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Apresentação:

A cidade medieval é composta por três elementos, o castelo (que pode ser
constituído apenas por uma torre de menagem ou já por um conjunto mais alargado, e
que basicamente era o local onde vivia o alcaide), a fortificação em redor do castelo
(que é uma praça de armas mais fortificada, chamada de alcáçova, um termo herdado
dos muçulmanos) e a vila (ou medina, no termo muçulmano).
Em geral a construção na cidade medieval não subsiste até aos nossos dias, uma
vez que nas habitações comuns se usava habitualmente materiais perecíveis (mesmo as
elites só usavam pedra mais frequentemente no período tardo-medieval), e aquilo que
subsiste até hoje são as grandes obras, tais como as igrejas, as pontes ou as torres (já
para não falar dos próprios castelos e das muralhas). Em relação aos estilos dos
monumentos, temos o Românico (do qual resta muito pouco no território nacional) e o
Gótico (muito mais comum), é aqui o “tempo das catedrais” (G. Duby).
O objeto de trabalho desta disciplina é a História Urbana, que está em contacto
com outros dois tipos de historiografia: História do Urbanismo e História das Cidades.
Estes três tipos de estudo distinguem-se entre si porque a História do Urbanismo dedica-
se apenas à forma física que as cidades tomam, a História das Cidades estuda a evolução
interna de cada cidade (os acontecimentos que a marcaram, por exemplo). Já a História
Urbana tenta estudar todos os aspetos envolventes de uma cidade: físicos, sociais,
políticos, históricos, administrativos…
Importa aqui fazer a distinção entre alguns conceitos. Em primeiro lugar, a
diferença entre urbs e ciuitas. Ambos os termos em Latim designam a cidade, mas o
primeiro refere-se ao espaço físico, enquanto que o segundo se refere ao espaço
político/cívico.
Assim, o termo “urbano” situa-se na vivência em sociedade, cultura e
civilização, numa vida em comunidade e de respeito pelos outros, sendo a cidade o
espaço onde as pessoas aprendem a respeitar os valores da civilidade. Assim, estudar
História Urbana significa estudar a vida das cidades, as hierarquias, os aspetos
administrativos, sociais, físicos, económicos e sociais, utilizando algumas disciplinas
complementares, tais como a geografia (orografia, topografia, hidrografia…), a
arqueologia, a arquitetura, as fontes literárias/escritas, a sociologia, a antropologia e a
economia, o que permite a reconstituição do modo de vida das populações. A isto deve-
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se também adicionar o estudo do interland das cidades, ou seja, do seu aro envolvente
(que tem população própria).

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Introdução – as cidades na Idade Média:

Nesta primeira imagem vemos uma cidade em estado avançado, por causa de
uma certa homogeneidade das casas, o que significa que houve algum poder com
capacidade de planear a rua, assim, tem de ser no final da Idade Média, em que o poder
régio já se está a solidificar. Depois, a própria estrutura das casas, no primeiro andar
(“andar sobradado”) há habitação, e no piso de baixo há uma oficina e uma tenda (loja).
Temos assim uma cidade tripartida, com habitação, oficina e tenda. De facto, a
homogeneidade das casas vê-se logo porque o edifício está preparado para as vendas.
Esta imagem é de uma rua de Siena, vemos a venda de gado lanífero, vemos
naturalmente uma quantidade de montadas, mas com uma função de transporte. A
primeira banca parece vender sapatos, o segundo não se percebe, e o terceiro, em
princípio vendem potes de barro e de metal. Todos estes produtos, quando aparecem à
venda nas cidades, isso já representa um estádio particularmente evoluído da Idade
Média, porque após a queda do Império Romano estas estruturas caíram e estes
produtos eram realizados no campo. Mas também nas comunidades aldeãs estas funções
são necessárias, e alguém tem de fazer esses trabalhos, havendo por isso uma vida
comunitária de autoconsumo. Quando as pessoas vão para o campo, elas não perdem a
vontade e a necessidade de viver em comunidade. Todos estes produtos, de primeira
necessidade, são produções que, apesar de tudo, não desapareceram no período anterior,
o problema estava em que tinham que bastar os recursos humanos que houvesse dentro
do seu aro estreito, enquanto que a vida urbana oferece um fator de possibilidade de
escolha, porque começa a haver uma especialização da produção.
Do outro lado, está uma iluminura que mostra a sagrada família (José, Maria e
Jesus), retratados como a família urbana de um normal artesão. Nesta família vemos que
a senhora está a trabalhar em pano, o marido está a trabalhar madeira, e a criança está a
brincar com restos de madeira (ou brinquedos feitos de madeira pelo próprio pai). Isto
mostra que a própria família urbana é algo que se complementa. O pai trabalho no
ofício, a mulher complementa-o (muitas vezes ocupa-se da venda) ou trata de outras
pequenas atividades domésticas, e a criança, seja só por brincadeira, seja com
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brinquedos feitos para ela, começa desde que nasce a ser inserida no ofício da família,
estando a ser moldada pelo ofício dos pais. É uma sociedade que encontra neste
imobilismo uma razão para se sentir em paz. E vemos que no fim da Idade Média,
quando a sociedade começa a evoluir de maneira diferente, as autoridades legislam
todas no mesmo sentido, de tentar agarrar as pessoas aos ofícios “para que nasceram”, é
uma sociedade que pretende todo o imobilismo possível. Na sociedade medieval
pretende-se que a felicidade está em manter cada um no seu próprio estado.
Quando estudamos as cidades da Idade Média temos de analisar a herança
urbana da Antiguidade (Clássica e Pré-Clássica) e tentar perceber porque é que essas
cidades, que são o fator fundamental destas civilizações, recuaram, o que as faz ser
substituídas por outro paradigma civilizacional. Depois, tentar observar o que é que na
Península Ibérica é uma cidade. Se o que conhecemos entre os séculos XI e XV seguem
o mesmo exemplo das cidades que encontramos na Flandres, na Holanda, no norte da
França. Segundo Henri Pirénne as cidades medievais têm todas os mesmos modelos,
mas há diferentes modelos, um que aparece mais a norte, o da cidade comercial, com
uma forte componente industrial a partir do século XI, e que depois serve de paradigma
para a cidade do futuro, mas depois houve outros paradigmas, outros modelos de
cidades, como as mediterrâneas e as islâmicas. Depois, refletir um pouco sobre o que é
uma cidade e o que é o campo no final da Idade Média, através dos dramas da cidade, e
o que é diferente em termos de habitação na cidade e no campo.
Para a questão do recuo das cidades da Antiguidade temos uma imagem que está
rodeada de muralhas, com uma igreja ao centro, com uma possível divisão entre uma
cidade alta e uma baixa, em que provavelmente a cidade baixa está mais ligada ao mar.
Esta representação é, na verdade, a cidade de Constantinopla. E possivelmente quem a
fez nunca foi à cidade. Reparem que já aqui, apesar de esta ter sido construída para ser a
nova Roma, cujas referências eram as cidades antigas, a verdade é que ela já tinha
elementos medievais, como a muralha, o que mostra necessidade de proteção, mas com
aberturas para o exterior. Ao mesmo tempo, é uma cidade que está numa encosta, em
que os palácios principais estão na zona mais alta e a população ativa está mais perto do
mar. Apesar de tudo, todas estas casas têm mais do que um piso, o que dá ideia de
alguma capacidade económica dos habitantes.
De uma forma geral, quando as cidades perdem habitantes no final da época
romana, muito por causa dos ataques dos bárbaros, porque diminui a circulação
monetária (acabando a capacidade de pagar aos ofícios), quando caem as estruturas

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imperiais romanas, os exércitos tronam-se privados e sem orientação. A própria ordem
senatorial [sic] começa a governar de acordo com as suas preocupações, e assim, cada
um procura a sua sobrevivência como pode, e por isso as pessoas abandonam as
cidades, procurando o seu pedaço de terra.
Então, tem de se encontrar uma solução. As elites romanas tinham usado os
lucros do comércio para investir no campo, e quando as cidades começam a ser locais
perigosos, essas elites são as primeiras a abandonar as cidades a adotar um modo de
vida agrícola. Num primeiro momento, estas elites trabalham as suas propriedades
(uillae) através de escravos, mas depois começam a empregar homens livres, dividindo
as suas propriedades em duas partes, uma para ser trabalhada por escravos, e outra por
camponeses livres, que nestas grandes propriedades estavam mais protegidos do que em
terrenos isolados (por causa do poder do senhor). A vivência isolada é cada vez mais
desaconselhada e as pessoas tendem a juntar-se em grupos.
No que diz respeito às cidades, a tendência será de elas se estruturarem de forma
muito semelhante aos senhorios rurais. Como vimos na imagem de Constantinopla, o
centro da cidade é muitas vezes constituído por uma igreja, e o senhor da cidade é
muitas vezes um bispo, ou alguém que pertenceu à nobreza senatorial romana, e toda a
população da cidade está na dependência desse senhor. Portanto, o funcionamento de
uma cidade na Alta Idade Média é em tudo parecido com o funcionamento de uma
comunidade rural. Há um senhor da cidade que reserva para si as funções públicas. Na
imagem aqui apresentada (de Monsanto) vemos a presença muito forte do senhor.
Temos um castelo muito forte no topo, depois uma linha de muralhas que defende o
castelo, há ainda outra linha de muralha a proteger a montanha, e no vale existe a aldeia
propriamente dita, com os camponeses na dependência do senhor, e em caso de
necessidade eles podem-se colocar na dependência do senhor.
Na imagem seguinte vemos uma cidade que tinha várias linhas de defesa, uma a
proteger a alcáçova, e outra a proteger a cidade baixa. Geralmente em Portugal só se vê
a defesa da população em geral nos povoados pertencentes ao rei, sendo que quando se
tratava de um povoado de uma ordem religiosa ou de outro senhor já só havia um
castelo muito bem protegido.
Na cidade de Denbigh vemos um plano muito característico do ocidente. Pré-
existia uma cidade de origem romana no cimo de um monte com um castelo, mas com o
desenvolvimento da cidade nos séculos XI-XII a população abandona a zona alta e
ocupa uma zona baixa, surgindo em todo o seu esplendor no exterior das muralhas.

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Tudo isto serve para chamar a atenção de que ao longo da Idade Média vemos um
período de mil anos, e por isso vamos analisar uma Idade Média dividida em duas
grandes épocas: a primeira em que a vida urbana romana começa a decair, e uma
segunda, a partir do século XI, em que as cidades voltam a surgir. Portanto, quando
falamos de Renascimento das Cidades falamos de um período mais ou menos a partir do
século XI, do ano 1000, época em que começa a haver condições para que a vida
funcione de maneira totalmente diferente e mais desenvolvida.
Chamo-vos também a atenção para a cidade de Colónia (Alemanha), em que se
vê uma catedral, a cidade junto ao rio, uma muralha cheia de portas, e vemos que no
século XVI esta era uma cidade densamente povoada.
Desde a época romana, sabemos que só há comércio lucrativo se houver vias de
comunicação para fora do mercado local (e regional). Quando se começa a falar de
comércio e de renascimento das cidades, fala-se sobretudo de comércio inter-regional,
com comércio feito principalmente através de vias fluviais. Vemos duas imagens, a
primeira no porto de Bari (Itália) onde se transporta cereal, e a outra imagem mostra a
necessidade de exportação de sal, que é algo que os países do sul sempre tiveram muito,
mas que sempre faltou no norte.
Antes do surgimento de condições para o renascer das cidades medievais,
encontramos o surgimento de feiras. E portanto, vamos ter de distinguir muito bem um
mercado de uma feira. Em princípio um mercado é algo muito mais frequente, semanal,
quinzenal, mensal, tem uma periodicidade mais ou menos curta. Uma feira tem uma
dimensão mais longa, normalmente realizava-se uma vez por ano, durante bastante
tempo. Geralmente os mercados vendiam produtos de primeira necessidade, enquanto
que numa feira víamos produtos mais raros trazidos pelos mercadores, era para vender
produtos com preços mais elevados. Os produtos que se vendem numa feira no norte da
França e da Flandres são maioritariamente os têxteis, em particular os panos de lã. Eles
começam a ser fabricados com uma grande sofisticação na Flandres a partir do século
XI, mas há outros mercadores, como os italianos, que trazem do Oriente sedas, veludos,
brocados, e depois começam a trazer outros produtos raríssimos, como as especiarias, os
perfumes… As feiras tinham a particularidade de se reunirem uma vez por ano, mas em
vários locais diferentes, e de uma maneira geral as feiras davam-se principalmente no
período do verão, entre abril e setembro.
Estas feiras, que acompanharam o renascimento das cidades, também vão ser um
fator acrescido para o crescimento de algumas cidades, sendo uma forma acrescida de

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crescimento urbano. Nestas cidades mercados, de que Bruges é um expoente máximo, o
comércio fazia-se um pouco por todo o lado, com as tais casas divididas entre
habitações (no piso superior) e tendas (no piso térreo), vendo-se a venda de têxteis, de
vasilhame e mesmo um possível barbeiro.
Em relação ao vestuário, veem-se várias diferenças. Geralmente, aqueles que
tinham túnicas mais curtas eram os que tinham de trabalhar, e quanto mais curto fosse o
saio, menor era a liberdade de movimento. Com a cavalaria começa-se a usar calças,
porque facilitava a tarefa de montar a cavalo. Por outro lado, a roupa das mulheres
variou muito menos, em geral uma túnica e pouco mais.
Era também frequente encontrar-se mercados cobertos, nesta gravura, é mesmo
possível ver que era moda os sapatos serem pontiagudos no fim. Eles podiam ser feitos
de vários materiais. Muitas vezes eles usavam-se no interior como se fossem meias, e
depois atava-se umas solas quando era preciso ir à rua. Mesmo nos sapatos de couro,
muitas vezes as solas eram acrescentadas aos sapatos. Parece ver-se a venda de botões,
de objetos de metal. Por outro lado, as diferenças de vestuário parecem uma vez mais
mostrar diferenças entre as funcionalidades de cada pessoa.
Depois vemos várias lojas de produtos de primeira necessidade que se podia
encontrar nas cidades, com peixeiras, padeiras, sempre no feminino, porque o homem
produzia e a mulher vendia. Vemos também uma joalharia, aqui com clientes muito
mais sofisticados. Depois, as tendas dos boticários, uma espécie de farmácia, onde se
fazia as receitas dos físicos, dos barbeiros ou até das bruxas, fazendo-se os
medicamentos. O papel dos boticários era extremamente importante, quase todos eles
tinham tratados de medicina, de origens gregas, romanas, islâmicas, etc. Muitas vezes
eram até eles que faziam o papel de médicos. Ainda outras imagens mostram os ourives
e o tratamento dos couros. Na imagem seguinte vemos um negócio com sofisticação e
precisão, com um escrivão a anotar as contas. Depois vemos um alfaiate em
funcionamento, com os vários níveis do trabalho artesão, com o aprendiz, o oficial e o
mestre. Vemos depois o trabalho do ciclo da lã, que era todo dominado por mulheres,
muitas vezes desde a tosquia, e depois eram elas que trabalhavam a lã nos seus vários
estados, havendo também processos industriais em que se tingia os tecidos. Mas havia
também outros processos industriais, como a cozedura do vidro, os ferreiros, os
carpinteiros… Nas cidades em que o dinheiro voltou a circular, encontramos
instituições direcionadas para o dinheiro, seja para o pagamento de impostos, seja os
penhores.

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Para terminar, vejamos os dramas da cidade. Estes locais são muito mais
inseguros do que o campo. Nestas imagens, nas primeiras vemos um assalto a uma
hospedaria. Esta imagem chama também a atenção para a falta de privacidade, com
vários homens a dormir na mesma cama, não havia uma grande noção de vida privada.
Não só as pessoas partilhavam as camas, como também partilhavam as próprias
divisões, e isso tanto acontecia nas albergarias como nas residências particulares.
Depois, eles estavam nus, o que significa que a Idade Média não é um período puritano.
Os valores culturais e religiosos não estão lá, e vão sendo embutidos até ao final do
período.
Outra das questões é a aplicação da justiça, que é quase sempre exemplar, ou
seja, a justiça deve ser exemplar, para tentar dissuadir os restantes. Mas há uma questão
judicial diferente da nossa. Na Idade Média utiliza-se a cadeia como forma de prender
até ao castigo, mas não é um castigo em si. Depois de se ser julgado, há uma pena.
Outro dos perigos é as doenças epidémicas, as pestes, a lepra, que levava a que
as pessoas fossem expulsas das cidades, e tinham uma campainha para avisar que ali
estavam. A maior parte dos doentes curavam-se em casa, mas no final da Idade Média
começa a haver, sobretudo para algumas especialidades, alguns hospitais com essa
função, por vezes a cargo das instituições religiosas. Mas isso não aparece antes do
século XV.
Sabemos também que as cidades são locais onde há embates entre as várias
religiões, mostrando problemas causados por lutas religiosas entre judeus e cristãos,
maioritariamente.

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A. H. de Oliveira Marques, Cidades Medievais Portuguesas (Algumas
bases metodológicas gerais):

A visão aqui apresentada neste esquema de Oliveira Marques é muito exaustiva,


mas raramente pode ser efetuada na sua totalidade, por causa da escassez de fontes. Mas
devemos estar atentos à procura de fontes, porque só conseguimos encontrar aquilo que
estamos atentos para encontrar, e por isso um esquema de base para pesquisa tem de ser
muito completo. Aqui fizemos um plano de trabalho com a divisão dos temas que
devemos trabalhar.

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Início da aula de 22/02/2016.

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Segundo este esquema, para estudarmos uma cidade medieval devemos começar
por uma visão presente, no fundo, fazer uma fotografia do que é a povoação atual.
Temos de localizar o espaço e o seu termo (o espaço que está diretamente dependente
da cidade e que a abastece), temos de perceber que cidade é aquela e quais são as suas
condições geográficas, como a orografia, para termos também uma ideia das condições
de vida das pessoas que nela viviam.
Também a hidrografia é fundamental, não há nenhuma cidade na Idade Média
que se implante num local sem rios ou nascentes, porque não há recursos técnicos para
transportar água por longas distâncias. Essa água não serve apenas as necessidades de
água da população urbana, mas também as necessidades da própria terra agrícola.
Depois, temos de ver outro tipo de riquezas naturais, como os recursos do subsolo (aqui
falamos de exploração mineira).
Naturalmente, temos de conhecer o que é a fauna e a flora da região, porque os
recursos vegetais são importantes numa época em que os recursos técnicos são poucos.
Se a pedra é difícil de trabalhar e transportar, a madeira é mais simples. Também os
recursos em proteínas animais eram tirados em grande parte da caça, e por isso o
conhecimento da fauna era muito importante.
O clima e a pluviosidade também são importantes, porque na Idade Média a
agricultura e a pecuária são a base de subsistência da população, e por isso temos de
conhecer as condições climatéricas da região.
E quando começamos a estudar a cidade, podemos dividir o estudo em duas
partes, a conjuntura (que é o estudo da história da cidade), que será deixada para o fim,
e as estruturas, que é o que nos interessa sobretudo. Portanto, nas estruturas devemos
começar por estudar a área da própria cidade, as questões da implantação da cidade.
Começar por perceber como é que a cidade está composta no terreno, e interessa-nos
fazer uma medição da área da cidade, da superfície intramuros e extramuros, e tentar
analisar a compartimentação interna da cidade, se ela é una ou tem bairros destacados,
ou até se tem desenvolvimentos diferentes (visível na direção das ruas, que podem
significar épocas de desenvolvimento diferentes). Aquilo que depois se deve seguir é
fazer o cadastro da cidade, que é um levantamento das ruas, das praças, dos becos da
cidade. É algo que não se consegue fazer simplesmente a partir da planta, mas
normalmente não conseguiremos encontrar plantas desta época, sendo um pouco mais
posteriores.

