Você está na página 1de 200

AVADHUTA

GITA
DATTATREYA

2
Dattātreya

3
AVADHUTA
GITA
DATTATREYA
1ª Edição

Tradução: YURI LEVY

4
Título do Original:

Avadhūta Gītā
(A Canção do Avadhūta)
Autor: Dattātreya

Tradução: Yuri F. Levy


Capa e Diagramação: Yuri F. Levy
1ª Edição 2017

5
AVADHUTA
GITA
DATTATREYA
Versão integral - em sânscrito-devanagari, sânscrito e português,
com tradução e prefácio de Yuri Levy.

1ª Edição
Tradução: YURI LEVY
Campinas, SP – 2017

6
NOTA:

A tradução deste livro foi realizada como um seva


(serviço devocional) aos meus gurus. Portanto, ofereço este
trabalho gratuitamente ao público, sem nada cobrar, de minha
parte, pela tradução. O texto estará gratuitamente disponível na
internet, e para quem se interessar por ter um exemplar
impresso, preparei este trabalho cuidadoso e elegante junto a
editora, e abri mão de qualquer lucro pessoal de minha parte
nessa tarefa. Assim, quem resolver comprar, estará pagando
somente à editora, para que ela possa produzir e entregar o seu
exemplar físico. Nada será destinado ao tradutor.

Este trabalho é uma oferenda aos interessados, com


finalidades unicamente Educacionais e Espirituais.

YURI F. LEVY

7
INDICE

PREFÁCIO..............................................................................09
CAPÍTULO I...........................................................................12
CAPÍTULO II..........................................................................55
CAPÍTULO III.........................................................................80
CAPÍTULO IV.......................................................................115
CAPÍTULO V........................................................................134
CAPÍTULO VI.......................................................................159
CAPÍTULO VII......................................................................180
CAPÍTULO VIII.....................................................................192

8
PREFACIO

Este não é um livro comum.


É, antes de tudo, o retrato literário de um estado de
consciência. Um estado de consciência que todos aqueles que
ingressamos em uma busca espiritual de caráter não-dualista
almejamos alcançar.
Aqui, não são as letras que ensinam. Mas o silêncio
místico entre as palavras.
Do contrário, se o texto for lido apenas com a mente
conceitual, muitos trechos parecerão contraditórios, dúbios e,
até mesmo, arrogantes por evocar uma dimensão existencial que
se identifica com o Absoluto.
Mas não há um ser externo, um autor distante, a levar o
débito pela arrogância: Pois o autor não é outro senão a
Realidade Última presente em cada ser. A Consciência por trás
de cada consciência, o Eu profundo que há por trás de todo eu
superficial e que é o mesmo Eu em toda a Realidade.
Mas quem foi Dattātreya, o suposto autor histórico? No
estado indiano de Maharashtra, Dattātreya é considerado um
Avatar-síntese da trindade hindu: Brahma, Vishnu e Shiva.
Avatar significa, literalmente, “descida”. É quando a Realidade
Absoluta (ou uma consciência em total união com essa
Realidade) se personifica encarnando na matéria para oferecer
alento à humanidade. Embora algumas perspectivas considerem

9
o Dattātreya histórico apenas como um monge paradigmático,
textos como Garuda Purana, Brahma Purana e Sattvata
Samhita também o têm por Avatar, um Avatar de Vishnu (o
aspecto preservador da Realidade Absoluta, assim como foi o
Avatar Krishna).
Mas, independente de quem tenha sido essa personagem,
fica óbvio no texto que a escrita evoca uma autoria, sintetizada
na sabedoria aqui presente, além de um ego relativo. Assim,
trazendo toda a simbologia das filosofias monistas, podemos
arriscar a dizer que o verdadeiro Autor é Aquele que enxerga
através dos olhos do leitor que se debruça sobre estas páginas. É
a Consciência Pura, o Self Universal, além de qualquer eu
relativo, mas também presente em cada um.
Sobre a data histórica do texto, também pouco se precisa.
Swami Abhayananda diz: “A data de autoria do Avadhūta Gītā
é desconhecida, mas julgando pelas terminologias e estilo,
parece ter sido escrito não nos milênios anteriores à era atual,
como sugere a lenda, mas em algum momento em torno dos
séculos IX e X da nossa atual era. O que não impede,
naturalmente, a possibilidade de que o seu conteúdo tenha sido
transmitido oralmente até esse ponto”.
Avadhūta, do sânscrito, é um termo delicado e profundo.
Designa, no geral, um místico que se coloca em um estado além
da consciência do ego e da dualidade e que, por isso, vive
totalmente livre. Essa é uma das possíveis definições. Mas como
o Avadhūta, por excelência, está além de todas as definições, o
máximo que conseguimos é uma aproximação conceitual

10
bastante relativa. Gītā significa canção, como no clássico
Bhagavad Gītā (A Canção do Senhor/Mestre).
Ademais, esta não é uma tradução feita por um
inguista. Mas uma humilde aproximação do texto original ao
português feita por alguém que ainda trilha o caminho do Yoga.
Não é feita por quem perscruta a intimidade das palavras, mas
por quem busca atingir as mesmas verdades dos retratos
pintados em sânscrito – e agora em português – nesta obra.
Por isso, tentei manter, escolhendo as palavras mais
adequadas, o sentido pragmático das experiências conscienciais
descritas no texto, passando a sua vivacidade e preservando o
seu caráter empírico, em consoância com o escrito original.
Não sou fluente em sânscrito, apesar de ter certa
familiaridade com a língua, por isso este foi um extenso trabalho
de pesquisa, que incluiu o estudo da versão original traduzida
em várias línguas. Acho que, no final, consegui um resultado
satisfatório. Mas, ainda assim, disponibilizei as versões do texto
em sânscrito e sânscrito-devanagari para quem quiser se orientar
pelo estilo de base.
Aqui termino com uma sugestão:
Esses versículos, se lidos paulatinamente antes de seções
de meditação, são capazes de produzir experiências realizadoras.
Pois direcionarão a mente para o alvo correto.

Yuri Levy
Janeiro, 2017

11
CAPITULO I

12
1

Atha prathamo'dhyāyaḥ

Agora começa o capítulo 1.

1.1

Īśvarānugrahādeva puṁsāmadvaitavāsanā /
Mahadbhayaparitrāṇādviprāṇāmupajāyate //1//

Pela bênção graciosa de Īśvarā1,


o tesouro da sabedoria não-dual adentra a morada do sábio.
Amparando-o e livrando-o de grande medo.

1.2

1
O Ser Supremo.

13
Yenedaṁ pūritaṁ sarvamātmanaivāatmanātmani /
Yenedaṁ pūritaṁ sarvamātmanaivāatmanātmani /

Como poderei saudar o Absoluto de forma apropriada?


Todas as aparências neste reino de formas
são apenas o único Atman2, o Eu Real indivisível, além-de-
personalidade, imutável, auspicioso e Um.

1.3

Pañcabhūtātmakaṁ viśvaṁ marīcijalasannibham /


Kasyāpyaho namaskuryāmahameko nirañjanaḥ //3//

Este reino aparente das cinco luzes puras,


é tal qual a água cintilante de uma miragem.
Oh, a quem posso saudar então
se há apenas o Eu, imaculado e Um?

2
O Eu Real, o aspecto imanente de Brahman (o Absoluto) em cada
ser.

14
1.4

Ātmaiva kevalaṁ sarvaṁ bhedābhedo na vidyate /


Asti nāsti kathaṁ brūyāṁ vismayaḥ pratibhāti me //4//

Tudo é apenas o Self Absoluto. Distinção e não-distinção não


existem.
Como posso dizer “isto existe, isso não existe”? Ah! Eu estou
repleto de maravilhamento!

1.5

Vedāntasārasarvasvaṁ jñānaṁ vijñānameva ca /


Ahamātmā nirākāraḥ sarvavyāpī svabhāvataḥ //5//

O ponto fundamental e total do Vedānta é essa Sabedoria, e essa


Sabedoria consiste na realização de que:
Eu sou, em essência, o sem-forma e todo-pervasivo Self.

15
1.6

Yo vai sarvātmako devo niṣkalo gaganopamaḥ /


Svabhāvanirmalaḥ śuddhaḥ sa evāyaṁ na saṁśayaḥ //6//

Não há a menor dúvida de que Eu mesmo sou este Absoluto que


é o Ser de/em tudo.
Puro, indivisível, como o céu.

1.7

Ahamevāvyayo'nantaḥ śuddhavijñānavigrahaḥ /
Sukhaṁ duḥkhaṁ na jānāmi kathaṁ kasyāpi vartate //7//

Eu sou, de fato, imutável e infinito – a forma da Inteligência


Pura.
Nesse Estado Puro eu desconheço a dualidade do prazer e da
dor.

16
1.8

Na mānasaṁ karma śubhāśubhaṁ me


na kāyikaṁ karma śubhāśubhaṁ me /
Na vācikaṁ karma śubhāśubhaṁ me
jñānāmṛtaṁ śuddhamatīndriyo'ham //8//

Eu não tenho atividade/oscilação mental, positiva ou negativa;


Eu não tenho funções corporais, positivas ou negativas;
Eu não tenho ação verbal, positiva ou negativa;
Eu sou o néctar do Conhecimento – além dos sentidos, puro.

1.9

Mano vai gaganākāraṁ mano vai sarvatomukham /


Mano'tītaṁ manaḥ sarvaṁ na manaḥ paramārthataḥ //9//

17
A mente, em verdade, é da forma do espaço. A mente, em
verdade, é oniabarcante.
A mente é o passado. A mente é tudo. Mas, em verdade, não há
nenhuma mente.

1.10

Ahamekamidaṁ sarvaṁ vyomātītaṁ nirantaram /


Paśyāmi kathamātmānaṁ pratyakśaṁ vā tirohitam //10//

Eu, o Uno Absoluto, Sou tudo isto, para além de espaço e


continuidade.
Como eu poderia perceber o Ser como visível ou invisível?

1.11

Tvamevamekaṁ hi kathaṁ na budhyase

18
samaṁ hi sarveṣu vimṛṣṭamavyayam /
Sadodito'si tvamakhaṇḍitaḥ prabho
divā ca naktaṁ ca kathaṁ hi manyase //11//

Por conseguinte, tu és Uno. Então, por qual motivo não


compreendes que tu és O Imutável, igualmente perceptível em
tudo?
Oh, poderoso! Como tu podes, tu que és todo-radiante,
Ilimitado, pensar em dia e noite?

1.12

Ātmānaṁ satataṁ viddhi sarvatraikaṁ nirantaram /


Ahaṁ dhyātā paraṁ dhyeyamakhaṇḍaṁ khaṇḍyate katham
//12//

Conheças o Eu Real sempre como estando em todas as partes,


um e não-dividido.
Eu sou o meditador e o objetivo supremo da meditação. Como
tu divides o indivisível?

19
1.13

Na jāto na mṛto'si tvaṁ na te dehaḥ kadācana /


Sarvaṁ brahmeti vikhyātaṁ bravīti bahudhā śrutiḥ //13//

Tu não és nem nascido e tampouco podes perecer. Em tempo


algum tivestes algum corpo.
As Escrituras declaram de muitas formas o bem-conhecido
ditado: Tudo é Brahman (o Ser Absoluto).

1.14

Sa bāhyābhyantaro'si tvaṁ śivaḥ sarvatra sarvadā /


Itastataḥ kathaṁ bhrāntaḥ pradhāvasi piśācavat //14//

Tu és Aquele que é externo e interno. Tu és o grande auspicioso,


onipresente, oniciente.
Por que te debates de um lado para o outro, iludido, como se
fosses um espírito faminto?

20
1.15

Saṁyogaśca viyogaśca vartate na ca te na me /


Na tvaṁ nāhaṁ jagannedaṁ sarvamātmaiva kevalam //15//

Nem união nem separação existem em relação a Mim e ti.


Pois não há nenhum “ti”, nem “Mim”, nem ao menos este
universo. Tudo é apenas a Realidade Absoluta – o Ser.

1.16

Śabdādipañcakasyāsya naivāsi tvaṁ na te punaḥ /


Tvameva paramaṁ tattvamataḥ kiṁ paritapyase //16//

Tu não pertences a esse que é composto dos cinco órgãos do


sentido, como audição, etc.
Nem ele pertence a ti. Tu és, de fato, a Realidade Absoluta.
Então, por que sofres?

21
1.17

Janma mṛtyurna te cittaṁ bandhamokśau śubhāśubhau /


Kathaṁ rodiṣi re vatsa nāmarūpaṁ na te na me //17//

Para ti não há nem nascimento nem morte, nem mente, nem


escravidão ou liberação, nem bem e mal. Minha criança: Por
que derramas lágrimas? Nem tu nem Eu temos nome ou forma.

1.18

Aho citta kathaṁ bhrāntaḥ pradhāvasi piśācavat /


Abhinnaṁ paśya cātmānaṁ rāgatyāgātsukhī bhava //18//

Oh mente, por que vagueias sobre a ilusão, como uma alma


faminta? Contemples o Eu invisível.
Sejas feliz por meio da renúncia ao apego.

22
1.19

Tvameva tattvaṁ hi vikāravarjitaṁ


niṣkampamekaṁ hi vimokśavigraham /
Na te ca rāgo hyathavā virāgaḥ
kathaṁ hi santapyasi kāmakāmataḥ //19//

Tu és a Verdade, imutável, além de todo movimento, Um, da


mesma natureza que a liberdade.
Em essência, tu não tens nem apego nem aversão. Por que ainda
sofres, à procura dos objetos dos desejos?

1.20

Vadanti śrutayaḥ sarvāḥ nirguṇaṁ śuddhamavyayam /


Aśarīraṁ samaṁ tattvaṁ tanmāṁ viddhi na saṁśayaḥ //20//

23
Todas as Escrituras dizem que a Verdade é sem atributos, pura,
imutável, sem forma, e existente em toda parte. Conheças-Me
como sendo Isto.

1.21

Sākāramanṛtaṁ viddhi nirākāraṁ nirantaram /


Etattattvopadeśena na punarbhavasambhavaḥ //21//

Conheças aquilo que tem forma como sendo transitório, aquilo


que é sem-forma como sendo eterno.
Por meio da compreensão dessa verdade não haverá mais
renascimento neste mundo.

1.22

Ekameva samaṁ tattvaṁ vadanti hi vipaścitaḥ /


Rāgatyāgātpunaścittamekānekaṁ na vidyate //22//

24
Os sábios dizem que a Realidade é uma e sempre a mesma. E
pela renúncia ao apego, a mente, que é uma e muitas, cessa de
existir.

1.23

Anātmarūpaṁ ca kathaṁ samādhi-


rātmasvarūpaṁ ca kathaṁ samādhiḥ /
Astīti nāstīti kathaṁ samādhi-
rmokśasvarūpaṁ yadi sarvamekam //23//

Se se é da natureza do não-Ser, como pode haver Samādhi3? Se


se é da natureza do Ser, como pode haver Samādhi? Se se é, ao
mesmo tempo, ambas, como pode haver Samādhi?

3
Estado de supraconsciência, experiência de êxtase existencial além-
do-ego.

25
1.24

Viśuddho'si samaṁ tattvaṁ videhastvamajo'vyayaḥ /


Jānāmīha na jānāmītyātmānaṁ manyase katham //24//

Tu és a pura e imutável Realidade, além-da-forma, não-nascida


e sempre a mesma. Por que pensas “isto eu conheço”, “aquilo eu
não conheço”?

