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J.

Ackerman

A mudança mais radical na história da moradia surgiu no início do séc. XIX, quando a

ideologia da moradia se democratiza e se torna acessível à pequena burguesia citadina

em ascensão. As suas causas são complexas: dela fazem parte o rápido crescimento das

grandes cidades em detrimento dos campos, a industrialização, os transportes por barco

a vapor, por carril e comboio, os efeitos da filosofia social igualitarista do século XVIII

e por fim o romantismo. (…) O movimento da cidade jardim do final do séc. XIX

apropriou-se tanto quanto possível da ideologia da moradia na sua visão fluida dos

valores urbanos e rurais. O termo “moradia” (villa) acabou por ser aplicado a todo e

qualquer tipo de residência separada ou semi-separada, quer seja na cidade, nos

subúrbios, ou no campo, desde que ela esteja situada num espaço mais aberto que o

centro da cidade de forte densidade. Este desenvolvimento não afectou no entanto a

evolução da moradia no sentido tradicional, senão talvez pela contribuição para a

desvalorização do uso do termo “moradia” (villa) para designar mesmo o tipo. As casas

de campo do séc. XIX, tais como as de Scott, Richardson, Viollet-le-Duc, Voysey ou

outros, não eram chamadas “moradias” e, no século XX Le Corbusier constitui uma

excepção ao recolocar em vigor esta designação.

A distinção entre a quinta (granja ou herdade) e a moradia não se resume a uma questão

de função e de programa. Ela encontra a sua origem em culturas e em ritmos de

evolução diferentes. Tal como as técnicas agrícolas evoluem mais lentamente que as da

indústria e do comércio, a quinta evolui mais lentamente que a moradia.


A precária situação económica e social do camponês, do “contadino” do rendeiro

(metayeur) impediu-os até há pouco tempo de modificarem os seus métodos agrícolas e

o quadro em que eles viviam e trabalhavam, e, mesmo nos raros casos em que podiam

enriquecer materialmente, o seu sentido da propriedade e o seu orgulho de classe

puxavam-nos a conservar as formas tradicionais.

A moradia constitui um caso oposto: é raro que ela traduza a vontade do proprietário ou

do arquitecto em se conformarem a um estilo do passado; ela tende sobretudo a adoptar

o estilo arquitectónico da moda. A moradia constitui um paradoxo cultural. Se a quinta

resistiu à mudança por causa da lenta evolução da agricultura e cultura rural,

poderíamos esperar que a moradia se tivesse mantido dentro de limites ainda mais

convencionais. Ela reflecte com efeito uma aspiração social extremamente

conservadora, ela constitui um luxo somente acessível a pessoas privilegiadas e

poderosas, e, para mais, a ideologia que sustenta este tipo de arquitectura evoluiu pouco

durante milénios. Mas o carácter mítico da ideologia da moradia liberta-a dos

constrangimentos da utilidade e da produtividade e tornou-a propícia às vontades

criadoras do proprietário e do arquitecto. Essa criatividade foi frequentemente limitada

ao domínio do gosto, tal como a moda no vestir, igualmente motivada por uma

mitologia que permaneceu estável quando um aumento da riqueza abriu as portas à

tentação. Mas a moradia capta a nossa atenção porque ela durante séculos articulou

conceitos e sentimentos vindos de culturas diferentes tocando no diálogo entre a cidade

e o campo, entre natural e artificial, entre solenidade e desenvoltura. A moradia

formaliza questões universais.

Escritor do séc. I, Plínio o jovem era um senador muito rico que possuía muitas

propriedades e duas sumptuosas moradias, enquanto que Horácio, célebre poeta do


século precedente, era filho de um escravo liberto. A sua modesta quinta / moradia

tinha-lhe sido oferecida pelo seu protector Mecenas. Martial (entre 40 e 104 D.C.) poeta

também ele, tinha uma pequena propriedade manifestamente ainda mais rústica que a de

Horácio. A despeito das diferenças notórias da sua posição social, todos os três

partilhavam uma mesma concepção da vida no campo e contribuíram com outros

contemporâneos seus para a formulação para a posteridade das grandes linhas duma

ideologia campestre. Definida como um antídoto para a vida urbana, os seus

componentes essenciais eram a simplicidade e o natural do modo de vida rural, a

salubridade do ar e a possibilidade de fazer exercício (em particular a caça e a pesca,

embora Plínio confesse que pesca deitado), o tempo deixado às actividades intelectuais

e criativas, o prazer de discutir com os amigos e as alegrias da contemplação da

paisagem natural e cultivada, em qualquer estação e a qualquer momento.