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Outro elemento que devemos tentar descobrir é os quantitativos da população.
Mas para a Idade Média não há censos, há de forma localizada, por vezes, elementos
que permitem fazer um pequeno levantamento que permite, pelo menos, fazer
comparações com outras cidades, como o número de tabeliães, o recrutamento de
besteiros, e para o século XVI temos alguns levantamentos gerais da população, que
levantam o número de fogos de determinada população, e fazendo um cálculo falível é
possível ter uma ideia de quantas pessoas existiriam. Mas todos estes elementos são
muitíssimo difíceis de encontrar, apesar de ser útil para estarmos atentos. Por exemplo,
para fazermos uma amostragem profissional da população, temos de ter em conta que
muitas profissões não aparecem nos documentos da época.
Outro aspeto importante que conseguimos, mais ou menos, apercebermo-nos, é a
propriedade. Claro, quando há uma grande instituição religiosa, é normal que ela
detenha muitas propriedades, tanto urbanas como rurais. Quando se trata de concelhos
régios, é normal que o rei detenha alguma, não tanta, propriedade. Sabemos que
também há outras instituições, mas em relação aos privados não temos muitas
informações sobre eles. Nos últimos anos tem-se feito uma recuperação de arquivos de
família, mas mesmo assim eles não têm nada para a Idade Média. Assim, normalmente
para conhecer a propriedade só conhecemos as instituições. Há também elementos
relativos à propriedade que precisamos de saber, como a tipologia de propriedade, os
tipos de contrato e de exploração. Muitas vezes, é através destes contratos que se
consegue conhecer a propriedade e como ela era. Dependente disso é que sabemos
como exploravam as instituições as suas terras, se eram elas que detinham os meios de
produção e de circulação e, com muita sorte, consegue-se descobrir os rendimentos de
algumas instituições lá para o século XVI.
Depois, temos de tratar a economia, com as questões da produção agrícola,
artesanal, e podemos fazer um levantamento do que era produzido através da análise das
profissões (dos ofícios) da cidade, e através dos contratos de propriedade e dos foros
que se pagam, podemos ver a produção agrícola, uma vez que nestes contratos por
vezes, em vez de dinheiro (ou além dele) pede-se pagamentos em géneros. Podemos
também analisar os preços, o consumo, a circulação de pessoas.
De seguida vem o estudo da sociedade, que pode partir, por exemplo, do foral da
povoação, e em algumas delas fala-se em algumas categorias sociais. Normalmente nos
concelhos régios a nobreza está ausente, porque vive nos senhorios. Estes concelhos têm
uma população desnivelada, mas quase todas dentro do povo, e naturalmente terá algum

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clero secular, o clero que tem como missão evangelizar as populações. Normalmente o
clero regular encontra-se em áreas senhoriais. Nas pessoas mais importantes do povo
encontramos algumas franjas que parecem ser quase nobreza, porque como não têm
nobres nesse espaço, conseguem ter quase os mesmos privilégios que os nobres. Há
determinados forais, nomeadamente no norte de Portugal, havia mesmo cláusulas nos
forais que proibiam membros da nobreza de pernoitar no espaço do concelho, ou caso o
quisessem fazer, tinham de abdicar dos seus privilégios. De qualquer modo, quando
tentamos reconstruir famílias e clãs familiares, vemos principalmente questões ao nível
do povo. A cidade é também um local das minorias étnicas, há muitas vezes um bairro
judaico, e em algumas cidades, sobretudo do sul, existem também bairros muçulmanos
(esses muitas vezes fora das muralhas). Um aspeto muito interessante e muito difícil nas
cidades medievais é estudar a vida quotidiana, qual é a base da alimentação, como se
relacionam as pessoas, o que caracteriza o trabalho e o lazer.
Normalmente é mais fácil estudar uma cidade do ponto de vista da sua
administração e das suas instituições. E muitas vezes, quem começa a estudar história
urbana começa por aí, porque é muito possível que uma povoação tenha servido na
Idade Média como sede de concelho, sendo essa sede conhecida por vila.
Se vila significa sede de um concelho, o que significa cidade? Cidade vem da
ciuitas romana, que não era propriamente o espaço construído da cidade, mas era a sede
de uma circunscrição. Então, o que distingue vila de cidade? Normalmente, as cidades
são já uma herança da época romana, embora não correspondam totalmente ao local
onde existia uma ciuitas romana, mas reclamam-se herdeiras do passado romano.
Isto para vos dizer que acaba por ser mais fácil de descobrir, porque é mais fácil
de obter a documentação institucional. Torna-se mais fácil de estudar uma população
que tenha foral, porque permite ter uma ideia de que tipo de cidade se tratava. Há
também os usos e costumes, que eram compilações de direito que algumas populações
receberam. As posturas, que ainda hoje são emitidas pelas câmaras municipais, são as
leis municipais, que ainda existem nalguns espaços. As outras questões, como a
administração da justiça, nós podemos saber quantos juízes existiam na população, e só
a partir do século XIV é que se cria cargos de natureza exclusivamente administrativas,
os vereadores. Contudo, toda a administração local está sujeita também a uma
administração que vem de delegados do rei. E quando não pertencem ao rei, pertencem
aos senhores, de onde provem também a administração. Portanto, há sempre dois níveis
de administração, o local e o senhorial ou o régio. Mais tarde, criam-se também as

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cortes do reino, e a certa altura começam-se a chamar os delegados dos concelhos e é
interessante ver que tipo de questões eram discutidas. Também se deve ter em atenção
as questões paramilitares como os besteiros, os galeotes, e todas as populações que têm
um castelo, têm um alcaide, que é quem dirige o exército local em nome do rei.
Outra das questões é a religião, e esta é uma temática que, a par da legislação, é
relativamente fácil de estudar, porque uma boa parte da documentação ou é régia, ou
eclesiástica, e podemos saber o número de igrejas, quantos elementos do clero havia, as
confrarias e outras instituições de solidariedade mútua. Outras religiões também são
interessantes de serem conhecidas. E saber a vida religiosa da cidade, se há procissões.
Depois, a cultura. Este é um vazio absoluto, raramente se descobre alguma coisa
sobre isto. Mas quando descobrimos, ficamos muito contentes. Podemos ver por
exemplo os inventários de livros das igrejas, mas tirando isso praticamente não temos
nada.
Outras questões que podem ser mais fáceis num levantamento podem ser
questões de arquitetura, sobretudo ligadas Às igrejas. Geralmente a casa é muito comum
e perecível, e portanto difícil de encontrar. Mas para o século XV já se encontra
algumas coisas. De pintura, escultura e artes menores encontra-se muito pouco, e
sobretudo está nas visitações às igrejas.
A higiene e saúde urbanas, aqui consegue-se saber alguma coisa, nomeadamente
a assistência e beneficência. Em relação à regulamentação geral, também se consegue
saber alguma coisa, especialmente nas posturas, as questões do abastecimento de água,
da limpeza e escoamento e dos banhos públicos, por vezes conseguem ser encontradas
ou tratadas, em algumas populações, apesar de não haver muitos dados.
Por fim, vem a segunda parte, a conjuntura, que seria a história da cidade, qual a
sua interação com a história do reino e das regiões. Todos esses elementos que se vão
encontrando.
Em vista desta imagem, podemos ver que há duas linhas de muralhas, um
arrabalde bastante grande, e vendo as casas, percebemos que há duas portas e que as
janelas localizam-se principalmente no sobrado. Isto indica que as casas são escuras,
precisando de modos de alumiar, como as lamparinas de azeite ou as lareiras. Contudo,
para fazer fogo dentro de casa é preciso que ela não tenha materiais combustíveis.
Para já, o termo “casa” é aplicado sobretudo a uma divisão. Isto quer dizer que
alguém que tenha uma casa dianteira e uma câmara, que é uma divisão interior, e um
sobrado, terá três casas, o que significa que cada uma das divisões é encarada como um

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todo, e o objetivo das divisões é ser plurifuncional. E muitas das casas que vemos
seriam apenas constituídas por uma casa (divisão), que serviria para tudo. Isto não
significa que não possa haver comunicação entre casas, simplesmente há uma outra
função, como uma arrumação de gado. Pode assim haver várias divisórias, mas a noção
de casa não é o edifício, mas uma divisória. No entanto, as casas nobres já podem ser
divididos em sala (o espaço público, mais na dianteira), a antecâmara (que é mais
privada) e uma câmara (o espaço mais privado).
Temos de estar atentos a três tipos de aspetos quando estudamos a cidade na
Idade Média, os aspetos físicos, os aspetos humanos (economia, vivências, produções,
riqueza ou pobreza) e, finalmente, os aspetos administrativo-políticos (o poder local e
senhorial, as posturas, os forais…).

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Entregar plano de trabalho no dia 28 de março, que inclua tema, plano e
bibliografia. Entregar o trabalho escrito até ao dia 23 de maio, mas com apresentações
orais a partir de meados de abril.
Ver como bibliografia a direção-geral dos edifícios e monumentos nacionais –
tem on-line uma quantidade de publicações e reconstituições de monumentos, e fizeram
publicações, tipo relatório, de muitos edifícios que foram reconstituídos e existem
algumas igrejas nesses boletins.

Concentremo-nos, em jeito de introdução, na diferença entre cidades e aldeias.


Primeiro que tudo, temos a diferença de população. De seguida, temos uma questão das
estruturas. Também a questão das atividades económicas, em que os centros urbanos
têm atividades ligadas ao comércio e indústria e as aldeias têm atividades do setor
primário. Mas antes de tudo isto, os povos precisam de ser sedentários, o que implica
modificações no modo de vida, face à caça e à recoleção, sendo por isso nómadas (ao
contrário de civilizações mais complexas, como as urbanas e sedentárias). Mas para a
sedentarização é necessária estabilidade, que é adquirida, muitas vezes, através da
guerra. A sedentarização dá-se sobretudo em povos capazes de reunir um poderio
militar superior ao dos seus vizinhos. Então, a sedentarização está ligada a um poder, e
o que nos permite distinguir uma cidade de uma aldeia é que a cidade é constituída por
via do poder. Mas a maior parte da população, aproveitando a estabilidade conferida

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Início da aula de 29/02/2016.

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pela cidade, pode fixar-se mais ou menos livremente em determinadas áreas rurais,
formando aldeias e estabelecendo-se de forma orgânica.
Ora, uma cidade é quase sempre nas sociedades primitivas imposta através do
poder, e como sua demonstração. Nas sociedades primitivas isso é principalmente feito
através de grandes construções, de capacidade de recursos humanos, muitas vezes
conseguidos através da escravização dos povos vizinhos. É por isso preciso grandes
recursos humanos e um grande poder económico, isto porque há enormes construções
que implicam meios técnicos e imensas quantidades de mão de obra. Quando olhamos
para uma imagem da antiga Babilónia, vemos vias de comunicação desenvolvidas, com
estradas e ruas largas que permite a circulação de carros e pessoas, ao mesmo tempo que
permite a passagem dos exércitos vitoriosos. Enquanto que a aldeia, que precisa de
condições de estabilidade (como as cidades), nasce de forma orgânica e espontânea, a
cidade nasce como algo que não é à partida necessariamente para o bem das pessoas, é
uma exibição do poder. E o poder precisa de espectadores e colaboradores para que as
suas instituições funcionem.
Olhando para o plano de Babilónia, vemos que ela é atravessada por um rio, o
que pode sugerir uma importante ligação ao comércio (ou pelo menos às conexões com
o exterior). Ao mesmo tempo, os edifícios do poder concentram-se apenas numa das
margens do rio, e isso acontece em muitas cidades, com a divisão do rio entre uma área
institucional e uma área de mercadores, tendo como exemplos Novgorod, Budapeste ou
Praga. Assim, embora a cidade seja planeada pelo poder, ele só se interessa pelas suas
próprias estruturas, o que significa que o planeamento da cidade apenas se reduz à
própria área d poder, sendo de resto deixado à população.
Esta não podia ser uma cidade medieval, isso é visível, entre outros aspetos, pela
dimensão das muralhas de Babilónia. A cidade tem uma mão de obra imensa e
concentra no interior do espaço muralhado a cidade em si, os campos agrícolas, o rio,
um espaço de defesa… Isto é contrário às cidades medievais, que se limitavam a
proteger um pequeno reduto mais facilmente defensável. Além disso, estas cidades
localizavam-se normalmente em planícies e não em zonas montanhosas. Voltando ao
espaço planeado, este tem uma grande alameda que leva desde a porta principal até ao
palácio e ao templo principal, que se localizam muito perto (por causa da dualidade do
poder temporal e secular). E não é apenas a porta principal que é muito ornamentada,
mas também a alameda principal, ladeada por estátuas de deuses e de grandes heróis, e

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normalmente o que aparece em frente do palácio é a estátua equestre, demonstrando o
poder do grande imperador.
Este modelo que é criado nas civilizações pré-clássicas é um modelo que vai ser
recriado de cada vez que há impérios, e eles existem praticamente até aos nossos dias,
seja no império helenístico, na época romana (tanto na república, no principado ou no
Baixo Império, com grandes construções e melhoramentos ao longo do tempo), e depois
vemos isso acontecer de cada vez que há um império, o próprio Carlos Magno construiu
um grande palácio e uma capela palatina em Aix-la-Chapelle, e mais tarde, com a
expansão europeia, os novos impérios vão construindo novas cidades. São sinais que
vão sendo rememorados e reelaborados.
Estas temáticas podem ser estudadas através de três livros. O mais clássico é o
de Lewis Mumford, A cidade na História, seguido pelo livro Breve História do
Urbanismo, do Chueca Goitia, e por fim do Leonardo Benevolo A cidade na história da
Europa.
Quando vamos buscar as origens das cidades à época pré-clássica, temos
elementos que se vão manter na época clássica, embora não totalmente na época grega,
por questões topográficas, e ainda menos na época romana, que já tem a confluência de
várias tradições. Mas há um ponto importante, a cidade é a representação do próprio
império, e a área rural só serve as cidades. Esta é uma conceção herdada das
civilizações anteriores aplicada tanto na Grécia, como em Roma.

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Na última aula estivemos a analisar a herança urbana da Antiguidade Pré-
Clássica, e penso que é muito importante recuar a estes modelos porque a cidade
medieval vai beber muitos destes elementos, e por isso devemos perceber até que ponto
a cidade corresponde a determinado modelo e a determinados princípios na sua
formação. Estivemos a observar alguns princípios relativos à formação das cidades pré-
clássicas. Vimos que as estas cidades só conseguem aparecer em determinadas
condições, precisando de uma personagem agregadora de poder, com capacidade de
mobilização económica e vontade de demonstração de poder. Estas cidades são, por
isso, obras monumentais que duram para a eternidade. No entanto, incorporam dentro
delas uma construção, débil, perene, não orientado e sem necessidade de sobreviver.
E como disse na aula passada, esta exibição de poder é cíclica, ou seja, está
dependente da capacidade que determinado povo tem para construir um império, e
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Início da aula de 03/03/2016.

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assim ter uma centralização imperial. Esta condição não se mantém apenas na
Antiguidade Pré-Clássica, mas engloba toda a História, mantendo-se mesmo até ao
período contemporâneo. Por exemplo, as grandes praças monumentais correspondem
em grande medida aos séculos XVII e XVIII.
Contudo, o modelo pré-clássico não se mantém em nenhum povo. Aquilo que
vemos nas civilizações herdeiras destas culturas é a manutenção de alguns traços
quando há condições de hierarquia de poder para isto. No entanto, se na Antiguidade
Pré-Clássica vemos uma cidade plana atravessada por um rio, na Antiguidade Clássica
já não vemos a manutenção obrigatória do traço. Se as condições forem diferentes, as
cidades têm de se lhes adaptar. É isso que vemos no caso da Grécia.
Quando falamos de cidades é impossível não falar da Grécia, seja do ponto de
vista físico, seja do seu significado político. Quando olhamos para as características das
cidades gregas, vemos que ficou das cidades pré-clássicas algum “monumentalismo”,
com os templos principais num ponto mais elevado, que também aqui há uma
identificação muito profunda entre a cidade e cada um dos estados. Isto não significa
que as dependências fora da cidade não existam, simplesmente elas têm muito pouco
peso político. A cidade é que tem peso político, e tudo o resto serve para a servir. Esta
ideia do que é a cidade atravessa séculos e séculos, e ela também surge na Idade Média
a partir do Império Romano, acreditando-se que cada cidade é um estado, e um dos
grandes trabalhos da Idade Média é a unificação das cidades em reinos.
Vamos agora ao fenómeno grego, e vamos começar por nos concentrar na
planta. Vemos isolada no ponto mais elevado a acrópole, onde se situa o centro de poder
e os templos, o que mostra uma aproximação do poder aos deuses, o que se coaduna
com uma filosofia do poder, que significa que se alguém está no poder, os deuses
querem que se esteja no poder. Assim, aproximando o poder político do sagrado,
significa que a cidade está a ser produzida pelo sagrado.
Normalmente a cidade já está num ponto alto, mas fica numa zona mais plana e
mais baixa do que a Acrópole. A cidade da imagem parece estar muito planeada e não
surge de uma ordem caótica. As vias parecem estar organizadas em quadrícula e com
comunicação umas com as outras. Nem todas as cidades gregas correspondiam a este
modelo, mas a tendência será a que pelo menos o centro da cidade corresponda a
determinadas regras que lhes dão uma certa regularidade. Este modelo em quadrícula
vai ser prezado pelos gregos, mas os romanos ainda vão aplicar mais este modelo.

