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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

PÓS-GRADUAÇÃO EM PATRIMÔNIO HISTÓRICO E RESTAURO- PARC

PATRIMÔNIO INDUSTRIAL

A cidade de Detroit e o legado industrial

PRISCILA FONSECA DA SILVA

FEVEREIRO DE 2024
1. LOCALIZAÇÃO
Detroit é uma cidade dos Estados Unidos, localizada no Estado de Michigan, na porção
leste do país, na região dos Grandes Lagos. Inicialmente, Detroit foi uma colônia de
exploração Francesa, entreposto para a comercialização de peles no século XVII. Em
1760 se tornou colônia Britânica, com a assinatura do Tratado de Paris1. A cidade foi
ponto de entrada para a exploração do oeste do país por sua localização estratégica,
além de fazer fronteira com o Canadá.

Figura 1- Mapa dos Estados Unidos. Em destaque, Detroit. Fonte: https://pt.maps-detroit.com/detroit-mapa-de-


localiza%C3%A7%C3%A3o

1
Tratava-se de um acordo de paz, que finalizava as ameaças militares contra as colônias britânicas. As
negociações resultaram de um acordo com o rei da França, Luís XV, em março de 1762. A França estava
esgotada após a vitória britânica que marcou a conquista do território francês no Canadá.
Sua localização estratégica também foi determinante para o crescimento industrial da
cidade, que desenvolveu uma grande rede de circulação que comportou portos,
ferrovias e rodovias, favorecendo tanto o recebimento de matéria prima quanto a
distribuição dos produtos industriais.

2. ECONOMIA E ARQUITETURA
Além da grande produção automotiva desenvolvida na cidade, a indústria de Detroit
contribuiu para a produção bélica durante a Segunda Guerra Mundial, sendo
diretamente responsável pela vitória dos Aliados.

Com relação à produção automobilística2, esta contribuiu diretamente para o


crescimento econômico da cidade, que teve seu ápice durante as primeiras décadas do
século XX, com a implantação de diversas fábricas, apelidando a cidade de “Motor City”.
Os meios de produção industrial foram revolucionados com as soluções desenvolvidas
por Henry Ford de produção em série, sendo responsável por um aumento considerável
da produção. Tal meio rapidamente se expandiu para outras áreas da indústria. Com isso,
Detroit esteve entre as cinco maiores cidades do país, o que contribuiu diretamente para
o crescimento urbano e populacional, fazendo com que Detroit chegasse a ter uma
população em torno dos 2 milhões de habitantes.

A imigração resultante da grande oferta de empregos resultou em um crescimento na


construção civil, levando a construção de arranha-céus no centro da cidade e a expansão
em direção aos subúrbios. Tamanho foi o crescimento de Detroit que esta foi a primeira
cidade a construir um freeway e a ter o primeiro shopping mall nos modelos conhecidos
na atualidade.

2
A chamada “Big Three” composta pelas montadoras Ford, Chrysler e General Motors foi responsável pela
aceleração do crescimento industrial em Detroit, consolidando a cidade como uma das primeiras
economias dentro dos Estados Unidos e sendo responsável por uma grande migração de pessoas para
atuar como mão de obra no setor.
A grande oferta de empregos fez com que houvesse uma imigração massiva de europeus
para ocuparem tais postos de trabalho nas linhas de montagem. Entretanto, na década
de 1920 houve uma política de restrição da imigração, o que fez com que americanos de
outras partes do país fossem atraídos para essas vagas. A migração de afro-americanos
da região Sul do país para ocuparem esses postos de trabalho em Detroit gerou um boom
populacional e os limites da cidade cresceram e levaram a uma grande escassez de
moradias. Dessa forma, foram construídas moradias públicas para esses trabalhadores
na região central. O grande volume migratório de afro-americanos gerou tensões raciais
na cidade, eclodindo em um fenômeno social de ruptura chamado “Apartheid Urbano”,
com segregação de espaços e migração da população branca em direção aos subúrbios.

