Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Ackerman
A mudança mais radical na história da moradia surgiu no início do séc. XIX, quando a
em ascensão. As suas causas são complexas: dela fazem parte o rápido crescimento das
a vapor, por carril e comboio, os efeitos da filosofia social igualitarista do século XVIII
e por fim o romantismo. (…) O movimento da cidade jardim do final do séc. XIX
apropriou-se tanto quanto possível da ideologia da moradia na sua visão fluida dos
valores urbanos e rurais. O termo “moradia” (villa) acabou por ser aplicado a todo e
subúrbios, ou no campo, desde que ela esteja situada num espaço mais aberto que o
desvalorização do uso do termo “moradia” (villa) para designar mesmo o tipo. As casas
A distinção entre a quinta (granja ou herdade) e a moradia não se resume a uma questão
evolução diferentes. Tal como as técnicas agrícolas evoluem mais lentamente que as da
o quadro em que eles viviam e trabalhavam, e, mesmo nos raros casos em que podiam
A moradia constitui um caso oposto: é raro que ela traduza a vontade do proprietário ou
poderíamos esperar que a moradia se tivesse mantido dentro de limites ainda mais
poderosas, e, para mais, a ideologia que sustenta este tipo de arquitectura evoluiu pouco
ao domínio do gosto, tal como a moda no vestir, igualmente motivada por uma
tentação. Mas a moradia capta a nossa atenção porque ela durante séculos articulou
Escritor do séc. I, Plínio o jovem era um senador muito rico que possuía muitas
tinha-lhe sido oferecida pelo seu protector Mecenas. Martial (entre 40 e 104 D.C.) poeta
também ele, tinha uma pequena propriedade manifestamente ainda mais rústica que a de
Horácio. A despeito das diferenças notórias da sua posição social, todos os três
contemporâneos seus para a formulação para a posteridade das grandes linhas duma
embora Plínio confesse que pesca deitado), o tempo deixado às actividades intelectuais
O que faz do conjunto destes comportamentos uma ideologia é o facto de que eles não
dizem respeito senão aos privilegiados cujos rendimentos, importantes ou não, não
dependiam dos rigores ou dos riscos suportados pelos verdadeiros habitantes do campo,
rendeiros, os camponeses ou os escravos – que não tinham outra escolha senão ficar lá –
vida campestre.
durante cerca de cinco séculos a maioria da população europeia agrupou-se à volta das
fortalezas dos bispos e dos senhores feudais na esperança de aí encontrar protecção.
Uma tal situação não permitia o desenvolvimento das cidades, e em nenhuma grande
cidade europeia de hoje encontramos uma só pedra de rua ou de edifício secular que
exumados pelos arqueólogos. O aspecto do habitat deste período não é mais conhecido
O que nós chamamos de cidade medieval não é senão a cidade da Idade Média Tardia, a
que vai do séc. X ao séc. XIII, e que é o produto duma sociedade totalmente diferente da
não encorajavam o crescimento das cidades. O renascimento das cidades foi obra dos
forte para assegurar a sua própria defesa face a uma agressão exterior. Estes fundadores
de cidades foram chamados “burgueses”. É este grupo social que cria uma economia
campo se torna suficientemente seguro, a nova classe fez renascer a moradia – entidade
Na Itália dos finais da Idade Média, enquanto eles possuíam na sua maior parte, nas
residiam principalmente nos castelos fortificados no meio das suas terras. Sedes quer
simbólicas quer funcionais do poder, estes últimos raramente eram remodelados para
serem colocados ao gosto da época porque a sua idade era mesmo um valor relevante –
símbolo da antiguidade da linhagem, da precedência da nobreza sobre a burguesia e da
económico do seu proprietário, enquanto a segunda era o lugar onde ele vinha relaxar,
A visão positiva da vida no campo e o seu corolário, a depreciação dos valores e das
condições da vida urbana desaparecem dos textos no ocidente após a queda do Império
Romano e só reaparecem no século XIV. Esta renovação foi estimulada pelo escritor
erudito da cultura clássica e confidente dos soberanos, que jogou ele próprio em vida
Em toda a Europa, os camponeses eram temidos e odiados desde a Idade Média. Vítima
as outras classes sociais e era vista como uma ameaça perpétua para a estabilidade e a
uma vasta panóplia de literatura da Idade Média e da Renascença que pinta de negro e
grotesco nas artes visuais e nas comédias. Os livros consagrados às moradias veiculam
Quando o “contadino” traz os cereais ao celeiro, tende cuidado, porque se ele não vir
ninguém em casa, ele vos desviará rapidamente pão, vinho ou outras coisas; ele
apodera-se seja do que for. O “villano” é como um animal sarnento e é aconselhável não
perder de vista as suas mãos… Na cozinha, não deveria haver nunca lume para ele se
repreendê-lo e mandá-lo limpar o gado e o feno no estábulo, onde ele pode comer na
manjedoura, lavar e esfregar o rabo das vacas; ele vai aquecer melhor aí do que com a
lenha da cozinha.
problemas que podem criar os feitores (fattori) desonestos, que não hesitarão, segundo
ele, em dizer ao patrão que os animais morreram quando eles foram vendidos, subtrair
produto dos depósitos e de vender uma parte dos cereais simulando que a colheita
também os benefícios que podem tirar dum tratamento indulgente. O próprio Falcone o
recomenda (pag. 11): Enquanto o “signor padrone” reside na moradia com toda a sua
nobre família, deveria mostrar respeito até pelo mais humilde dos camponeses da quinta
ou da região, ser bom para eles, agradável, sociável, afável, não lhes dando ordens com
arrogância nem manifestando cólera, nem lhes dizendo o que quer que seja de ofensivo
ou insultuoso. Porque um homem é como um cavalo e não aceita ser governado com
desprezo. Com efeito, é bom que eles estejam felizes e contentes para que trabalhem
Não é contudo necessário mostrar demasiada familiaridade com eles pois isso correria o
risco de atentar contra o que eles devem reverenciar e estimar sempre. Porque a
demasiada familiaridade acabaria por gerar o desprezo. Não é necessário que eles
conheçam sempre os vossos planos com detalhe. Por vezes é necessário simular que se
faz aquilo que eles querem para que eles puxem pelo seu orgulho e trabalhem ainda com
mais ardor.
Falando dos seus camponeses, o “Avogadro de Gallo” declara que faz ponto de honra
de:
Os sustentar nos tempos difíceis, a ajudá-los a aprender a ler e a escrever aos filhos e a
dinheiro, mobiliário ou roupas quando têm dificuldades para constituir um dote para as
suas filhas… São verdadeiros actos de caridade, porque eles não são abusadores como
O seu companheiro sublinha o contraste entre esta generosidade e a atitude comum dos
“gentis-homens” que, por todo o lado os tiranizam até ao ponto de eles perderem a
Esta mudança de atitude em relação aos camponeses apareceu no início do século XVI
na literatura e nas artes do norte de Itália, em particular nos territórios venezianos onde
os camponeses tinham contribuído para salvar a República duma derrota face às forças
aliadas das potências europeias e do papado. Eles foram então apresentados com
indulgência como seres sensíveis, por vezes mesmo nobres (por exemplo nas gravuras
de Villamena), em casa de quem a miséria não tinha destruído a humanidade. Nas suas
simplicidade, o seu “contadino” parece indiferente às tentações e aos vícios que atraem
cortesãos e burgueses, ele pode mesmo mostrar uma certa nobreza de espírito, ainda que
apareça mais tipicamente como um rústico virtuoso. Aconteceu o mesmo no final do
conquistar um público nas cidades e nas cortes Ângelo Beolco de Pádua, conhecido pelo
nome de Ruzante, fez uma obra pioneira escrevendo em dialecto, a partir dos anos 1520,
pela mulher ou a amante e batido pelos espertalhões (malandros) porque na sua pobreza
comédia anterior, “La Pastoral” (1521), encena um hilariante encontro entre Ruzante e
constitui uma bandeira (emblema) literária consagrada à síntese realizada por Palladio,
nos seus planos de moradia da maturidade, entre a nobre residência com fachada de
templo e a banal “barchessa” rural ou granja com pórtico. Por mais cómico que seja, o
humano.
contrapartida, a maioria das obras do século XVI testemunha uma certa preocupação a
seu respeito, ainda que a sua contribuição para os prazeres da vida na moradia fossem
dos mais restritos. As passagens que dizem respeito às mulheres revelam mais aversão e
mencionadas.
A dama é em certa medida tão oprimida como o camponês pela atitude dominadora e
cidade porque a vida é aí mais livre e as obrigações menos pesadas, é possível que Gallo
não faça senão um voto piedoso: as mulheres não têm outro papel senão tratar da
família e nem lhes é sequer permitido dedicarem-se às duas ocupações mais valorizadas
Dado que as mulheres são por natureza mais frágeis que os homens e por natureza mais
tentadas pelo mal que pelo bem, digo-te que elas têm ainda maior necessidade de rédeas
que de esporas e mais de servidão que de liberdade. As mulheres que lêem expõem-se a
um grande perigo. Conheço algumas de boa natureza às quais logo que começam a ler,
deixam-se apoderar pelo sono, e logo que elas lêem histórias de Boccace não é possível
tirá-las de lá, experimentando uma satisfação infinita. E eu concluo que pelos exemplos
e razões atrás mencionadas que o “ócio” das letras pertence aos homens, não às
que um tratamento mais justo encoraja entre estes últimos uma atitude leal e
compreensivo para com as suas esposas possa encorajar a sua lealdade (Falcone avisa,
p. 21, contra as “ofensas” a uma esposa em público ou em privado). Porque elas não
podendo exercer as represálias físicas ou económicas que moderavam as tentações de
(massara) que, segundo Taecio (pag.17), “não devia ser tão bela que o amor ou o ciúme
incite (o seu marido) a abandonar o trabalho, nem tão feia que o desgosto em relação a
primeiro lugar vigiar o seu bom comportamento, como uma mulher fiel e temente a
Deus, educar bem os seus filhos assim como os da casa, obedecer ao seu marido, ser
paciente e boa para toda a gente, discreta, senhora de si mesma, não ser ciumenta, amar
a moradia e não se ausentar com frequência da casa e do pátio. Ela será severa com os
que se portam mal, não será quezilenta; ela deverá tal como as suas filhas, evitar
pórtico limpos. Os artigos da casa não devem andar espalhados pelos quatro cantos mas
cada um deve estar no seu lugar. Ela não deve confiar as chaves do celeiro e da dispensa
a ninguém, e manterá os jovens debaixo de olho, em particular as raparigas. Ela deve ser
deve organizar as tarefas domésticas que devem ser feitas no dia seguinte. Ela deve
trabalhar sem se queixar porque senão o trabalho realizado será mal recebido. As
mulheres tagarelas não devem entrar dentro de casa, e devem ser enviadas para o
campo. Em tudo aquilo que ela faz, ela deve ser um esteio para o seu marido. Ela deve
mostrar-se prestável para os seus vizinhos. Ela deve encorajar os jovens a trabalhar,
dizendo-lhes: Viste o que eu fiz? Viste o teu pai? O que é que há para fazer?
Ela não deve jurar, nem pronunciar palavras vulgares e grosseiras. A lenha espalhada
lhes apenas fraquezas. Se eles temiam as infidelidades das suas mulheres e filhas, isso
imagem social. Eles precisavam de “salvar a face”. Nós não temos nenhum meio de
saber até que ponto os seus temores tinham fundamento, mas tendo em conta os
Da era Isabelina até ao século XX, a sociedade e a economia rurais inglesas atribuíram
às casa de campo um peso cultural maior que em qualquer outro lugar e qualquer outra
época. Na Grã-Bretanha, o poder das classes privilegiadas provinha da terra, mesmo que
frequentemente tivesse que ser sustentado e reforçado por uma actividade urbana, em
pelo direito exclusivo de ter assento na Câmara dos Lordes). Este estilo de vida é
descrito na literatura inglesa dos séc. XVIII e XIX, em particular nos romances, que
procuram descrever a vida e as relações sociais dos ocupantes das casas de campo.
No Renascimento e da idade barroca, estas casas de campo não eram consideradas como
até ao reinado da rainha Ana (1702 – 1714), eram demasiado grandiosas para se
moradia mediterrânica um modelo redutor, tanto pela sua forma e as suas dimensões
como pelo seu carácter. Palladio e Inigo Jones – o qual introduziu na Inglaterra do início
Burlington, desenhou para seu próprio uso em 1725, pode ser considerado como um