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Repare-se que a cidade grega, apesar de ser uma cidade que o próprio relevo já
protege, não dispensa uma muralha, mas ela é bastante diferente da de Babilónia, uma
vez que se adapta ao relevo. Ela acaba por ser mais fácil de defender, porque está
adaptada a um relevo já de si fácil de defender, e permite a observação fácil da chegada
dos inimigos. Em princípio, a cidade grega aproxima-se de algo que se vai aproximar do
que vemos no fim da época romana, que é a utilização do relevo como forma de defesa
da cidade.
Depois, as cidades gregas atraem para o exterior, como em grande parte das
civilizações mediterrâneas. Isto significa que a casa não tem um papel tão importante na
vida pública, tendo as pessoas uma tendência para valorizar o espaço exterior para o
convívio. A polis ( que é o termo que se utiliza para designar a cidade grega, é
uma cidade que apesar de ter instituições que funcionam dentro de portas, seja um órgão
de poder aristocrático, seja um órgão de poder democrático (ainda que este conceito de
democracia seja considerado limitado por nós). De uma forma geral, a cidade tem um
elemento de ser uma sociedade que não é igualitária, é sempre hierarquizada, e por isso
tem grandes disparidades sociais. Então, uma parte da cidade, os cidadãos, tem uma
capacidade colegial de exercício de poder, o que significa que exercem o poder em
conjunto, o que não quer dizer que não haja uma hierarquia entre os cidadãos. Por
exemplo, o conjunto dos cidadãos reúne-se para tomar as suas decisões em conjunto, e é
muito normal que esse espaço seja no exterior, a ágora, que na civilização romana dará
origem ao forum (foro).
Então, a cidade existe para servir os cidadãos. E eles só conseguem levar a sua
vida na cidade como lhes é exigido (dedicando-se a funções executivas, à História, à
Filosofia, à Arte, à religião) se houver quem lhes faça o trabalho básico, ou seja, esta é
também uma civilização esclavagista, o que é facilitado por serem sociedades que se
baseiam sobretudo na guerra, reduzindo à escravatura todos os seus inimigos.
Isto leva-nos a um elemento diferente. O estatuto de cidadão obriga, em termos
de atividades e de “lazer”, a um determinado tipo de vida, que também só é possível
para se as cidades tiverem determinados equipamentos disponíveis, tais como os teatros,
os jogos, os ginásios e, nalguns casos, começa mesmo a haver termas e piscinas ou
outros equipamentos com utilização da água. Reparem que esta cidade governada pelos
cidadãos, também é feita para eles cumprirem o seu estatuto, e eles são capazes de
governar a sua cidade, porque têm uma boa formação intelectual, e por isso estão aptos
para desempenhar a política.
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Temos de ter em consideração quando estudamos as cidades da Grécia Clássica
a geografia, que faz com que as cidades sejam independentes umas das outras; a
conjuntura, que deriva também, em parte das circunstâncias geográficas e climáticas,
tendo o território grego solos áridos e pesados, daí que as principais cidades da Grécia
sejam portuárias por natureza, estando também a rivalidade e a guerra endémica
relacionada com a falta de recursos naturais autóctones; o sistema político, que já vimos
ser geralmente colegial; a ideia de polis, da cidade dos cidadãos para os cidadãos; os
equipamentos, que permitem aos cidadãos manter o seu estatuto.
No caso, já não da Grécia Continental, mas das expansões para, por exemplo, a
Ásia Menor, vai haver uma tentativa de adaptação das cidades ao modelo da polis.
Quando são criadas novas cidades, tenta-se criar cidades extremamente regulares, em
torno de vários eixos perpendiculares uns aos outros. Este é um modelo, o plano da
cidade em quadrícula, que surge de um arquiteto grego, Hipódamo. Este modelo
pressupõe também que toda a cidade seja organizada em torno de dois eixos, um
norte/sul, e um oeste/este, traçando-se todas as outras ruas em relação a estas duas. Nas
cidades romanas, estes dois eixos têm uma designação própria, o cardus (eixo norte/sul)
e o decumanus (eixo oeste/este).
De qualquer modo, nas cidades da Grécia Imperial já há uma grande tendência
da cidade regular, mas muitas das cidades que os gregos vão dominar já eram pré-
existentes, o que significa que as inovações gregas nestas cidades vão-se basear
fundamentalmente na importação de novos equipamentos, alguns deles de primeira
necessidade, como as captações hidráulicas, mas também vai trazer uma necessidade de
construção de equipamentos sociais, como pontes, estradas, caminhos de acesso, que
obrigam também o emprego de mão de obra escrava, mas que permitem uma cidade
muito adaptada à vida dos cidadãos. Esses equipamentos vão ser instalados em qualquer
tipo de cidade da época da expansão helenística.
Agora, façamos uma pequena introdução à questão da cidade romana. Como
sabem, o Império Romano, nascendo a partir da Itália, uma região com algumas
semelhanças com a Grécia do ponto de vista da proximidade com o mar, de uma
agricultura débil (especialmente no sul da Itália), muito bons portos, que atiram os seus
habitantes para o mar e para o comércio com outros povos, sendo que muitas vezes o
hinterland destes portos é muito curto, fazendo com que estes povos tenham de tirar
todo o seu rendimento de atividades ligadas ao mar, como o comércio ou as salinas.

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Assim, o modelo de desenvolvimento económico destas cidades assemelhou-se
muito ao do Império Grego. Assim, as cidades italianas que se expandiram pelo
Mediterrâneo criam um modelo de colónia, ou seja, uma parte dos cidadãos de Roma
desloca-se para um espaço, fundando uma nova cidade, instalando aí as suas instituições
e atividades. Portanto, o Império Romano vai-se expandir com base nas suas cidades.
Isto para vos dizer que a rede do Império Romano vai surgir em grande parte por uma
rede de cidades com grandes ligações à cidade-mãe.
Numa cidade romana encontramos um forum, que é formado pelos edifícios de
maior prestígio. Encontramos a ideia de reunião ao ar livre, mas com uma grande
importância dos edifícios. Sabemos também que as cidades romanas vêm do princípio
dos campos militares romanos, o que mostra uma grande ligação à planificação em
quadrícula. Isto é válido para as cidades novas, mas não o é inteiramente para as cidades
conquistadas. Assim, temos o cardus e o decumanus, e as outras vias de comunicação
reportam-se a estas vias.
No entanto, as cidades romanas não são à partida cidades muralhadas, e as
cidades na civilização urbana romana são geralmente tardias (séculos III-IV-V, no
Ocidente). As cidades romanas tinham uma dinâmica de vitória, o que fazia com que se
instalassem maioritariamente em planícies, permitindo o crescimento continuado ao
longo do cardus e do decumanus. A única coisa que impediu este crescimento contínuo
foi precisamente a necessidade de construção de muralhas, nos períodos das invasões.
Em termos de organização formal, apesar de o forum se situar numa zona
central, ele não está exatamente no centro geográfico da cidade, localizando-se numa
esquina do cardus e decumanus. Isto significa que tem de haver passagens entre as ruas
e o forum, seja através de passagens por arcadas, seja mesmo por uma abertura dos
edifícios públicos. Isto é recuperado no período expansionista espanhol com as plazas
maiores, em que as vias de comunicação não atravessam as praças, havendo apenas vias
de comunicação entre as praças e as ruas. Estas praças são então herdeiras do forum.
Além destas características, a cidade romana vai também herdar da grega os
equipamentos urbanos de lazer, como os banhos, teatros, ginásios, etc.

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Vamos agora ver o que devemos assinalar como novidades e permanências nas
cidades romanas, bem como o que passa para a posteridade. Em relação ao quadro
institucional, ele é muito difícil de analisar, porque se vai alterando ao longo dos
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Início da aula de 07/03/2016.

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tempos. Mas sabemos que a base do quadro institucional não é muito diferente do
grego. Há uma elite urbana que tem o poder na cidade, mas ao longo dos tempos esse
domínio vai-se complexificando.
Assim, falamos do cursus honorum, que é a lista de cargos que um cidadão
romano pode exercer. Este processo faz-se por dedicação à cidade, subia-se nos cargos
fazendo-se obra em função da cidade. O serviço público tal como o Império Romano o
entendia não é obrigação de uma estrutura estatal, mas é criar condições para que
determinadas pessoas com maior capacidade económica invistam nas infraestruturas da
cidade e melhorem a qualidade de vida de todos. As pessoas subiam no cursus honorum
fazendo grandes obras na sua cidade, umas termas, uma estrada, um teatro [sic], um
aqueduto… Assim, a capacidade económica está intimamente ligada à capacidade de
subida na hierarquia política no Império.
E se isto começa no quadro urbano, isto vai-se depois dar numa estrutura mais
vasta, isto porque o Império Romano era uma federação de cidades que se vai tornando
cada vez mais complexa. E no Império Romano, a ciuitas é precisamente um centro
urbano que domina um território envolvente. Assim, a ciuitas é, antes de mais, uma
instituição política que domina um território, e é o conjunto das ciuitates que vai
formando o conjunto de circunscrições que formam o Império Romano.
Em termos de morfologia das cidades, a cidade romana é construída para não ter
limites, ou seja, é construída num espaço plano, num modelo que se deseja em
quadrícula, em que todas as vias de comunicação que se entrecruzam entre si, tomando
como referência o cardus e o decumanus. Isto permite uma grande regularidade da
cidade. Este plano tem como centro, pelo menos simbólico, o forum. Mas este não é um
centro real, o que significa que ele nunca está exatamente no centro geográfico da
cidade, mas o que o liga à cidade em quadrícula é o ser servido pelo cardus e pelo
decumanus, que se entrecruzam numa das suas extremidades. O forum é muito
semelhante à ágora grega, porque os cidadãos encontram-se aí em espaço aberto, mas é
formado pelos edifícios de maior prestígio da cidade. Como já disse, esta noção de
forum é algo que permanece nos planos das cidades e que renasce nas civilizações
imperialistas, que criam polos demonstrativos do seu poder.
Mas a própria cidade tem uma certa sociologia urbanística. Isto significa que as
zonas de maior importância estão ligadas ao forum, o que significa que as pessoas mais
importantes residem perto do forum, enquanto que à medida que as pessoas são menos
importantes, mais afastadas vão estando do forum. Isso significa que os membros da

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cidade vão sendo inseridos numa hierarquia social, e quanto mais descemos na
hierarquia social, mais baixo será o seu papel político (ou cívico, melhor dizendo).
No entanto, nem todas as cidades romanas são em quadrícula, uma vez que
muitas delas, especialmente no Oriente, eram anteriores ao Império Romano, o que
significa que os romanos tiveram de as aproveitar. Pelo contrário, no Ocidente foram os
romanos quem construiu as cidades, excetuando as portuárias, que tinham nascido por
via do comércio marítimo ou fluvial. Assim, no Ocidente o Império era formado
sobretudo por cidades que não eram mais do que distribuidoras de produtos agrícolas ou
por portos de rio ou de mar onde se fazia o comércio. Mas não havia cidades muito
grandes no Ocidente. Mas no Oriente havia uma tradição muito diferente. Além das
cidades terem contingentes populacionais muito maiores, mas também por terem
estruturas urbanas muito mais desenvolvidas, com produção artesanal muito sofisticada,
que envolvia uma grande parte das suas populações. Sabemos por isso que os modelos
urbanos de Oriente eram muito mais variados do que no Ocidente, onde as cidades eram
geralmente de fundação romana.
Todo este modelo de construção de cidades se vai alterar a partir de meados do
século III, quando o Império Romano começa a ser colocado em perigo, pelo menos em
algumas das suas áreas. Houve pressões no limes por parte dos povos bárbaros, sendo
que os romanos começaram a tentar integrá-los no seu império sem os deixar atingir as
cidades. Perante as investidas dos bárbaros, o Império tentou coloca-los no limes, que
era a fronteira onde normalmente se definia o espaço ocupado pelo Império, e onde
estavam instaladas as guarnições. De uma forma geral, durante o século III e parte do
século IV, os imperadores tentaram instalar nessas regiões os povos bárbaros e usá-los
como defensores do próprio Império. Mas alguns destes povos pressionaram o Império
a recebê-los no seu próprio seio. Com isto, uma série de cidades começaram a sentir-se
em perigo, e começou-se a colocar em dúvida se o modelo de cidade romano era o mais
seguro para fazer face às invasões.
De facto, é no Baixo Império, com Constantino, que os romanos deixam de
proteger o seu império no limes para passarem a fazê-lo nas próprias cidades. Estas
transformações são ainda maiores quando observamos que até aí as cidades romanas
não tinham guarnições militares. Isto envolve ainda outro tipo de alterações, tais como a
construção de muralhas onde elas não existiam. A construção das muralhas vai assim
interromper o crescimento das cidades e mesmo as próprias vias de comunicação.

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Assim, a militarização e fortificação das cidades provoca um conjunto de
alterações no espaço urbano, sendo que as cidades vão frequentemente para pontos altos
(mais facilmente defensáveis), a muralha vai tentar envolver toda a cidade, o que
permite várias opções, que são a perda populacional, em primeiro lugar, mas para as
muralhas acomodarem uma grande quantidade de gente é necessária a construção em
altura, a destruição de muitos espaços abertos e, consequentemente, as cidades tornam-
se muito mais desorganizadas. Nós temos um modelo de cidade cheia de cotovelos, ruas
interrompidas, azinhagas, que é sobretudo o modelo das cidades muçulmanas, mas
muitas cidades que parecem muçulmanas são de facto romanas, sendo esta ordenação
(ou falta dela) um resultado da modificação da conjuntura.
No final do período romano para o Ocidente houve algumas alterações
importantes que se deram. O Império Romano tentou manter os seus exércitos ativos
contra os povos bárbaros, manipulando uns povos contra os outros, e o resultado foi que
praticamente todo o Ocidente ficou nas mãos de determinados povos bárbaros, a
Península Ibérica acabou por ser ocupada pelos visigodos, que tinham sido substituídos
pelos francos na Gália. Portanto, o Império Romano conseguiu apenas salvar o seu
território oriental. Assim, o Império Romano conseguiu sobreviver à queda do próprio
Império Romano do Ocidente, isto porque sabemos que, por exemplo, na Gália há
exércitos que continuam a manter as suas negociações com os bárbaros. Mas isto não
significa que os vencedores não sejam já os novos povos que se instalam no Ocidente.
Estes povos vencedores não conseguem manter as estruturas do Império
Romano porque não têm experiência de vida ativa e sedentária no Império Romano.
Eles não sabem sequer aproveitar as cidades. E se formos olhar para o ponto de vista
religioso, em que a partir de 325, com o Concílio de Niceia, tem o dogma cristão,
permanece o heretismo junto dos povos bárbaros, sendo que alguns deles, como os
visigodos, eram arianos. Mas em muitos dos territórios em que eles se instalaram
existiam dioceses cristãs, e os bárbaros criar as suas próprias dioceses, geralmente em
locais diferentes, geralmente em pequenas povoações. Por exemplo, os visigodos vão
criar dioceses arianas em locais diferentes das dioceses dogmáticas. Só com a fusão das
fés é que se faz a fusão das dioceses em termos eclesiásticos.
Isto serve para dizer que os povos bárbaros que se instalaram no Império vão ter
muita dificuldade em lidar com a vida urbana tradicional, o que permite que a vida
urbana subsista, porque os bárbaros permitem que as elites urbanas continuem a
governar as cidades. E ao longo de um século, as elites urbanas vão-se unir às elites

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bárbaras. E quando estas duas elites se fundem e partilham os mesmos hábitos é que as
sociedades se encontram. Mas este é um processo longo, porque as duas elites não têm
os mesmos princípios, os mesmos interesses ou mesmo os mesmos locais. Mas não
havendo novos desenvolvimentos na vida urbana, vai havendo um certo atrofiamento da
vida urbana.

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Na última aula estivemos a ver o que Roma herdou das civilizações anteriores, e
ficámos com a ideia de uma cidade que sempre que fosse possível tinha um
planeamento prévio bastante rígido, no sentido de tornar a cidade muito regular, o que
estava relacionado com a origem militar de muitas dessas cidades. Sabemos que esse
plano já tinha sido, no entanto, herdado da Antiguidade Grega, não da Clássica, mas do
período helenístico.
A verdade é que, conforme as localizações e funcionalidade da própria cidade, o
planeamento da cidade tinha muito que ver com o próprio aproveitamento dos recursos
que os romanos queriam fazer. Por isso, apesar de haver um modelo que o exército
implantava, o Império mostrava uma panóplia de tipos de cidades. E a ideia do Império
Romano era a de complementaridade, ou seja, em cada região aproveitava-se os
recursos mais fortes.
Mas no Baixo Império, as cidades do Ocidente tornaram-se mais pobres, com
um maior desemprego, o que levou a uma marginalidade das populações e que levou a
um aumento da criminalidade, da mendicidade, e por isso das movimentações de povos
sem nada para fazer e sem nada para perder. E também são da época de Constantino
medidas extremamente graves do ponto de vista social, que tentam diminuir os
problemas, mas sem o conseguir. Entre isto, ele tentou a criação de uma sociedade de
castas, ou seja, alguém que nasce num determinado estrato social e profissional, não
pode sair dele. Isso causou uma grande perturbação, não teve grande sucesso, e
começou por ser feito em relação ao exército, obrigando-se os familiares dos antigos
veteranos a também serem militares. Isto leva a fugas, o que é prejudicial para o sistema
de impostos, que se baseava na localização da população. Depois começou-se a fazer
isto também para os mecânicos, mas depois também se generalizou aos curiais, ou seja,
aqueles que formavam os cargos urbanos da cidade (toda a população da elite que
ocupava cargos políticos e que tinha obrigação de investir a sua fortuna nas obras das
cidades).
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Início da aula de 10/03/2016.

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Tudo isto para dizer que o Ocidente estava fadado a sair do Império Romano. A
partir do final do século V, temos então o Império Romano do Ocidente com um
panorama bastante diferente do anterior, com os povos bárbaros a ocupar os territórios
do Ocidente, o que não quer dizer que eles tenham desinvestido de propósito nas
cidades comerciais do Mediterrâneo (mas isso aconteceu, porque havia menor
circulação de bens). Mas se muita da organização administrativa e clerical romana se
manteve, tal já não se pode dizer sobre tudo o resto, porque os povos bárbaros são muito
diferentes. Já não há investimento nas cidades para manter as atividades urbanas
normais, mantendo-se apenas o comércio marítimo, mas em menor escala.
Estamos já num panorama urbano bastante diferente da época anterior, mas estes
povos bárbaros apenas queriam um lugar para se instalar, não tinham um programa
político para opor ao romano. Mas a verdade é que estes povos não tinham para onde ir,
por isso entraram em guerras e alguns dos povos saíram vencedores, então o panorama é
este: visigodos na Península Ibérica, francos na França e Alemanha, ostrogodos na Itália
e uma grande amálgama de povos no norte da Europa.
Esta situação parecia estar mais ou menos a estabilizar no início do século VI,
quando o imperador do Império Romano do Oriente, Justiniano, decide fazer uma
recuperação, pelo menos das zonas comerciais do Mediterrâneo Ocidental. Por isso
manda os seus exércitos para combater os povos bárbaros, o que provoca modificações
no panorama, que nalguns casos se mantém durante séculos, como as divisões políticas
da Itália.
A diferença entre Oriente e Ocidente, que já se desenhava, pelo menos, desde
Diocleciano, onde vemos que o poder tende naturalmente para Oriente. Vê-se que há
uma tentativa de refundar o Império com Constantino, que decide fundar uma nova
Roma, em Constantinopla, mas ele cria algo que já não é o Império Romano, mas sim o
Império Romano do Ocidente. Ele decide uma localização estratégica para esta nova
cidade, transportando as instituições romanas para Constantinopla.
Além disso, com a fundação desta cidade ele está a fundar um novo império,
numa nova cidade, com uma nova religião monoteísta, ele queria portanto a fundação de
uma unidade imperial. Constantino estava também a seguir o modelo do Império
Sassânida, que era uma monarquia que girava em torno de um só deus. E Constantino,
ao lado do Império Sassânida, funda um império que vai seguir à risca muitas das
experiências do Império Sassânida. Ele queria então uma monarquia à maneira oriental.