O que faz do conjunto destes comportamentos uma ideologia é o facto de que eles não

dizem respeito senão aos privilegiados cujos rendimentos, importantes ou não, não

dependiam dos rigores ou dos riscos suportados pelos verdadeiros habitantes do campo,

obrigados a retirar a sua subsistência do solo e a sofrer uma vida de aborrecimento e de

isolamento. Não encontramos nunca testemunhos históricos que mostrem como os

rendeiros, os camponeses ou os escravos – que não tinham outra escolha senão ficar lá –

sentiam o charme da vida rural descrito na literatura sobre as moradias. De facto, é

graças ao suor da testa do trabalhador que os proprietários podiam gozar as delícias da

vida campestre.

Nenhuma moradia romana sobreviveu ao desmoronar do Império Romano no decurso

do século V. No período seguinte as grandes cidades foram saqueadas e incendiadas, e

durante cerca de cinco séculos a maioria da população europeia agrupou-se à volta das
fortalezas dos bispos e dos senhores feudais na esperança de aí encontrar protecção.

Uma tal situação não permitia o desenvolvimento das cidades, e em nenhuma grande

cidade europeia de hoje encontramos uma só pedra de rua ou de edifício secular que

tenha sido colocada entre os séculos V e X, com excepção de alguns vestígios

exumados pelos arqueólogos. O aspecto do habitat deste período não é mais conhecido

que o do homem paleolítico.

O que nós chamamos de cidade medieval não é senão a cidade da Idade Média Tardia, a

que vai do séc. X ao séc. XIII, e que é o produto duma sociedade totalmente diferente da

anterior. Provindo o seu poder da terra e da economia agrária, os soberanos e a nobreza

não encorajavam o crescimento das cidades. O renascimento das cidades foi obra dos

comerciantes, dos artesãos e dos fabricantes que estabeleceram um governo do tipo

comunal, livre de qualquer controle real, imperial ou eclesiástico, e suficientemente

forte para assegurar a sua própria defesa face a uma agressão exterior. Estes fundadores

de cidades foram chamados “burgueses”. É este grupo social que cria uma economia

monetária com uma acumulação de capitais libertando excedentes disponíveis para

investir. Quando o monopólio feudal da propriedade de terras começa a tremer e que o

campo se torna suficientemente seguro, a nova classe fez renascer a moradia – entidade

distinta da quinta / herdade ou do castelo – para se dotar dum local de repouso e de

exercício realizando no entanto um investimento na agricultura.

Na Itália dos finais da Idade Média, enquanto eles possuíam na sua maior parte, nas

cidades renascentes, um alojamento provido duma torre defensiva, os aristocratas

residiam principalmente nos castelos fortificados no meio das suas terras. Sedes quer

simbólicas quer funcionais do poder, estes últimos raramente eram remodelados para

serem colocados ao gosto da época porque a sua idade era mesmo um valor relevante –
símbolo da antiguidade da linhagem, da precedência da nobreza sobre a burguesia e da

permanência da tradição numa época de mudança. Uma diferença fundamental

distinguia o castelo fortificado, da moradia: o primeiro era a sede do poder político e

económico do seu proprietário, enquanto a segunda era o lugar onde ele vinha relaxar,

longe das preocupações da cidade e das responsabilidades do poder.

A visão positiva da vida no campo e o seu corolário, a depreciação dos valores e das

condições da vida urbana desaparecem dos textos no ocidente após a queda do Império

Romano e só reaparecem no século XIV. Esta renovação foi estimulada pelo escritor

mais influente da época, Petrarca (Francesco Petrarca), originário da Toscânia, grande

erudito da cultura clássica e confidente dos soberanos, que jogou ele próprio em vida

um papel político de relevo.

Em toda a Europa, os camponeses eram temidos e odiados desde a Idade Média. Vítima

da pobreza e da miséria, de fomes sucessivas e das pilhagens de guerra, analfabeta e

sujeita a explosões de violência, a classe camponesa ultrapassa largamente em número

as outras classes sociais e era vista como uma ameaça perpétua para a estabilidade e a

paz. Revoltas camponesas confusas e sangrentas eclodiram frequentemente nos séculos

XV e XVI, como em Friuli em 1511 e em toda a Europa Setentrional em 1525. Existe

uma vasta panóplia de literatura da Idade Média e da Renascença que pinta de negro e

satiriza o camponês, o mais das vezes apresentado como um personagem ridículo ou

grotesco nas artes visuais e nas comédias. Os livros consagrados às moradias veiculam

até certo ponto esse cliché;