A arquitetura criada neste período de grande abastança econômica inclui construções


em estilo Art Deco e estruturas de galpões com o uso massivo de blocos de tijolos
vermelhos. Os exemplares vão desde fábricas até grandes arranha céus, projetados por
arquitetos renomados, tais como Albert Kahn (1868- 1942). A efusão econômica trazida
pela indústria automobilística fez com que fossem construídas uma diversidade de
edificações, como hotéis, cinemas, edifícios públicos e distritos comerciais em torno de
importantes avenidas da cidade.

Figura 2- Michigan Bell and Western Electric Building. Fonte:


https://www.jeffbondono.com/WirtRowland/MichiganBellAndWesternElectricWarehouse/
Figura 3: Fábrica da Ford. Fonte: https://www.fordpiquetteplant.org/about/history/

O grande volume de construções empreendidas no período de expansão econômica,


visando o atendimento das demandas de produção automobilística, do setor de serviços
e da crescente populacional com a construção de moradias públicas para os operários,
fez com que Detroit conquistasse um enorme acervo de edifícios representativos do
período.

Entretanto, a partir da década de 1960, a cidade entra em uma profunda recessão.


Devido a fatores como o processo de desindustrialização de Detroit, com a mudança das
fábricas para outros lugares, dentro e fora dos EUA, que oferecessem melhores
condições fiscais e mão-de-obra mais barata, além do processo massivo de mecanização
da produção industrial, que levou à demissão em massa de milhares de trabalhadores
das fábricas, a cidade teve um significativo decréscimo econômico e populacional. Com
isso, muitos imóveis foram abandonados, desde grandes fábricas a unidades
residenciais. A violência urbana decorrente deste fenômeno ampliou a vacância de
diversos imóveis. Com o abandono, muitos dessas edificações sofreram um processo de
arruinamento, decorrente da falta de manutenção e depredações.
Figura 4- Antiga fábrica da General Motors. Fonte:https://www.nytimes.com/2009/06/28/magazine/28detroit-t.html

O fato de Detroit ter baseado sua economia em uma única fonte de produção industrial
foi um fator determinante para a decadência da cidade. Depois de algumas tentativas de
recuperação e diante da grave crise econômica enfrentada pela cidade, o Estado de
Michigan decretou falência de Detroit em 2013.

Em 2015 com o novo diretor de planejamento urbano da cidade


Maurice Cox a situação começou a melhorar significativamente, a
equipe de trabalho de Cox partiu do trabalho realizado pela Detroit
Future City, uma organização sem fins lucrativos que desenvolveu um
plano estratégico para a reutilização dos lotes abandonados da cidade.
Avançar com estratégias voltadas para quem já morava na cidade,
lidando com uma cidade em crescimento e aberta a novas economias.
(MELI, 2020, p. 34)

Com a falência de Detroit, a cidade passou por um período de abandono. Lotes sofrem
com a vacância e serviços públicos foram drasticamente reduzidos. Entretanto, a cidade
tenta se recuperar e passa por uma profunda reestruturação. Em 2015 foi lançado plano
denominado “Detroit Future City”3, que visa a recuperação da cidade através do plano

3
Disponível em: https://detroitfuturecity.com/
implementação de uma estrutura estratégica de desenvolvimento de 50 anos. Além
disso, movido pela crescente onda de demolições ocorridas no início dos anos 2000
(MELI, 2020), algumas construções foram constituídas como marcos históricos nacionais.
O edifício Fisher Building, importante ícone da cidade, passou por um processo de
restauro. A fábrica da Ford, responsável pelo mundialmente famoso modelo T, se tornou
museu da montadora. Organizações como a “Historic Detroit”4 se dedicam a reunir
informações sobre a história de Detroit, catalogando através de mapas, imagens e
informações relevantes a arquitetura histórica da cidade.

