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dizer que sempre se articula com momen- através de meios estilísticos, poéticos e
tos muito variados da vida de trabalho, de retóricos, e que bem pode ser considerada
actividade ou de lazer da comunidade - : como profusão bem distribuída de meios
lembremo-nos de que um romance pode adequados com efeitos difusos de sentido.
ser cantado ou recitado numa «Segada» ou Estas são, por comparação com as da
num serão, de que uma «benzedura» Literatura-Instituição, as características que
integrar-se-á em determinados momentos da julgamos mais importantes para o corpus
vivência dos agentes. Não exige, como o de composições que cons tituem a Litera-
literário, situações de plena entrega à acti- tura Oral Tradicional. Todas elas se ade-
vidade de contacto, como a leitura ou a quam aos textos que, de seguida, procura-
recitação. remos arrumar e classificar por géneros.
Quanto à realização de expressão e con-
teúdo das versões dos vários textos, apon-
taríamos, como grandes diferenças das 3. Na classificação dos géneros da Litera-
manifestações da Literatura Oral Tradicio- tura Oral Tradicional, julgamos pertinente
nal, em confronto com as da «grande» Lite- propor uma divisão em macroconjuntos,
ratura, a economia de meios expressivos segundo as naturezas lírica, narrativo-
e a condensação, senão mesmo a elemen- -dramática e meramente dramática das com-
taridade, do seu conteúdo. No que respeita posições. Cada um desses macroconjuntos
ao primeiro aspecto, sabemos como os tex- aponta para um específico conteúdo e res-
tos tradicionais orais evitam a componente pectiva expressão: o primeiro diz respeito
descritiva, centrando-se na acção e no diá- ao sentimento, ao afecto, à confessionali-
logo, privilegiando categorias morfológicas dade ou mesmo a práticas que muito têm
tais como o substantivo e o verbo. O que a ver com as crenças e superstições; o
chamamos aqui «economia» vai consagrar, segundo, que engloba também os textos
por exemplo no romanceiro, subtis estra- derivados do género épico, abrange as com-
tégias de funcionamento do explícito com posições, quer em verso, quer em prosa,
o implícito, o que exige participação «ima- que assentam na componente discursiva
ginativa» do receptor ou, então, como con- que é a narração, e que têm, como ele-
sequência do que acabamos de dizer, a pura mento diminuto ou principal, o diálogo,
e simples dispensa de didascálias para apre- contado com muito pouca descrição; o ter-
sentação de quem vai tomar a iniciativa do ceiro integra as manifestações do género
diálogo; e ainda as fundamentais expressões dramático, isto é, desde os grandes «autos»
e estruturas formulísticas que marcam no aos «pequenos diálogos».
enunciado facilitações do circuito interlo- É evidente que, para cada um desses
cutivo, permitindo sobretudo ao transmis- macroconjuntos, temos de considerar duas
sor momentos de relançamento da mensa- vertentes: a religiosa e a profana. Ambas
gem («palavras não eram ditaS>>, «de calçada se fazem sentir ao longo dos géneros aqui
em calçada>>, «À entrada duma vila, à saída considerados, mais nuns que noutros. Fre-
dum lugar», etc.). quentemente, as composições de um
No que respeita ao conteúdo, temos de género profano testemunham a intenção de
salientar a condensação semântica das os seus assuntos serem aproveitados a lo
situações e dos respectivos agentes, bem divino.
como das categorias espaço e tempo, o
que, ligado à sua elementaridade, lhes con- 3.1.Começaremos pelas composições de
fere um forte alcance simbólico (pensemos carácter lírico. Dizem respeito à autêntica
em contos como A Gata Borralheira ou experiência da vida do Povo, na qual o sen-
O Capuchinho Vermelho). Estamos longe, timento ou a crença se revela como o
da táctica de atingir a profunda espessura suplemento principal da vivência quoti-
de significação que o texto literário diana. São quase sempre em verso, 6~
emprega, táctica esta que consiste, afinal, podendo, no entanto, em certos casos, ,
numa disseminação semântica conseguida como nas «benzeduras», se manifestarem (41.;
em prosa. Nessas compos1çoes, distingui- pedra no sapato», ((ser amigo de Peni-
remos três subconjuntos: che», etc.
-em primeiro lugar, o das práticas de c) as práticas de intenção meramente
carácter prático-utilitário, em que utilitária: encontram-se representadas
evidenciaremos: no nosso corpus sobretudo pelos:
a) as práticas de intenção mágica e -pregões: hoje quase desaparecidos
religiosa: principalmente na sua vertente can-
tada, foram importantes suportes poé-
- rezas e orações paralelas (em relação ticos para algumas actividades mercan-
às oficiais, da Igreja): por exemplo, o tis («Quem quer figos, quem quer
«Padre Nosso Pequenino», «Oração ao almoçar>>);
Levantar» ou «Oração ao Deitar>>, qual-
quer uma delas com motivos densos -em segundo lugar, as composições de
de carácter simbólico. carácter lúdico, isto é, aquelas que se
destinam a acompanhar momentos
- ensalmos, benzeduras, exorcismos: predominantemente recreativos ou
nestas composições, com suas estru- vertentes de lazer que sejam comple-
turas e registos linguísticos muito pró- mentares de actividades, mesmo que
prios (invocações, séries enumerativas, elas sejam de trabalho:
esboços narrativos), pretendem os
seus utentes actuar sobre a realidade , a) rimas infantis: trata-se de um ccvasto
com base no poder da palavra. continente», para aproveitar a expres-
são de uma-das estudiosas deste domí-
- cantigas de embalar/ de ninar/ de
nio, no qual podemos enumerar:
berço: a palavra aliada à melodia torna
possível o adormecimento do bebé - - fórmulas encantatórías: constituem as
são quadras que quase sempre têm a representantes de uma quase intenção
ver com o elogio do próprio destina- mágica sobre a realidade; são muitos
tário («menino de ouro>>), com uma os exemplos: «Joaninha avoa, avoa, teu
alegada afugentação do <cpapão» ou pai vai para Lisboa»; «Poisa, poisa,
ainda com a situação religiosa de a Maria Loisa, que amanhã dou-te uma
criança se identificar com o próprio coisa»
Jesus. - lengalengas: composições poéticas
que se estruturam fundamentalmente
b) as práticas de sabedoria: acrescente- numa sintaxe de encadeamento sobre-
mos que também se visam objectivos tudo copulativo e, de modo secundá-
prático-utilitários - são pequenas, mas rio, relativo: ccAmanhã é domingo/ Pé
densas mensagens em que se registam de cachimbo/ Galo monteiro/ Pisou na
seculares conclusões de conhecimento areia,/ A areia é fina/ Que deu no sino,/
teórico sobre a existência ou, mais O sino é de prata,/ Que deu na barata,
concretamente, indicações de carácter etc. >>;
meteorológico. Nelas, integraremos:
- anfiguris: julgamos que representam
-provérbios, sentenças, máximas, etc., prolongamentos das «fatrasias» de ori-
isto é, todas as manifestações da pare.- gem medieval: «Era não era/ Andava
miologia (incidem na vida de todos na serra./ Era seu pai nado,/ Sua mãe
os dias); por nascer./ Ora o pobre do homem/
- ditos/ expressões estereotipadas: na O que lh'havia de acontecer, etc.»
vida quotidiana dos portugueses, mui- - trava-línguas: apesar de os arrumar-
tos destes ditos e expressões, com mos nesta grande categoria das ((com-
muito de metafórico, constituem patri- posições lúdicas», estamos em crer que