1.25

Tattvamasyādivākyena svātmā hi pratipāditaḥ /


Neti neti śrutirbrūyādanṛtaṁ pāñcabhautikam //25//

Por frases como “Tu és Isto”4, tu auto-afirmas a tua Natureza


Real. Mas sobre aquilo que é falso e composto pelos cinco
elementos as Escrituras afirmam: “Isto não, isto não”.

4
Em sânscrito: “Tat Tvam Asi”. É considerado um Mahāvākya, ou
seja, uma grande verdade aforística essencial à filosofia monista do
Vedānta.

26
1.26

Ātmanyevātmanā sarvaṁ tvayā pūrṇaṁ nirantaram /


Dhyātā dhyānaṁ na te cittaṁ nirlajjaṁ dhyāyate katham //26//

Sendo o eu-ilusório preenchido pelo Eu Real, assim tudo é


continuamente preenchido por ti – a tua verdadeira realidade.
Não há meditador nem meditação. Por que a tua mente medita
dessa forma tão vaga?

1.27

Śivaṁ na jānāmi kathaṁ vadāmi


śivaṁ na jānāmi kathaṁ bhajāmi /
Ahaṁ śivaścetparamārthathatattvaṁ
samasvarūpaṁ gaganopamaṁ ca //27//

27
Se eu não conheço o Absoluto, como posso falar Dele? Se eu
não conheço o Absoluto, como posso adorá-Lo? Se eu sou o
próprio Absoluto, que é a verdade mais alta, que é existência
vasta como o espaço, então como posso falar ‘Dele’ ou O
adorar?

1.28

Nāhaṁ tattvaṁ samaṁ tattvaṁ kalpanāhetuvarjitam /


Grāhyagrāhakanirmuktaṁ svasaṁvedyaṁ kathaṁ bhavet //28//

O princípio do ego não é a Verdade, que é uniforme, que é livre


de superposição e distinções entre aquilo que é percebido e
aquele que percebe. Como o ego pode ser Isso que é plenamente
consciente de si-mesmo?

1.29

28
Anantarūpaṁ na hi vastu kiṁci-
ttattvasvarūpaṁ na hi vastu kiṁcit /
Ātmaikarūpaṁ paramārthatattvaṁ
na hiṁsako vāpi na cāpyahiṁsā //29//

Não há substância que seja por natureza ilimitada. Não há


substância alguma que seja da natureza da Realidade. O próprio
Self é a verdade suprema. Não há nem doença nem não-doença
nele.

1.30

Viśuddho'si samaṁ tattvaṁ videhamajamavyayam /


Vibhramaṁ kathamātmārthe vibhrānto'haṁ kathaṁ punaḥ //30//

Tu és essa Realidade inalterável; tu és puro, sem-forma, sem-


nascimento e imperecível.
Então, por que ter qualquer ilusão acerca do Self ? Colocando de
outra forma, como posso Eu ficar iludido?

29
1.31

Ghaṭe bhinne ghaṭākāśaṁ sulīnaṁ bhedavarjitam /


Śivena manasā śuddho na bhedaḥ pratibhāti me //31//

Quando o recipiente está quebrado, o espaço vazio dentro dele


se torna um com o infinito espaço vazio à sua volta. Quando a
mente se torna pura, não se percebe nenhuma diferença entre a
sua natureza e o Ser Supremo.

1.32

Na ghaṭo na ghaṭākāśo na jīvo na jīvavigrahaḥ /


Kevalaṁ brahma saṁviddhi vedyavedakavarjitam //32//

Não há nenhum recipiente; nem ao menos espaço vazio dentro


dele. Também não há uma alma “individual” ou uma forma que
a delimita. Conheças o absoluto Brahman, para além da
cognição e do conhecedor.

30
1.33

Sarvatra sarvadā sarvamātmānaṁ satataṁ dhruvam /


Sarvaṁ śūnyamaśūnyaṁ ca tanmāṁ viddhi na saṁśayaḥ //33//

Conheças-Me como sendo aquele Self que é todas as coisas e


todos os lugares todo o tempo, aquele que é eterno, estável, o
Todo, a não-existência e a existência. Não tenhas dúvidas.

1.34

Vedā na lokā na surā na yajñā


varṇāśramo naiva kulaṁ na jātiḥ /
Na dhūmamārgo na ca dīptimārgo
brahmaikarūpaṁ paramārthatattvam //34//

No fim, não há Vedas, mundos, deuses, sacrifícios. Certamente


não há castas, estágios da vida, família, nascimento. Não há

31
caminho das trevas, nem da luz. Há apenas a Verdade Absoluta,
unicamente Brahman.

1.35

Vyāpyavyāpakanirmuktaḥ tvamekaḥ saphalaṁ yadi /


Pratyakśaṁ cāparokśaṁ ca hyātmānaṁ manyase katham //35//

Se tu estás livre de forma e substância, se tu és Um e Plenitude,


como podes pensar em ti mesmo como algo diretamente
perceptível aos sentidos ou até mesmo além deles? [A ideia é
que na perspectiva da Realidade Absoluta não há noção de
“sentidos”, nem de um “eu” individual que pode ser percebido
ou até mesmo esquivar-se da percepção].

1.36

Advaitaṁ kecidicchanti dvaitamicchanti cāpare /


Samaṁ tattvaṁ na vindanti dvaitādvaitavivarjitam //36//

32
Alguns buscam pela não-dualidade, outros pela dualidade. Mas
eles não conhecem a Verdade, que é a mesma em todas as
épocas e lugares, que está além dos meros conceitos de
dualidade e de não-dualidade.

1.37

Śvetādivarṇarahitaṁ śabdādiguṇavarjitam /
Kathayanti kathaṁ tattvaṁ manovācāmagocaram //37//

Como podem descrever a Verdade, que é além da mente e das


palavras, que está além do branco e de todas as cores, de sons e
de outras características?

1.38

Yadā'nṛtamidaṁ sarvaṁ dehādigaganopamam /


Tadā hi brahma saṁvetti na te dvaitaparamparā //38//

33
Quando tudo isso aparecer diante de ti como ilusório, quando o
corpo e tudo mais aparecer vasto como o espaço, aí então
conhecerás Brahman verdadeiramente, e assim acabarão as
concepções duais.

1.39

Pareṇa sahajātmāpi hyabhinnaḥ pratibhāti me /


Vyomākāraṁ tathaivaikaṁ dhyātā dhyānaṁ kathaṁ bhavet
//39//

Até mesmo o meu eu natural aparece para mim como não-


distinto do Eu-Supremo. Ele me aparece como Uno e vasto
como o espaço. Como pode haver aquele que medita e a
meditação?

1.40

Yatkaromi yadaśnāmi yajjuhomi dadāmi yat /

34
Etatsarvaṁ na me kiṁcidviśuddho'hamajo'vyayaḥ //40//

Aquilo que faço, aquilo que como, os sacrifícios que ofereço,


aquilo que doo – no final, nada disso é meu. Eu sou puro, não-
nascido, sem decaimento.

1.41

Sarvaṁ jagadviddhi nirākṛtīdaṁ


sarvaṁ jagadviddhi vikārahīnam /
Sarvaṁ jagadviddhi viśuddhadehaṁ
sarvaṁ jagadviddhi śivaikarūpam //41//

Conheças todo este Universo para além da forma. Conheças


todo este Universo para além das mutações. Conheças todo este
Universo como sendo um corpo puro. Conheças todo este
Universo como sendo da natureza do Absoluto.

35
1.42

Tattvaṁ tvaṁ na hi sandehaḥ kiṁ jānāmyathavā punaḥ /


Asaṁvedyaṁ svasaṁvedyamātmānaṁ manyase katham //42//

Como podes considerar o Eu Real, que é perceptível por si-


mesmo, como sendo imperceptível? Da mesma forma, se
alguém não percebe todo ser como sendo esse mesmo Eu Real,
essa pessoa ainda permanece na ignorância.

1.43

Māyā'māyā kathaṁ tāta chāyā'chāyā na vidyate /


Tattvamekamidaṁ sarvaṁ vyomākāraṁ nirañjanam //43//

Minha criança, como pode haver ilusão e não-ilusão, sombra e


falta de sombra? Tudo isto é apenas s Verdade Una, imaculada e
da natureza da vastidão.

36
1.44

Ādimadhyāntamukto'haṁ na baddho'haṁ kadācana /


Svabhāvanirmalaḥ śuddha iti me niścitā matiḥ //44//

Eu Sou livre no início, livre no meio e livre no final. Eu jamais


Sou limitado. Esta é a Minha certeza: Eu Sou imaculado e puro.

1.45

Mahadādi jagatsarvaṁ na kiṁcitpratibhāti me /


Brahmaiva kevalaṁ sarvaṁ kathaṁ varṇāśramasthitiḥ //45//

Todo o Universo, iniciado com o princípio da Inteligência


Causal, sequer aparece como algo manifesto para Mim. Tudo é
apenas Brahman. Como pode haver qualquer existência [à parte
disso] para Mim?

37
1.46

Jānāmi sarvathā sarvamahameko nirantaram /


Nirālambamaśūnyaṁ ca śūnyaṁ vyomādipañcakam //46//

Eu sei que tudo isto, de todas as maneiras, é o Uno e indivisível


Eu - que é auto-sustentado e completo, enquanto que os cinco
elementos, a começar pelo próprio éter, são vazios.

1.47

Na ṣaṇḍho na pumānna strī na bodho naiva kalpanā /


Sānando vā nirānandamātmānaṁ manyase katham //47//

Este Eu Real não é sequer eunuco, homem ou mulher. Não é


ideia ou imaginação. Como podes pensar nele como podendo
possuir alegria ou podendo não possuí-la?

38
1.48

Saḍaṅgayogānna tu naiva śuddhaṁ


manovināśānna tu naiva śuddham /
Gurūpadeśānna tu naiva śuddhaṁ
svayaṁ ca tattvaṁ svayameva buddham //48//

Este Eu Real não precisa de qualquer prática yogī para ser puro
em si. Ele não precisa da destruição da mente para ser puro da
forma como Ele já é. Ele não se torna puro por meio das
instruções de um professor. Ele é, por ele mesmo, a Verdade.
Ele é, por ele mesmo, O Iluminado e A Iluminação.

1.49

Na hi pañcātmako deho videho vartate na hi /


Ātmaiva kevalaṁ sarvaṁ turīyaṁ ca trayaṁ katham //49//

39
Não há nem encarnados [com o corpo físico composto pelos
cinco elementos] nem desencarnados [a dualidade entre ambos].
Tudo é apenas o Eu Absoluto. Como podem existir os três
estados e o quarto?

1.50

Na baddho naiva mukto'haṁ na cāhaṁ brahmaṇaḥ pṛthak /


Na kartā na ca bhoktāhaṁ vyāpyavyāpakavarjitaḥ //50//

Eu não Sou limitado, nem sequer liberto – Eu não Sou diferente


de Brahman. Eu não Sou nem aquele que faz e nem aquele que
desfruta. Sou desprovido de distinções de forma e substância.

1.51

Yathā jalaṁ jale nyastaṁ salilaṁ bhedavarjitam /


Prakṛtiṁ puruṣaṁ tadvadabhinnaṁ pratibhāti me //51//

40
Da mesma forma que não há distinção quando a água é
derramada na água, para mim não há distinções entre Prakṛtiṁ
(Natureza, realidade manifesta, Cosmos) e Puruṣaṁ
(Consciência, alma).

1.52

Yadi nāma na mukto'si na baddho'si kadācana /


Sākāraṁ ca nirākāramātmānaṁ manyase katham //52//

Se, em verdade, tu nunca foste preso ou liberto, como podes


pensar em ti como tendo uma forma ou até mesmo como não
tendo nenhuma forma? (Dado que pensar no sem-forma, dessa
maneira, já pressupõe uma relação intrínseca com o conceito de
ter uma forma – e, a partir e em relação a ele, estabelece-se a
antítese desse conceito, gerando apenas mais dualidade
conceitual).

1.53

41
Jānāmi te paraṁ rūpaṁ pratyakśaṁ gaganopamam /
Yathā paraṁ hi rūpaṁ yanmarīcijalasannibham //53//

Eu sei que a tua forma real é diretamente perceptível, como o


céu. Eu sei que a tua forma aparente é como a água de uma
miragem. Tu és como o céu – sem divisão ou distinção,
imutável.

1.54

Na gururnopadeśaśca na copādhirna me kriyā /


Videhaṁ gaganaṁ viddhi viśuddho'haṁ svabhāvataḥ //54//

Eu não tenho nem professor, nem instrução. Nem qualificações


ou atividades. Saibas que Sou puro por natureza, imutável, sem-
corpo, como o céu.

1.55

Viśuddho'sya śarīro'si na te cittaṁ parātparam /

42
Ahaṁ cātmā paraṁ tattvamiti vaktuṁ na lajjase //55//

Tu és puro, tu és desprovido de corpo, a tua mente não é mais


elevada que o Mais Elevado. Não te envergonhes de declarar
que és o Self, a Verdade Maior.

1.56

Kathaṁ rodiṣi re citta hyātmaivātmātmanā bhava /


Piba vatsa kalātītamadvaitaṁ paramāmṛtam //56//

Por que estás a chorar, ó mente? Tu que és o Eu Real, sejas o Eu


Real. Bebas, minha criança, o néctar supremo da unidade,
transcendendo todas as divisões.

1.57

Naiva bodho na cābodho na bodhābodha eva ca /


Yasyedṛśaḥ sadā bodhaḥ sa bodho nānyathā bhavet //57//

43
Não há nem conhecimento, nem ignorância. Nem conhecimento
errôneo. Aqueles que têm um conhecimento são esse próprio
conhecimento (ou seja, o conhecimento não é uma posse do ser
ou do intelecto, mas o próprio ser se expressando no nível
cognitivo). Não há outra maneira.

1.58

Jñānaṁ na tarko na samādhiyogo


na deśakālau na gurūpadeśaḥ /
Svabhāvasaṁvittarahaṁ ca tattva-
mākāśakalpaṁ sahajaṁ dhruvaṁ ca //58//

Não há necessidade de conhecimento, raciocínio, tempo, espaço,


instrução de um professor ou até mesmo o atingimento do
Samādhi. Eu sou naturalmente a perfeita Consciência, o Real,
como o céu, espontâneo e estável.

44
1.59

Na jāto'haṁ mṛto vāpi na me karma śubhāśubham /


Viśuddhaṁ nirguṇaṁ brahma bandho muktiḥ kathaṁ mama
//59//

Eu não tive nascimento e não terei uma morte. Eu não tenho


nenhuma ação, boa ou má. Eu sou Brahman, sem mácula, sem
atributos. Como pode haver escravidão ou libertação para Mim?

1.60

Yadi sarvagato devaḥ sthiraḥ pūrṇo nirantaraḥ /


Antaraṁ hi na paśyāmi sa bāhyābhyantaraḥ katham //60//

Se o Absoluto está em tudo, se o Absoluto é estável, pleno,


indiviso, então não posso ver nenhuma separação. Como podes
falar em “exterior” e “interior”?

45
1.61

Sphuratyeva jagatkṛtsnamakhaṇḍitanirantaram /
Aho māyāmahāmoho dvaitādvaitavikalpanā //61//

Todo o Cosmos reluz sem divisões ou falhas. Oh! É māya, a


grande ilusão, que divide as coisas entre dual e não-dual.

1.62

Sākāraṁ ca nirākāraṁ neti netīti sarvadā /


Bhedābhedavinirmukto vartate kevalaḥ śivaḥ //62//

“Isto não, isto não” tanto para forma quanto para sem-forma.
Apenas o Absoluto existe (não há algo para se ter forma ou para
não se ter, apenas o Absoluta há) transcendendo diferença e não-
diferença”.