3. CONCLUSÃO
A importância de Detroit na profunda modificação dos meios de produção, a nível global,
através do Fordismo com o método de produção seriado, por si só já justificaria a
preservação das estruturas dessa época como testemunho histórico industrial, de
acordo com a Carta de Nizhny Tagil (ICOMOS, 2003), que versa sobre a preservação do
patrimônio industrial, e com a Carta de Veneza (ICOMOS, 1964). A arquitetura produzida
nesse importante período precisa ser preservada, por ser testemunho histórico de uma
significativa mudança de paradigma na forma de concepção da sociedade como um
todo, através da introdução da industrialização de maneira tão pungente em diversas
esferas.

Os riscos envolvendo a perda de importantes exemplares do patrimônio industrial em


Detroit advém do abandono de diversas estruturas fabris, que sofrem com a
deterioração imposta pelo tempo e pela falta de manutenção, além das constantes
depredações as quais estão submetidas. Esforços têm sido feitos para que essa
arquitetura seja preservada para as gerações futuras, tais como a catalogação e reuso de
algumas edificações. Estudos sobre a temática envolvendo Detroit como objeto de
análise tem se multiplicando, revelando a importância desta cidade para o patrimônio

4
Disponível em: https://historicdetroit.org/
da industrialização. Através destes esforços, e amparado pelas recomendações
internacionais para preservação desse legado, é possível olhar para a cidade de Detroit
como um conjunto histórico significativo deste período de inserção massiva do
automóvel no cotidiano de toda a sociedade e de transformação das formas de produção
industrial e, assim, salvaguardá-lo para as gerações futuras.
4. REFERÊNCIAS
Ford Piquette Plan. Disponivel em: <https://www.fordpiquetteplant.org/>.

Fisher Building. Disponivel em: <https://www.fisherbuilding.city/>.

Detroit Future City. Disponivel em: <https://detroitfuturecity.com/>.

Historic Detroit. Disponivel em: <https://historicdetroit.org/>.

AUSTIN, D. Detroit's art-deco Fisher Building coming to auction. USA Today, 2015.
Disponivel em: <https://www.usatoday.com/story/money/cars/2015/03/05/fisher-
building/24419849/>. Acesso em: Janeiro 2024.

BONDONO, J. Michigan Bell and Western Electric Warehouse. Jeff Bondono's Page,
2023. Disponivel em:
<https://www.jeffbondono.com/WirtRowland/MichiganBellAndWesternElectricWareh
ouse/>. Acesso em: Janeiro 2024.

CARUSO, R. Detroit, uma cidade em decomposição. Auto & Técnica, 2014. Disponivel
em: <http://autoetecnica.band.uol.com.br/detroit-uma-cidade-em-
decomposicao/#:~:text=Foi%20fundada%20em%201701%2C%20menos,autom%C3%B
3vel%20acess%C3%ADvel%20%C3%A0%20classe%20m%C3%A9dia.>. Acesso em:
Janeiro 2024.

ICOMOS. Carta de Veneza. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-


IPHAN, 1964. Disponivel em:
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%20196
4.pdf>.

ICOMOS. Carta de Nizhny Tagil sobre patrimônio industrial. [S.l.]: [s.n.]. 2003.

KÜLH, B. M. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização. Cotia: Ateliê


Editorial, 2008.
MELI, G. L. RE USING DETROIT Heritage from Rivertown (Dissertação de mestrado).
Torino: Politecnico di Torino, 2020.

RUNYAN, R.; MONDRY, A. Detroit's Art Deco masterpieces, mapped. Curbed Detroit,
2020. Disponivel em: <https://detroit.curbed.com/maps/art-deco-detroit-architecture-
buildings>. Acesso em: Janeiro 2024.

THE NEW YORK TIMES. G.M, Detroit and the fall of the black middle Class. The New York
Times Magazine, 2009. Disponivel em:
<https://www.nytimes.com/2009/06/28/magazine/28detroit-t.html>. Acesso em:
Janeiro 2024.

WIKIPÉDIA. Ford Piquette Avenue Plan. Wikipédia. Disponivel em:


<https://en.wikipedia.org/wiki/Ford_Piquette_Avenue_Plant>.

WIKIPÉDIA. History of Detroit. Wikipédia. Disponivel em:


<https://en.wikipedia.org/wiki/History_of_Detroit#21st_century>.

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