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Em relação à própria cidade, ele amplia uma cidade pré-existente, e cria enormes
muralhas, o que lembra as cidades pré-clássicas. Esta cidade tinha vários edifícios
sagrados e políticos, vários templos, estátuas de deuses. De facto, mais do que uma
cidade romana, ele parece estar a criar uma enorme cidade imperial, que viria da
tradição pré-clássica. Também a própria Porta Áurea faz lembrar uma herança pré-
clássica, uma vez que era uma porta que servia sobretudo para festejar os imperadores.
Esta cidade faz uma simbiose entre o Império Romano e os antigos impérios orientais.
Na época de Constantino e dos seus sucessores houve esta tentativa de
transformar Constantinopla numa cidade de um império à maneira oriental. Contudo,
cada vez o Império Romano estava mais curto, o Império Sassânida estava cada vez
mais forte, no século V o Império Romano do Ocidente vai capitular, passando o
Império do Oriente a ser um império total, só que o Ocidente já era dominado pelos
reinos bárbaros. No entanto, estes povos consideravam-se, mesmo que simbolicamente,
na dependência do Imperador. No caso dos visigodos, os reis tentam mesmo aproximar-
se da imagem do imperador, usando os mesmos símbolos de poder e vestindo-se à
maneira romana. No entanto, o imperador do Oriente não tem capacidade para voltar a
mandar no Ocidente, e por isso, durante muito tempo, não fez qualquer tentativa de
recuperar o Ocidente.
Esta situação manteve-se até Justiniano. Este foi um imperador muito cristão e
que aparentemente, pelo menos na teoria, pretendia recuperar o antigo Império Romano,
do tempo dos césares. Ele tentou uma recuperação do império, pelo menos para
recuperar algum do brilho do antigo império. Mas se isto é verdade na teoria, na prática
ele queria abrir o tráfico comercial do Mediterrâneo em toda a sua extensão.
Para isso, o primeiro alvo vai ser o reino dos vândalos, que era muito costeiro,
que se dedicava quase exclusivamente à pirataria, atacando o Mediterrâneo a partir do
centro. Ele reúne o exército por volta de 536, comandado pelo seu general Belisário,
que em muito pouco tempo destruiu o Reino Vândalo. Entretanto, todo o território
continental da Península Itálica estava ocupado pelos ostrogodos, povo que no século V
tinha sido governado por um rei muito próximo de Bizâncio, que tinha mantido quase
todas as instituições e a estrutura que encontrou. Contudo, repare-se na posição da Itália,
e por isso foi o segundo alvo de Justiniano, e aí foi desastroso. A guerra durou quase um
século, pelo menos uns sessenta/oitenta anos, e não só nunca conseguiu recuperar toda a
península, como inclusivamente fez com que as defesas do norte da península ficassem

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tão fragilizadas, o que fez novas invasões, como as dos lombardos, que ocuparam o
norte de Itália. Isto fez com que toda a Itália ficasse dividida em pequenos estados.
Também na Península Ibérica entraram as tropas de Justiniano, mas aqui
aparentemente com um objetivo muito concreto: a zona costeira do sul e levante da
península. Não conseguiram manter todo o território, mantiveram-se no sul de Espanha
desde 556 até ao início do século seguinte. Justiniano teve então este projeto, e ao
mesmo tempo que tentava a recuperação do território, ele tinha em mãos uma guerra
aberta com o Império Sassânida, e estas conquistas não terão compensado aquilo que
estavam a perder para os sassânidas.
Mas ele não fez apenas conquistas territoriais, ele reformou os códigos de leis
romanos, de tal modo que quando hoje dizemos que ainda temos raízes do direito
romano, aquilo que nós conhecemos é o direito de Justiniano, que é uma versão revista,
em que se elimina as antigas leis obsoletas, criando novas leis (em grego) para as
substituir. Este era, portanto, um direito já todo renovado, que a partir do século XII
passa para as universidades.

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Na aula passada estivemos aqui a analisar o caso de Constantinopla, como
fenómeno que tentava ainda recuperar os valores da Antiguidade Clássica e Pré-
Clássica, com a curiosidade de esses valores terem ressaltado no século VI com o
imperador Justiniano. Hoje vamos observar o que se passou ao nível do Mediterrâneo na
Idade Média, ou seja, o espaço geográfico que foi o herdeiro direto do urbanismo que
estivemos a estudar até agora.
Agora interessa-nos ver exemplos da continuidade urbana mediterrânica. Os
períodos mais difíceis podem-se localizar por volta dos séculos V-VI, nomeadamente
quando os vândalos estavam instalados em Cartago, dedicando-se à pirataria no
Mediterrâneo, interrompendo o tráfego entre o Mediterrâneo Oriental e o Ocidental. Do
lado Ocidental, isto não fez um grande transtorno, mas fez com que o comércio
diminuísse sensivelmente e diminuiu a sua qualidade, ou seja, ele direcionou-se para
questões de alimentação e de vestuário ou para produtos de luxo de grande valor.
Mas com as conquistas de Justiniano conseguiu-se compor esta questão e o
Mediterrâneo voltou a abrir-se. A isso ajudou também as tropas enviadas para Itália, que
conseguiram dominar alguns portos italianos, e o mesmo com as conquistas que se
fizeram na Península Ibérica, em que foram abertos os portos do sul e do leste. Estamos
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Início da aula de 14/03/2016.

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então numa situação em que, na passagem do século VI para o VII, o Mediterrâneo
estava de novo aberto. Mas o tipo de comércio que se fazia dois séculos antes já não se
podia fazer, por um lado porque o Ocidente já não tinha tanto dinheiro para consumir, e
por outro porque o próprio Oriente já não tinha tanta capacidade de produção dos
mesmos produtos, muito por causa da guerra constante entre os impérios bizantino e
sassânida, porque as populações estavam sujeitas a uma sobrecarga fiscal, as pessoas
estão financeira e economicamente esgotadas, não tendo capacidade de manter a
produção, nem tinham compradores.
Mas a isso podemos acrescentar outros problemas, como o começo das invasões
árabes, mas também de revoltas internas nestas regiões, muito relacionadas com o
surgimento do Cristianismo e combate entre esta nova religião e o Paganismo. O
Cristianismo foi pensado como uma forma de unir o Império, mas muitos imperadores
continuaram a apelar à religião antiga, e ora se apoiava a fundação de igrejas e os
cristãos, ora esses cristãos eram perseguidos. Por isso, há um clima que não era
favorável aos imperadores na região da Ásia Menor, que por isso não era favorável a
uma grande prosperidade.
No que diz respeito à Península Itálica, que sempre fora orientada para o
comércio marítimo, forma-se uma grande diferença entre o Adriático e o Ocidente, com
a balança comercial a pesar para Oriente, que consegue sobreviver de uma forma
bastante próspera relativamente ao Ocidente bastante esmorecido em termos comerciais.
Do lado ocidental, só Amalfi, que tem características semelhantes a Bari e Veneza, é
que se safa. São portos que ocupam zonas rochosas dentro do mar, que não têm nenhum
hinterland, e portanto, só têm uma área de comércio marítimo para sobreviver. Estas
cidades começam a investir de várias formas, fazendo sobretudo acordos com outros
territórios, mesmo que à partida eles possam parecer adversos.
Curiosamente, estas cidades vão surgir com maior importância nos períodos de
maior atribulação nos mercados orientais, acabando por ter quase o monopólio do
comércio com o Oriente. Vemos que a cidade de Veneza, por exemplo, aproveita o
clima completamente adverso no Oriente quando começa a expansão islâmica, para
quase sozinha se aventurar nos portos orientais, fazer pactos com os sultões e diversos
interlocutores, muitos deles muçulmanos, que lhes permitiu fazer comércio. Então, uma
pequena cidade do norte de Itália, Veneza, conseguia, através da navegação, sobreviver
muitíssimo bem.

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Mas o outro “senão” que aparece no Mediterrâneo é a expansão islâmica, que
vale a apena recordar, pelo menos em termos de datas. Todo o período da Revelação de
Maomé faz-se entre 580 e 622, e entre essa data e a Guerra Civil dá-se a maior expansão
do Império Islâmico, sendo possível conquistar um território imenso. Há várias razões
que se podem apontar para esta expansão. Comecemos pelas militares, com o
descontentamento dos homens, muitas vezes até devido ao mau pagamento. Depois,
havia um descontentamento generalizado nas regiões mais ricas e urbanizadas, sendo
muitas vezes as conquistas feitas com a conivência da própria população,
provavelmente porque este novo império oferecia muito mais do que os impérios
bizantino e persa. De facto, até 661 o que era oferecido aos povos ocupados era muito
bom, sendo que a Umma confiscava todas as terras que se tornavam propriedade do
califa como representante de Allah, mas a ocupação dessas terras fazia-se por membros
da comunidade isentos de impostos, sendo que as pessoas se podiam converter. Mas as
pessoas podiam manter a sua religião, pagando impostos bastante pesados. Então, para
grande parte destas populações, isto foi uma lufada de ar fresco, porque convertendo-se
deixavam de pagar impostos. Neste período houve então condições muito favoráveis
para que as pessoas aderissem de braços abertos ao Islão.
Mas no fim da Guerra Civil, o panorama muda. Depois de uma guerra entre duas
fações com distintas opiniões sobre quem devia suceder ao Profeta, se a sua família
descendente de Ali e de Fátima, se os melhores, os mais bem posicionados para a
função. Por isso, a família Omíada estava muito bem posicionada para se proclamar
seguidora do Profeta. Contudo, quando eles tomaram o poder, as condições alteram-se
completamente. Eles alteram o centro de poder islâmico de Meca para Damasco, na
Síria. Por causa das alterações omíadas, a conquista começa a ficar mais lenta.
Nas alterações omíadas, eles colocam um poder árabe, ou seja, para se ascender
aos cargos de topo era preciso ter origem árabe. Num segundo patamar vão estar os
convertidos, e quando se oferecia todos aqueles privilégios aos convertidos, eles acabam
por apenas ser oferecidos aos árabes, o que quer dizer que os convertidos já não ficam
com tanta vontade de se converter ao Islão. E os infiéis, consoante as épocas, podem até
ver a ser perseguidos. Nesta altura vemos que se começa a formar uma ideologia da
Jihad. Foi no califado Omíada que se criou pela primeira vez um grande hiato entre
islâmicos e não-islâmicos. Com esta nova grande ameaça oriental, o Império Romano
do Oriente vai-se consignar quase completamente à Grécia.

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Quais são as características urbanas que o mundo islâmico vai trazer. O mundo
islâmico vai-se basear muito na tradição que encontra, em cada local vai aproveitar
todas as tipologias e todas as tendências que existiam na região, aproveitando até os
materiais da região. Mas noutras épocas, em que o poder quer mostrar a sua capacidade,
vai aproveitar para sintetizar elementos de todo o mundo islâmico, como foi o caso da
Mesquita de Córdova. Então, se há momentos em que se mantém tudo igual, há também
momentos em que se cria um estilo islâmico.
Mas depois, há também uma mentalidade que vem do que deve ser o
comportamento do crente, que é alguém despido dos prazeres terrenos e a olhar para o
Além, o que significa que se vai menosprezar a vida social. Não há um apelo muito
grande à vida social, e os espaços de comunhão laicos não existem na cidade islâmica,
mas em compensação dá-se um enorme valor à vida familiar dentro de casa. E a vida de
família substitui muito bem a vida social, porque cada família era muito plural, ou seja,
a casa é quase um clã, porque se vive sobretudo em família e na mesquita. Isso vai ter
uma influência bastante grande na própria estrutura das cidades.
Na cidade islâmica há quase um desincentivo de existência de vias de
comunicação de um lado ao outro da cidade. Há mesmo alguns urbanistas que falam de
uma privatização da rua, ou seja, a rua já não serve todas as pessoas, mas quase que
serve para ligar cada um dos cidadãos da mesquita à sua cidade. Isso quer dizer que
nestas cidades a via de comunicação é muito privatizada e à medida dos interesses de
cada um, e muito menos imposta por qualquer criador.
Vai haver uma certa tendência para instalar as cidades em zonas altas, para
serem facilmente fortificadas, e dá-se um papel muito importante à proximidade dos
rios, até porque o Império Islâmico fica em zonas quentes, em que a capacidade de
captação das águas é muito importante. No Mediterrâneo, e sobretudo na Península
Ibérica, nós conhecemos muito o que se chama a cidade ammita: tem a sua maior
fortificação no ponto mais alto, que se será ele próprio protegido por uma muralha mais
alta que as restantes, e aí estará o vizir (ou seja, o governador da cidade), que terá o seu
séquito ou exército privado, além do seu staff, que constituirá as suas casas na zona
mais alta e protegida das cidades. Por ter uma grande população, esta área terá a sua
própria mesquita privada. Então, a alcáçova torna-se numa pequena cidade governativo-
militar. A alcáçova terá uma ou mais portas para o exterior.
Depois, a cidade propriamente dita é a medina. Na zona mais próxima do poder
há a mesquita maior, que estará na proximidade de zonas mais prestigiadas, como os

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bazares ou alcazares, onde se faz um comércio de maior luxo. E naturalmente, será
também junto da mesquita que irão habitar as personagens ligadas ao comércio, os
mercadores, etc. Muitas vezes, também esta zona funciona como uma pequena cidade,
estando muralhadas ou cercadas isoladamente, para se proteger do resto da cidade, em
que os Omíadas vão considerar diferentes e hierarquizados as pessoas de diferentes
origens. Também os judeus e cristãos tinham lugar dentro da cidade, mas em áreas mais
periféricas, sendo que lhes era pedido que arranjassem um bairro próprio no exterior da
muralha. Por isso mesmo, na Península Ibérica encontramos as moçarabias, que ficavam
quase sempre no exterior das muralhas. Isto era contrário aos judeus, que ficavam do
lado de dentro das muralhas.
Então, se cada um destes bairros tem a sua própria mesquita e a sua própria
organização, a rede viária que é criada é independente do resto da cidade. Por isso, o
resultado final é uma amálgama que não tinha vias de comunicação que ligassem toda a
cidade. Mas muitas das cidades que foram ocupadas eram pré-existentes, por isso era
normal que esta situação não fosse real para todas as cidades.
Em relação à casa, ela tem uma realidade que também vamos encontrar ao longo
da Idade Média cristã. As casas não têm muitos sinais exteriores de riqueza nem são
muito abertas para o exterior. Isto não só era devido às particularidades climáticas, mas
também porque quem habita a casa é fundamentalmente as mulheres, e por isso há a
tendência de a vida doméstica ser privatizada, bem como as mulheres são
desincentivadas em relação à vida social.
Depois, a casa aproxima-se muito das tendências romanas. Aposta-se muito num
pátio interior, que substitui todas as aberturas da cidade que não existem. O espaço
exterior é levado para dentro da casa, quando ela tem espaço suficiente para isso. E os
pátios são espaços de lazer onde existem árvores, canais, fontes. Além disso, o pátio
divide as várias divisões da casa, o que permite que o homem possa ter várias zonas,
algumas comuns, outras privadas. Pode haver uma certa individualidade para cada uma
das áreas da família, ao mesmo tempo que existem espaços comuns.
A mesquita de Damasco ainda é uma obra do Califado Omíada, mas em 750 há
uma revolta contra os Omíadas, que provoca a quebra efetiva da unidade do Islão para
sempre. É uma quebra efetiva, mas não teórica, continuando a haver apenas um califado
até ao século X, califado esse que passa para Bagdad. Passamos a ter o Império Islâmico
centrado numa região marcada pelo Império Persa. Há uma orientalização completa do

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Islão. Mas o que interessa é que uma grande parte do mundo islâmico não se vai rever
na Dinastia Abássida.
Esta dinastia retoma a ideia de que o Islão deve ter uma continuidade familiar
com o Profeta. No entanto, esta legitimidade não vai ser reconhecida no norte de África,
que sempre tivera uma tendência para apenas reconhecer a descendência fatimita. E
embora só se forme um novo califado no século X, formam-se pequenos reinos que vão
ter tipos próprios de religiosidade e organização. Esses reinos só se vão unir no século
X, passando a haver o califado de Bagdade, e o califado Fatimita, do norte de África,
com a ideia de que devem ser os sucessores de Ali e Fátima. E ao mesmo tempo, forma-
se o califado de Córdova, que é formado pelos últimos descendentes dos antigos
Omíadas. Este califado forma-se porque o único descendente dos Omíadas se refugiou
na Península Ibérica depois da deposição pelos Abássidas. Isto para dizer que apesar de
o califado abássida ter sido o único durante dois séculos, nunca foi tão reconhecido
como o califado anterior. Mas isto não significa que não houvesse a tendência de
mostrar o poder do califado através da arquitetura.

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Hoje queria terminar a matéria que diz respeito ao Mediterrâneo, para que
depois das férias da Páscoa pudéssemos trabalhar o modelo que renasce, o das cidades
da Idade Média.
Na aula passada estivemos a falar da cidade islâmica que, excluindo
determinados momentos, tentou adaptar-se às cidades pré-existentes, ainda que
houvesse uma privatização do espaço público, desaparecendo os espaços de exercício
político e social, sendo substituídos pela Mesquita e pelas casas individuais, que têm de
ser observadas não esquecendo que a família islâmica é muito diferente da que vem da
tradição clássica (embora não muito diferente da pré-clássica). De facto, a casa substitui
quase completamente a necessidade que os cidadãos tinham de se encontrar na rua e nas
praças. Assim, a casa tende a ter espaços comuns e espaços individuais, onde o homem
tende a ter o seu harém e os seus vários filhos. Portanto, aquilo que nós encontramos é
que a cidade islâmica perde quase completamente tudo aquilo que seja espaços abertos.
Outra das características da cidade islâmica é o facto de ela albergar indivíduos
muito diferentes do ponto de vista da origem social e mesmo geográfica/nacional, mas
sem os unir. Eles estão separados em bairros, muitas vezes praticamente autónomos uns
dos outros. A cidade, sendo assim subdividida, acaba por ter muito pouca
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Início da aula de 17/03/2016.