46
1.63

Na te ca mātā ca pitā ca bandhuḥ


na te ca patnī na sutaśca mitram /
Na pakśapātī na vipakśapātaḥ
kathaṁ hi saṁtaptiriyaṁ hi citte //63//

Tu não possuis nem mãe, nem pai, nem esposa, nem filhos,
parentes ou amigos.
Tu não tens quem te aproves ou te desaproves. Por que há essa
angústia em tua mente?

1.64

Divā naktaṁ na te cittaṁ udayāstamayau na hi /


Videhasya śarīratvaṁ kalpayanti kathaṁ budhāḥ //64//

47
Oh mente, para ti não há nem dia nem noite, ascensão ou
acomodação. Como pode o sábio imaginar uma forma para
aquilo que não a tem?

1.65

Nāvibhaktaṁ vibhaktaṁ ca na hi duḥkhasukhādi ca /


Na hi sarvamasarvaṁ ca viddhi cātmānamavyayam //65//

O Eu Real não é dividido nem não-dividido, nem está associado


a tristeza, alegria, ou coisas que se assemelham a isso. Nem é
tudo ou menos do que tudo. Compreendas o Eu Real como
sendo imutável.

1.66

Nāhaṁ kartā na bhoktā ca na me karma purā'dhunā /


Na me deho videho vā nirmameti mameti kim //66//

48
Não sou aquele que faz ou aquele que desfruta. Não há um
trabalho para mim, como nunca houve. Não tenho corpo nem a
ausência de um. Como posso ter um senso de “meu” ou como
posso não o ter?

1.67

Na me rāgādiko doṣo duḥkhaṁ dehādikaṁ na me /


Ātmānaṁ viddhi māmekaṁ viśālaṁ gaganopamam //67//

Não tenho culpa, paixão ou coisas do tipo. Nem qualquer


sofrimento advindo do corpo. Conheças-Me como o Único Ser,
vasto como o céu.

1.68

Sakhe manaḥ kiṁ bahujalpitena

49
sakhe manaḥ sarvamidaṁ vitarkyam /
Yatsārabhūtaṁ kathitaṁ mayā te
tvameva tattvaṁ gaganopamo'si //68//

Amiga mente, mas para quê tanta conversa vã? Amiga mente,
isto tudo é apenas intelectualização. Eu já disse aquilo que é
essencial: Tu és, em realidade, a Verdade, vasta como o céu.

1.69

Yena kenāpi bhāvena yatra kutra mṛtā api /


Yoginastatra līyante ghaṭākāśamivāmbare //69//

Onde quer que um yogī morra, em qualquer estado que esteja,


ele se dissolve no infinito (identifica-se com), como o espaço
interior de um jarro dissolve-se no ar quando esse se quebra.

1.70

Tīrthe cāntyajagehe vā naṣṭasmṛtirapi tyajan /

50
Samakāle tanuṁ muktaḥ kaivalyavyāpako bhavet //70//

Abandonando o corpo, em um lugar santo ou em qualquer outro


lugar, o yogī, mesmo que estando inconsciente, torna-se
identificado com o Absoluto tão logo ele se veja livre do corpo.

1.71

Dharmārthakāmamokśāṁśca dvipadādicarācaram /
Manyante yoginaḥ sarvaṁ marīcijalasannibham //71//

O yogī considera tudo aquilo que possa encontrar na vida, como


o dever, a busca pela riqueza, os envolvimentos amorosos, a
libertação e tudo aquilo que é imóvel ou móvel como sendo
apenas uma miragem.

1.72

Atītānāgataṁ karma vartamānaṁ tathaiva ca /


Na karomi na bhuñjāmi iti me niścalā matiḥ //72//

51
Esta é a minha clara percepção: Eu nem realizo nem desfruto
das ações passadas, futuras ou presentes.

1.73

Śūnyāgāre samarasapūta-
stiṣṭhannekaḥ sukhamavadhūtaḥ /
Carati hi nagnastyaktvā garvaṁ
vindati kevalamātmani sarvam //73//

Apenas o Avadhūta, estável na pureza do seu sentir, permanece


feliz em sua morada vazia.

1.74

52
Tritayaturīyaṁ nahi nahi yatra
vindati kevalamātmani tatra /
Dharmādharmau nahi nahi yatra
baddho muktaḥ kathamiha tatra //74//

Onde não há nem os três estados de consciência, nem o quarto,


aquele buscador atinge o Absoluto como sendo o seu próprio Eu
Real. Como é possível, então, a liberdade ou a escravidão, onde
não existe nem virtude nem pecado?

1.75

Vindati vindati nahi nahi mantraṁ


chandolakśaṇaṁ nahi nahi tantram /
Samarasamagno bhāvitapūtaḥ
pralapitametatparamavadhūtaḥ //75//

53
O Avadhūta não precisa saber nenhum mantra védico, nenhum
verso tântrico. Essa é a expressão suprema do Avadhūta,
purificado pela meditação e imerso na unidade com o Ser
Infinito.

1.76

Sarvaśūnyamaśūnyaṁ ca satyāsatyaṁ na vidyate /


Svabhāvabhāvataḥ proktaṁ śāstrasaṁvittipūrvakam //76//

Não há nem vazio completo, nem ausência de vazio, nem


verdades nem equívocos das Escrituras; Ele (o Avadhūta)
expressa isso espontaneamente a partir de sua própria Natureza.

Iti prathamo'dhyāyaḥ //1//


Isto encerra o capítulo 1.

54
CAPITULO II

55
2

Atha prathamo'dhyāyaḥ

Agora começa o capítulo 2.

2.1

Bālasya vā viṣayabhogaratasya vāpi


mūrkhasya sevakajanasya gṛhasthitasya /
Etadguroḥ kimapi naiva na cintanīyaṁ
ratnaṁ kathaṁ tyajati ko'pyaśucau praviṣṭam //1//

Não te importes se aquele que te ensina seja um garoto não-


letrado nas Escrituras, ou que se divirta com os prazeres
sensórios, até mesmo que viva como um servente ou um chefe-
de-família – todos eles têm algo a te ensinar. Acaso uma gema
preciosa perde o seu valor por estar envolta na lama?

56
2.2

Naivātra kāvyaguṇa eva tu cintanīyo


grāhyaḥ paraṁ guṇavatā khalu sāra eva /
Sindūracitrarahitā bhuvi rūpaśūnyā
pāraṁ na kiṁ nayati nauriha gantukāmān //2//

Nesse caso, não se deve nem ao menos considerar o grau de


escolaridade. O sábio saberá colher o positivo que há em
qualquer um. Por acaso o barco que não está bonito e pintado de
vermelho deixará de transportar à outra margem seus
passageiros?

2.3

Prayatnena vinā yena niścalena calācalam /


Grastaṁ svabhāvataḥ śāntaṁ caitanyaṁ gaganopamam //3//

57
Aquele que é perene, que sem nenhum esforço possui tudo
aquilo que é móvel e imóvel, é Consciência, naturalmente
calma, como o céu.

2.4

Ayatnāchālayedyastu ekameva carācaram /


Sarvagaṁ tatkathaṁ bhinnamadvaitaṁ vartate mama //4//

Como pode Ele, que é Um e todo-abarcante, que move sem


esforço tudo aquilo que é móvel e imóvel, ser diferenciado!?
Para mim, Ele não conhece a dualidade.

2.5

Ahameva paraṁ yasmātsārātsārataraṁ śivam /


Gamāgamavinirmuktaṁ nirvikalpaṁ nirākulam //5//

58
Eu Sou o Ser Supremo, porque Sou o Absoluto. Mais essencial
do que toda essência, dado que Sou livre do nascimento e da
morte; Sou calmo e inalterado.

2.6

Sarvāvayavanirmuktaṁ tathāhaṁ tridaśārcitam /


Saṁpūrṇatvānna gṛhṇāmi vibhāgaṁ tridaśādikam //6//

Assim Eu, sendo livre de todos os elementos, Sou adorado pelos


deuses, mas sendo pleno e perfeito, Eu não reconheço nenhuma
distinção entre Eu e eles.

2.7

Pramādena na sandehaḥ kiṁ kariṣyāmi vṛttimān /


Utpadyante vilīyante budbudāśca yathā jale //7//

Não sou Eu que crio as modificações na substância mental [as


inquietações e dúvidas]. Elas surgem e se dissolvem como

59
bolhas em um rio. (Um sábio realizado, apesar de atuar no nível
da mente e saber que é da natureza da mente ter tais
modificações, não se identifica com elas e está sempre além
delas).

2.8

Mahadādīni bhūtāni samāpyaivaṁ sadaiva hi /


Mṛdudravyeṣu tīkśṇeṣu guḍeṣu kaṭukeṣu ca //8//

Estou sempre permeando toda a existência, começando com a


Inteligência Cósmica até as substâncias suaves, duras, doces e
pungentes.

2.9

Kaṭutvaṁ caiva śaityatvaṁ mṛdutvaṁ ca yathā jale /


Prakṛtiḥ puruṣastadvadabhinnaṁ pratibhāti me //9//

60
Assim como a frieza e a maciez não diferem da água, Prakṛti
(realidade manifesta, universo, natureza) não difere de Puruṣa
(Consciência) – assim estou certo.

2.10

Sarvākhyārahitaṁ yadyatsūkśmātsūkśmataraṁ param /


Manobuddhīndriyātītamakalaṅkaṁ jagatpatim //10//

O Senhor do Universo é desprovido de todos os nomes. Ele é


mais sutil do que o sutil, supremo, imaculado, além de todos os
sentidos, além da mente e do intelecto.

2.11

Īdṛśaṁ sahajaṁ yatra ahaṁ tatra kathaṁ bhavet /


Tvameva hi kathaṁ tatra kathaṁ tatra carācaram //11//

Onde há apenas a Existência Pura, como pode haver o eu, o


você e até mesmo o mundo?

61
2.12

Gaganopamaṁ tu yatproktaṁ tadeva gaganopamam /


Caitanyaṁ doṣahīnaṁ ca sarvajñaṁ pūrṇameva ca //12//

Aquilo que dizemos ser sutil e vasto como o espaço, de fato o é.


É Consciência irrepreensível, onisciente e perfeita.

2.13

Pṛthivyāṁ caritaṁ naiva mārutena ca vāhitam /


Variṇā pihitaṁ naiva tejomadhye vyavasthitam //13//

Não se move sobre a terra, não se abrasa sobre o fogo. Não é


soprada pelo vento ou coberta pela água.

62
2.14

Ākāśaṁ tena saṁvyāptaṁ na tadvyāptaṁ ca kenacit /


Sa bāhyābhyantaraṁ tiṣṭhatyavacchinnaṁ nirantaram //14//

O espaço é permeado por Ele, mas Ele não é permeado por


nada. Existe dentro e fora. É indiviso e contínuo.

2.15

Sūkśmatvāttadadṛśyatvānnirguṇatvācca yogibhiḥ /
Ālambanādi yatproktaṁ kramādālambanaṁ bhavet //15//

O buscador deve sucessivamente procurar focar a sua


concentração, como ensinado pelos yogīs, em sintonia com a
sutileza, com o invisível e com a realidade sem-atributos.

63
2.16

Satatā'bhyāsayuktastu nirālambo yadā bhavet /


Tallayāllīyate nāntarguṇadoṣavivarjitaḥ //16//

Quando, por meio de constante prática, a concentração de


alguém se torna além do objeto de foco, então, estando despido
de mérito ou demérito, atinge-se o estado de completa
integração com o Absoluto, através da dissolução do objeto da
concentração, mas não antes disso.

2.17

Viṣaviśvasya raudrasya mohamūrcchāpradasya ca /


Ekameva vināśāya hyamoghaṁ sahajāmṛtam //17//

Este é o remédio infalível para destruir a raiz venenosa que


produz a ilusão e a inconsciência. – o néctar da naturalidade.

64
2.18

Bhāvagamyaṁ nirākāraṁ sākāraṁ dṛṣṭigocaram /


Bhāvābhāvavinirmuktamantarālaṁ taducyate //18//

Aquilo que tem forma é visível aos olhos, enquanto que aquilo
que não tem forma é percebido pela mente. O Eu Real, estando
além de todos os padrões, também está além dessas formas de
percepção.

2.19

Bāhyabhāvaṁ bhavedviśvamantaḥ prakṛtirucyate /


Antarādantaraṁ jñeyaṁ nārikelaphalāmbuvat //19//

A existência externa é chamada de Universo, enquanto a


existência interna é chamada de inteligência cósmica. Deve-se
buscar conhecer Aquilo que é mais interior do que a existência
interna, Aquilo que é como a água no âmago do coco.

65
2.20

Bhrāntijñānaṁ sthitaṁ bāhyaṁ samyagjñānaṁ ca madhyagam /


Madhyānmadhyataraṁ jñeyaṁ nārikelaphalāmbuvat //20//

Conhecimento ilusório diz respeito àquilo que é externo,


conhecimento correto diz respeito àquilo que é interno. Deve-se
buscar conhecer Aquilo que é mais interno do que o interno,
Aquilo que é como a água no âmago do coco (não apenas a água
dentro do coco, mas aquela que nutre a polpa do coco).

2.21

Paurṇamāsyāṁ yathā candra eka evātinirmalaḥ /


Tena tatsadṛśaṁ paśyeddvidhādṛṣṭirviparyayaḥ //21//

Assim como há apenas uma lua clara no céu de paurṇamāsy (em


que a lua está cheia), assim o Eu Real deve ser visto, sem
dualidades. Vê-lo de outra forma é corrupção da visão.

66
2.22

Anenaiva prakāreṇa buddhibhedo na sarvagaḥ /


Dātā ca dhīratāmeti gīyate nāmakoṭibhiḥ //22//

A não-dualidade consegue tocar a compreensão de Brahman,


porque Ele é onipresente. O sábio que toca essa compreensão
adquire paciência ilimitada, e a gratidão de seus discípulos
nunca será tão grande quanto esse ato seu (alcançar essa
compreensão).

2.23

Guruprajñāprasādena mūrkho vā yadi paṇḍitaḥ /


Yastu saṁbudhyate tattvaṁ virakto bhavasāgarāt //23//

Quem quer que alcance a plena consciência através da graça da


sabedoria do mestre, seja iletrado ou versado, torna-se separado
do oceano da mundaneidade.

67
2.24

Rāgadveṣavinirmuktaḥ sarvabhūtahite rataḥ /


Dṛḍhabodhaśca dhīraśca sa gacchetparamaṁ padam //24//

Aquele que é livre de apego ou aversão, devotado ao bem de


todos os seres, atado ao conhecimento e estável, alcançará o
estado supremo.

2.25

Ghaṭe bhinne ghaṭākāśa ākāśe līyate yathā /


Dehābhāve tathā yogī svarūpe paramātmani //25//

Como o espaço dentro do vaso dissolve-se no espaço universal


quando o vaso se quebra, assim o yogī, na ausência do corpo, se
dissolve no Eu Supremo, que é o seu verdadeiro Ser.

68
2.26

Ukteyaṁ karmayuktānāṁ matiryānte'pi sā gatiḥ /


Na coktā yogayuktānāṁ matiryānte'pi sā gatiḥ //26//

Tem sido dito que o destino daquele devotado à ação, numa


próxima vida, será reflexo do último pensamento que tenha tido
antes da morte. Mas não se diz o mesmo daquele que se
estabilizou no Yoga5.

2.27

Yā gatiḥ karmayuktānāṁ sā ca vāgindriyādvadet /


Yogināṁ yā gatiḥ kvāpi hyakathyā bhavatorjitā //27//

Pode-se traduzir em palavras o destino daquele devotado à ação,


mas não se pode expressar em palavras humanas o destino de
um yogī.