Quando o “contadino” traz os cereais ao celeiro, tende cuidado, porque se ele não vir

ninguém em casa, ele vos desviará rapidamente pão, vinho ou outras coisas; ele

apodera-se seja do que for. O “villano” é como um animal sarnento e é aconselhável não
perder de vista as suas mãos… Na cozinha, não deveria haver nunca lume para ele se

aquecer, porque o lugar do camponês é o estábulo; assim muita lenha se pode

economizar, e se o “padrone” surpreende o camponês diante do fogo na cozinha, deve

repreendê-lo e mandá-lo limpar o gado e o feno no estábulo, onde ele pode comer na

manjedoura, lavar e esfregar o rabo das vacas; ele vai aquecer melhor aí do que com a

lenha da cozinha.

G. Bonardo (La Richezza dell’agricoltura p. 69 e seg.) consagra um capítulo inteiro aos

problemas que podem criar os feitores (fattori) desonestos, que não hesitarão, segundo

ele, em dizer ao patrão que os animais morreram quando eles foram vendidos, subtrair

produto dos depósitos e de vender uma parte dos cereais simulando que a colheita

menos abundante é devida ao esgotamento do solo.

Mas se os camponeses provocam desconfiança e inquietação, os autores não ignoram

também os benefícios que podem tirar dum tratamento indulgente. O próprio Falcone o

recomenda (pag. 11): Enquanto o “signor padrone” reside na moradia com toda a sua

nobre família, deveria mostrar respeito até pelo mais humilde dos camponeses da quinta

ou da região, ser bom para eles, agradável, sociável, afável, não lhes dando ordens com

arrogância nem manifestando cólera, nem lhes dizendo o que quer que seja de ofensivo

ou insultuoso. Porque um homem é como um cavalo e não aceita ser governado com

desprezo. Com efeito, é bom que eles estejam felizes e contentes para que trabalhem

melhor, mais e com maior entusiasmo….

Não é contudo necessário mostrar demasiada familiaridade com eles pois isso correria o

risco de atentar contra o que eles devem reverenciar e estimar sempre. Porque a

demasiada familiaridade acabaria por gerar o desprezo. Não é necessário que eles

conheçam sempre os vossos planos com detalhe. Por vezes é necessário simular que se
faz aquilo que eles querem para que eles puxem pelo seu orgulho e trabalhem ainda com

mais ardor.

Falando dos seus camponeses, o “Avogadro de Gallo” declara que faz ponto de honra

de:

Os sustentar nos tempos difíceis, a ajudá-los a aprender a ler e a escrever aos filhos e a

ensinar-lhes as maneiras apropriadas para o seu lugar na sociedade. Damos-lhes

dinheiro, mobiliário ou roupas quando têm dificuldades para constituir um dote para as

suas filhas… São verdadeiros actos de caridade, porque eles não são abusadores como

os canalhas fraudulentos que encontramos por todo o lado…

O seu companheiro sublinha o contraste entre esta generosidade e a atitude comum dos

“gentis-homens” que, por todo o lado os tiranizam até ao ponto de eles perderem a

propriedade, a vida e a honra.

Esta mudança de atitude em relação aos camponeses apareceu no início do século XVI

na literatura e nas artes do norte de Itália, em particular nos territórios venezianos onde

os camponeses tinham contribuído para salvar a República duma derrota face às forças

aliadas das potências europeias e do papado. Eles foram então apresentados com

indulgência como seres sensíveis, por vezes mesmo nobres (por exemplo nas gravuras

de Villamena), em casa de quem a miséria não tinha destruído a humanidade. Nas suas

“novelle” do início do século XVI, Matteo Bandello, um frade dominicano frequentador

da corte faz deles personagens simpáticos e edificantes. Graças à sua pobreza e

simplicidade, o seu “contadino” parece indiferente às tentações e aos vícios que atraem

cortesãos e burgueses, ele pode mesmo mostrar uma certa nobreza de espírito, ainda que
apareça mais tipicamente como um rústico virtuoso. Aconteceu o mesmo no final do

século XVI com as cenas do género rural de Jacopo Bassano.