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homogeneidade, e daí deriva precisamente aquilo que podemos ver através da tentativa
de reconstituição das plantas: uma cidade cheia de becos e de ruas sem saída, onde é
difícil encontrar uma via de ligação que ligue toda a cidade.
Em relação às estruturas de proteção das cidades islâmicas, elas tinham várias
linhas de muralhas, que podiam mesmo proteger os cursos de água. Além disso, as
entradas pelas portas eram “tortuosas” (em cotovelo, geralmente). Assim, sabemos
então que a cidade islâmica muda os paradigmas da cidade tradicional, mas mantém
algumas características, tais como a associação entre poder político e poder espiritual, e
aquilo que parece ser um recuo à tradição pré-clássica, que é apostar apenas no território
do sagrado para o exercício da política. Repare-se que o único espaço aberto nestas
cidades está em redor do palácio e do templo.
Temos também de ter em conta a presença dos mercadores italianos no
Mediterrâneo Oriental. Nós falámos do caso único de Veneza, que era uma cidade-
estado portuária com uma grande importância política. Mas durante o período entre os
séculos VI e XI, o Mediterrâneo praticamente só é cruzado por mercadores de origem
veneziana, amalfitana e de bari.
E o que muda no século XI que permite que outros mercadores possam navegar
no Mediterrâneo? Há a criação de um novo reino numa nova área muito importante. O
movimento das cruzadas, que se gerou a Ocidente e que levou grande parte das elites do
Ocidente para a Palestina, levou também à criação de grandes armadas de navios,
mesmo de nações do Ocidente completamente afastadas do mar até aqui. Neste
movimento, os mesmos normandos que tinham conquistado a Inglaterra a partir da
Normandia, que são já profundamente crentes do Cristianismo, vão também dirigir-se à
terra santa e vão dirigir-se às ilhas do Mediterrâneo Central que eram dominados pelos
muçulmanos, eles instalam-se na Sicília e na Calábria, e fundam aí o Reino das Duas
Sicílias, que vai ter um impacto imeno no renascimento urbano da Itália e no
renascimento do comércio no Mediterrâneo.
Com isto, o que acontece às cidades portuárias na Itália? Génova, Pisa, Florença
começam a apostar na construção naval e copiam as estratégias que Veneza sempre
tinha levado a cabo: formando pactos com os potentados orientais (mesmo os islâmicos)
e criando portos no Oriente. Por isso, no século XII vemos um ressurgir do tráfego no
Mediterrâneo. Este ressurgir não tem paralelos noutro sítio, porque a construção naval
fazia-se para navios mistos: os navios levavam cruzados para Oriente e traziam
mercadorias para Ocidente. Isto mostra que ainda havia muitos cruzados do Ocidente

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que não tinham transporte por mar, indo por via terrestre até Itália e apanhando um
barco na Itália. Em relação às mercadorias, elas eram distribuídas para o Ocidente a
partir da Itália, e vemos que a partir dos séculos XII e XIII se começam a multiplicar as
rotas marítimas do Mediterrâneo, dirigindo-se da Itália para o Ocidente, chegando,
através de vários rios, até à Flandres.
A Flandres era uma área importante, não só porque estava próxima de Inglaterra,
sendo por aí que se realizava o comércio entre as ilhas britânicas e o continente, mas
também porque estava próxima das áreas comerciais do Mar Báltico, em que o
comércio feito pelos escandinavos conseguia mesmo atingir Constantinopla por via dos
eslavos. O comércio da Flandres ia depois direcionar-se para Bruges, onde se
concentrava produção têxtil que precisava de matérias-primas inglesas, onde chegavam
os rios do comércio continental, onde chegava o comércio da Liga Hanseática, mas
também onde chegava o comércio continental das feiras da Champagne, comércio que
depois se transfere para as cidades flamengas e para Bruges.

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Hoje vamos fazer uma aula de passagem entre a continuidade urbana
mediterrânea e o mundo ocidental que renascerá mais tarde. No outro dia estivemos
aqui a falar das cidades islâmicas, e depois estivemos a falar do renascimento das
italianas, por via de dois fatores: as cruzadas, que trazem uma libertação do Mar
Mediterrâneo (especialmente na Sicília e na Calábria), e o comércio com o Oriente e
Ocidente, que advém da possibilidade de navegar no Mediterrâneo. E na verdade, são os
portos os primeiros sintomas do renascimento urbano que se dá a partir do século XI.
Falamos do caso de Génova, por exemplo, que se consegue depois impor a Veneza,
cidade essa que se tinha mantido muito bem durante o período mais “negro”, embora
depois tenha rivalidade com Génova, a partir do século XI.
Sabemos que este renascimento vai também verificar-se no continente, passando
a haver rotas terrestres, que passam pelo centro da França, onde se desenvolvem as
feiras da Champagne, impulsionadas pelos mercadores a caminho das cidades
flamengas. Da ligação entre os dois polos é que nasce uma grande quantidade de pontos
de encontro, entre a França e a própria Flandres. De qualquer maneira, foram as
alterações provocadas pelas cruzadas e pela abertura do comércio mediterrâneo que
permitiram esta abertura. Da Flandres, o comércio liga-se depois aos mares Báltico e do
Norte, com os mercadores escandinavos, e este comércio tinha uma grande ligação aos
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Início da aula de 28/03/2016.

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rios navegáveis do interior do continente, nomeadamente o Reno (que se liga ao
Danúbio), e outros rios menores, como o Escalda, o Mosa e o Mosela, tendo todos estes
rios uma grande importância comercial. Isto tudo para vos explicar a importância da
abertura das cidades mediterrâneas.
Mas para já, interessa ver o que se passou no mundo atlântico neste período
entre os séculos VI e XI. Sobre este período há um grande desconhecimento, que é
contemporâneo de formas pouco duradouras de governo, de poucos documentos
escritos, não se conseguindo reconhecer em detalhe as estruturas desta época. No
entanto, esta situação é menos válida para França, que tem fontes para mais épocas, e
muito menos para as penínsulas ibérica e itálica, que com os visigodos e ostrogodos,
respetivamente, mantêm os aparelhos burocráticos em funcionamento.

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O caso do Paço de Sintra no tempo de D. Duarte:

Este tema foi escolhido porque existe uma fonte muito importante do próprio D.
Duarte sobre o que era o paço na época. Para termos um espaço social precisamos de ter
um espaço (a) e uma sociedade (b), sendo que b organiza a para o conseguir transformar
numa entidade histórica, e assim conseguirmos ter um espaço social.
Partindo do tema geral de espaço e sociedade na Idade Média vai-se partir para o
Paço Real, que é o espaço que corresponde à habitação régia. O paço aparece como um
tipo de casa específico de habitação da corte, e é simultaneamente um espaço físico e
social. Para se falar do paço de Sintra no tempo de D. Duarte, partiu-se de uma fonte
principal que é um excerto do Livro dos Conselhos d’el Rei D. Duarte. Um dos textos
presentes neste livro é uma descrição do que era o paço de Sintra, das suas divisões.
Vamos tentar estabelecer uma análise comparativa entre o Paço de Sintra e as casas
comuns da época.
Nós podemos considerar que temos dois tipos de paisagem, uma natural, por um
lado, e por outro uma humanizada, que é a transformada por ação do Homem. Esta
paisagem humanizada pode ser dividida em espaço rural ou espaço urbano, isto são
tipos de espaços sociais. Dentro dos espaços rurais e urbanos, podemos ter espaços
exteriores e interiores. É nos espaços interiores que vamos ter o que se pode chamar
casa, o espaço doméstico.

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Início da aula de 31/03/2016 – aula lecionada por Ricardo Milheiro.

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Como eu estava a dizer, partindo desta fonte, vou tentar listar as divisões, as suas
designações, características funcionais, apurar dimensões. Para além disso, vai-se tentar
fazer uma análise comparativa entre o que é a descrição do Paço e as casas comuns da
época. Além disso, ver a importância do Paço de Sintra na época.
Avançando para a casa medieval em Portugal. Há estudos de Manuel Sílvio
Conte, que são de destacar, e que diz que partindo de uma noção de que as populações
da Idade Média tinham consciência de que havia limitações no domínio do espaço, as
populações organizavam-se em comunidades para melhor subsistir. É a partir daí que a
casa é um espaço de abrigo e de natureza protetória da natureza e dos outros homens, ao
mesmo tempo que é a partir daí que o Homem tenta dominar a natureza. Por outro lado,
a casa é também um importante apoio à produção, quer seja de alimentos ou de
artesanato. É também uma forma de proporcionar um certo bem-estar, e serve também
para acumular os recursos que conseguem ser produzidos. A casa é também um espaço
de reprodução do próprio Homem, seja biológica, seja de conhecimentos. Por isto, o
autor considera que a casa é simultaneamente espaço físico, social, cultural e
económico. Dá-nos muitas informações sobre o que era a sociedade da época medieval.
Mas não existe um tipo habitacional único, isso depende de vários fatores:
condição socioeconómica (do proprietário ou do morador), o que influencia os materiais
de construção, por outro lado a cronologia, a própria geografia (com vários subfactores:
clima de cada região, cultura própria de cada região, influências civilizacionais de cada
região, os materiais existentes em cada região, mas essencialmente, o tipo de
ocupação/povoamento, dependente de ambiente rural ou urbano). É com a dicotomia
rural/urbano que vamos tentar perceber o que eram as casas medievais em Portugal.
Antes disso, e pegando no fator da cronologia, distingue-se dois períodos. Até
aos meados do século XIII temos casas do período românico, e depois do século XIII
são do período gótico. As primeiras são muito simples, unicelulares, eram caixas
paralelepipédicas com uma só divisão. Isto para o período românico. Já no caso do
período gótico há mais fontes que podem ser estudadas, principalmente em ambiente
urbano.
Passando agora para a casa comum do ambiente rural, esta era pequena, téerea,
unicelular, normalmente só tinha uma abertura para o exterior, que era uma porta (não
tinha janelas). O fogo aparece como elemento estrutural da casa, que podia ser feito no
centro da casa ou numa das paredes, permitindo aquecer, confecionar alimentos e
iluminar. Para o final da Idade Média verifica-se uma divisão pluricelular, passa a haver

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várias divisões, havendo uma casa dianteira (ou cozinha) e a de dentro (ou câmara).
Verifica-se também uma tendência para as casas serem acompanhadas por quintais, ou
outras construções adjacentes nas traseiras, associadas a atividades do mundo rural. Por
vezes surge um pátio, quando há várias casas construídas adjacentemente e há uma área
descoberta no centro. Este pátio era partilhado por todos os vizinhos, e pode aparecer
tanto em ambiente rural como urbano.
Para o período urbano, no período gótico, verificam-se certas tendências. A par
da pluricelularidade, verifica-se uma verticalização, ou seja, a construção em altura, ou
sobradada, em que as casas têm piso térreo e sobrado. Na esmagadora maioria dos
casos, havia apenas dois pisos, o térreo e o sobrado. Isto faz com que nos pisos de cima
comecem a aparecer outras aberturas, como janelas, mas nos pisos de baixo as aberturas
são geralmente portas. Isto vai proporcionar uma divisão funcional dos espaços, entre o
privado e o comum. No piso térreo haveria uma oficina e uma loja (mais avançada), e
no piso de cima a habitação. A loja era uma divisão aberta ao exterior, onde se vendia
os produtos.
Em relação ao mobiliário, este era bastante escasso, tanto no ambiente rural
como urbano, embora nos estratos sociais mais ricos para o final da Idade Média
começasse a haver mais mobiliário. Essencialmente, a mobília era uma cama e uma
arca, que era plurifuncional, podia ser usada para guardar objetos e como assento. Na
Idade Média as cadeiras eram raras, havendo bancos, geralmente corridos. Podia existir
ou não uma mesa, e havia várias versões, sendo a ais comum uma mesa simples
suportada sobre cavaletes. É muito provavelmente deste tipo de mesas que vem a
expressão “pôr a mesa”.
Em relação às áreas, continuando a referir o mesmo autor. Os valores médios das
casas andam à volta de 40 a 55 m 2 da casa no seu todo. Em ambiente rural, as áreas não
eram muito distintas, mas eram ligeiramente superiores.
Avançando para a corte régia portuguesa, há que avançar para dois estudos, um
de Rita Costa Gomes, sobre a corte régia, e um de Margarida Garcez Ventura sobre a
corte de D. Duarte. Para estas autoras, a corte régia era onde estivesse o rei. Isso sucede
cada vez com mais frequência a partir de meados do século XIII com Afonso III, é a
partir daqui que se forma a corte régia. Havia também uma situação curiosa, porque
passa a haver um reconhecimento da centralidade da figura do rei, e a nobreza, que era
quase exclusivamente terratenente, passa a fixar-se nas cidades, especialmente nas que
tinham paços régias.

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A corte era itinerante, no entanto, vai-se verificar gradualmente uma fixação
num grupo restrito de paços. Deixam de percorrer o país quase todo, e passam a ir
apenas a locais onde existiam residências régias. Eles passam também a deslocar-se a
cidades no centro do país: Lisboa, Santarém, Évora e Coimbra. Começam a percorrer
um número mais restrito de cidades e com movimentos mais concentrados. Além destas
cidades principais referidas, há também uma tendência que se verifica, que é um
conjunto de paços em localidades secundárias que começam a ganhar importância,
nomeadamente em terras que estão sob influência das cidades principais: Almeirim sob
a esfera de Santarém e Sintra sob a de Lisboa. Estes espaços são procurados como áreas
de caça e montaria em que a corte se procurava desenfadar da governação.
Vemos então o interesse de D. Duarte pelo Paço de Sintra. Ele tem um reinado
curto, de 1433 a 38, mas estima-se que ele colaborasse com o pai desde 1411. Sintra
surge como espaço de festividades, e foi o espaço onde nasceu o príncipe D. Afonso
(futuro D. Afonso V).
D. Duarte tem uma descrição bastante interessante e curiosa no Leal Conselheiro
daquilo que são os compartimentos que devem integrar um paço régio. São cinco: uma
sala (espaço público próprio para grandes cerimónias, acessível a todos desde que não
estivessem a ser perseguidos pela Justiça), uma antecâmara (a que algumas
personalidades podiam aceder, e era também referida como câmara de paramento),
depois o quarto, a trascâmara (onde apenas acediam os que tinham uma relação íntima)
e o oratório (o espaço de intimidade absoluta). Isto revela uma crescente privacidade,
desde o espaço pública até ao oratório. O acesso é progressivamente mais restrito e mais
afastado do exterior.
Em relação aos paços em geral, para o fim da Idade Média há uma tendência dos
possuidores de passos reedificarem os seus paços, para mostrar o seu poder. Um
elemento de destaque dos paços eram as capelas palatinas. Os oratórios eram espaços
pequenos, enquanto que as capelas eram espaços de grandes dimensões. Para além
disso, aparecem pátios interiores e hortos, que são quintais com árvores de fruto, com
algumas plantas alimentares e medicinais, e vão ganhando cada vez mais importância as
plantas decorativas, de que surgem os jardins.
Passando à análise da fonte, que mostra as várias divisões, com vários itens, aos
quais se atribui uma designação e as medidas. Vemos que para além do côvado, temos
outras unidades de medida: palmos, montravessas (?). Os côvados correspondiam a 66
centímetros, os palmos a 22 centímetros, e as montraversas (?) a centímetros. Da

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descrição que temos, há uma área superior a 140m2, excetuando a sala grande. Pegando
na medida da sala grande, que é 34 côvados e um palmo, chegamos à conclusão de que
a sala tem 187m2, que seria a maior divisão do paço.
Para além disto, fui tentar perceber melhor a utilização do Paço de Sintra. Aqui
tentámos perceber o número total de visitas, o número total de dias de visita, e depois o
cálculo de fazer a divisão do número total de dias sobre o de visitas, que dá o número
médio de dias por visita. Nos reinados de D. Dinis, D. Pedro I e D. Fernando I há um
número de cerca de dez visitas por cada rei. Há várias localidades com mais visitas do
que Sintra, em cada um dos casos cerca de pelo menos dez localidades.
Avançando para o tempo de D. Duarte, não-sei-quantos fez uma listagem das
visitas a partir das chancelarias dos reis. Assim, chegou-se aos dados de D. João I e D.
Duarte. No caso de D. João I, Sintra é o quarto paço mais visitado, com cinquenta e uma
visitas, com uma visita por ano, cerca de sete dias por visita. No reinado de D. Duarte,
Sintra aparece como o sexto paço mais visitado, com nove visitas em cinco anos de
reinado, com um maior número médio de dias por visita, com nove dias de visita média.
Tentando desenvolver conclusões sobre o que se esteve a desenvolver até agora.
A corte régia portuguesa nos finais da Idade Média continua a ser itinerante, mas com
uma tendência para se concentrar num grupo cada vez mais restrito de paços,
especialmente em torno dos principais núcleos urbanos com residências régias próprias,
especialmente Lisboa, Santarém e Évora. Por um lado, restringe o número de paços
visitados, por outro, a área de movimentos. Verifica-se também a importância crescente
dos paços secundários, nomeadamente o de Sintra. O Paço de Sintra desperta interesse
nos monarcas, em espacial para D. Duarte, consegue-se estabelecer uma
correspondência entre os tipos de casas definidos no Leal Conselheiro e as divisões
listadas nesta descrição das casas do Paço de Sintra, nomeadamente a sala, que
corresponde à sala grande, e que corresponde hoje em dia à sala dos cisnes atual. A
antecâmara pode corresponder à câmara das pegas, que corresponde à designação da
sala das pegas, e que teria cerca de 80m 2. Já para as outras casas, conseguimos
estabelecer outras ligações. Destaque-se ainda para a capela palatina, que tem cerca de
120m2. Havia também algumas divisões destinadas aos negócios do rei, e depois havia
várias casinhas que ou se chamava privadas, ou “casinhas de mijar”.
Pode-se concluir que o Paço de Sintra era bastante compartimentado, em
comparação com a casa comum medieval temos quinze a trinta vezes mais divisões,
uma área mais de vinte vezes superior e uma divisão dos espaços superior. Transforma-

37
se um dos espaços mais visitados nos reinados de D. João I e de D. Duarte, sendo mais
visitado nos períodos de verão, especialmente para atividades ao ar livre, de atividades
de caça e montaria. Mas não era só frequentado no verão, porque D. Afonso V nasceu lá
em janeiro.

12
Os Homens da Construção:

Vamos falar sobre os homens da construção, quem eram, de onde vinham, quais
os seus vícios, etc. Isto é importante porque no Renascimento começamos a ter muito a
ideia das escolas e dos artistas. Na Idade Média não existe a noção de artista, as pessoas
trabalhavam porque tinham de trabalhar. Não havia a noção de que aquilo era arte, era
um ofício tratado como qualquer outro. No século XVI, tudo mudou e quem faz aquilo é
considerado como um artista com um estatuto específico.
Para percebermos estas pessoas, temos de ter em atenção os mesteirais, que são
os mestres em algo. No que diz respeito a trabalho de construção pétrea, temos uma
série de mesteres (ver lista do powerpoint), e os mais importantes eram o pedreiro e o
carpinteiro. O alvaneiro era quem fazia o tratamento da pedra, o taipador era quem fazia
as taipas, o caeiro era quem tratava da cal, … os imaginários eram quem trabalhava os
pórticos, etc. Estes homens não eram tratados como artistas (no Renascimento, os
imaginários já serão tratados como artistas), mas antes de D. Duarte ter dito que estas
pessoas eram mesteirais, estas pessoas estavam perdidas socialmente. Mas num estaleiro
de obras há também outros trabalhadores que não tinham a segurança dos mesteirais,
(ver nova lista no powerpoint).
Em relação ao Mosteiro de Santa Maria da Vitória, podemos ver um esquema do
Prof. Saul Gomes, que engloba não apenas os mesteirais, mas todas as outras pessoas.
Temos os mestres-de-obras (que funcionavam como arquitetos, embora não o fossem),
entre outros. Tem sido estudada a influência dos mestres-de-obras, estas eram pessoas
que, das duas uma, ou eram pessoas que quando sabiam que ia haver uma obra iam para
o local e eram contratados, e andavam por Portugal, Espanha e França, outro aspeto era
que quem encomendasse a obra mandava vir uma série de pintores ou escultores
famosos, sendo contratados. Mas a mobilidade era fundamental, fosse por vontade
própria, fosse por encomenda.