5
União com o Supremo.

69
2.28

Evaṁ jñātvā tvamuṁ mārgaṁ yogināṁ naiva kalpitam /


Vikalpavarjanaṁ teṣāṁ svayaṁ siddhiḥ pravartate //28//

Sabendo disso, não se pode afirmar que haja um caminho


particular para o yogī. Pois para ele ocorre a renúncia à toda
dualidade. Assim a Meta Suprema vem por si mesma.

2.29

Tīrthe vāntyajagehe vā yatra kutra mṛto'pi vā /


Na yogī paśyate garbhaṁ pare brahmaṇi līyate //29//

O yogī, onde quer que morra, em um lugar sagrado ou na casa


de um intocável, não vê um novo útero materno novamente:
Integra-se completamente no supremo Brahman.

70
2.30

Sahajamajamacintyaṁ yastu paśyetsvarūpaṁ


Ghaṭati yadi yatheṣṭaṁ lipyate naiva doṣaiḥ /
Sakṛdapi tadabhāvātkarma kiṁcinnakuryāt
Tadapi na ca vibaddhaḥ saṁyamī vā tapasvī //30//

Aquele que realizou o seu verdadeiro Eu, que é inato, não-


nascido e além da compreensão, não se torna desequilibrado se
algo desejado acontecer com ele. Estando livre de mácula, ele
nunca executa qualquer ação6. O ser humano de autocontrole, ou
o asceta, nunca está limitado.

2.31

6
Apesar de agir, não tem a consciência de que realiza algo exterior a
si. Simplesmente as suas ações fluem espontâneas, em consconância
com a Realidade Causal.

71
Nirāmayaṁ niṣpratimaṁ nirākṛtiṁ
nirāśrayaṁ nirvapuṣaṁ nirāśiṣam /
Nirdvandvanirmohamaluptaśaktikaṁ
tamīśamātmānamupaiti śāśvatam //31//

Ele alcança o supremo Ser, que é eterno, puro, além-do-medo,


sem-forma, sem apoio, que é sem corpo, sem desejo, além dos
pares dos opostos, livre da ilusão e de limitação de poder.

2.32

Vedo na dīkśā na ca muṇḍanakriyā


gururna śiṣyo na ca yantrasampadaḥ /
Mudrādikaṁ cāpi na yatra bhāsate
tamīśamātmānamupaiti śāśvatam //32//

72
Ele atinge o Supremo, o eterno Eu Causal, que está além de toda
Escritura, iniciação, tonsura, professores, discípulos, perfeição
simbólica de imagens, gestos de mãos (mudrās) ou qualquer
coisa assim.

2.33

Na śāmbhavaṁ śāktikamānavaṁ na vā
piṇḍaṁ ca rūpaṁ ca padādikaṁ na vā /
Ārambhaniṣpattighaṭādikaṁ ca no
tamīśamātmānamupaiti śāśvatam //33//

Ele atinge o supremo, o Eu Eterno, em que não há nem a


iniciação Ānavi, ou Śāmbhavi, nem Śākti (iniciações tântricas)7;

7
As iniciações (dīkṣās) podem ocorrer de diversas formas, segundo as
Escrituras e as tradições yogīs. Nas formas aqui mencionadas,
destaca-se tais características: Na iniciação Ānavi, uma das
características principais é o guru murmurar um mantra secreto no
ouvido do discípulo. Já a iniciação Śāmbhavi acontece com o mero
encontro com o guru, ou seja, a mera presença física/energética do
mestre já é suficiente para mudar totalmente a vida do aspirante. Às

73
Nem a esfera, nem a imagem, nem os pés, nem nada mais; nem
início, nem final, nem jarro.

2.34

Yasya svarūpātsacarācaraṁ jaga-


dutpadyate tiṣṭhati līyate'pi vā /
Payovikārādiva phenabudbudā-
stamīśamātmānamupaiti śāśvatam //34//

Ele atinge o Eu Supremo, o eterno Eu Real, de cuja essência


nasce o universo inteiro de objetos móveis e imóveis, no qual
repousam e no qual se dissolvem, assim como as bolhas na
superfície da água.

vezes um mero olhar já é o bastante. O método da iniciação Śākti


consiste em um Guru utilizando diretamente e intencionalmente a sua
própria energia para despertar a energia do estudante (com um toque,
por exemplo).

74
2.35

Nāsānirodho na ca dṛṣṭirāsanaṁ
bodho'pyabodho'pi na yatra bhāsate /
Nāḍīpracāro'pi na yatra kiñci-
ttamīśamātmānamupaiti śāśvatam //35//

Ele atinge o Supremo, o eterno Self, que está além dos


exercícios de respiração, exercícios de fixação do olhar,
posturas, em que não há nem conhecimento, nem ignorância, e
que está além de qualquer canal sutil (os canais de energia do
corpo sutil utilizados no Yoga para preparar a mente para a
meditação).

2.36

75
Nānātvamekatvamubhatvamanyatā
aṇutvadīrghatvamahattvaśūnyatā /
Mānatvameyatvasamatvavarjitaṁ
tamīśamātmānamupaiti śāśvatam //36//

Ele atinge o Supremo, o eterno Self, que é vazio de


multiplicidade, unidade, ou qualquer outra definição de
relatividade: Que é desprovido de pequenez, comprimento,
amplitude e niilismo. Que é desprovido de conhecimento,
conhecedor e mesmice.

2.37

Susaṁyamī vā yadi vā na saṁyamī


susaṁgrahī vā yadi vā na saṁgrahī /
Niṣkarmako vā yadi vā sakarmaka-
stamīśamātmānamupaiti śāśvatam // 37//

76
Ele atinge o Supremo, o eterno Self, quer tenha ou não atingido
autocontrole, quer tenha controlado bem ou não os seus
sentidos, quer esteja além da atividade ou não.

2.38

Mano na buddhirna śarīramindriyaṁ


tanmātrabhūtāni na bhūtapañcakam /
Ahaṁkṛtiścāpi viyatsvarūpakaṁ
tamīśamātmānamupaiti śāśvatam //38//

Ele atinge o Supremo, o eterno Self, que está além da mente,


inteligência, corpo, sentidos ou egoísmo; que não é nem
composto pelos elementos sutis nem pelos elementos densos,
nem pela vastidão do espaço.

77
2.39

Vidhau nirodhe paramātmatāṁ gate


na yoginaścetasi bhedavarjite /
Śaucaṁ na vāśaucamaliṅgabhāvanā
sarvaṁ vidheyaṁ yadi vā niṣidhyate // 39//

Quando cessam as injunções e o yogī alcança o Supremo Eu


Real, sua mente se torna vazia de diferenciações, ele não tem
mais nem pureza nem impureza; a sua contemplação é destituída
da distinção de atributos, e até mesmo aquilo que é proibido é
liberado para ele.

2.40

Mano vaco yatra na śaktamīrituṁ

78
nūnaṁ kathaṁ tatra gurūpadeśatā /
Imāṁ kathāmuktavato gurosta-
dyuktasya tattvaṁ hi samaṁ prakāśate //40//

Onde a mente e a fala não podem proferir nada, como pode


haver instrução por parte de um professor? Para o mestre
sempre-unido a Brahman, que disse estas palavras, a Verdade
imperecível sempre brilhará.

Iti dvitīyo'dhyāyaḥ //2//


Isto encerra o capítulo 2.

79
CAPITULO III

80
3

Atha tṛtīyo'dhyāyaḥ

Agora começa o capítulo 3.

3.1

Guṇaviguṇavibhāgo vartate naiva kiñcit


rativirativihīnaṁ nirmalaṁ niṣprapañcam /
Guṇaviguṇavihīnaṁ vyāpakaṁ viśvarūpaṁ
kathamahamiha vande vyomarūpaṁ śivaṁ vai //1//

A distinção entre qualidades (guṇas– atributos da realidade


manifesta) e ausência de qualidades, no final, sequer existem.
Como posso adorar a Śiva, o Absoluto, que é vazio de apego e
desapego, que é mais sutil que o éter, inalterável, além de toda
ilusão e oniabarcante?

81
3.2

Śvetādivarṇarahito niyataṁ śivaśca


kāryaṁ hi kāraṇamidaṁ hi paraṁ śivaśca /
Evaṁ vikalparahito'hamalaṁ śivaśca
svātmānamātmani sumitra kathaṁ namāmi //2//

Śiva, o Absoluto, é destituído de todas as cores. Este efeito e


esta causa são ambos o Supremo Śiva. Assim Sou Eu, o Śiva em
sua pureza, desprovido de qualquer dúvida. Oh amado amigo,
como posso reverenciar o Self em Mim mesmo? Nem sequer
existe um senso de “eu” por trás disso, apenas a pura
consciência, que é, ela mesma, o Eu desse “eu”. A evidência da
minha existência não é atingida até que essa mesma Consciência
seja atingida. O cosmos manifesto nada é, nada seria, sem essa
Consciência. O cosmos existe na Consciência.

82
3.3

Nirmūlamūlarahito hi sadodito'haṁ
nirdhūmadhūmarahito hi sadodito'ham /
Nirdīpadīparahito hi sadodito'haṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //3//

Eu Sou vazio de raiz ou da falta dela, e sempre manifesto. Eu


Sou vazio de fumaça ou da falta dela, e sempre manifesto. Eu
Sou vazio de luz ou da falta dela, e sempre manifesto. Eu Sou o
néctar do verdadeiro Conhecimento, existência inalterável,
como o céu.

3.4

Niṣkāmakāmamiha nāma kathaṁ vadāmi

83
niḥsaṅgasaṅgamiha nāma kathaṁ vadāmi /
Niḥsārasārarahitaṁ ca kathaṁ vadāmi
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //4//

Como posso falar da falta de desejo ou de desejo? Como posso


falar da falta de apego ou de apego? Como posso falar Dele que
é destituído de substância e de insubstancialidade? Eu Sou o
néctar do verdadeiro Conhecimento, existência inalterável,
como o céu.

3.5

Advaitarūpamakhilaṁ hi kathaṁ vadāmi


dvaitasvarūpamakhilaṁ hi kathaṁ vadāmi /
Nityaṁ tvanityamakhilaṁ hi kathaṁ vadāmi
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //5//

Como posso falar da totalidade, que é não-dual? Como posso


falar da totalidade, que é a base da natureza da dualidade? Como
posso falar da totalidade, que é eterna e além do eterno? Eu Sou

84
o néctar do verdadeiro Conhecimento, existência inalterável,
como o céu.

3.6

Sthūlaṁ hi no nahi kṛśaṁ na gatāgataṁ hi


ādyantamadhyarahitaṁ na parāparaṁ hi /
Satyaṁ vadāmi khalu vai paramārthatattvaṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //6//

Ele não é nem grosseiro, nem sutil. Não tem ida nem vinda. É
sem princípio, meio e final. Não é nem alto, nem baixo. Eu
estou verdadeiramente declarando a mais alta Realidade – Eu
Sou o néctar do verdadeiro Conhecimento, existência
inalterável, como o céu.

85
3.7

Saṁviddhi sarvakaraṇāni nabhonibhāni


saṁviddhi sarvaviṣayāṁśca nabhonibhāṁśca /
Saṁviddhi caikamamalaṁ na hi bandhamuktaṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //7//

Conheças todos os instrumentos de percepção como sendo sutis


como o espaço. Conheças todas as percepções como sendo sutis
como o espaço. Conheças este puro Um como sendo nem
limitado, nem livre. Eu Sou o néctar do verdadeiro
Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

3.8

Durbodhabodhagahano na bhavāmi tāta

86
durlakśyalakśyagahano na bhavāmi tāta /
Āsannarūpagahano na bhavāmi tāta
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //8//

Minha criança, Eu não Sou difícil de se compreender, nem estou


inacessível na consciência. Minha criança, Eu não Sou nem
difícil de se perceber, nem inacessícel na percepção. Minha
criança, Eu não Sou inacessível nas formas imediatamente
próximas a Mim. Eu Sou o néctar do verdadeiro Conhecimento,
existência inalterável, como o céu.

3.9

Niṣkarmadahano jvalano bhavāmi


nirduḥkhaduḥkhadahano jvalano bhavāmi /
Nirdehadehadahano jvalano bhavāmi
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //9//

Eu Sou o Fogo que queima o karma daquele que está além de


todo karma. Eu Sou o Fogo que queima o sofrimento daquele

87
que está além do sofrimento. Eu Sou vazio de corpo. Eu Sou o
néctar do verdadeiro Conhecimento, existência inalterável,
como o céu.

3.10

Niṣpāpapāpadahano hi hutāśano'haṁ
nirdharmadharmadahano hi hutāśano'ham /
Nirbandhabandhadahano hi hutāśano'haṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //10//

Eu Sou o Fogo que queima o pecado daquele que não tem


pecado. Eu Sou o Fogo que queima os atributos daquele que
está além dos atributos. Eu Sou o Fogo que queima a escravidão
daquele que está além da escravidão. Eu Sou o néctar do
verdadeiro Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

88
3.11

Nirbhāvabhāvarahito na bhavāmi vatsa


niryogayogarahito na bhavāmi vatsa /
Niścittacittarahito na bhavāmi vatsa
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //11//

Minha criança, Eu Sou estou além de não-existência e de


existência. Minha criança, Eu não Sou desprovido de unidade ou
da falta dela. Minha criança, Eu não Sou desprovido de mente
ou da falta dela. Eu Sou o néctar do verdadeiro Conhecimento,
existência inalterável, como o céu.

3.12

Nirmohamohapadavīti na me vikalpo

89
niḥśokaśokapadavīti na me vikalpaḥ /
Nirlobhalobhapadavīti na me vikalpo
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //12//

Não parte de alguma ignorância Minha o fato daquele que está


além da ilusão parecer que está na ilusão. Não parte de alguma
ignorância Minha o fato daquele que é imaculado parecer que
vive em máculas. Não parte de alguma ignorância Minha o fato
daquele agraciado parecer que vive em desgraça. Eu Sou o
néctar do verdadeiro Conhecimento, existência inalterável,
como o céu.

3.13

Saṁsārasantatilatā na ca me kadācit
santoṣasantatisukho na ca me kadācit /
Ajñānabandhanamidaṁ na ca me kadācit
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //13//

90
A trepadeira que cresce junto com o Saṁsāra nunca é Minha. A
alegria do contentamento prolongado não Me afeta. Essa
escravidão da ignorância nunca é Minha. Eu Sou o néctar do
verdadeiro Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

3.14

Saṁsārasantatirajo na ca me vikāraḥ
santāpasantatitamo na ca me vikāraḥ /
Sattvaṁ svadharmajanakaṁ na ca me vikāro
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //14//

As atividades envolvidas na extensão relativa da existência não


são modificações Minhas. A tristeza que é a expansão do
sofrimento não é uma modificação de Mim mesmo. A
tranquilidade que gera o mérito religioso não é uma modificação
Minha. Eu Sou o néctar do verdadeiro Conhecimento, existência
inalterável, como o céu.

91
3.15

Santāpaduḥkhajanako na vidhiḥ kadācit


santāpayogajanitaṁ na manaḥ kadācit /
Yasmādahaṅkṛtiriyaṁ na ca me kadācit
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //15//

Eu nunca gerei nenhuma ação que fosse causa de pesar e da


miséria. Minha nunca é uma mente produto da miséria. Assim, o
egoísmo nunca é Meu. Eu Sou o néctar do verdadeiro
Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

3.16

Niṣkampakampanidhanaṁ na vikalpakalpaṁ

92
svapnaprabodhanidhanaṁ na hitāhitaṁ hi /
Niḥsārasāranidhanaṁ na carācaraṁ hi
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //16//

Eu Sou a morte do movimento Daquele que é imóvel. Eu estou


além de toda decisão e indecisão. Eu estou além do sono e da
vigília. Não Sou nem bom, nem mau, nem movente, nem
imóvel. Não Sou substância, nem insubstancial. Eu Sou o néctar
do verdadeiro Conhecimento, existência inalterável, como o
céu.