Contrastando com estes autores que adoçavam e idealizavam os camponeses para

conquistar um público nas cidades e nas cortes Ângelo Beolco de Pádua, conhecido pelo

nome de Ruzante, fez uma obra pioneira escrevendo em dialecto, a partir dos anos 1520,

comédias e pequenos diálogos que se tornariam uma das fontes da “commedia

dell’arte”. O personagem central que, como na “commedia” reaparece nas diferentes

peças, é o camponês Ruzante, grotesco e fanfarrão que acaba habitualmente abandonado

pela mulher ou a amante e batido pelos espertalhões (malandros) porque na sua pobreza

e na sua ignorância é o perdedor perfeito (La Betía, Bilora, Il Parlamento). Uma

comédia anterior, “La Pastoral” (1521), encena um hilariante encontro entre Ruzante e

um grupo de pastores arcadianos cujas declamações em tercetos cheios de ênfase giram

em volta da literatura pastoral e parecem ridículas face às gargalhadas e às alusões

escatológicas do camponês. O encontro entre pastores tão distintos como os cortesãos,

saídos directamente da poesia dramática humanista, e o grosseiro personagem rústico

constitui uma bandeira (emblema) literária consagrada à síntese realizada por Palladio,

nos seus planos de moradia da maturidade, entre a nobre residência com fachada de

templo e a banal “barchessa” rural ou granja com pórtico. Por mais cómico que seja, o

camponês de Beolco ganha a simpatia e o respeito do leitor porque está próximo e é

humano.

As mulheres estavam totalmente ausentes nos textos antigos consagrados à moradia. Em

contrapartida, a maioria das obras do século XVI testemunha uma certa preocupação a

seu respeito, ainda que a sua contribuição para os prazeres da vida na moradia fossem
dos mais restritos. As passagens que dizem respeito às mulheres revelam mais aversão e

desconfiança que entendimento e afecto. As crianças quanto a elas nunca são

mencionadas.

A dama é em certa medida tão oprimida como o camponês pela atitude dominadora e

condescendente do seu marido. Ao declarar que as mulheres preferem a moradia à

cidade porque a vida é aí mais livre e as obrigações menos pesadas, é possível que Gallo

não faça senão um voto piedoso: as mulheres não têm outro papel senão tratar da

família e nem lhes é sequer permitido dedicarem-se às duas ocupações mais valorizadas

na moradia, a leitura e a caça. Escreveu Taegio (pag. 122e seg.):

Dado que as mulheres são por natureza mais frágeis que os homens e por natureza mais

tentadas pelo mal que pelo bem, digo-te que elas têm ainda maior necessidade de rédeas

que de esporas e mais de servidão que de liberdade. As mulheres que lêem expõem-se a

um grande perigo. Conheço algumas de boa natureza às quais logo que começam a ler,

as responsabilidades próprias das mulheres parecem rapidamente aborrecidas e elas

deixam-se apoderar pelo sono, e logo que elas lêem histórias de Boccace não é possível

tirá-las de lá, experimentando uma satisfação infinita. E eu concluo que pelos exemplos

e razões atrás mencionadas que o “ócio” das letras pertence aos homens, não às

mulheres cuja tarefa é aprender a tratar bem da família e não de ler.

A desconfiança em relação à aptidão das mulheres para a castidade iguala a

desconfiança em relação aos camponeses. Mas, enquanto os autores estão conscientes

que um tratamento mais justo encoraja entre estes últimos uma atitude leal e

cooperativa, não conseguem imaginar que um comportamento afectuoso e

compreensivo para com as suas esposas possa encorajar a sua lealdade (Falcone avisa,

p. 21, contra as “ofensas” a uma esposa em público ou em privado). Porque elas não
podendo exercer as represálias físicas ou económicas que moderavam as tentações de

oprimir os camponeses, podiam ser confinadas física e intelectualmente o que fazia

certamente mais para encorajar a infidelidade do que para preveni-la.

As mulheres pertencentes à classe dos servidores ou dos artesãos podiam no entanto

desempenhar papéis mais importantes no funcionamento da moradia. A mulher do feitor

(massara) que, segundo Taecio (pag.17), “não devia ser tão bela que o amor ou o ciúme

incite (o seu marido) a abandonar o trabalho, nem tão feia que o desgosto em relação a

ela o incite a ir à procura de outras”, desempenha o duplo papel de governanta e

quinteira, e as responsabilidades que lhe atribui Falcone (pag.16 e seg.) são

extremamente, e mesmo excessivamente, absorventes:

“Se o encargo do domínio da moradia no exterior, no campo, é trabalho dos homens, a

responsabilidade da casa incumbe e convém às mulheres, à mulher que governa a casa.