12
Início da aula de 04/04/2016.

38
Agora, vamos perceber melhor o quotidiano dos construtores. A imagem é
apropriada porque mostra quão natural era a vida num estaleiro. Em terras pequenas
uma construção era natural e as pessoas agiam como tal. Muitas vezes, as pessoas
passavam o tempo a ver estas construções, sem que acabassem por vê-las construídas.
Depois, o salário depende da função, do estatuto (por exemplo, havia pedreiros
com loja e sem loja). Uma enorme diferença diz respeito à remuneração pelo sexo,
sendo que uma mulher na construção ganhava 25% de um homem (o que não era
normal na Idade Média, em que na agricultura uma mulher ganharia o mesmo que um
homem). Quem ganhava mais eram os homens com mesteres e com qualificação.
Recebia-se bem em géneros, em cereal, e o Prof. Saul Gomes fez as contas e as eles
recebiam 3500 calorias em pão por dia. Ainda há a questão de como era feito o
pagamento, podia ser à jorna, que podia ser logo no final do dia, mas podia ser apenas
entregue o total no final da semana ou do mês. Podia ainda haver um pagamento pela
obra, na Batalha isso apenas aconteceu com João de Castilho.
Em relação às habitações, vemos uma imagem muito bonita, que seria de um
mestre-de-obras. Vejamos que um estaleiro obedecia sempre à geografia da cidade
medieval, ou seja, temos a edificação ao meio, as casas das pessoas mais importantes, e
as outras casas dependiam de quem as quisesse construir. Isso podia ser as casas que já
existiam ou podia-se construir novas. Vemos a importância de uma construção, mesmo
para a construção de uma igreja matriz em Vila do Conde levou à expulsão de algumas
pessoas das casas. Também podia haver emprazamentos, que eram arrendamentos. As
casas construídas para os estaleiros eram muito precárias, mudando de forma muitas
vezes. No que diz respeito às famílias, a Batalha é uma exceção à regra. Aí vemos a
noção mais forte de aprendizagem, do mestre a ensinar à família.
A vida familiar e a vida social. Uma coisa muito importante, e que é inerente ao
Homem da Idade Média (que não muda até aos séculos XVII e XVIII), é que os
construtores, que trabalhavam o dia todo, quando iam para casa iam trabalhar a terra. É
uma profissão que puxa ao vício, no final do dia há muitas tabernas, e por isso há muito
álcool. E isso leva automaticamente à criminalidade, e houve homicídios nos estaleiros
e até na Batalha. E estes crimes não eram muito castigados. No que diz respeito à
relação entre trabalhadores, havia uma vivência amigável entre homens.
A segurança e a higiene. Para já, tanto na cidade medieval como nos estaleiros
de obras, a água estava o mais longe possível do centro, isto porque a água era uma
coisa suja, porque era onde as pessoas lavavam a roupa, onde estavam os dejetos. No

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que diz respeito à roupa, encontramos sapateiros e costureiros dentro dos estaleiros, isto
por causa da violência do trabalho. Muitas vezes, havia mesmo pagamento em roupas e
em sapatos. Este era, obviamente, um trabalho perigoso, especialmente no Gótico, em
que se queria subir o mais possível. Então, havia andaimes, que eram feitos com
madeira e canas. Menos seguro ainda era a lavra da pedra. Mas estas são profissões
onde havia poucas baixas, na Batalha houve um carreteiro que trabalhou lá durante 70
anos. A vez que se perdeu mais trabalhadores na Batalha foi quando o infante D. Pedro
partiu para a batalha de Alfarrobeira e levou alguns trabalhadores para combater, que
foram contra a vontade deles, não tendo morrido muitos. Isto foi o que levou mais
baixas ao Mosteiro da Batalha.

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A ideia hoje é restringirmo-nos a fontes de caráter municipal e local. Estas
fontes, costumes e foros, são consuetudinárias, ou seja, são soluções que surgem das
próprias populações para resolver os seus próprios problemas, e contemplam todo o
funcionamento do concelho e da localidade. São fontes que são transmitidas oralmente,
até que surge a necessidade de as passar por escrito. Elas têm um problema de datação,
mas têm uma baliza cronológica que vão dos finais do século XII a inícios do século
XIV. Mas o problema de datação deve-se ao facto de que a cronologia presente numa
normativa é específica a essa normativa. Isso leva-nos ao problema da origem das
fontes, que podem vir do Direito Romano, das próprias populações, ou de correções de
normativas anteriores.
É durante o reinado de D. Dinis que se começam a codificar todo o tipo de
normativas, porque o rei pretende impor a sua vontade em relação aos concelhos,
porque ele quer reduzir, simplificar e aplicar normativas nos concelhos. Aqui podia-se
introduzir normativas de outras localidades, que eram alteradas consoante as
necessidades locais. Assim, constituíam-se famílias de códigos.
Outras questões que se levantam. Porque é que as vilas seguem os seus próprios
foros? Porque elas tinham determinado tipo de autonomia, e as populações vão
adotando códigos de outras povoações. Mas também pode acontecer que o rei obrigue
determinado espaço a adotar os costumes de outro. Isto, num contexto da Reconquista,
permitia uma unificação do Direito, em detrimento de um direito consuetudinário
próprio relativo a cada população.

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Início da aula de 07/04/2016. Aula lecionada por Alice Tavares.

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Para o caso de Santarém chamou a atenção o topónimo de Guimarães a abertura
dos costumes e foros. Isto chama-nos a atenção para a continuidade dos costumes e
foros, porque isto remete para o período condal, nos séculos XI e XII. Ao longo do
levantamento topográfico podemos também ver relações com os reinos de Leão e
Castela e não apenas com o reino de Portugal.
Quando os costumes e foros eram transmitidos, eles podiam ser ajustados
segundo os interesses e necessidades dos povos e populações.
Temos também a importancia dos forais, que eram mais pequenos. Estes eram
diplomas emitidos pelo rei ou outro tipo de entidade, que podia ser um senhor laico ou
eclesiástico, para estabelecer e gerir um determinado tipo de comunidade e as suas
relações sociais. Este tipo de diploma é usado para criar um concelho ou para legitimar
um que tivesse origens mais remotas. Garantia-se a liberdade e direitos das populações,
direitos e deveres, podemos encontrar algumas normas criminais, também temos
questões do ponto de vista fiscal, há forais que insistem em determinado tipo de
impostos.
Outro tipo de fonte, as posturas, são de carater diferente e mais tardio, do século
XIV ou pouco antes. São fontes de natureza local, feitas pelas próprias populações pelas
vereações e eram dadas a conhecer à população pelo pregoeiro. Estas eram normas que
pretendiam resolver determinados problemas das populações, mas referindo-se a
questões muito específicas, como questões de higiene, gerir os espaços comuns do
concelho. Também são fontes em que podemos conhecer como estava organizada a
propriedade agrícola, que não só incentivavam a propriedade privada, mas também
protegendo os campos agrícolas. Estas fontes contemplam os problemas das populações
e ia de encontro aos seus interesses, vemos as soluções dadas, podemos averiguar os
comportamentos sociais e jurídicos.
Então, estas fontes acabam por ser um produto e agente da vida social que estava
em contínua transformação. Não estamos perante um direito estático, mas um direito
que vai evoluindo conforme os interesses das populações. A partir daqui podemos ver
questões de natureza social e económica, questões de grupos, das mulheres, das
minorias. A nível da organização municipal podemos conhecer a organização dos
concelhos e das suas magistraturas, podemos conhecer os cargos. Encontramos
funcionários régios, podemos encontrar funcionários de dupla nomeação. Do ponto de
vista jurídico, os concelhos tiveram uma preocupação em regulamentar todo o tipo de
ilegalidade, podemos encontrar delitos contra a integridade física, delitos contra a

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propriedade, difamações, calúnias, delitos económicos (sobretudo no campo artesanal e
no comercial, sobretudo nos concelhos de Santarém, Beja e Ribacoa), também podemos
encontrar variações consoante o grupo social, consoante a hora do dia a que o crime era
cometido, a contemplação de vingança sobre determinados crimes. Podemos encontrar
penas de condenação à morte, pauladas e varadas, sobretudo quando as mulheres se
envolviam em disputas com outras mulheres.
O setor agropecuário era uma das grandes preocupações de todos os concelhos,
especialmente na preservação e proteção da propriedade. A preservação das áreas rurais
assentavam em obrigar os proprietários das terras agrícolas em vedá-las. Quanto à
pecuária, registamos dois tipos de produção animal, uma doméstica, ou outra era a
transumância, que implicava um conjunto de pastores profissionais especializados num
determinado tipo de gado. Em todos os conceitos registamos normas que visam
regulamentar a apicultura… e columbofilia, que visava a proteção destes animais,
visando punir todos os que maltratassem o tipo de animais explorados em determinadas
condições.
Também há a iniciativa de proteger os recursos florestais de uma utilização
abusiva, porque poderia gerar problemas de abastecimento e criar conflitos entre as
populações. Isso vê-se de forma clara e punia moradores de outros concelhos em
explorar aqueles recursos. Também a captura de animais estava proibida, proibia-se a
utilização de armadilhas nos montes. Também se encontram normativas associadas à
pesca, e nos costumes e foros de Santarém encontra-se alusões ao comércio de pescado,
marisco e baleias. O ferro era uma mercadoria defesa, estava proibido de ser negociado
com os mouros e como era raro era mantido nos recursos dos próprios concelhos.
Passando às indústrias e mesteres, eles são contemplados nesta legislação.
Vemos questões relativas às matérias-primas e ao controlo de atividades, quer na
produção, quer na venda. A ideia dos concelhos era vender os produtos a um preço cada
vez mais baixo e com manutenção de qualidade. Também encontramos o trabalho do
metal, que seria bastante comum, tal como a indústria têxtil, em roupas e sapatos.
Também temos uma série de informações dedicadas ao comércio e aos espaços de
mercado, verificando-se quais os produtos que afluíam aos próprios concelhos. A todos
estes concelhos desagradavam os agentes intermediários, que eram conhecidos por
regateiros, e tinham tendência a inflacionar os preços. Também associado ao comércio e
à finança aparece-nos a figura do cambiador. A estes concelhos afluíam todo o tipo de
produtos, portugueses e estrangeiros, chegando por via terrestre e marítima.

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Passando para a sociedade e para os grupos que compunham o tecido social,
começaria de cima para baixo. Os cavaleiros-vilãos eram uma elite municipal, que não
só se dedicavam à atividade militar, mas dedicavam-se a atividades agrícolas e de
criação de gado, ao comércio e alguns eram mercadores. Eles tornaram-se assim num
grupo alargado e permeável, permitindo a ascensão de grupos diferentes. Mas este era
um estatuto social que podia ser atribuído a pessoas que não teriam funções militares.
Passando para categorias inferiores, temos os peões, que podiam ascender
socialmente. E nalguns espaços quando se ganhava determinadas riquezas tinha de se
ter o estatuto de cavaleiros, que alguns não queriam ter. Todos os cavaleiros tinham uma
série de privilégios, teriam penas mais suaves que os próprios peões.
Passando para um grupo mais relacionado ao trabalho, os dependentes e os
amos. Os primeiros eram trabalhadores assalariados que estavam sob a tutela de um
amo, eram homens livres no plano laboral e judicial, estavam ligados a diversas
atividades económicas, encontramos uma série de trabalhadores ligados a diversas
funções. Estes costumes, usando um conceito atual, eram uma espécie de códigos de
trabalho, explicavam os direitos e deveres que poderiam ter, quer amos, quer
dependentes, nas relações contratuais. Os dependentes tinham direito a receber uma
soldada, que seria atribuída em dinheiro e/ou géneros.
Também as mulheres tinham um papel importante nos concelhos e não pode ser
encarada como um ser completamente posto de parte. A mulher podia participar em
assuntos municipais, sobretudo em ausência do marido. Podiam participar nos assuntos
públicos, desde que estivessem diante do magistrado municipal. Abria-se uma exceção
para as mulheres que participassem em atividades comerciais, que podiam ter um
comportamento judicial ativo, quer fossem casadas ou não. A mulher casada tem uma
vincada participação nos assuntos patrimoniais, por exemplo, em Ribacoa o marido
tinha de ter consentimento da mulher para mexer na propriedade conjugal. Também as
viúvas se destacavam no desenvolvimento de atividades económicas, elas apareciam a
gerir propriedades agrícolas, que dispunham de casas, para suprir determinados tipos de
bens. Elas podiam decidir as suas próprias vidas, desde que cumprissem o período de
luto. Elas eram mulheres que podiam escolher os seus maridos, e podiam-se casar
novamente, desde que cumprissem o período de luto.
Por fim passamos às minorias, judeus e muçulmanos. Eles tinham um estatuto
jurídico próprio. Os escravos mouros não tinham personalidade jurídica e os judeus não
estavam associados à escravidão. Também podemos encontrar alguma segregação entre

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ambos os grupos, se as testemunhas fossem mouras ou judaicas em tribunal deviam ser
em menor número que as testemunhas cristãs. Estes grupos étnico-religiosos tinham um
papel ativo na sociedade, no desenvolvimento da economia e da finança.
Por fim, temos os cristãos tornadiços, que eram mouros ou cristãos convertidos.
Eram alvo de preocupação das autoridades, que os queriam integrar numa sociedade
cristã, quando eles eram mal vistos pela comunidade judaica e cristã. Havia penas
pecuniárias a quem os chamasse de cristãos tornadiços como uma ofensa.

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Há dois temas que ainda queria tratar convosco antes da planificação das
estruturas da cidade. Até agora, nós falámos mais do Mediterrâneo e depois falámos do
Renascimento das cidades no século XI, por fatores muito próprios que nos últimos
anos têm vindo a ser revistos porque eram demasiado restritivos em relação a
determinadas regiões. Henri Pirenne, que escreveu várias obras sobre o Ocidente
Medieval, entre as quais um pequeno livro chamado As Cidades Medievais. Durante
muito tempo ele foi a grande versão do que eram as cidades medievais, e durante muito
tempo as suas teses foram tomadas como generalizáveis, mas com o tempo percebeu-se
que as teorias dele só foram válidas para uma região limitada que só conheceu o
Renascimento urbano por via comercial. Ele fala de cidades que já tinham existido na
época romana e que se localizavam no norte da França, na Flandres e na Itália. Mas em
relação à Flandres e à França, elas fazem parte de um sistema muito próprio que é
rompido no século XI por via das cidades se tornarem centros de comércio. De uma
forma geral, aquilo que Pirenne estudou são as cidades-mercado, em que a cidade
renasce em torno do fenómeno do mercado, ou seja, de repente a praça do mercado
torna-se o centro da cidade, ao invés de outras cidades, em que o centro era o castelo
e/ou a igreja.
As teses de Henri Pirenne mergulham numa tese mais vasta e complexa. Ele
escreveu um livro que se chamava Maomé e Carlos Magno. Nesse livro, o que ele
propunha como explicação para o Ocidente, é que a expansão islâmica, que paralisara
definitivamente a navegação entre Mediterrâneo Ocidental e Oriental, tinha sido o
grande fator que obrigara o Ocidente para cá da Itália a fechar-se sobre si próprio por
não ter qualquer outra alternativa de ligação com o Oriente. Portanto, a involução
urbana não fora apenas um fator provocado pelo fim do Império Romano, mas também

14
Início da aula de 11/04/2016.

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tinha que ver com a expansão islâmica e o afastamento a que fora votado o Ocidente
atlântico.
A verdade, temos visto até agora, é que esse Mediterrâneo não paralisou
completamente com a invasão islâmica, portanto, essa explicação para o fechamento do
Ocidente não é uma explicação total. Mesmo na época do Império Romano nunca houve
um paralelismo entre Oriente e Ocidente. Sob domínio romano, com a exploração
mineira, com a criação de alguns centros urbanos, com a exploração agrícola, foram
criados alguns centros proto urbanos, mas que nunca tiveram o sustentáculo económico
do Oriente nem a produção industrial do Oriente. Naturalmente, essas cidades acabaram
por definhar.
Hoje vamos dar uma vista de olhos neste definhamento, porque interessa-nos ver
como renascem essas cidades. E o fenómeno de renascimento urbano dá-se de maneira
diferente pelas várias regiões: Flandres, Escandinávia, grandes rios ocidentais, Hansa
Teutónica. O Império Carolíngio é um exemplo de um determinado tipo de sociedade
que se desenvolve no Ocidente.
Com períodos de grande agitação e de muitas movimentações populacionais de
regiões menos favorecidas para regiões mais urbanizadas, as populações de acolhimento
têm tendência a fechar-se e a proteger-se. Essas cidades puseram muralhas à sua volta e
instalaram-se em zonas muito altas. Com isso, temos uma redução da área urbana. Isto
significa que se o mesmo número de habitantes continuasse a viver naquela cidade, teria
de o fazer de maneira diferente: mais em altura, com uma diminuição muito grande dos
espaços abertos, e com a diminuição de espaços abertos para comércio. Com isso, por
um lado diminuem os espaços comerciais, mas por outro, também há uma menor
atividade comercial. A tendência é também que as populações se tornem mais
assustadas com o que se passa na cidade e pretendam fugir dela. Portanto, um
movimento que num primeiro momento pode levar a que as populações vivam mais
apertadas, a certa altura leva a que as cidades sejam menos habitadas.
Então temos uma fuga das cidades que é contínua durante muito tempo. Esta
fuga é feita para os espaços em que o patriciado urbano tinha investido fora da cidade,
ou seja, propriedades rurais onde instalaram a sua casa, uma quantidade de escravos em
redor da sua casa, e a pouco e pouco vão tendo cada vez mais mão-de-obra, que se no
primeiro momento era sobretudo escrava, num segundo momento é mão-de-obra livre
que fugira das cidades, tendo-se de arranjar uma solução para eles viverem e para

