplicação, coercibilidade, etc? Ou trata-se de um “evento de natalidade” dos
direitos, em termos de um “direito à comunidade política”? Estas e outras
abordagem para o problema serão enfrentadas neste trabalho.
No entanto, pretendemos, em primeiro lugar abordar esta fórmula através da
crítica realizada por Arendt ao conceito clássico de Direitos Humanos Universais, e
de sua suposta ‘futilidade”. A fórmula do direito a ter direitos se tornará muito mais
clara se pudermos compreender como o projeto iluminista dos direitos humanos é
insuficiente contra os ataques à natureza pretensamente inalienável destes direitos.
Este corpo político novo deveria estar fundado nos direitos naturais do
homem, nos seus direitos enquanto nada mais que um ser natural, no seu
direito à ‘comida, vestimenta e reprodução da espécie’, isto é, fundado no
seu direito às necessidades da vida. E estes direitos não eram concebidos
como direitos pré-políticos que qualquer governo ou poder político
poderiam tocar ou violar, mas como o conteúdo mesmo, e o fim último, do
governo e do poder. (Arendt, 1990, 109).
Sari, em recente estudo sobre o tema, destaca que Arendt identifica estes
Direitos Humanos como aqueles que, em primeiro lugar, expressam certos direitos
precípuos mínimos, que são próprios da condição humana como tal, desvinculados
de qualquer pré-condição histórica, cultural, civil ou política (2021, p. 359).
A crítica de Arendt se debruça sobre o fato de que, nesta concepção, a
dignidade que compõe a estrutura mesma da natureza humana se torna a fonte da
lei (p. 359) e fundamento último, essencial, da existência da Nação. Arendt percebe,
esclarece Sari, que esta noção de direitos humanos, em última análise, não é antes
uma rede de garantias para a proteção do indivíduo contra os arbítrios da Nação,
mas uma forma de transformar um indivíduo naturalmente dotado de direitos num
membro de um coletivo Estado Nação. Desta forma, está fundamentada também a
noção de vontade do povo – uma vez que a Lei pretende representar e aglutinar em
si a dignidade natural do homem, ela agora é a representação formal das aspirações
de todos os homens, de todas as épocas: estes direitos só são direitos, portanto,
enquanto a representação positiva de uma pessoa enquanto membro de um corpo
político (Sari, 2021, p. 359-360).
Ora, a perturbação de Arendt diante desta noção de direitos humanos se dá
porque o século XX foi, eminentemente, o século do refugiado, do apátrida, do
concentrado – o século em que a humanidade desenvolveu técnicas cada vez mais
aterradoras de desentranhar certos indivíduos das comunidades, negando-lhes o
status de humano, negando o a validade de seu pertencimento ao corpo político e
civil “normal”
Arendt pensa, em primeiro lugar, que este conceito de direitos humanos é
prontamente desafiado pelos problemas enfrentados nas décadas que sucedem a
Primeira Grande Guerra, que veem, subitamente, o colapso de diversas nações
europeias, legando a milhões de pessoas o status de apátrida ou minorias étnico-
raciais (DeGooyer, 2018, p. 3)
A aguda percepção da pensadora levou-a a perceber a ineficácia dos direitos
humanos universais ao perceber, justamente, a situação de indivíduos humanos
apartados de quase tudo, deixados em uma situação que, de fato, os expunham
somente enquanto seres humanos: privados de uma nação, de um teto, de
identidade nacional – e é justamente nesta situação, quando apartados de qualquer
circunstância, é que parece que a dignidade inerente à própria natureza humana
parece ser mais desconsiderada, mais desrespeitada – e é justamente quando a
pessoa humana se encontra nesta situação, “enquanto aparecendo como puramente
humanos” (DeGooyer, 2018, p.6), que os direitos humanos parecem não oferecer
qualquer proteção à sua dignidade.
Nos tornamos conscientes de nossa existência de um direito a ter direitos e
um direito a pertencer a algum tipo de comunidade organizada somente
quando, subitamente, emergem milhões de pessoas que perderam tais
direitos em virtude da nova situação política global, e não podem recuperá-
los (Arendt, 1990, p. 20-21)
O que Arendt quer dizer, em suma, é que os direitos humanos “devem ser
garantidas mesmo que em situações de completa ausência de direito” (Sari, 2021, p.
360). O indivíduo, de acordo Arendt, uma vez apartado de sua cidadania, não pode
reivindicar de qualquer direito, uma vez que todos os direitos humanos são
concretizados e têm a possibilidade de seres postos em prática somente enquanto
interiorizados em uma comunidade política.
A existência de regimes totalitários, para Arendt, evidencia que a
inalienabilidade dos direitos humanos está intimamente conectada com a
nacionalidade, e uma vez que estes regimes impunham em certos indivíduos, como
os judeus, um verdadeiro processo de ‘desnacionalização’ contra estas
comunidades (Sari, 2021, p.361).
O que se segue deste ponto é que, através da propaganda desumanizadora,
este processo de desnacionalização dos indivíduos os privaram de reivindicar
qualquer tipo de direito – este fato, para Arendt, elucida a futilidade e a impotência
dos direitos humanos universais, que supostamente pertencem às pessoas
independentemente de nacionalidade
Para Arendt, o que estes regimes totalitários perpetraram não foi
simplesmente a retirada de seus direitos humanos fundamentais, mas a retirada do
próprio status de humanidade a certos indivíduos.
Como destaca De Gooyer (2018, p. 6), Arendt, ao criticar a a concepção
clássica de direitos humanos universais, esclarece que
BERNABIB, Seyla. The Rights of Others: Aliens, Residentes, And Citizen. Cambridge
SARI, Yasemin. The Right to Have Rights. Em The Bloomsbury Companion to Arendt