3.17

No vedyavedakamidaṁ na ca hetutarkyaṁ
vācāmagocaramidaṁ na mano na buddhiḥ /
Evaṁ kathaṁ hi bhavataḥ kathayāmi tattvaṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //17//

Este Self não é o conhecedor, nem aquilo a ser conhecido. Não é


nem a razão, nem aquilo em que se raciocina. Porque está além

93
de todo conceito ou palavra. Não é nem mente, nem
inteligência. Como posso expressar essa verdade a ti? Eu Sou o
néctar do verdadeiro Conhecimento, existência homogênea,
como o céu.

3.18

Nirbhinnabhinnarahitaṁ paramārthatattva-
mantarbahirna hi kathaṁ paramārthatattvam /
Prāksambhavaṁ na ca rataṁ nahi vastu kiñcit
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //18//

A Realidade Suprema é vazia de divisão e não-divisão. A


suprema Verdade não está circunscrita nem dentro, nem fora.
Está além da causação. Não é apegada, nem é qualquer
substância. Eu Sou o néctar do verdadeiro Conhecimento,
existência inalterável, como o céu.

94
3.19

Rāgādidoṣarahitaṁ tvahameva tattvaṁ


daivādidoṣarahitaṁ tvahameva tattvam /
Saṁsāraśokarahitaṁ tvahameva tattvaṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //19//

Eu Sou a Realidade Total – livre de manchas como o apego. Eu


Sou a Realidade Total – livre do sofrimento causado pelas
existências cíclicas. Eu Sou o néctar do verdadeiro
Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

3.20

Sthānatrayaṁ yadi ca neti kathaṁ turīyaṁ

95
kālatrayaṁ yadi ca neti kathaṁ diśaśca /
Śāntaṁ padaṁ hi paramaṁ paramārthatattvaṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //20//

Se não há três planos de existência, como pode haver um


quarto? Se não há três tempos, como pode haver um quarto? A
Realidade Suprema é o estado de suprema serenidade. Eu Sou o
néctar do verdadeiro Conhecimento, existência inalterável,
como o céu.

3.21

Dīrgho laghuḥ punaritīha name vibhāgo


vistārasaṁkaṭamitīha na me vibhāgaḥ /
koṇaṁ hi vartulamitīha na me vibhāgo
Jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //21//

Eu não tenho caracterizações como longo ou curto. Não tenho


caracterizações como largo ou estreito. Não tenho

96
caracterizações como angular ou circular. Eu Sou o néctar do
verdadeiro Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

3.22

Mātāpitādi tanayādi na me kadācit


jātaṁ mṛtaṁ na ca mano na ca me kadācit /
Nirvyākulaṁ sthiramidaṁ paramārthatattvaṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //22//

Eu nuca tive mãe, pai, filho ou algo assim. Eu nunca tive um


nascimento, e nem terei uma morte. Eu nunca tive uma mente.
A Suprema Realidade é inalterada e calma. Eu Sou o néctar do
verdadeiro Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

3.23

97
Śuddhaṁ viśuddhamavicāramanantarūpaṁ
nirlepalepamavicāramanantarūpam /
Niṣkhaṇḍakhaṇḍamavicāramanantarūpaṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //23//

Eu Sou puro, a própria pureza – além da razão e além de uma


forma delimitada. Eu Sou desapego e apego – além da razão e
além de uma forma delimitada. Eu Sou o néctar do verdadeiro
Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

3.24

Brahmādayaḥ suragaṇāḥ kathamatra santi


svargādayo vasatayaḥ kathamatra santi /
Yadyekarūpamamalaṁ paramārthatattvaṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //24//

98
Na Realidade Suprema, há apenas o imaculado Um. Como pode
haver aqui as hostes de deuses e deidades (como Brahma, etc.),
assim como a infinidades de mundos? Eu Sou o néctar do
verdadeiro Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

3.25

Nirneti neti vimalo hi kathaṁ vadāmi


niḥśeṣaśeṣavimalo hi kathaṁ vadāmi /
Nirliṅgaliṅgavimalo hi kathaṁ vadāmi
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //25//

Como posso Eu, o mais puro, falar “isso não” ou até mesmo a
negação do “isso não”? Como posso Eu, o mais puro, falar da
infinitude ou da não-ifinitude? Como posso Eu, o mais puro,
falar da ausência de atributos ou até mesmo da não-ausência de
atributos? Eu sou o néctar do verdadeiro Conhecimento,
existência inalterável, como o céu.

99
3.26

Niṣkarmakarmaparamaṁ satataṁ karomi


niḥsaṅgasaṅgarahitaṁ paramaṁ vinodam /
Nirdehadeharahitaṁ satataṁ vinodaṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //26//

Eu sempre realizo a suprema ação, que é não-ação. Eu Sou a


suprema ventura, vazio de apego e desapego. Eu Sou a alegria
eterna, desprovida de corpo e da ausência de corpo. Eu Sou o
néctar do verdadeiro Conhecimento, existência inalterável,
como o céu.

3.27

Māyāprapañcaracanā na ca me vikāraḥ /

100
kauṭilyadambharacanā na ca me vikāraḥ /
Satyānṛteti racanā na ca me vikāro
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //27//

A criação do universo ilusório não é uma modificação Minha. A


criação do engano e da arrogância não é Minha modificação. A
criação da verdade e da falsidade não é Minha modificação. Eu
Sou o néctar do verdadeiro Conhecimento, existência
inalterável, como o céu.

3.28

Sandhyādikālarahitaṁ na ca me viyogo-
hyantaḥ prabodharahitaṁ badhiro na mūkaḥ /
Evaṁ vikalparahitaṁ na ca bhāvaśuddhaṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //28//

Eu Sou desprovido de temporalidade, mas isso não Me torna


isolado. Eu Sou desprovido de interiorização e despertamento.
Não Sou nem surdo, nem mudo. Também Sou desprovido de

101
ilusão. Eu não dependo da pureza de ninguém para ser o que
Sou. Eu Sou o néctar do verdadeiro Conhecimento, existência
inalterável, como o céu.

3.29

Nirnāthanātharahitaṁ hi nirākulaṁ vai


niścittacittavigataṁ hi nirākulaṁ vai /
Saṁviddhi sarvavigataṁ hi nirākualaṁ vai
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //29//

Eu Sou desprovido de um mestre e da ausência de um – Eu Sou


imperturbável. Eu transcendo a mente e a ausência da mente –
Eu Sou imperturbável. Conheças-Me como imperturbável e
Aquele que a tudo transcende. Eu Sou o néctar do verdadeiro
Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

102
3.30

Kāntāramandiramidaṁ hi kathaṁ vadāmi


saṁsiddhasaṁśayamidaṁ hi kathaṁ vadāmi /
Evaṁ nirantarasamaṁ hi nirākulaṁ vai
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //30//

Como posso Eu dizer que isto é uma floresta ou que aquilo é um


templo? Como Eu posso dizer que algo é certo ou duvidoso?
Esta é a minha ininterrupta e calma Existência. Eu Sou o néctar
do verdadeiro Conhecimento, existência inalterável, como o
céu.

3.31
निर्जीवर्जीवरनितं सततं नवभानत
निर्बीर्जर्बीर्जरनितं सततं नवभानत ।
निवााणर्बन्धरनितं सततं नवभानत
ज्ञािामृतं समरसं गगिोपमोऽिम् ।। ३१।।
Nirjīvajīvarahitaṁ satataṁ vibhāti

103
nirbījabījarahitaṁ satataṁ vibhāti /
Nirvāṇabandharahitaṁ satataṁ vibhāti
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //31//

O Self desprovido de vida e da ausência de vida – brilha


eternamente. Desprovido de semente e de falta de semente – de
liberação e escravidão, brilha eternamente. Eu Sou o néctar do
verdadeiro Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

3.32

Sambhūtivarjitamidaṁ satataṁ vibhāti


saṁsāravarjitamidaṁ satataṁ vibhāti /
Saṁhāravarjitamiadaṁ satataṁ vibhāti
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //32//

O Self Causal brilha eternamente, desprovido de nascimento,


existência mundana e falecimento. Eu Sou o o néctar do
verdadeiro Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

104
3.33

Ullekhamātramapi te na ca nāmarūpaṁ
nirbhinnabhinnamapi te na hi vastu kiñcit /
Nirlajjamānasa karoṣi kathaṁ viṣādaṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //33//

Tu não tens nem nome, nem forma – nem mesmo num sentido
de alusão. Tu não tens substância – diferenciada ou
indiferenciada. Por que te afliges então, oh mente sem-
vergonha? Eu Sou o néctar do verdadeiro Conhecimento,
existência inalterável, como o céu.

3.34

105
Kiṁ nāma rodiṣi sakhe na jarā na mṛtyuḥ
kiṁ nāma rodiṣi sakhe na ca janma duḥkham /
Kiṁ nāma rodiṣi sakhe na ca te vikāro
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //34//

Por que choras, amigo? Tu não tens nenhuma miséria nascitura.


Por que choras, amigo? Não há mudança para ti. Eu Sou o
néctar do verdadeiro Conhecimento, existência inalterável,
como o céu.

3.35

Kiṁ nāma rodiṣi sakhe na ca te svarūpaṁ


kiṁ nāma rodiṣi sakhe na ca te virūpam /
Kiṁ nāma rodiṣi sakhe na ca te vayāṁsi
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //35//

106
Por que choras, amigo? Tu não tens uma forma que te define.
Por que essas lágrimas, amigo? Tu não tens deformidades. Por
que tu choras, amigo? Tu não envelheces. Eu Sou o néctar do
verdadeiro Conhecimento, existência homogênea, como o céu.

3.36

Kiṁ nāma rodiṣi sakhe na ca te vayāṁsi


kiṁ nāma rodiṣi sakhe na ca te manāṁsi /
Kiṁ nāma rodiṣi sakhe na tavendriyāṇi
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //36//

Por que choras, amigo? Tu não tens idade. Por que tu choras,
amigo? Tu estás além da mente. Por que tu choras, amigo? Tu
estás além dos sentidos. Eu Sou o néctar do verdadeiro
Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

107
3.37

Kiṁ nāma rodiṣi sakhe na ca te'sti kāmaḥ


kiṁ nāma rodiṣi sakhe na ca te pralobhaḥ /
Kiṁ nāma rodiṣi sakhe na ca te vimoho
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //37//

Por que tu choras, amigo? Tu não tens luxúria. Por que tu


choras, amigo? Tu esnão tens ganância. Por que tu choras,
amigo Meu? Tu não tens ilusão. Eu Sou o néctar do verdadeiro
Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

3.38

Aiśvaryamicchasi kathaṁ na ca te dhanāni

108
aiśvaryamicchasi kathaṁ na ca te hi patnī /
Aiśvaryamicchasi kathaṁ na ca te mameti
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //38//

Por que desejas a riqueza? Tu estás acima de toda riqueza. Por


que anseias pela abundância relativa? Tu não tens esposa. Por
que anseias por posses? Nada é teu. Eu Sou o néctar do
verdadeiro Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

3.39

Liṅgaprapañcajanuṣī na ca te na me ca
nirlajjamānasamidaṁ ca vibhāti bhinnam /
Nirbhedabhedarahitaṁ na ca te na me ca
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //39//

O nascimento neste universo de falsas aparências não é teu nem


Meu. Essa mente sem-vergonha parece algo diferenciado. Mas
isto, desprovido de diferença e de indiferença, não é teu nem

109
Meu. Eu Sou o néctar do verdadeiro Conhecimento, existência
inalterável, como o céu.

3.40

No vāṇumātramapi te hi virāgarūpaṁ
no vāṇumātramapi te hi sarāgarūpam /
No vāṇumātramapi te hi sakāmarūpaṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //40//

Tu não és da natureza do apego, em nenhuma medida, assim


como também não és da natureza do desejo. Eu Sou o néctar do
verdadeiro Conhecimento, existência inalterável, como o céu.

3.41

110
Dhyātā na te hi hṛdaye na ca te samādhi-
rdhyānaṁ na te hi hṛdaye na bahiḥ pradeśaḥ /
Dhyeyaṁ na ceti hṛdaye na hi vastu kālo
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //41//

Em tua mente não há nem o meditador, nem a meditação, nem o


objeto sobre o qual tu meditas. Estás além até do samādhi. Não
há nada fora de ti, não há nenhuma substância ou sequer o
tempo. Eu Sou o néctar do verdadeiro Conhecimento, existência
inalterável, como o céu.

3.42

Yatsārabhūtamakhilaṁ kathitaṁ mayā te


na tvaṁ na me na mahato na gururna na śiṣyaḥ /
Svacchandarūpasahajaṁ paramārthatattvaṁ
jñānāmṛtaṁ samarasaṁ gaganopamo'ham //42//

111
Eu te disse tudo aquilo que é essencial. Tu não és algo à parte,
diferenciado, para Mim. Não há professor, não há discípulo. A
Realidade Suprema é natural e existe a seu modo. Eu Sou o
néctar do verdadeiro Conhecimento, existência inalterável,
como o céu.

3.43

Kathamiha paramārthaṁ tattvamānandarūpaṁ


kathamiha paramārthaṁ naivamānandarūpam /
Kathamiha paramārthaṁ jñānavijñānarūpaṁ
yadi paramahamekaṁ vartate vyomarūpam //43//

Se Eu, o Supremo, da natureza do céu, somente Eu existo, como


pode haver aqui outra verdade suprema? Se a ventura suprema é
ela mesma onipresente como o espaço, como pode algo ser
superior a ela? Se este Eu é tanto o conhecimento quanto a
verdade, como pode haver algo superior?

112
3.44

Dahanapavanahīnaṁ viddhi vijñānameka-


mavanijalavihīnaṁ viddhi vijñānarūpam /
Samagamanavihīnaṁ viddhi vijñānamekaṁ
gaganamiva viśālaṁ viddhi vijñānamekam //44//

Conheças Aquele que é Consciência, além de fogo e de ar.


Conheças Aquele que é da natureza da Consciência, desprovido
de terra e de água. Conheças a natureza da Consciência, que é
desprovida de ir e vir.

3.45

113
Na śūnyarūpaṁ na viśūnyarūpaṁ
na śuddharūpaṁ na viśuddharūpam /
Rūpaṁ virūpaṁ na bhavāmi kiñcit
svarūparūpaṁ paramārthatattvam //45//

Eu não sou nem da natureza do vazio, nem da natureza do não-


vazio. Minha realidade é além do puro e do impuro. Não Sou
nem forma, nem sem-forma. Eu Sou a realidade suprema da
forma de sua própria natureza.

3.46

Muñca muñca hi saṁsāraṁ tyāgaṁ muñca hi sarvathā /


Tyāgātyāgaviṣaṁ śuddhamamṛtaṁ sahajaṁ dhruvam //46//

Renuncies ao mundo em todos os sentidos. Renuncies à


renúncia em todos os sentidos. Renuncies ao veneno da renúncia
e da não-renúncia. O Eu é puro, imortal, natural e imutável.

Iti tṛtīyo'dhyāyaḥ //3//


Isto encerra o capítulo 3.

114
CAPITULO IV

115
4

Atha caturtho'dhyāyaḥ //

Agora começa o capítulo 4.

4.1

Nāvāhanaṁ naiva visarjanaṁ vā


puṣpāṇi patrāṇi kathaṁ bhavanti /
Dhyānāni mantrāṇi kathaṁ bhavanti
samāsamaṁ caiva śivārcanaṁ ca //1//

Não há nem chamado, nem desistência. Como pode haver


flores, folhas, meditações e recitações de textos sagrados? Como
pode haver adoração a Śiva, que é a não-diferença por
excelência?

116
4.2

Na kevalaṁ bandhavibandhamukto
na kevalaṁ śuddhaviśuddhamuktaḥ /
Na kevalaṁ yogaviyogamuktaḥ
sa vai vimukto gaganopamo'ham //2//

O Absoluto não é liberado nem de escravidão, nem de obstrução


(não há necessidade). O Absoluto não é purificado, limpo ou
liberado. O Absoluto não é libertado nem pela união, nem pela
separação. Eu Sou a própria Liberdade, como o céu.

4.3

117
Sañjāyate sarvamidaṁ hi tathyaṁ
sañjāyate sarvamidaṁ vitathyam /
Evaṁ vikalpo mama naiva jātaḥ
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //3//

Eu não desenvolvi nenhuma falsa noção de que toda essa


“realidade” veio à existência, nem de que essa “ilusão” veio à
existência. Eu Sou livre, por natureza, de todos os males.

4.4

Na sāñjanaṁ caiva nirañjanaṁ vā


na cāntaraṁ vāpi nirantaraṁ vā /
Antarvibhannaṁ na hi me vibhāti
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //4//
Maculado, sem-máculas, dividido, indivisível, nada disso diz
respeito a Mim. Eu Sou livre, por natureza, de todos os males.

118
4.5

Abodhabodho mama naiva jāto


bodhasvarūpaṁ mama naiva jātam /
Nirbodhabodhaṁ ca kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //5//

Nem o conhecimento, nem a ignorância, me dizem respeito. Eu


não sou da natureza do conhecimento (conhecimento segundo a
perspectiva humana). Como Eu posso falar, então, de ignorância
e de conhecimento? Eu Sou livre de todos os males, porque a
Minha forma está além deles.

4.6

Na dharmayukto na ca pāpayukto

119
na bandhayukto na ca mokśayuktaḥ /
Yuktaṁ tvayuktaṁ na ca me vibhāti
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //6//

O Self não parece para Mim nem virtuoso, nem pecador, nem
escravo, nem liberto, nem unido, nem separado. Eu Sou livre de
todos os males, porque a Minha forma está além deles.

4.7

Parāparaṁ vā na ca me kadācit
madhyasthabhāvo hi na cārimitram /
Hitāhitaṁ cāpi kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //7//

Eu nunca tive um estado elevado, nem um estado mediano, nem


um estado inferior. Eu não tenho nem amigo, nem inimigo.
Como posso Eu falar de bem ou de mal? Eu Sou livre de todos
os males, porque a Minha forma está além deles.

120
4.8

Nopāsako naivamupāsyarūpaṁ
na copadeśo na ca me kriyā ca /
Saṁvitsvarūpaṁ ca kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //8//

Eu não Sou nem o adorador, nem o alvo da adoração. Eu não


tenho nem instrução, nem prática. Como posso falar de Mim
mesmo – Eu que sou da natureza da Consciência? Eu Sou livre
de todos os males, porque a Minha forma está além deles.

4.9

121
No vyāpakaṁ vyāpyamihāsti kiñcit
na cālayaṁ vāpi nirālayaṁ vā /
Aśūnyaśūnyaṁ ca kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //9//

Não há nada aqui que penetre ou que seja penetrado. Não há


uma morada, nem a falta de uma. Eu Sou livre de todos os
males, porque a Minha forma está além de tudo isso.

4.10

Na grāhako grāhyakameva kiñcit


na kāraṇaṁ vā mama naiva kāryam /
Acintyacintyaṁ ca kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //10//

Não há entendedor e, de fato, nada a ser entendido. Eu não


tenho nem causa, nem efeito. Como posso dizer que Sou
concebível ou inconcebível? Eu Sou livre de todos os males,
porque a Minha forma está além de tudo isso.

122
4.11

Na bhedakaṁ vāpi na caiva bhedyaṁ


na vedakaṁ vā mama naiva vedyam /
Gatāgataṁ tāta kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //11//

Não há nada dividindo, nada a ser dividido. Como posso então


falar do ir e vir? Eu Sou livre, em natureza, de todos os males.

4.12

Na cāsti deho na ca me videho

123
buddirmano me na hi cendriyāṇi /
Rāgo virāgaśca kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //12//

Eu não tenho nem corpo, nem Sou desprovido de um. Também


não tenho uma inteligência (aquilo que os homens entendem por
inteligência), mente ou sentidos. Como posso, então, falar de
apego ou desapego? Eu Sou livre de todos os males, porque a
Minha forma está além deles.

4.13

Ullekhamātraṁ na hi bhinnamuccai-
rullekhamātraṁ na tirohitaṁ vai /
Samāsamaṁ mitra kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //13//

O Self não é separado ou elevado em relação a nada, também


não se acha oculto nas palavras. Amigo, como posso falar que
Ele é idêntico a algo ou diferente de alguma coisa? Eu Sou livre

124
de todos os males, porque a Minha natureza está além de todos
eles.

4.14

Jitendriyo'haṁ tvajitendriyo vā
na saṁyamo me niyamo na jātaḥ /
Jayājayau mitra kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //14//

Eu nem conquistei os sentidos e nem deixei de conquista-los.


Autodomínio ou disciplina não se aplicam a Mim. Amigo, como
posso falar em vitória ou em derrota? Eu Sou livre de todos os
males, porque a Minha natureza está além deles.

4.15

125
Amūrtamūrtirna ca me kadāci-
dādyantamadhyaṁ na ca me kadācit /
Balābalaṁ mitra kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //15//

Nunca precisei de uma forma ou de Me abster de alguma; nunca


nenhum começo, nem meio ou final. Amigo, como posso falar-
te acerca da força ou da fraqueza? Eu Sou livre de todos os
males, porque a Minha natureza está além deles.

4.16

Mṛtāmṛtaṁ vāpi viṣāviṣaṁ ca


sañjāyate tāta na me kadācit /
Aśuddhaśuddhaṁ ca kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //16//

126
Nunca tive morte, nem ao menos imortalidade. Nunca fui
envenenado e nem ao menos pude não o ser. Como posso falar
do puro e do impuro? Eu Sou livre de todos os males, porque a
Minha natureza está além deles.

4.17

Svapnaḥ prabodho na ca yogamudrā


naktaṁ divā vāpi na me kadācit /
Aturyaturyaṁ ca kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //17//

Nunca dormi, nunca acordei. Nunca pratiquei a concentração ou


posturas de mãos. Para Mim não há nem dia, nem noite. Como
posso falar-te de estados transcendentais ou ordinários? Eu Sou
livre de todos os males, porque a Minha natureza está além
deles.

127
4.18

Saṁviddhi māṁ sarvavisarvamuktaṁ


māyā vimāyā na ca me kadācit /
Sandhyādikaṁ karma kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //18//

Conheças-Me como livre de tudo e de todos os detalhes que


compõem o todo. Não tenho nem ilusão, nem a necessidade de
Me libertar da ilusão. Como posso falar-te de rituais diurnos e
devoções noturnas? Eu Sou livre de todos os males, porque a
Minha natureza está além deles.

4.19

Saṁviddhi māṁ sarvasamādhiyuktaṁ

128
saṁviddhi māṁ lakśyavilakśyamuktam /
Yogaṁ viyogaṁ ca kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //19//

Conheças-Me como associado ao estado de Samādhi, além de


tudo aquilo que pode ser considerado uma meta relativa ou final.
Como falarei de união e de separação? Eu Sou livre de todos os
males, porque a Minha natureza está além deles.

4.20

Mūrkho'pi nāhaṁ na ca paṇḍito'haṁ


maunaṁ vimaunaṁ na ca me kadācit /
Tarkaṁ vitarkaṁ ca kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //20//

Eu não Sou nem ignorante, nem instruído; Eu não observo nem


o silêncio, nem a abstenção de silêncio. Como posso falar de
argumento e de contra-argumento? Eu Sou livre de todos os
males, porque a Minha natureza está além deles.

129
4.21

Pitā ca mātā ca kulaṁ na jāti-


rjanmādi mṛtyurna ca me kadācit /
Snehaṁ vimohaṁ ca kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //21//

Igualmente, nunca tive pai, mãe, família, casta, nascimento ou


morte. Como posso falar de afeição e paixão? Eu Sou livre de
todos os males, porque a Minha natureza está além deles.

4.22

130
Astaṁ gato naiva sadodito'haṁ
tejovitejo na ca me kadācit /
Sandhyādikaṁ karma kathaṁ vadāmi
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //22//

Eu nem desapareço, nem apareço. Nem possuo efulgência ou a


ausência dela. Como posso falar-te de rituais matutinos e
devoções noturnas? Eu Sou livre de todos os males, porque a
Minha natureza está além deles.

4.23

Asaṁśayaṁ viddhi nirākulaṁ māṁ


asaṁśayaṁ viddhi nirantaraṁ mām /
Asaṁśayaṁ viddhi nirañjanaṁ māṁ
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //23//

Conheças-Me para além de toda dúvida, como sendo ilimitado.


Conheças-Me para além de toda dúvida, como sendo indivisível.
Conheças-Me para além de toda dúvida, como sendo imaculado.

131
Eu Sou livre de todos os males, porque a Minha natureza está
além deles.

4.24

Dhyānāni sarvāṇi parityajanti


śubhāśubhaṁ karma parityajanti /
Tyāgāmṛtaṁ tāta pibanti dhīrāḥ
svarūpanirvāṇamanāmayo'ham //24//

O sábio abandona toda meditação, todas as ações, boas ou más,


e bebe o néctar da renúncia. Eu Sou livre de todos os males,
porque a Minha natureza está além deles.

4.25

132
Vindati vindati na hi na hi yatra
chandolakśaṇaṁ na hi na hi tatra /
Samarasamagno bhāvitapūtaḥ
pralapati tattvaṁ paramavadhūtaḥ //25//

Não há como se colocar em versos aquilo que não possui


conhecedor. O asceta (avadhūta), totalmente livre, vive absorto
na Consciência desse Ser imutável e puro, além dos
pensamentos, e murmura sobre a verdade.

Iti caturtho'dhyāyaḥ //4//


Isto encerra o capítulo 4.

133
CAPITULO V

134
5

Atha pañcamodhyāyaḥ //

Agora começa o capítulo 5.

5.1

Om iti gaditaṁ gaganasamaṁ tat


na parāparasāravicāra iti /
Avilāsavilāsanirākaraṇaṁ
kathamakśarabindusamuccaraṇam //1//

A sílaba Om é como o céu, e ela ultrapassa toda relatividade de


superior e inferior. Como pode haver a enunciação de um só
ponto da sílaba Om se ela mesma já denota a realidade indivisa?

135
5.2

Iti tattvamasiprabhṛtiśrutibhiḥ
pratipāditamātmani tattvamasi /
Tvamupādhivivarjitasarvasamaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //2//

Os Śrutis (sons/textos universais da verdade) – como “Tu és


Aquilo” – indicam que tu és realmente “Aquilo”, desprovido de
complementos e o mesmo em tudo. Por que tu, que és a
Identidade em tudo, te afliges em teu coração?

5.3

Adhaūrdhvavivarjitasarvasamaṁ

136
bahirantaravarjitasarvasamam /
Yadi caikavivarjitasarvasamaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //3//

Se tu és a identidade em tudo, se tu és desprovido de superior e


inferior, interno e externo e até mesmo do senso [cognitivo] de
unidade, então por que tu, que és a Identidade em tudo, te
afliges em teu coração?

5.4

Na hi kalpitakalpavicāra iti
na hi kāraṇakāryavicāra iti /
padasandhivivarjitasarvasamaṁ
Kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //4//

Não há nenhuma discriminação entre regras e preceitos – até


mesmo na noção de causa e efeito. Assim é Aquilo que é a
identidade em tudo, além-das-palavras e o conjunto englobador

137
de todas as palavras. Por que tu, que és a Identidade em tudo, te
afliges em teu coração?

5.5

Na hi bodhavibodhasamādhiriti
na hi deśavideśasamādhiriti /
Na hi kālavikālasamādhiriti
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //5//

Não há nem conhecimento, nem ignorância, nem mesmo a


concentração perfeita. Não há nem espaço nem a falta de
espaço, nem mesmo [a noção] de Samādhi. Por que tu, que és a
Identidade em tudo, te afliges em teu coração?

5.6

138
Na hi kumbhanabho na hi kumbha iti
na hi jīvavapurna hi jīva iti /
Na hi kāraṇakāryavibhāga iti
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //6//

Não há envoltório, corpo individual ou indivíduo. Não há


nenhuma distinção entre causa e efeito. Por que tu, que és a
Identidade em tudo, te afliges em teu coração?

5.7

Iha sarvanirantaramokśapadaṁ
laghudīrghavicāravihīna iti /
Na hi vartulakoṇavibhāga iti
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //7//

139
Há apenas o estado de liberdade que é totalmente não-
diferenciado, que é vazio de destinções como curto ou longo,
arredondado ou angular. Por que tu, que és a Identidade em
tudo, te afliges em teu coração?

5.8

Iha śūnyaviśūnyavihīna iti


iha śuddhaviśuddhavihīna iti /
Iha sarvavisarvavihīna iti
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //8//

Aqui está a Unidade plena – além de vacuidade e da ausência de


vacuidade, além da pureza e da impureza – sem totalidade nem
parte. Por que tu, que és a Identidade em tudo, te afliges em teu
coração?

140
5.9

Na hi bhinnavibhinnavicāra iti
bahirantarasandhivicāra iti /
Arimitravivarjitasarvasamaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //9//

Não há distinções – não há nem diferente nem indiferenciado.


Não há distinções de interno e externo – ou a união de duas
coisas. É o mesmo em tudo – destituído de amigo e inimigo. Por
que tu, que és a Identidade em tudo, te afliges em teu coração?

5.10

Na hi śiṣyaviśiṣyasvarūpaiti

141
na carācarabhedavicāra iti /
Iha sarvanirantaramokśapadaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //10//

Isto não é nem da natureza de um discípulo, nem de um não-


discípulo; nem ao menos é da natureza da distinção entre aquilo
que está vivo e aquilo que não está. Há apenas o estado puro de
liberdade – a Totalidade – o Indiferenciado. Por que tu, que és a
Identidade em tudo, te afliges em teu coração?

5.11

Nanu rūpavirūpavihīna iti


nanu bhinnavibhinnavihīna iti /
Nanu sargavisargavihīna iti
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //11//

Isto é desprovido de forma e da ausência de forma. Isto é


desprovido de diferenciação e não-diferenciação. Isto é

142
desprovido de manifestação e evolução. Por que tu, que és a
Identidade em tudo, te afliges em teu coração?

5.12

Na guṇāguṇapāśanibandha iti
mṛtajīvanakarma karomi katham /
Iti śuddhanirañjanasarvasamaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //12//

Não há escravidão – oriunda de grilhões de qualidades boas ou


más. Como posso me envolver nas ações relacionadas à morte e
à vida? Há apenas o uno e puro Ser Imaculado – o mesmo em
tudo. Por que tu, que és a Identidade em tudo, te afliges em teu
coração?

143
5.13

Iha bhāvavibhāvavihīna iti


iha kāmavikāmavihīna iti /
Iha bodhatamaṁ khalu mokśasamaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //13//

Aqui está o Ser que a tudo transcende – que transcende


existência e não-existência – que transcende desejo e ausência
de desejo. Aqui está a verdadeira Consciência Suprema – que se
iguala à Liberdade. Por que tu, que és a Identidade em tudo, te
afliges em teu coração?

5.14

Iha tattvanirantaratattvamiti

144
na hi sandhivisandhivihīna iti /
Yadi sarvavivarjitasarvasamaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //14//

Aqui está a Verdade Absoluta que não é afetada pelas verdades


relativas – que transcende até a noção de união e de desunião. Já
que Ela é a mesma em todos e desprovida de todos, por que tu,
que és a Identidade em tudo, te afliges em teu coração?

5.15

Aniketakuṭī parivārasamaṁ
ihasaṅgavisaṅgavihīnaparam /
Iha bodhavibodhavihīnaparaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //15//

Aqui está o Supremo – que transcende toda associação e


dissociação – ao contrário de algo que tem um lugar fixo como
morada. Aqui está o Supremo que transcende conhecimento e

145
ignorância. Por que tu, que és a Identidade em tudo, te afliges
em teu coração?

5.16

Avikāravikāramasatyamiti
avilakśavilakśamasatyamiti /
Yadi kevalamātmani satyamiti
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //16//

Mudança e imutabilidade, definição e indefinição, não são nada


perante Isto. Se a Verdade está no Eu Real, por que tu, que és a
Identidade em tudo, te afliges em teu coração?

5.17

146
Iha sarvasamaṁ khalu jīva iti
iha sarvanirantarajīva iti /
Iha kevalaniścalajīva iti
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //17//

Em verdade, neste aqui e agora só há essa Consciência que é


completa em tudo. Neste aqui e neste agora está a Consciência
que é oniabarcante e indivisível. Neste aqui e neste agora está a
Consciência única e imutável. Por que tu, que és a Identidade
em tudo, te afliges em teu coração?

5.18

Avivekavivekamabodha iti
avikalpavikalpamabodha iti /
Yadi caikanirantarabodha iti
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //18//

147
É pura ignorância ficar vendo diferenciação Naquilo que é
indiferenciado. Colocar dúvida Naquilo que está além da dúvida
é ignorância. Se há apenas uma Consciência indivisa, por que tu,
que és a Identidade em tudo, te afliges em teu coração?

5.19

Na hi mokśapadaṁ na hi bandhapadaṁ
na hi puṇyapadaṁ na hi pāpapadam /
Na hi pūrṇapadaṁ na hi riktapadaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //19//

Não há sequer estado de liberação – nem estado de virtude ou de


vício. Não há um estado de superioridade e um estado de
miséria. Por que tu, que és a identidade em tudo, te afliges em
teu coração?

148
5.20

Yadi varṇavivarṇavihīnasamaṁ
yadi kāraṇakāryavihīnasamam /
Yadibhedavibhedavihīnasamaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //20//

Se o Ser Uno está além de causa e efeito – divisão e subdivisão,


cor e ausência de cor – por que tu, que és a Identidade em tudo,
te afliges em teu coração?

5.21

Iha sarvanirantarasarvacite

149
iha kevalaniścalasarvacite /
Dvipadādivivarjitasarvacite
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //21//

O Eu Real está aqui, sendo Um com a Consciência Universal


que é o tudo e o indiviso, sendo Um com a Consciência
Universal que é absoluta e inalterável. O Eu Real está aqui,
sendo Um com a Consciência Universal que transcende o ser
humano e todos os seres. Por que tu, que és a Identidade em
tudo, te afliges em teu coração?

5.22

Atisarvanirantarasarvagataṁ
atinirmalaniścalasarvagatam /
Dinarātrivivarjitasarvagataṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //22//

O Eu Real a tudo transcende, é invisível e todo-pervasivo. É


livre de mácula e apego, inalterável e onipresente. Transcende

150
dia e noite, e está em tudo. Por que tu, que és a Identidade em
tudo, te afliges em teu coração?

5.23

Na hi bandhavibandhasamāgamanaṁ
na hi yogaviyogasamāgamanam /
Na hi tarkavitarkasamāgamanaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //23//

Não há como cair na escravidão, por isso não há como sair da


escravidão. Não há como atingir a união, pois não há nenhuma
separação. Não há como se limitar por raciocínio ou falta dele.
Por que tu, que és a Identidade em tudo, te afliges em teu
coração?

151
5.24

Iha kālavikālanirākaraṇaṁ
aṇumātrakṛśānunirākaraṇam /
Na hi kevalasatyanirākaraṇaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //24//

Aqui está Algo além de todo tempo, do não-tempo e até mesmo


do átomo do fogo. Mas não que possa negar a Verdade
Absoluta. Por que tu, que és a Identidade em tudo, te afliges em
teu coração?

5.25

Iha dehavidehavihīna iti

152
nanu svapnasuṣuptivihīnaparam /
Abhidhānavidhānavihīnaparaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //25//

Aqui está o Eu Real que transcende toda forma e não-forma.


Aqui está o verdadeiramente Supremo, além de sonho e de sono.
Aqui está o Uno Supremo, além de todo nome e injunções. Por
que tu, que és a Identidade em tudo, te afliges em teu coração?

5.26

Gaganopamaśuddhaviśālasamaṁ
atisarvavivarjitasarvasamam /
Gatasāravisāravikārasamaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //26//

Puro, vasto e uniforme como o céu, o Eu Real é o mesmo em


tudo e vazio de tudo. É o Ser homogêneo, livre de essência, não-
essência e mudança. Por que tu, que és a Identidade em tudo, te
afliges em teu coração?

153
5.27

Iha dharmavidharmavirāgatara-
miha vastuvivastuvirāgataram /
Iha kāmavikāmavirāgataraṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //27//

Aqui está o Eu Real, que é indiferente à virtude e ao vício,


substância e não-substância, desejo e ausência de desejo. Por
que tu, que és a Identidade em tudo, te afliges em teu coração?

5.28

Sukhaduḥkhavivarjitasarvasama-

154
miha śokaviśokavihīnaparam /
Guruśiṣyavivarjitatattvaparaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //28//

Aqui está o Eu Real, o mesmo em Tudo – que está além da


tristeza e da não-tristeza. Aqui está o Supremo, além de alegria e
sofrimento. A Verdade Suprema é vazia de professor e
discípulo. Por que tu, que és a Identidade em tudo, te afliges em
teu coração?

5.29

Na kilāṅkurasāravisāra iti
na calācalasāmyavisāmyamiti /
Avicāravicāravihīnamiti
kimu rodisi maansi srvsmm || 29||

Em verdade, não há descendência – essência ou ausência de


essência. Nem há mobilidade ou imobilidade – igualdade e

155
variedade. O Eu Real é vazio de razão e não-razão. Por que tu,
que és a Identidade em tudo, te afliges em teu coração?

5.30

Iha sārasamuccayasāramiti /
kathitaṁ nijabhāvavibheda iti /
Viṣaye karaṇatvamasatyamiti
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //30//

Aqui está o âmago, o âmago de todos os âmagos, que é dito ser


além de todas as consciências individuais. Tu não és apenas um
instrumento de percepção dos objetos. Por que tu, que és a
Identidade em tudo, te afliges em teu coração?

5.31

156
Bahudhā śrutayaḥ pravadanti yato
viyadādiridaṁ mṛgatoyasamam /
Yadi caikanirantarasarvasamaṁ
kimu rodiṣi mānasi sarvasamam //31//

Desde que os Vedas declararam que este Universo feito de éter é


semelhante a uma miragem, e desde que o Ser é Um, indivisível
e o mesmo em tudo, por que tu, que és a Identidade em tudo, te
afliges em teu coração?

5.32

Vindati vindati na hi na hi yatra


chandolakśaṇaṁ na hi na hi tatra /
Samarasamagno bhāvitapūtaḥ
pralapati tattvaṁ paramavadhūtaḥ //32//

157
Aquele que paira além das definições lógicas, submerso na
experiência da Unidade, é supremamente livre – puro de
pensamentos, absorto na Consciência do Ser Supremo e
murmura a Verdade.

Iti pañcamo'dhyāyaḥ //5//


Isto encerra o capítulo 5.

158
CAPITULO VI

159
6

Atha ṣaṣṭhamo'dhyāyaḥ //

Agora começa o capítulo 6.

6.1

Bahudhā śrutayaḥ pravadanti vayaṁ


viyadādiridaṁ mṛgatoyasamam /
Viyadādiridaṁ mṛgatoyasamam /
mupameyamathohyupamā ca katham //1//

As Escrituras declaram, de várias maneiras, que tudo isso que


nós vemos (incluindo a nós próprios) é como uma miragem.
Pois se existe apenas o Uno Absoluto indivisível, todo-
abrangente, como pode haver o comparável e a comparação?

160
6.2

Avibhaktivibhaktivihīnaparaṁ
nanu kāryavikāryavihīnaparam /
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ
yajanaṁ ca kathaṁ tapanaṁ ca katham //2//

O Supremo está além da divisibilidade e da indivisibilidade. O


Supremo está além da atividade e da mudança. Se há apenas o
Absoluto indivisível, oniabarcante, como pode haver adoração e
austeridade?

6.3

161
Mana eva nirantarasarvagataṁ
hyaviśālaviśālavihīnaparam /
Mana eva nirantarasarvaśivaṁ
manasāpi kathaṁ vacasā ca katham //3//

A [natureza da] mente é, em verdade, suprema, indivisa,


onipresente e paira além da grandeza e da pequenez. A [natureza
da] mente é, de fato, o absoluto indivisível e abrangente. Como
podemos fazer algo com a mente e com a fala?

6.4

Dinarātrivibhedanirākaraṇa-
muditānuditasya nirākaraṇam /
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ
ravicandramasau jvalanaśca katham //4//

O Eu Real está além da distinção entre dia e noite. O Eu Real


está além do emergir e do imergir. Se há apenas o Um
indivisível e oniabarcante, como pode haver Sol, Lua e fogo?

162
6.5

Gatakāmavikāmavibheda iti
gataceṣṭaviceṣṭavibheda iti /
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ
bahirantarabhinnamatiśca katham //5//

O Eu Real é aquilo em que as distinções entre desejo e falta de


desejo, de ação e inação se foram. Se existe apena Um
Absoluto, indivisível e oniabarcante, como pode haver
consciência diferenciada pelo exterior e pelo interior?

6.6

163
Yadi sāravisāravihīna iti
yadi śūnyaviśūnyavihīna iti /
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ
prathamaṁ ca kathaṁ caramaṁ ca katham //6//

O Eu Real está além da alma e da falta de alma, se é sem vazio e


sem não-vazio, se existe apenas Um Absoluto, indivisível e
oniabarcante, como pode haver um primeiro e um último?

6.7

Yadibhedavibhedanirākaraṇaṁ
yadi vedakavedyanirākaraṇam /
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ
tṛtīyaṁ ca kathaṁ turīyaṁ ca katham //7//

Se o Eu Real está além da diferença e da não-diferença, se está


além do conhecedor e do cognoscível, se existe apenas Um

164
Absoluto, indivisível e oniabarcante, como pode haver um
terceiro ou, ainda, um quarto?

6.8

Gaditāviditaṁ na hi satyamiti
viditāviditaṁ nahi satyamiti /
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ
viṣayendriyabuddhimanāṁsi katham //8//

Aquilo que é falado, e até mesmo aquilo que não é falado, não
são a Verdade. O conhecido, e até mesmo o desconhecido, não
são a Verdade. Se existe apenas Um Absoluto, indivisível,
oniabarcante, como pode haver objetos, sentidos, mente e
intelecto?

165
6.9

Gaganaṁ pavano na hi satyamiti


dharaṇī dahano na hi satyamiti /
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ
yadi caikanirantarasarvaśivaṁ

Éter e ar não são a Verdade; Terra e fogo não são a Verdade. Se


existe apenas Um Absoluto, indivisível, oniabarcante, como
pode haver nuvem, como pode haver água?

6.10

Yadi kalpitalokanirākaraṇaṁ
yadi kalpitadevanirākaraṇam /

166
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ
guṇadoṣavicāramatiśca katham //10//

Se o Eu Real é aquilo que está além dos mundos imaginados, se


está além dos deuses imaginados, se existe apenas Um
Absoluto, indivisível, oniabarcante, como pode haver
consciência discriminadora do bem e do mal?

6.11

Maraṇāmaraṇaṁ hi nirākaraṇaṁ
karaṇākaraṇaṁ hi nirākaraṇam /
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ
yadi caikanirantarasarvaśivaṁ

O Eu Real está além da morte e, até mesmo, da imortalidade.


Está além da ação e da inação. Se existe apenas Um Absoluto,
indivisível, oniabarcante, como se pode falar do ir e vir?

167
6.12

Prakṛtiḥ puruṣo na hi bheda iti


na hi kāraṇakāryavibheda iti /
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ
puruṣāpuruṣaṁ ca kathaṁ vadati //12//

Não existem tais distinções entre Prakṛtiḥ e Puruṣa. Se existe


apenas Um Absoluto, indivisível, oniabarcante, como se pode
falar de eu e de não-eu?

6.13

Tṛtīyaṁ na hi duḥkhasamāgamanaṁ
na guṇāddvitīyasya samāgamanam /

168
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ
yadi caikanirantarasarvaśivaṁ

Não há vinda do terceiro tipo de miséria ou do segundo tipo de


miséria devido aos guṇās. Se existe apenas Um Absoluto,
indivisível e oniabarcante, como pode haver um ancião, um
jovem e um bebê?

6.14

Nanu āśramavarṇavihīnaparaṁ
nanu kāraṇakartṛvihīnaparam /
Yadi caikanirantarasarvaśiva-
mavinaṣṭavinaṣṭamatiśca katham //14//

A Realidade Suprema é isenta de casta, estágio de vida,


causação ou representante. Se existe apenas Um Absoluto,
indivisível e oniabarcante, como pode haver consciência acerca
daquilo que pode ser destruído ou não-destruído?

169
6.15

Grasitāgrasitaṁ ca vitathyamiti
janitājanitaṁ ca vitathyamiti /
Yadi caikanirantarasarvaśiva-
mavināśi vināśi kathaṁ hi bhavet //15//

O destrutível e o destruidor são ambos uma ilusão. Os nascidos


e os não-nascidos também representam uma dualidade falsa. Se
existe apenas Um Absoluto, indivisível, oniabarcante, como
pode haver a distinção entre perecível e imperecível?

6.16

170
Puruṣāpuruṣasya vinaṣṭamiti
vanitāvanitasya vinaṣṭamiti /
Yadi caikanirantarasarvaśiva-
mavinodavinodamatiśca katham //16//

O Eu Real está além do masculino e do não-masculino. Está


além do feminino e do não-feminino. Se existe apenas Um
Absoluto, indivisível, oniabarcante, como pode haver a
consciência divisora entre alegria e falta de alegria?

6.17

Yadi mohaviṣādavihīnaparo
yadi saṁśayaśokavihīnaparaḥ /
Yadi caikanirantarasarvaśiva-
mahameti mameti kathaṁ ca punaḥ //17//

171
Se a Realidade Absoluta é livre de ilusão e sofrimento, da
dúvida e da aflição, se existe apenas Um Absoluto, indivisível,
oniabarcante, como pode haver o ‘eu’ e o ‘meu’?

6.18

Nanu dharmavidharmavināśa iti


nanu bandhavibandhavināśa iti /
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ-
mihaduḥkhaviduḥkhamatiśca katham //18//

A Realidade Suprema está além da virtude e do vício. Além Ela


está da escravidão e da libertação da escravidão. Se existe
apenas Um Absoluto, indivisível, oniabarcante, como pode
haver aqui qualquer consciência relativa que inclui a tristeza ou
até mesmo a ausência da tristeza?

6.19

172
Na hi yājñikayajñavibhāga iti
na hutāśanavastuvibhāga iti /
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ
vada karmaphalāni bhavanti katham //19//

Não existe nenhuma distinção entre aquele que faz o sacrifício e


o sacrifício em si. Não existe distinção entre o fogo e os
ingredientes. Se existe apenas Um Absoluto, indivisível,
oniabarcante, como pode haver frutos do trabalho?

6.20

Nanu śokaviśokavimukta iti


nanu darpavidarpavimukta iti /
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ

173
nanu rāgavirāgamatiśca katham //20//

O Eu Real, em verdade, está livre da tristeza e da ausência da


tristeza. O Eu Real está livre do orgulho e da ausência do
orgulho. Se existe apenas Um Absoluto, indivisível,
oniabarcante, como pode haver consciência do apego e do não-
apego?

6.21

Na hi mohavimohavikāra iti
na hi lobhavilobhavikāra iti /
Yadi caikanirantarasarvaśivaṁ
hyavivekavivekamatiśca katham //21//

Na perspectiva da Realidade Absoluta, não há nenhuma


alternância como ilusão e liberdade da ilusão. Não há nenhuma
alternância como ganância ou libertação da ganância. Se existe
apenas Um Absoluto, indivisível, oniabarcante, como pode
haver consciência da discriminação e da falta de discriminação?

174
6.22

Tvamahaṁ na hi hanta kadācidapi


kulajātivicāramasatyamiti /
Ahameva śivaḥ paramārtha iti
abhivādanamatra karomi katham //22//

Em verdade, nunca há nenhum “você” e “eu”. As distinções de


família e raça são falsas. Eu Sou, de fato, o Absoluto e a
Suprema Verdade. Assim, a quem devo saudar?

6.23

Guruśiṣyavicāraviśīrṇa iti

175
upadeśavicāraviśīrṇa iti /
Ahameva śivaḥ paramārtha iti
abhivādanamatra karomi katham //23//

No Eu Real desaparecem as distinções entre professor e aluno, e


em que a importância da instrução [meramente cognitiva]
também desaparece. Eu Sou, de fato, o Absoluto e a Verdade
Suprema. Assim, a quem devo saudar?

6.24

Na hi kalpitadehavibhāga iti
na hi kalpitalokavibhāga iti /
Ahameva śivaḥ paramārtha iti
abhivādanamatra karomi katham //24//

Não há nenhuma divisão entre os corpos. Não há nenhuma


divisão entre os mundos. São todas imaginação. Eu Sou, de fato,
o Absoluto e a Verdade Suprema. Assim, a quem devo saudar?

176
6.25

Sarajo virajo na kadācidapi


nanu nirmalaniścalaśuddha iti /
Ahameva śivaḥ paramārtha iti
abhivādanamatra karomi katham //25//

O Eu Real, além da paixão e da ausência da paixão, é, em


verdade, imaculado, imutável e puro. Eu Sou, de fato, o
Absoluto e a Verdade Suprema. Assim, a quem devo saudar?

6.26

Na hi dehavidehavikalpa iti

177
anṛtaṁ caritaṁ na hi satyamiti /
Ahameva śivaḥ paramārtha iti
abhivādanamatra karomi katham //26//

Nenhuma distinção entre corpóreo e incorpóreo é real, assim


como também não há uma falsa ação. Eu Sou, de fato, o
Absoluto e a Verdade Suprema. Assim, como posso fazer
saudação?

6.27

Vindati vindati na hi na hi yatra


chandolakśaṇaṁ na hi na hi tatra /
Samarasamagno bhāvitapūtaḥ
pralapati tattvaṁ paramavadhūtaḥ //27//

Onde não se sabe nada, não há necessidade de versificação.


Aquele que atingiu o Supremo, que é puro de pensamentos, e
que vive absorvido na consciência do Ser único, simplesmente
tagarela sobre a verdade.

178
Iti ṣaṣṭhamo'dhyāyaḥ //6//
Isto encerra o capítulo 6.

179
CAPITULO VII

180
7

Atha saptamo'dhyāyaḥ //

Agora começa o capítulo 7.

7.1

Rathyākarpaṭaviracitakanthaḥ
puṇyāpuṇyavivarjitapanthaḥ /
Śūnyāgāre tiṣṭhati nagno
śuddhanirañjanasamarasamagnaḥ //1//

O iluminado, nu ou mesmo vestido com um remendo de trapos


recolhidos das estradas segue o caminho que é desprovido de
virtude e permanece na morada vazia – absorvido no puro,
imaculado e equânime Ser.

181
7.2

Lakśyālakśyavivarjitalakśyo
yuktāyuktavivarjitadakśaḥ /
Kevalatattvanirañjanapūto
vādavivādaḥ kathamavadhūtaḥ //2//

O iluminado mira para aquilo que está além de todo rótulo e até
mesmo da ausência de rótulos. Ele é hábil, e paira além do certo
e do errado. Ele é a verdade absoluta, imaculado e puro. Como
pode um liberto participar de discussão ou disputa?

7.3

182
Āśāpāśavibandhanamuktāḥ
śaucācāravivarjitayuktāḥ /
Evaṁ sarvavivarjitaśānta-
tattvaṁ śuddhanirañjanavantaḥ //3//

Livre do aprisionamento das armadilhas da expectativa e


desprovido de cerimônias purificatórias, o iluminado sempre se
encontra absorto no Absoluto. Assim, tendo a tudo renunciado,
ele é verdadeiro, imaculado e puro.

7.4

Kathamiha dehavidehavicāraḥ
kathamiha rāgavirāgavicāraḥ /
Nirmalaniścalagaganākāraṁ
svayamiha tattvaṁ sahajākāram //4//

Como pode haver aqui qualquer discussão sobre viver no corpo


e desencarnação, entre apego e desapego? Aqui está a própria

183
verdade em sua forma naturalmente espontânea – que é pura e
imutável como o céu.

7.5

Kathamiha tattvaṁ vindati yatra


rūpamarūpaṁ kathamiha tatra /
Gaganākāraḥ paramo yatra
viṣayīkaraṇaṁ kathamiha tatra //5//

Onde a Verdade é conhecida, como pode haver a relatividade


entre forma e não-forma? Onde o Supremo está, cuja forma é
celestial, como a percepção relativa de qualquer objeto singular
pode ser possível?

7.6

184
Gaganākāranirantarahaṁsa-
stattvaviśuddhanirañjanahaṁsaḥ /
Evaṁ kathamiha bhinnavibhinnaṁ
bandhavibandhavikāravibhinnam //6//

O Supremo é indivisível – da forma do céu. É a Verdade, pura e


imaculada. Então, como pode haver aqui a relatividade entre
diferença e não-diferença, escravidão e liberdade, transformação
e divisão?

7.7

Kevalatattvanirantarasarvaṁ
yogaviyogau kathamiha garvam /
Evaṁ paramanirantarasarva-
mevaṁ kathamiha sāravisāram //7//

185
Aqui há apenas a Verdade Absoluta indivisível e o Todo. Como
pode haver aqui união, desunião ou vaidade? Se aqui há
somente o Supremo – Indivisível e Totalidade -, como pode
haver aqui qualquer substância ou ausência de substância?

7.8

Kevalatattvanirañjanasarva
gaganākāranirantaraśuddham /
Evaṁ kathamiha saṅgavisaṅgaṁ
satyaṁ kathamiha raṅgaviraṅgam //8//

Aqui está a Verdade absoluta, indivisível e pura, imaculada e o


Todo, da forma do céu. Assim, como pode aqui haver
associação ou dissociação?

186
7.9

Yogaviyogai rahito yogī


bhogavibhogai rahito bhogī /
Evaṁ carati hi mandaṁ mandaṁ
manasā kalpitasahajānandam //9//

O iluminado é um yogī desprovido de Yoga e de ausência de


Yoga. Ele é aquele que desfruta, livre do gozo e da ausência de
gozo. Assim ele vagueia vagarosamente, cheio de alegria
espontânea que desponta da sua própria mente.

7.10

Bodhavibodhaiḥ satataṁ yukto

187
dvaitādvaitaiḥ kathamiha muktaḥ /
Sahajo virajaḥ kathamiha yogī
śuddhanirañjanasamarasabhogī //10//

Mas se o yogī está sempre envolvido com conhecimento e


percepção, dualidade e unidade, como pode ser ele aqui livre?
De qual forma um yogī pode ser natural e livre de apegos aqui?
Isso acontece quando ele se torna o desfrutador do Ser Puro,
Aquele que é imaculado e estável.

7.11

Bhagnābhagnavivarjitabhagno
lagnālagnavivarjitalagnaḥ /
Evaṁ kathamiha sāravisāraḥ
samarasatattvaṁ gaganākāraḥ //11//

O Eu Real destrói aquilo que é falso, embora paire além da


destruição e da não-destruição. O Eu Real é o momento
auspicioso, embora paire além da auspiciosidade e do

188
desfavorável. Assim, como pode haver aqui substância ou
ausência de substância? A Verdade que é imutável é da forma
do céu.

7.12

Satataṁ sarvavivarjitayuktaḥ
sarvaṁ tattvavivarjitamuktaḥ /
Evaṁ kathamiha jīvitamaraṇaṁ
dhyānādhyānaiḥ kathamiha karaṇam //12//

Para sempre despojado de tudo e unido ao Eu Absoluto, o


iluminado torna-se a própria Totalidade – livre e desprovido de
verdades. Assim, como pode aqui haver a vida e a morte? E
como pode haver alguma realização através da meditação ou da
falta de meditação?

189
7.13

Indrajālamidaṁ sarvaṁ yathā marumarīcikā /


Akhaṇḍitamanākāro vartate kevalaḥ śivaḥ //13//
Tudo isto é mágica, como uma miragem no deserto. Apenas o
Eu Absoluto, de forma indivisível e impenetrável, existe.

7.14

Dharmādau mokśaparyantaṁ nirīhāḥ sarvathā vayam /


Kathaṁ rāgavirāgaiśca kalpayanti vipaścitaḥ //14//

Em relação a todas as coisas – da prática das regras religiosas e


até dos deveres para a liberação espiritual – nós somos
completamente indiferentes. Como podemos ter qualquer coisa
a fazer com apego ou desapego? Apenas aquele que é
meramente letrado imagina tais coisas.

7.15

190
Vindati vindati na hi na hi yatra
chandolakśaṇaṁ na hi na hi tatra /
Samarasamagno bhāvitapūtaḥ
pralapati tattvaṁ paramavadhūtaḥ //15//

Onde não se sabe nada, não há necessidade de versificação.


Aquele que atingiu o Supremo, que é puro de pensamentos, e
que vive absorvido na consciência do Ser único, simplesmente
tagarela sobre a verdade.

Iti saptamo'dhyāyaḥ //7//


Isto encerra o capítulo 7.

191
CAPITULO VIII

192
8

Atha aṣṭamo'dhyāyaḥ //

Agora começa o capítulo 8.

8.1

Tvadyātrayā vyāpakatā hatā te


dhyānena cetaḥparatā hatā te /
Stutyā mayā vākparatā hatā te
kśamasva nityaṁ trividhāparādhān //1//

Ao fazer a minha peregrinação a Ti, a Tua onipresença foi


negada por mim. Com a minha meditação centrada em Ti, a Tua
transcendência à mente foi negada por mim. A Tua
transcendência às palavras não foi observada por mim quando

193
tentei cantar sobre Ti em meus cânticos de louvor. Perdoa-me
sempre estes três pecados.

8.2

Kāmairahatadhīrdānto mṛduḥ śucirakiñcanaḥ /


Anīho mitabhuk śāntaḥ sthiro maccharaṇo muniḥ //2//

O sábio é aquele cuja inteligência não é manchada pelas


concupiscências – que exerce o autocontrole, é gentil e puro.
Aquele que sabe que nada possui verdadeiramente, que é
equânime, que come moderadamente, é quieto, estável e se
refugiou em Mim.

8.3

Apramatto gabhīrātmā dhṛtimān jitaṣaḍguṇaḥ /


Amānī mānadaḥ kalpo maitraḥ kāruṇikaḥ kaviḥ //3//

194
O sábio é vigilante e resoluto – cultiva uma mente profunda e
conquistou as cinco dependências; não é orgulhoso, mas dá
honras aos outros; Ele é forte e amigo de todos aqueles que são
compassivos e sábios.

8.4

Kṛpālurakṛtadrohastitikśuḥ sarvadehinām /
Satyasāro'navadyātmā samaḥ sarvopakārakaḥ //4//

O sábio é misericordioso, não-violento e paciente para com


todos. Ele tem pureza de coração e manifesta a essência da
Verdade. Ele é o mesmo para com todos e é beneficente.

8.5

Avadhūtalakśaṇaṁ varṇairjñātavyaṁ bhagavattamaiḥ /


Vedavarṇārthatattvajñairvedavedāntavādibhiḥ //5//

195
Um Avadhūta é reconhecido pelos abençoados, por aqueles que
sabem a importância por trás das letras dos Vedas e por aqueles
que ensinam Vedanta [e as doutrinas da não-dualidade].

8.6

Āśāpāśavinirmukta ādimadhyāntanirmalaḥ /
Āśāpāśavinirmukta ādimadhyāntanirmalaḥ /

A letra “A” é um indicativo de que o Avadhūta está livre da


escravidão das expectativas e está sempre no começo, no meio e
no fim, vivendo sempre em alegria.

8.7

Vāsanā varjitā yena vaktavyaṁ ca nirāmayam /


Vartamāneṣu varteta vakāraṁ tasya lakśaṇam //7//

196
A sílaba “VA” é um indicativo daquele que renunciou a todos os
desejos, cujo discurso é saudável e que habita sempre o
momento presente.

8.8

Dhūlidhūsaragātrāṇi dhūtacitto nirāmayaḥ /


Dhāraṇādhyānanirmukto dhūkārastasya lakśaṇam //8//

A sílaba “DHU” é um indicativo daquele cujos membros estão


acinzentados pela poeira, cuja mente está purificada, que está
livre de todas as doenças e que é liberado da prática da
concentração e da meditação.

8.9

Tattvacintā dhṛtā yena cintāceṣṭāvivarjitaḥ /


Tamo'haṁkāranirmuktastakārastasya lakśaṇam //9//

197
A sílaba “TA” é indicativa daquele que mantém estável em sua
mente o pensamento da Verdade, destituído de todos os ruídos
mentais e esforços, e que está livre da ignorância do egoísmo.

8.10

Dattātreyāvadhūtena nirmitānandarūpiṇā /
Ye paṭhanti ca śṛṇvanti teṣāṁ naiva punarbhavaḥ //10//

Esta canção foi composta por Avadhūta Dattātreya, que é a


personificação da bem-aventurança. Quem quer que leia ou ouça
as palavras aqui contidas está livre de renascimentos. Aquele
que realizou o Eu Real não mais renascerá.

Iti aṣṭamo'dhyāyaḥ //8//

Isto encerra o capítulo 8.

198
Iti avadhūtagītā samāptā //

Isto torna completa a Avadhūta Gītā.

199
SOBRE O TRADUTOR

Yuri Levy, natural de Campinas-SP, nasceu em 1990. É Educador,


formado em Pedagogia pela UNICAMP e Especialista na Cultura
do Yoga pela Universidade Livre para a Consciência. Palestrante
desde os 16 anos, é autor de vários livros, entre eles Yoga Tibetano:
Segredos do Antigo Tibet e 3 Anos, 3 Meses e 3 Dias. Espiritualista de
orientação universalista, vem há mais de uma década dedicando
seu trabalho à educação do ser humano com base na cultura de
paz e práticas de caráter holístico com foco na elevação de
consciência.

200

Você também pode gostar