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recompensarem o proprietário das terras. Então, ele divide uma parte da terra para
exploração de pessoas com estatuto de liberdade: os colonos.
O tipo de sociedade que se forma, com o tempo, não se vai distinguir muito da
sociedade urbana. Entre o fim do Império Romano, as cidades começam a basear-se na
existência ou de uma autoridade eclesiástica (porque as cidades romanas se tinham
tornado sedes de bispado) ou de resquícios das antigas autoridades romanas que numa
casa acastelada fazia o mesmo papel de senhor que o proprietário rural onde se acolhem
os recém-chegados da cidade. Então, durante bastantes séculos, pelo menos entre o V e
o X, o que distingue uma cidade de uma vila (uilla, -ae) ou senhorio é muito pouco, e na
maior parte dos casos, elas são geridas por um senhor, e quase todos os que habitam na
cidade estão na dependência do senhor, tal como numa propriedade rural.
Isto não quer dizer que a propriedade da terra seja necessariamente do senhor.
Muitos colonos tinham pequenas terras nas imediações de um senhorio, uma
propriedade alodial, e sentindo-se incapazes de resistir aos problemas, eles vão pedir ao
senhor que os integre no senhorio. Muitas vezes fazem um contrato bastante favorável:
continuam a ocupar a terra enquanto estão vivos, passando a terra para o senhor quando
morrerem. Isto faz com que os senhorios rurais se tornem numa amálgama de
dependências em relação ao senhor. Isto significa que primeiro falamos de escravos,
depois de colonos livres e depois de pequenos proprietários, isto quer dizer que o senhor
tem que tratar cada um conforme a sua situação. Uns pagam 1/5 dos que produzem,
outros 1/3 e outros 1/10.
Porque é que há estas variedades todas de dependentes? Porque o próprio senhor
a certo ponto apercebe-se que o sistema esclavagista torna-se bastante caro para a
manutenção de uma propriedade. Os próprios proprietários rurais vão tender a libertar
todos os escravos (e a isso também ajuda o Cristianismo), e fazem-no porque isso lhes é
favorável, distribuindo-lhes parcelas de terra mas com trabalhos e pagamentos muito
grandes para o senhor. Mas eles não podem impor este tipo de regime a quem trouxe as
suas próprias terras para o senhor. Então, o senhorio rural é uma amálgama de contratos,
ainda que o senhor consiga uma grande autoridade sobre estas populações. Muitas
vezes, o senhor até rodeia o seu senhorio com uma muralha para se defender dos
ataques exteriores e forma um exército próprio.
Nas cidades acontece exatamente o mesmo. Os bispos e os antigos magistrados
exercem exatamente o mesmo tipo de poder: são eles que recolhem os impostos e fazem
as obras públicas necessárias, são eles que recrutam o exército, são eles que detêm os

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grandes meios de produção (e não os põem gratuitamente à disposição). Assim, o que se
passa nas cidades entre o final da época romana e o que se passa no século X era uma
aproximação enorme ao que se passava nas propriedades rurais. O senhor da cidade é
uma entidade que acaba por também substituir o rei.
Mas a partir do século XI temos condições para o desenvolvimento urbano. Há
indícios de que desde o século IX a populações esteve em crescimento entre os séculos
IX e XIII, e o sistema que foi falado até agora deixa de ter capacidade para suportar este
crescimento populacional. Quando os senhorios rurais deixam de ter capacidade para
suportar o crescimento populacional, as pessoas têm de procurar outros espaços para
sobreviver. Enquanto podem, os senhores vão procurando mais terra para cultivar,
secando zonas alagadiças ou abatendo florestas. Mas isso só pode ser levado a cabo por
pessoas com grande capacidade económica, até porque a terra não é capaz de estar logo
a produzir. Ao mesmo tempo, os senhores vão investindo em novas ferramentas, como
os ferros no arado, que permitem que as sementes fiquem mais enterradas na terra.
Essas transformações que fazem com que o arado seja muito mais pesado fazem com
que os arados sejam transportados por bois ou cavalos, que acabam por fertilizar a terra
(e esta associação é um fenómeno tardio no período medieval). Começa então a haver
uma associação entre a agricultura e a pecuária. Ao mesmo tempo, também o
afolhamento (que passa a ser em três folhas e não em duas) da terra torna-a mais
produzida. Mas nas regiões mediterrânicas o primeiro sistema nunca foi propriamente
abandonado.
Mas tudo isto para mostrar que na agricultura começou a haver menos gente a
produzir mais. No entanto, os trabalhadores artesanais e do comércio nas cidades não
deixavam de ser também agricultores. Mas há uma maior quantidade de gente que pode
começar a efetuar atividades diferentes das tradicionais da sua família e pode encontrar
outra atividade para si próprios, e muitos deles começam a pensar em novas atividades
ainda quando estão ao serviço de um proprietário rural.
Quando a produção começa a ser suficiente para vender os excedentes, tem de se
investir no comércio. Então, todas as pequenas cidades que tinham estado estagnadas e
as próprias propriedades agrícolas começam a permitir que alguns trabalhadores tenham
a função de transportar os excedentes para o mercado mais próximo, que se realizaria
nas proximidades de uma povoação, isto porque nos primeiros tempos os mercados
eram em espaços abertos fora da cidade, em que os mercadores trocavam os produtos
que tinham a mais pelos que tinham a menos.

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Então, se começa a haver um maior comércio, também começam a ser
necessárias estruturas para estes comércios, desde albergues e estalagens, até pontes e
estradas, passando por ferreiros para ferrar os cavalos. Isso vai fazer com que se forme
uma “subcidade”, o burgo, à porta da cidade antiga. Este burgo nasce como um burgo
livre, em que as pessoas não estão sujeitas à autoridade do senhor. O senhor tenta então
aumentar o seu poder, mas não conta com a união dos burgueses, que pode ser feita de
várias maneiras. Quando se trata de grandes cidades, os burgueses começam a agrupar-
se por áreas profissionais: os mercadores, que formam as guildas; os produtores, que
vão formar guildas de muitas profissões diversas. São estas organizações que vão
funcionar como grupos de pressão política sobre os senhores, e vão apresentar-se com
uma grande força contra as tentativas senhoriais de os tornar seus dependentes. Há ainda
outras formas de associação, como as confrarias, que normalmente eram associações
mútuas de assistência, o que significa que quando algum dos associados estava em
necessidade, os restantes ajudavam-no. Estas associações permitiam pressão sobre os
senhores por duas maneiras: por um lado, conseguiam manter a liberdade dos burgos
novos; depois, tentando anular a força que o senhor exercia sobre a região,
nomeadamente as taxas sobre a circulação de pessoas e bens.
Noutros casos, eles ainda fazem um pouco mais do que funcionar como
percursores dos sindicatos, transformando-se verdadeiramente em grupos políticos,
reunindo-se para exigir ao senhor que ou cede às suas reivindicações ou é posto fora da
cidade. Normalmente, quando eles reúnem estas associações políticas, eles formam uma
comuna, exigindo ter um papel político na cidade, exigindo que o senhor não seja o
único a mandar na cidade, mas que tome todas as decisões em conjunto com os
membros das cidades. Isto acontece em muitas cidades da Flandres, do norte da França
e da Itália, geralmente em momentos de crise. Mas em muitos casos, os comerciantes
conseguem convencer o senhor a colaborar com os mercadores e a fazer um livre-
trânsito de mercadorias. É deste último caso que nasce a Hansa Teutónica.
Os mercadores formavam muitas vezes as guil hall, que mais tarde acabam por
ser as sedes da comuna, que muitas vezes tinham torres, por vezes mais altas que as
torres da igreja, procurando demonstrar assim o seu poder. Estas cidades vão
demonstrar o poder dos mercadores. Neste contexto, as cidades vão ter como seu centro
principal o mercado, onde se ergue a guild hall.

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Eu tinha apresentado os motivos do definhamento das estruturas urbanas do
Ocidente, agora faltava-nos ver o que foi o processo de ruralização do Ocidente
Medieval e o que mudou no século XI que fez com que se começasse a desenvolver a
vida urbana nalgumas cidades. Vimos que os fatores que permitiram isso foram
demográficos, com o crescimento populacional contínuo; isso provocou problemas em
relação ao status quo, com mudanças no comportamento dos senhores, que se
começavam a interessar por outro tipo de atividades que não as rurais. Vemos um
crescente interesse das elites rurais na área da governação e a pedir aos governantes que
lhes dessem alguns cargos e bens. Começavam a desinteressar-se de acompanhar
constantemente as suas terras. Mas havia momentos em que as elites eram chamadas a
participar no desenvolvimento das atividades económicas, como no desbravamento de
novas terras.
Com o êxodo rural e com o incremento do comércio, o que aconteceu às antigas
cidades muralhadas com aquela velha elite urbana? Normalmente os recém-chegados
não estavam dispostos a sujeitar-se a um (novo) regime senhorial, queriam dedicar-se ao
comércio sem estar sujeitos às imensas taxas que pesavam sob os preços dos produtos, e
por outro lado, os senhores não queriam grandes alterações nas sociedades que
dominavam. Por isso, de uma maneira geral, houve uma replicação das cidades: os
senhores dominavam as cidades muralhadas, e os burgueses formavam os burgos, as
vilas novas, que gozavam de liberdades diferentes e dedicavam-se a atividades
diferentes. Claro que os senhores tentaram cobrir estes novos povoados, e está na
origem das lutas sociais da Idade Média que levaram ao movimento comunal, que está
no seguimento destas lutas sociais e políticas.
Isto era causado por uma nova solidariedade entre os burgueses, que podiam
estar agrupados por profissões ou simplesmente eram os indivíduos que queriam
desenvolver as suas atividades sem muitas taxas. Das melhores condições para as suas
atividades, vem também uma luta pelo poder na cidade. Então, em muitos casos passou-
se de uma luta laboral para uma luta política. Com estas lutas, os senhores tiveram de se
adaptar aos novos tempos, tiveram de perceber que esta nova mão-de-obra era o que
salvaria as cidades, submetendo-se às reivindicações destes novos grupos sociais.
Na Península Ibérica não houve propriamente um direito comunal, mas houve os
forais, que de certo modo substituíram as comunas. É que estas últimas aparecem
associadas aos regimes senhoriais (ou melhor, senhoriais) que existiram nas regiões
15
Início da aula de 14/04/2016.

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atingidas pelo regime feudal (a França e tudo o que teve alguma ligação com o mundo
carolíngio, ou seja, o norte da Itália, o Sacro-Império, a Inglaterra e a Catalunha e a
parte norte de Navarra e Aragão). Mas Portugal, Castela e Aragão nunca conheceram
um regime feudal deste tipo, o que significa que o rei teve sempre um poder tutelar
bastante grande. Por isso, grande parte dos forais que nós conhecemos são dados pelo
rei, embora houvesse alguns senhores privados, mas que a pouco e pouco foram sendo,
em certa medida, articulados com o poder régio, porque eles podiam dar forais, mas os
reis tinham de os confirmar. Nunca houve, nesta atribuição dos forais, que até
correspondia a alguma negociação prévia, o mesmo confronto que existia nestas cartas
de comuna.
Mas, independentemente destas diferenças, este é um movimento que vai alterar
para um panorama semelhante a organização das cidades, o que permite pensar que se
está a responder a um problema comum a várias regiões, causado pelos aumentos
populacionais e pelo incremento da atividade comercial. Quando a cidade começa a
ganhar população, precisa de se reorganizar, e tanto as cartas de comuna como o
movimento foralengo vai responder a isto. Assim, podemos datar este crescimento das
cidades dos séculos XI e XII.
Normalmente pensa-se que os forais respondiam à necessidade de chamar
povoadores para regiões recentemente conquistadas, mas em outros locais pensa-se que
houve uma migração a seguir à conquista muçulmana tão normal e coerente que o rei
não teve a necessidade de organizar o repovoamento dessas cidades, podia
simplesmente sentir a necessidade de organizar as cidades, mas isso não dependia dos
forais, dependia dos costumes. Por isso, houve localidades em que os reis não sentiram
a necessidade de atribuir forais no imediato.
O foral de Lisboa é um dos casos que não foi imediato, tendo sido concedido
cerca de trinta anos depois da reconquista da cidade, no entanto são muitas as
referências a esse facto. O rei diz que conquistou a terra e que agora lhe aprove outorgar
um bom direito, para que a cidade possa dar o seu contributo (impostos) à Coroa. Estes
forais são mais um regimento para organizar o poder entre a cidade e o rei do que o
reconhecimento de uma liberdade. É o reconhecimento de uma organização e que a
partir daí havia relações de caráter senhorial com os reis.
Sabemos também que além da liberdade, não havia propriamente igualdade. No
entanto, havia algumas cláusulas que levaram a crer que havia alguma liberdade, uma
vez que ficou estabelecido nalguns forais, como o de Lisboa, que os cavaleiros-vilãos

50
eram a elite da cidade, e que se fossem a tribunal testemunhar contra um nobre, o seu
testemunho valia tanto como o deles, e se algum nobre fosse à cidade, não poderia
mandar mais do que um cavaleiro. Há alguns forais, como o do Porto, cuja autoridade
até pertencia ao bispo, não permitia sequer que os nobres pernoitassem na cidade. O
espaço da cidade não é para os nobres, ou seja, é para os não-privilegiados. Estes forais
permitem os clérigos, que são privilegiados, mas não permitem os privilegiados laicos.
Este fator fez muitos historiadores liberais a acreditar que os concelhos eram
paradigmas da liberdade. Depois, os forais são muito importantes do ponto de vista da
administração da Justiça, sendo verificável que as penas são muitas vezes pecuniárias.
Fazendo agora uma genealogia das cidades comerciais, as que vão ser
inicialmente mais dinâmicas são as cidades portuárias. Génova, a par de Veneza, foi a
primeira a ganhar uma grande importância, nomeadamente na construção naval e nas
mercadorias do Oriente. No Ocidente perdemos um pouco a noção de que o mar nunca
parou durante a Idade Média e que gerou algumas cidades importantes neste período.
Falamos de Colónia, cidade no Reno, que tinha a foz no Mar do Norte. Era uma porta de
entrada do Atlântico para uma via fluvial para Ocidente, que se permitia ligar ao
Danúbio, que entraria muito mais no continente.
O Reno é um bom exemplo, mas não é o único, existem muitos outros rios com
foz para o Mar do Norte, e todos eles foram muito aproveitados pelos mercadores da
Escandinávia, que faziam o seu comércio nos mares Báltico e do Norte e no curso
destes rios. Este movimento nunca desapareceu completamente. Por se ter mantido este
comércio, há quem chame a este conjunto (Mar Báltico e Mar do Norte) de
Mediterrâneo Setentrional. É precisamente no Mar Báltico que se conhece a primeira
organização de mercadores, que no fundo vai abrir as portas para a Hansa Teutónica,
porque é a liga dos mercadores da Escandinávia e da zona dos eslavos, que ocupa as
atuais Rússia (europeia) e Ucrânia.
Mas o tipo de comércio realizado não é propriamente o mesmo que se realizava
no Mediterrâneo. Esta zona era um ponto de contacto entre Oriente e Ocidente,
respetivamente, a terra dos turcos e a terra dos russos. Aqui trocava-se cereais, escravos
e peles pelos produtos do sul.
Voltando à faixa do Atlântico, podemos ver que a cidade é construída em torno
da praça do mercado, tendo as vias principais a ligar às portas, que são também os locais
onde se faz algum comércio. Na planta de Bruges vê-se também uma cidade fortemente
povoada, que se deve ao facto de se tornar o ponto de confluência dos produtos da

51
região e de todos os mercadores do Ocidente. Os panos de lã, muito produzidos
naqueles espaços, foram um chamariz para mercadores de muitos espaços, que levavam
produtos dos seus espaços (Oriente, interior continental) para trocar por panos de lã e
pelos produtos das outras regiões. As cidades da Flandres eram os grandes “centros
comerciais” da Europa na época.

16
Ver primeira metade da aula por Nuno.
Este texto da fundação de Lubeck, no século XII, fala-nos de colonização.
Fundva-se um castelo e rodeava-se de um muro. A região estava deserta, e por isso
enviava-se mensageiros para as regiões, para se enviar população: à Flandres, à …, à
Westfalia e à Frísia, e convidou todos os que não tinham terras a ir com as famílias. Este
estratagema de colonização não é inovador, já era utilizado no Império Romano e
continuou a ser utilizada depois. Mas Lübeck não é propriamente fundada, tem aquele
nome porque perto daquele espaço já existia uma assim chamada. Ao mesmo tempo,
vemos aqui uma cidade planeada, com uma planta em quadrícula, e em que se vê uma
via dupla definida entre o norte e o sul, que serve duas das portas, e depois temos a
definição de uma via este-oeste, também servida por duas pontes, uma sobre cada rio.
Esta cidade de Lübeck vai-se tornar muito importante praticamente a partir da
sua fundação, porque corresponde a um trabalho de base na cintura social das cidades
germânicas. Quando falamos de cidades germânicas falamos de um conspecto mais
largo que a atual Alemanha, que tinham também alguns espaços que dominavam, tanto
para Leste como para Oeste. Assim, muitas vezes alguns principados que não
correspondiam etnicamente à Império, ficavam feudatários do Império. Portanto,
quando se fala de Germânia fala-se de um espaço muito mais lato, incluindo espaços
que hoje constituem a Rússia.
As primeiras cidades a organizar-se foram as cidades portuárias, que desde há
muito lidavam com os mercados que constituíam as navegações nos rios, e que a
determinada altura criam condições para que todos os seus mercadores se organizem em
guildas, que passam rapidamente de simples associações económicas para negociadores
políticos. Todas estas cidades eram dominadas por entidades civis ou eclesiásticas, ou
eram dominadas por um bispo, ou tinham um senhor que dominava a cidade e que a
tratava como seu senhorio. Estes mercadores começaram a negociar muito cedo com as
autoridades senhoriais, fazendo-lhes compreender que seria útil para as cidades a
16
Início da aula de 18/04/2016.

52
existência de liberdade de circulação de produtos. O grande sucesso da Hansa vem
precisamente dessas cidades. Sem o tumulto do movimento comunal os mercadores
conseguiram convencer os seus senhores que a cidade só ganharia em levantar a grande
parte dos tributos. Encontramos aqui a constituição de uma comunidade económica, que
estavam organizadas entre si do ponto de vista económico. Não se trata de uma
comunidade europeia como o que pensámos que se poderia constituir na Europa,
tratava-se exclusivamente de interesses económicos que seriam comuns. A principal
preocupação seria caírem os tributos cobrados aos mercadores, e apenas para os
mercadores pertencentes às cidades da Hansa. Ou seja, quem quisesse aderir a esta
grande liga teria livre circulação de pessoas e bens nas cidades que pertencessem à
Hansa.
As cidades enriquecem bastante com a contínua passagem de mercadores por
elas e isso faz com que com a união das cidades haja uma posição de rivalidade com
todos aqueles que não são aderentes à Hansa. Constitui-se uma barreira em que de um
lado estão todos os aderentes à Hansa, e por outro, todos os outros mercadores. Então, o
papel não vai ser apenas económico, mas também de conflito com as outras cidades.
Eles queriam assim dominar o comércio no Mar do Norte e no Mar Báltico, que era
ancestralmente dominado pelos mercadores escandinavos, embora nunca tivesse havido
uma organização de todos os mercadores escandinavos. Foi neste contexto de rivalidade
com as cidades alemãs que se criou a primeira liga de mercadores escandinavos, mas
nem assim eles conseguiram combater os alemães, que tinham como principal objetivo
apropriar-se do comércio do Báltico. Eles conseguiram-no, por um lado juntando-se aos
escandinavos em algumas alturas, e por outro agindo militarmente contra os outros com
os exércitos dos senhores.

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Renascimento das Cidades (outra vez):

Vimos na primeira parte do programa que há uma tradição urbana oriental,


clássica e pré-clássica, que se mantém. Mas a verdade é que o fosso entre Oriente e
Ocidente mantém-se e alarga-se, o que dificulta ainda mais a situação urbana do
Ocidente. Mesmo as conquistas de Justiniano não foram o suficiente para
(re)desenvolver o dinamismo passado do Mediterrâneo. Mas no Mediterrâneo (e no

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Início da aula de 21/04/2016.

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Império Muçulmano) nunca se perde a ideia das cidades e da sua ligação ao poder e à
economia. Mas no Ocidente as cidades continuavam mal.
Com o Renascimento das cidades no século XI falamos de uma melhoria das
condições agrícolas e aumento da produção, o que permite algum êxodo rural e um
incremento do comércio, o que aumenta a concentração populacional nos burgos que,
regra geral, se localizavam junto às cidades. Esta população já não fica apenas pela
troca por troca, mas começa também a trocar por dinheiro, o que faz com que seja
necessário aumentar a quantidade de moeda em circulação. Assim, seja porque há um
grande dinamismo da agricultura, seja por causo da desenvolvimento do artesanato, as
cidades começam a ter um dinamismo que nunca tinham conhecido antes.
Nós normalmente não nos lembramos que há um outro mundo, que é o do
Báltico e das suas ligações com os rios navegáveis do interior. Este mundo tivera algum
desenvolvimento com o Império Romano, e nunca deixou de ter o dinamismo ao longo
do período que tratámos. De facto, este mundo levou até grandes operações de
colonização de regiões desertas no interior do continente europeu. Há um conspecto
muito mais generalizado em toda a zona do Ocidente e consegue-se criar condições para
que todos estes microcircuitos de produção e de contactos se unam em determinados
pontos.
Este aumento do comércio altera a estrutura das cidades, que deixam de ser
dominadas pelas igrejas e pelos castelos, passando a ser dominadas pelos mercados e
pelas suas praças. Ao mesmo tempo, quando se constroem as novas áreas nas cidades, já
há algum planeamento das ruas, sendo que as próprias casas têm planificações muito
semelhantes, em que servem simultaneamente de habitação (no piso superior), loja (nas
arcadas) e oficina (piso inferior, nas traseiras).
Mas estas novas cidades já não são viradas para o seu interior, mas para o
exterior. As pessoas já não precisavam de estar rodeadas por muralhas, ao mesmo
tempo que já não queriam ser protegidas. Ao mesmo tempo, nas zonas baixas estavam
mais próximos dos acessos das cidades e dos próprios clientes.
Em termos europeus, vemos uma especialização por regiões nas atividades
económicas. Enquanto os flamengos têm os mercadores estrangeiros a viver nas suas
cidades, sendo chamarizes dos outros mercadores, os italianos viajam para comprar e
vender. Temos dois polos opostos do modo de fazer comércio na Itália e na Flandres.
Vemos a criação de uma economia-mundo (ao nível do mundo conhecido), em que se
criam alguns dos mecanismos financeiros que ainda hoje são utilizados. Começam a

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aparecer formas de trocar dinheiro que são possíveis porque os mercadores se agrupam
em sociedades. É isso que permite as letras de câmbio.

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Estruturas da cidade medieval:

Hoje começamos o segundo ponto do nosso programa, que se prende com as


estruturas da cidade medieval. Nesta parte do programa temos também as apresentações
dos trabalhos. Numa primeira fase falamos das questões de espaço, e numa segunda
fase, a partir de dia 23 de maio, falaremos da administração, por fim, numa terceira fase
falaremos do quotidiano. Mas isto são apenas grandes grupos, porque haverá vários
caminhos e várias ligações em cada trabalho.
A aula de hoje escapa ainda a este esquema da cidade porque vamos ver dois
casos que tratam a evolução do mundo urbano, os modelos de Veneza e Granada. Em
relação a Veneza, eu queria só lembrar que esta é uma das cidades paradigmáticas do
Ocidente Medieval, porque contraria a tese da involução urbana do Ocidente, ou seja,
enquanto que a partir do século VI todo o Ocidente viu uma perda de influência, Veneza
parece ganhar força a partir desse século, e apresenta-se como o grande potentado
económico do Mediterrâneo Ocidental, e durante séculos foi a única cidade que ligou
Oriente e Ocidente.

19
Hoje vamos falar da importância das vias de comunicação. Quando falámos
das muralhas, vimos que elas têm um elemento da maior importância, que é a porta, o
espaço de ligação comunidade com o exterior. Estas portas estão sempre dependentes
das vias de comunicação do exterior. Não há portas para o vazio, a não ser as portas da
traição, que eram praticamente desconhecidas para as comunidades. Normalmente, as
portas têm o nome de pontos cardeais, ou então os nomes das cidades para onde se
dirigem.
Essas vias de comunicação exteriores são também os locais onde muitas vezes se
vão instalar ofícios de pessoas “marginais”, mas que convém que estejam próximas da
povoação. Fora de portas normalmente localizavam-se os bairros onde viviam os
leprosos. Quase todas as leprosarias estão logo à saída das populações, embora muitas
vezes os leprosos não vivessem em instituições, vivendo muitas vezes com as suas

18
Início da aula de 28/04/2016.
19
Início da aula de 02/05/2016.

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famílias no exterior das muralhas. Também alguns ofícios poluentes estavam fora das
cidades, como os matadouros, por exemplo. Os ofícios poluentes ou que necessitavam
de água ficavam assim fora das muralhas, leia-se, os matadouros, os curtumes, a
olaria… E quem diz isso, diz também ofícios barulhentos, como sejam os ferreiros ou
os tanoeiros, que também eram empurrados para o exterior das muralhas e não para o
interior. Mas dentro das cidades também havia a tendência de organização dos ofícios
ao longo das vias de comunicação. Repare-se também que os ofícios mais prejudiciais
podiam não estar fora de portas, mas junto às portas.
Nas povoações medievais as alcáçovas localizavam-se numa das extremidades
da população, havendo a rua direita (directa) entre a porta principal e a porta da
alcáçova. Só no tempo de D. Dinis é que se começa a falar no termo “a rua”, o que
significa que só existia uma, e tudo o resto seria caminhos, escadas, becos, serventias…
No princípio do século XIV começa-se a falar da rua, o que significa que se estava a
construir uma artéria maior. Já a judiaria, aparece designada como calçada, o que
significa que seria a única via calcetada, sendo-o por causa da sua inclinação. Então, no
século XIV temos duas vias de comunicação, que vão ter a duas portas, a calçada, e a
rua, que indica uma mudança de direção da vila de Óbidos. De facto, D. Dinis teve um
papel muito importante em muitas povoações, mas noutras que existiam ele tentou criar
alguma regularidade, que é conferida pela Rua Direita, que não só ligava dois pontos
importantes, mas também servia de referência para as outras ruas.
Como a Rua Direita é a que vai ligar ao exterior, facilmente torna-se a via mais
importante para o comércio, ganhando por isso outras denominações. Em Santarém e
em Évora as ruas direitas chama-se Rua dos Mercadores. E já no século XV abrem-se
mesmo ruas específicas para o comércio, com casas muito semelhantes, com divisão
entre espaço de trabalho e de habitação, muito semelhantes às ruas que vimos para o
norte da Europa. Estas ruas foram abertas à custa da destruição da parte da malha
urbana anterior, e as casas pertenciam ao rei, sendo depois disponibilizadas. Estas eram
as Ruas Novas, que eram feitas de raiz, com os mesmos materiais e seguindo a mesma
trama urbanística. O rei manda fazer estas ruas à custa dos impostos, e no caso do Porto
chegaram até nós alguns livros de receitas de impostos só com o objetivo de construção
da Rua Nova. E era difícil construir estas ruas porque era preciso destruir parte da malha
urbana anterior, indemnizar os antigos proprietários, e construir os novos espaços.

56
20
Quando Oliveira Marques fundou o mestrado em História Medieval na FCSH,
ele publicou ao mesmo tempo um volume sobre como se devia fazer um estudo sobre
História da Cidade. Naturalmente que cada cidade tem a sua própria história, que nem
sempre é fácil de descobrir, até porque existe muito informação de duvidoso rigor sobre
cada cidade. Na maior parte dos casos, quase todas as localidades querem estar
presentes nos grandes momentos da história nacional, e nem sempre as fontes existentes
corroboram as lendas que essas povoações trazem. Quando se faz a história da cidade
temos de ter em atenção que vamos trabalhar elementos que não são habituais no campo
do historiador. No que diz respeito ao espaço, isso é particularmente evidente. Temos de
ter em atenção as várias ligações que havia nas povoações, os espaços em que elas eram
fundadas. Na época das conquistas romanas, havia a preocupação em construir cidades
em áreas planas, mas esse paradigma muda no período tardo-romano e medieval em que
se escolhe pontos elevados. E também não podemos esquecer a necessidade de captação
de água e de alimento, o que significa que se dá um grande papel a um envolvimento
agrícola de que possam tirar o seu sustento. Isto tudo para dizer que quando estamos a
estudar o espaço, temos de ir buscar elementos que estão muito para além do elemento
histórico.
Se começamos pelo que normalmente chamamos de aspetos geográficos, de
seguida temos de começar a estudar outro tipo de estruturas, tentando desenhar no
terreno os locais ocupados pela cidade, se tem muralha ou não, o que é a cidade e o que
é hinterland, precisamos de expressar graficamente o objeto do nosso estudo, e portanto
também temos de dominar alguns aspetos de cartografia, porque isso explica a posição
da cidade.
Naturalmente, temos de ter outra coisa em conta: mesmo quando nos situamos
apenas na Idade Média, ela cobre cerca de dez séculos. Esse período de tempo não é
sempre igual, por isso é preciso ter em conta que as cidades se foram movendo,
crescendo ou diminuindo neste período. No caso das cidades muralhadas isso é simples,
porque podemos acompanhar as variações através das muralhas. Mas o que preocupava
os construtores das muralhas eram coisas diferentes, podia ser apenas proteger áreas de
poder mas também a cidade inteira, por isso temos de ter em atenção os vários
propósitos. E quando falamos de muralha, também devemos falar de várias ordens de
muralha. Podemos ter uma muralha maior que cobre o perímetro da cidade e uma
muralha mais pequena, mais cuidada e mais fortificada que mostra qual é a área mais
20
Início da aula de 05/05/2016.

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importante da cidade. Na tipologia das cidades portuguesas, chamamos a esta última
muralha a alcáçova, que envolve o castelo, que é uma torre ou um conjunto de torres ou
um edifício fortificado dentro da alcáçova. Então, estas três linhas não se misturam,
sendo objetos diferentes.
Mas na Idade Média também há épocas em que a população pode ser otimista,
construindo fora da muralha. Sabemos que em Portugal, a partir do século XIII, começa
a haver muito o hábito de construir fora das muralhas, e sabemos que em muitos locais
da Europa, esses arrabaldes, construídos a partir do século XI, constituíram quase que
novas cidades junto às antigas, os burgos. Mas o arrabalde não é necessariamente um
local muito dinâmico, podendo também ser um local de exclusão ou pelo menos de
periferia.
Para a Península Ibérica, temos algumas grandes épocas de construção de
muralhas. Normalmente atribui-se à ocupação romana a primeira grande época de
construção de muralhas, mas já na época pré-histórica vemos preocupações com a
construção dos povoados defensáveis. A preocupação com a defesa é notada sobretudo
em épocas de transição, que podem durar mais ou menos tempo. A exceção é o longo
período romano, em que há uma dinâmica de vitória que faz com que essa preocupação
normalmente não se coloque.
A época muçulmana na Península Ibérica corresponde sobretudo à estrutura da
cidade hamita (?), que corresponde muito à cidade de Lisboa. A alcáçova ocupa a parte
mais alta e fortificada da cidade, com uma saída autónoma da própria alcáçova, mas
também com ligação à própria medina. Portanto, a estrutura da cidade numa encosta
repete-se muito na Península e no Mediterrâneo. Grosso modo, a antiga cerca romana
acaba por se transformar na alcáçova islâmica. Isso acontece, por exemplo, em Lisboa
ou Óbidos.
Também a cidade do Porto sofre uma transformação no século XIV, mas a
estrutura física da cidade do Porto dá-lhe uma feição diferente de Lisboa. Num primeiro
momento, a cidade instalou-se inicialmente em duas colinas: a do bispo (onde está a sé)
e a dos mercadores (onde hoje está o Palácio da Bolsa). Apesar de ser uma cidade
senhorial, desde muito cedo o Porto constituiu um concelho dominado pelos
mercadores. Quando nós olhamos para a planta, a única preocupação do bispo foi
muralhar a colina da sé. No tempo de D. Fernando decidiu-se também criar muralhas no
Porto, que são oito vezes e meia a primeira muralha. Como neste caso a zona muralhada

58
ficava no interior daquilo que era a povoação do Porto, ela acabou por ficar
completamente envolvida pela nova cidade, não podendo servir de alcáçova.
Por exemplo, também o alargamento das muralhas de Santarém dá um fenómeno
pouco habitual: a existência de duas alcáçovas. Há uma, onde primeiro surgiu o castelo,
mas como Santarém é uma cidade muito habitada com uma ligação ao Tejo muito forte,
a cidade muda-se para outra região, mudando-se para outra área que não a zona inicial.
A segunda alcáçova é numa zona muito mais central da cidade e muito mais próxima do
paço que os reis tinham construído em Santarém, ficava então numa zona muito mais
central e acessível por parte da população.

21
Apresentação do Nuno sobre Valença do Minho e dissertação da professora
sobre como fazer um trabalho.

22
As duas aulas anteriores não são importantes.
A aula foi de apresentações de trabalhos com uma introdução da professora
sobre o espaço e a administração.

23
Para falar da cidade na Idade Média, nós tentamos estabelecer diferenças com
quem habita no termo, que se compõe por localidades, aldeias, em que as pessoas se
distribuem de modo mais disperso e em maior contacto com a natureza. Nas cidades, as
populações são maioritariamente artesãos, dedicando-se também ao próprio
abastecimento da cidade, comprando fora (geralmente, fora do termo da cidade).
Pensemos também nas categorias de comércio. Enquanto os homens de dedicam ao
artesanato, são as mulheres que vendem. Normalmente, a família dedica-se a uma
determinada tarefa, e enquanto o homem é o mecânico, é a mulher que põe o produto à
venda. Essa complementaridade é mais vista no espaço urbano do que no espaço rural.
Mas para além disso, na cidade temos os intermediários, que já são homens,
aqueles que vão comprar longe para complementar a produção local. Eu destacaria três
categorias: almocreves, comerciantes e mercadores. Os almocreves são comerciantes
que andam de terra em terra, comprando num local para vender noutro, é um itinerante
permanente. Essa designação aparece muito na documentação medieval portuguesa. Um
comerciante é uma coisa mais indistinta, é alguém que se dedica ao comércio, usando-se
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Início da aula de 09/05/2016.
22
Início da aula de 30/05/2016.
23
Início da aula de 02/06/2016.

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esta palavra para o comércio em geral, mas distingue-se sobretudo dos mercadores. Já o
mercador é o comerciante de produtos que não são de primeira necessidade, geralmente
adquiridos muito longe, falamos de comércio inter-regional, são esses que se encontram
nas feiras do centro da Europa, são eles que dão origem às grandes carreiras que levam
os produtos.
Na cidade, apesar de haver sobretudo os grupos sociais mais ligados ao
artesanato e ao comércio, também existem proprietários agrícolas. Se nos primeiros
tempos da Idade Média portuguesa ainda vemos uma tendência para os grandes
proprietários viverem nos seus domínios, com o passar do tempo começam a viver nas
cidades, governando as suas terras a partir daí. Esse é um hábito sobretudo muçulmano,
mas é algo que se nota muito no final da Idade Média: os grandes proprietários agrícolas
retiram as suas rendas da agricultura mas gastavam-nas nas cidades.
Ao mesmo tempo, tem de se distinguir os oficiais do concelho dos oficiais do
rei, que a determinada altura começa a ter um papel mais importante na vigilância dos
concelhos e nos serviços. Como exemplos de oficiais régios temos os corregedores, os
tabeliães, os juízes de fora.
Como falámos na aula passada, o concelho nomeava os seus próprios alvazis e
juízes, a partir de 1348 o volume de testamentos que foram feitos a favor da igreja levou
a que o rei aproveitasse o assunto para pôr à frente de cada concelho um juiz de
nomeação sua. Então, começou a nomear em primeiro lugar para cada concelho os
juízes de testamentos, em cada concelho, mas que se perpetuaram depois da Peste
Negra, passando a nomear-se juízes d’el rei ou juízes de fora parte, sendo juízes
nomeados pelo rei com a agravante de que onde havia desses juízes, cessavam as
funções dos juízes locais. O grande argumento do rei era que os seus juízes eram
letrados, preparados, com conhecimento das leis, ao passo que os juízes dos concelhos
eram apenas pessoas consideradas honestas e idóneas, mas muitos deles não sabiam
sequer ler, eram pessoas simplesmente com bom-senso. Estes juízes foram tão
contestados, que em muitos concelhos mais pequenos o rei nem se importou de os
deixar cair. Assim, quando analisamos a administração local de algumas cidades
maiores, vemos que em grande parte são nomeados pelo rei e têm as suas
especializações.
Além destas pessoas, também viviam nas localidades os clérigos. E muitas vezes
havia as igrejas colegiadas, ou seja, à frente da igreja estava um prior que chefiava um
colégio que tinha cinco, oito, vinte beneficiados, que eram eclesiásticos adstritos àquela

60
igreja, podendo ter um número variado, e em troca recebiam os benefícios da igreja.
Porque quando as igrejas eram fundadas, havia uma quantidade de terras para a
sustentar, e com as doações dos fiéis, normalmente as igrejas eram muito ricas, e as
propriedades davam-lhes bastantes conhecimentos. A existência das colegiadas era
devido a razões económicas. Em muitas colegiadas, metade dos rendimentos dava para
sustentar o prior, e depois a mesa colegial era dividida pelos vários beneficiados dessa
igreja, de tal maneira que cada um recebia uma porção dos rendimentos, e por isso nós
encontramos nas colegiadas várias designações para os membros: beneficiários,
racioneiros ou porcionários. E se cada localidade tinha várias igrejas, vemos que havia
uma parte considerável da população a depender das igrejas.
Na Idade Média as pessoas procuravam viver em comunidade, e procurando
seguir o modelo da família, mesmo que ela fosse mais alargada, existiria um pater
familias (ou pelo menos, o modelo do pater familias). Numa comunidade rural, o papel
de pater familias podia ser atribuído ao senhor, que seria um pai disciplinador e
exigente que ao mesmo tempo cuidava dos seus filhos. A própria instituição do senhorio
seria boa para os dependentes. O papel do senhor é simultaneamente autoritário e de
suprir as necessidades dos seus dependentes. É claro que em todas as épocas há
senhores bons e maus, mas o estatuto do senhor não é o de um patrão que não dá nada
em troca. Isto tudo para dizer que a própria estrutura do senhorio era a cópia de uma
família, uma família de serviços que vivia em comunidade para se autossustentar. De
facto, a Idade Média é um período em que as pessoas aprendem a autoabastecer-se e
autoproteger-se, repetindo o modelo familiar.
Sabemos também que na Idade Média há entretenimentos, especialmente ao
domingo, que é o dia do descanso. Repare-se que nos dias de festa da corte, muitas
vezes também havia divertimentos para os populares, como nas festas dos casamentos
dos reis. Havia festas populares para além das festas cortesãs, para as quais temos muito
mais elementos. Finalmente, também os jogos de guerra juntavam a população das
cidades, participando nos jogos os membros da Nobreza e assistindo a população em
geral. Não sei se podemos inserir nos entretenimentos, mas também a caça era praticada
por todos os grupos sociais.

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