(…) Digo portanto que na moradia é dever da trabalhadora, a mulher do feitor, em

primeiro lugar vigiar o seu bom comportamento, como uma mulher fiel e temente a

Deus, educar bem os seus filhos assim como os da casa, obedecer ao seu marido, ser

paciente e boa para toda a gente, discreta, senhora de si mesma, não ser ciumenta, amar

a moradia e não se ausentar com frequência da casa e do pátio. Ela será severa com os

que se portam mal, não será quezilenta; ela deverá tal como as suas filhas, evitar

frequentar bailes e concertos, guardar a casa, as roupas de vestir, as roupas da casa e o

pórtico limpos. Os artigos da casa não devem andar espalhados pelos quatro cantos mas

cada um deve estar no seu lugar. Ela não deve confiar as chaves do celeiro e da dispensa

a ninguém, e manterá os jovens debaixo de olho, em particular as raparigas. Ela deve ser

a primeira a levantar-se e a começar a trabalhar … e a última a deitar-se, e ao serão, ela

deve organizar as tarefas domésticas que devem ser feitas no dia seguinte. Ela deve
trabalhar sem se queixar porque senão o trabalho realizado será mal recebido. As

mulheres tagarelas não devem entrar dentro de casa, e devem ser enviadas para o

campo. Em tudo aquilo que ela faz, ela deve ser um esteio para o seu marido. Ela deve

mostrar-se prestável para os seus vizinhos. Ela deve encorajar os jovens a trabalhar,

dizendo-lhes: Viste o que eu fiz? Viste o teu pai? O que é que há para fazer?

Ela não deve jurar, nem pronunciar palavras vulgares e grosseiras. A lenha espalhada

pelo pátio deve ser reunida em feixes para aquecer o forno.

A condição feminina descrita nestes ensaios reporta-se a um período em que as

perseguições de mulheres acusadas de bruxaria se tinham multiplicado

consideravelmente. Mas os autores de obras consagradas às moradias não reconhecem

às mulheres poder absolutamente nenhum, mesmo maléfico ou oculto, emprestando-

lhes apenas fraquezas. Se eles temiam as infidelidades das suas mulheres e filhas, isso

não deixaria de estar ligado a um sentimento de insegurança ligado à sua própria

imagem social. Eles precisavam de “salvar a face”. Nós não temos nenhum meio de

saber até que ponto os seus temores tinham fundamento, mas tendo em conta os

constrangimentos impostos às mulheres, parece improvável que os casos de

promiscuidade sexual tenham sido da dimensão das suas inquietações.

A CASA PALLADIANA EM INGLATERRA

Da era Isabelina até ao século XX, a sociedade e a economia rurais inglesas atribuíram

às casa de campo um peso cultural maior que em qualquer outro lugar e qualquer outra

época. Na Grã-Bretanha, o poder das classes privilegiadas provinha da terra, mesmo que
frequentemente tivesse que ser sustentado e reforçado por uma actividade urbana, em

particular em Londres, sede do governo e da corte. As residências e os parques dos

aristocratas, dos membros da pequena aristocracia, dos comerciantes e empresários, que

semeiam o campo, serviam habitualmente de residências principais. Os rendimentos dos

seus proprietários provinham geralmente de rendas referentes à exploração do seu

domínio. Frequentemente, os proprietários possuíam também uma residência em

Londres, que eles podiam ocupar “durante a estação” e durante as sessões do

parlamento (a ocupação de funções governativas pelos pares do reino foi estimulada

pelo direito exclusivo de ter assento na Câmara dos Lordes). Este estilo de vida é

descrito na literatura inglesa dos séc. XVIII e XIX, em particular nos romances, que

procuram descrever a vida e as relações sociais dos ocupantes das casas de campo.

No Renascimento e da idade barroca, estas casas de campo não eram consideradas como

moradias porque as habitações representativas dos estilos dominantes, da era Isabelina

até ao reinado da rainha Ana (1702 – 1714), eram demasiado grandiosas para se

acomodarem às conotações rústicas implícitas neste termo. Mas no final da época

georgiana assistiu-se, sob a influência de intelectuais e de aristocratas liberais, a uma

mudança radical do gosto em direcção ao natural e da pureza clássica, que fez da

moradia mediterrânica um modelo redutor, tanto pela sua forma e as suas dimensões

como pelo seu carácter. Palladio e Inigo Jones – o qual introduziu na Inglaterra do início

do século XVII o puro classicismo de Palladio e de Scamozzi – foram olhados como

verdadeiros depositários da tradição clássica, e o vigoroso estilo barroco de arquitectos

como Wren, Vanbrug ou Hawksmoor não pode resistir ao maremoto palladiano.

A moradia Chiswick, na periferia de Londres, que Richard Boyle, terceiro conde de

Burlington, desenhou para seu próprio uso em 1725, pode ser considerado como um

arquétipo do palladianismo reencontrado.


THOMAS JEFFERSON

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