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e Marcenda
As personagens femininas desempenham um papel peculiar nos romances de José
Saramago, já que elas detêm particularidades que se repetem ao longo das obras: as
mulheres carregam em si os valores éticos exemplares, como:
dignidade
coragem
devotação
altruísmo
bondade
fidelidade
sacrifício
desprendimento
…
Saramago atribui estas qualidades às mulheres para que o leitor vá criando a imagem
de uma heroína que surge discretamente para o desfecho do drama.
Em O ano da morte de Ricardo Reis, Saramago eleva Lídia à condição de heroína. É ela
quem poderá conduzir Ricardo Reis à vida.
Apesar de Lídia desempenhar um papel relevante frente a Reis, ele divide-se entre ela
e Marcenda, personagens antagónicas, não só no que toca à classe social, mas
sobretudo pela atitude que cada uma adota diante de vida e acerca de Ricardo Reis.
Se Reis tivesse que escolher uma das duas (o que não faz) escolheria a que menos
interferisse com o seu ideal de existência impassível, que seria a Marcenda.
O que acontece é que Ricardo Reis é “amador das criadas, cortejador de donzelas” e,
assim, abre as portas da sua existência para que as duas entrem, mas declara-se a
quem mais se aparenta a ele no modo de não agir (CARPE DIEM) : Marcenda. No
entanto, é nos braços de Lídia que ele contempla o seu mundo.
Lídia
Musa da poesia de R.R., agora personagem de Saramago
empregada de hotel onde Ricardo Reis está hospedado
amante de R.R.
Para além dos dotes físicos o que atrai a atenção do poeta para a empregada é o seu
nome: LIDIA. É o mesmo nome da rapariga das suas odes clássicas, aquém R.R. dedica
vários versos e ele não deixa de relacionar as duas (ele acha invulgar uma criada
chamar-se Lídia e não Maria – “o que é incongruente, sendo criada, é chamar-se Lídia,
e não Maria”).
A Lídia empregada vai alem da contemplação da Lídia musa. Com a sua postura ativa
diante a vida, experimenta dores e prazeres de quem não passa a vida a “fitar o curso
do rio”, apesar de se contentar somente com o presente, sem cobrar o amor que tem
por R.R. “basta-me o que tenho agora, estar aqui deitada sem nenhum futuro”. Ela
torna-se o elo entre R.R. e a realidade dos factos já que ele do tomava conhecimento
do mundo através dos jornais.
Marcenda
menina rica
namorada de R. R.
tem a sua mão esquerda paralisada
é pálida
“nada feia (…) só um bocadito magra, mas sendo tão nova, até lhe fica bem”
Tem um pai muito autoritário, o Dr. Sampaio.
Pertence a uma burguesia silenciosa, que consente a ordem das coisas na política salazarista
Marcenda carrega em si a conformidade com o seu estado, de modo que o seu braço
defeituoso funciona como um escudo que afasta de qualquer possibilidade de ação do
mundo. Prefere a imobilidade a ter que enfrentar as dissabores da existência, pois,
para ela, “a vida é este meu braço esquerdo que está morto e morto ficará”.
A relação deles não passa de um troca de beijos o que faz com que R.R. desperte o seu
desespero existencial diante da solidão (“Não sei se foi por amor ou por desespero que
a beijei”). No último encontro, Marcenda recusa o pedido em casamento de R.R.
alegando que juntos não seriam felizes.
Marcenda e Lídia são peças neste jogo ficcional. R.R. apesar de também se apresentar
como uma peça do jogo, visto que ele se encontra perdido entre as duas mulheres,
assim como está entre a vida e a morte, ele joga com elas, da mesma forma como joga
com a existência: