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MANUAL PRÁTICO

Terapia Cognitivo-
Comportamental
BULLYING E OUTROS FATORES
DE RISCOS PESSOAIS
Edivana Almeida
O bullying ocorre quando palavras ou ações são usadas, repetidamente, para preju-
dicar o bem-estar de alguém. Embora, às vezes, possamos dizer ou fazer coisas que
machucam acidentalmente, é importante entender que o bullying é um compor-
tamento deliberado e repetitivo. É feito com o propósito de fazer a pessoa se sentir
intimidada, ameaçada ou impotente, e muitas vezes é contínuo. Infelizmente, o
bullying com crianças e adolescentes pode ser comum, principalmente na escola.
Mas isso pode acontecer em quase qualquer lugar, como no local de trabalho, em
casa e online.1

O bullying pode ser mais do que apenas olhares desagradáveis e provocações. Pode
vir em muitas formas diferentes, incluindo: xingamentos, espalhar boatos ou men-
tiras sobre alguém, intimidação física ou assédio visando a sexualidade, religião,
raça, gênero ou deficiência física/mental de uma pessoa, para fazê-la sentir-se so-
zinha, diferente ou rejeitada.1

Existem muitos motivos que podem influenciar uma pessoa a intimidar outras
pessoas. Alguns motivos comuns incluem: sentir-se poderoso e no controle, lidar
com a própria infelicidade ou raiva, pressão dos colegas, pouca empatia pelos ou-
tros e dificuldades de lidar com questões de autoestima e confiança.2

Alguns “valentões” (bullies) são grandes e fortes, outros são populares. E alguns
agressores são solitários. Como resultado, não existe apenas um tipo de intimida-
ção, assim como não existe uma causa única para a agressão. Em vez disso, uma
série de fatores colocam as crianças/adolescentes em risco de intimidarem seus co-
legas. Às vezes, o temperamento, o tamanho físico e a autoestima desempenham
um papel importante. Outras vezes, o histórico familiar aumenta a probabilidade

2
de bullying. Ainda outras vezes, as crianças recorrem ao bullying porque elas pró-
prias são vítimas dele.1,2

No entanto, as motivações por trás do comportamento de bullying, muitas vezes,


podem ser difíceis de identificar. Às vezes, pode ser uma combinação de muitos
dos fatores citados, então, é melhor tentar entender por que uma pessoa pode es-
tar fazendo bullying com seus colegas, porque podem haver muitas outras coisas
acontecendo com ela que precisam ser tratadas.

Quem está em risco?


Familiarizar-se com os fatores de risco para o bullying não só ajudará o terapeuta a
identificar o porquê do bullying estar ocorrendo, mas também a melhorar as rela-
ções interpessoais da criança/adolescente que sofre bullying na escola e em outros
ambientes e a prevenir sua ocorrência com outras pessoas.

Nenhum fator isolado coloca uma criança/adolescente em risco de ser intimida-


da por outras pessoas. O bullying pode acontecer em qualquer lugar - cidades, su-
búrbios ou zonas rurais. Dependendo do ambiente, alguns grupos como: jovens
lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers, intersexuais e mais (LGBTQIA+), jo-
vens com deficiências físicas ou mentais – socialmente isolados –, negros, indíge-
nas, asiáticos, obesos, entre muitos outros, podem correr um risco maior de sofrer
bullying. O estigma também pode espalhar informações falsas e prejudiciais que
podem levar ao aumento das taxas de bullying, assédio e crimes de ódio contra
certos grupos de pessoas.2,3

No entanto, é importante ressaltar, que mesmo uma criança ou adolescente tenha


esses fatores de risco, isso não significa que será intimidada, é preciso considerar
os fatores ambientais, onde a criança está inserida. Por exemplo, uma criança/ado-
lescente brasileira que vai morar nos EUA com sua família, pode sofrer bullying na
escola ou na vizinhança (a depender da vizinhança e da escola) por ser latina, mas
não são todas as crianças/adolescentes que, obrigatoriamente, passarão por esta
experiência.

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Os estudos 1,2,3 que destacam crianças e adolescentes que sofrem bullying têm um
ou mais dos seguintes fatores de risco: São crianças ou adolescentes percebidos
como diferentes de seus colegas, como: estar acima ou abaixo do peso, usar ócu-
los ou roupas diferentes, ser novo na escola, apresentar uma condição inferior a de
seus colegas, são crianças entendidas como fracas ou incapazes de se defenderem.
Essas crianças são menos populares do que outras, têm poucos amigos, podem ser
socialmente isoladas, que não se dão bem com os outros, vistas como irritantes ou
provocadoras.

Como identificar se uma criança ou adolescente está sofrendo bullying? A maioria


das crianças ou adolescentes não vai voltar para casa e dizer que está sendo intimi-
dada – na verdade, muitas não vão dizer nada. O jovem pode se sentir envergonha-
do ou preocupado por ser o culpado, de alguma forma, e se torna especialista em
silenciar diante das agressões verbais e físicas sofridas.3

Quais são os sinais que os pais, professores e terapeutas


precisam ficar atentos?3
zz Relutância em ir à escola ou usar o computador;
zz O humor da criança muda, depois de olhar para o celular ou acessar as redes sociais;
zz A criança pode não querer entrar no transporte escolar, preferir ir acompanhada
em transportes coletivos comuns ou então, implorar por carona para a escola
todos os dias;
zz Está frequentemente doente, com dores de cabeça e problemas de sono;
zz Pertences danificados ou perdidos, ou quando a criança continua perdendo
dinheiro ou outros itens valiosos (tablets, celulares, entre outros);
zz Lesões ou hematomas inexplicáveis;
zz A criança parece que não lancha, porque chega em casa com uma fome incomum
ou o lanche volta para casa com ele;
zz A criança pode estar constantemente mal-humorada, ansiosa, deprimida ou
retraída.

O bullying em adolescentes pode ser difícil de detectar. Muitas vezes, os sinais não
são evidentes, como o bullying entre as crianças mais novas. Além disso, o jovem

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pode tentar escondê-lo dos pais, professores e de outras pessoas. Pode sentir ver-
gonha ou medo, pode não querer que os familiares e professores se preocupem,
sentirem-se culpados e muitas vezes, acreditarem que merecem sofrer o bullying
pelo motivo destacado por seus agressores. Acreditam que podem lidar sozinhos
com a situação ou que, com o tempo, a situação por si, findará. Eles podem negar
que acontece o bullying, caso alguém pergunte e, frequentemente, não querem
falar sobre este assunto.2,3

Mas há sinais de bullying no adolescente que se podem observar. Por exemplo, um


menino que está sofrendo bullying pode ter problemas com a aprendizagem, apre-
sentar desempenho abaixo da média nas avaliações escolares ou mostrar sinais
emocionais, comportamentais ou físicos, não demonstrar motivação em estudar
e, frequentemente, pode dar desculpas para não ir à escola ou faltar às atividades
extraclasse (passeios, visitas a museus etc.) e não se expressar que é muito infeliz
ou ansioso no ambiente escolar. Geralmente, costuma dizer: “Odeio a escola” ou
demonstram medo da mesma.2,3

Dentre os sintomas comportamentais, o adolescente pode ficar cada vez mais


isolado dos outros, mostram mudanças perceptíveis no comportamento ou nas
emoções, como o aumento dos níveis de ansiedade e o rebaixamento do humor,
tem dificuldades para dormir e demonstram pouca autoconfiança.3 Por exemplo, é
comum falarem sobre as atividades escolares: “não sou bom nisso” ou “não quero
aprender nada”, podem começar a usar álcool e ou outras drogas.

Sinais físicos – os pais e professores devem ficar atentos às lesões físicas, como:
hematomas, roupas rasgadas, voltar para casa com pertences danificados ou per-
didos, começar a usar roupas inadequadas para a temperatura, como: casacos ou
moletons em período de calor, para esconder as lesões físicas. Podem também
afirmar constantemente que estão com dor de cabeça, dor de estômago ou outro
problema físico.3

O bullying não acontece apenas na escola. Acontece em casa, em atividades sociais


ou esportivas e nos locais de trabalho. Se um jovem está sofrendo bullying, ouvir e
falar com ele é essencial. Isso ajuda a descobrir o que está acontecendo, para que os

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pais e professores com a ajuda do terapeuta, possam tomar medidas junto à escola
ou à organização onde o bullying está acontecendo. Conversas tranquilas e afetuo-
sas também ajudarão o adolescente a se sentir amado e apoiado.1,3

Orientações aos pais


Os pais devem ser orientados a escutar, atentamente, como seu filho está se sen-
tindo; devem tentar falar em algum lugar tranquilo, onde possam dar toda a aten-
ção a ele, de modo acolhedor. Os pais podem fazer perguntas simples ao seu filho
e, em seguida, ouvir suas respostas sem ansiedade ou pressa em dizer o que ele
deve ou deveria ter feito. Por exemplo: “Então, e o que aconteceu a seguir?”, “O que
você fez?”, “O que você gostaria de ter feito?”, “O que você gostaria de fazer?”. Dizer
ao filho que o apoia e quer muito ajudá-lo. Por exemplo: “Parece que as coisas não
estão tão boas. Vamos pensar no que podemos fazer para melhorar”.3

Os pais devem se certificar que o filho compreende que a culpa do bullying não é
dele. Por exemplo: “Não é normal alguém te tratar assim. Você merece ser tratado
com respeito por todos, não importa o que aconteça”. E deve elogiar o filho por lhe
contar sobre o bullying, já que muitas vezes, os adolescentes preferem esconder
essa situação os pais.

Embora exibir um ou mais desses sinais possa não significar, necessariamente, que
a criança/adolescente está sendo intimidada (sofrendo bullying), esses fatores são
importantes a serem observados.

Algumas estratégias para o enfrentamento do bullying


Usar o sistema de camaradagem: Quando a criança ou adolescente está com um ami-
go, fica mais difícil ser isolado ou ser alvo de agressores.3

Ensine a criança/adolescente a não reagir por medo: Frequentemente, crianças/ado-


lescentes ficam chocados e paralisados quando alguém os chama de um nome
cruel ou os magoa. Se eles ficarem chateados e perderem o controle ou começa-
rem a chorar, as outras crianças terão o que desejam – uma reação. A crianças ou

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adolescentes podem aprender que reagir por medo ou raiva vai prepará-los a ali-
mentar o fogo, isto é, as agressões verbais. 3

A maneira mais simples de mudar a dinâmica é fazer que o agressor se sinta des-
confortável com seu próprio comportamento. Como regra geral, as crianças ou
adolescentes devem tentar evitar reagir verbalmente ou fisicamente, devem ser
ensinadas a dizer algo que seja curto e simples e então, sair de cena. Por exemplo,
ter alguns “slogans” prontos e depois ir embora, “Já vi o suficiente” ou “Não tem
a menor graça”, pode ser muito eficaz quando o jovem está sendo intimidado.
Incentive-o a encontrar uma maneira de dizer algo que pareça adequado no grupo,
sem precisar insultar a outra pessoa ou reagir a isso.2,3

Ignorar o agressor: Por mais difícil que seja para crianças/adolescentes nessa situa-
ção, ignorar o agressor ou manter uma expressão séria e não reagindo às provoca-
ções, podem neutralizar o bullying. Muitas vezes, é muito eficaz para as crianças e
adolescentes agirem como se não estivessem interessadas nos insultos e simples-
mente se absterem de responder a eles. O terapeuta pode praticar na sessão (role
play), interpretando com eles as situações que enfrentam na escola. Ajude-os a
praticar, não demonstrar raiva ou medo.2,3

Falar com um adulto: Incentive a criança ou adolescente a ir ao orientador escolar, a


um professor ou ao administrador da escola quando estiver sofrendo bullying. É
dever dos funcionários da escola responsabilizar qualquer um que esteja intimi-
dando outro aluno. Explique a diferença entre “fofocar” e “relatar”. Relatar o que
está acontecendo pode proteger a si mesmo e aos outros, porque as devidas provi-
dências devem ser tomadas pela escola. Se nada for feito pelos adultos e profissio-
nais da escola, a criança ou adolescente pode recorrer aos pais, que devem cobrar
da escola que as providências sejam tomadas.2,3

Os pais em ação: Se as coisas chegaram a um ponto em que os pais precisam inter-


vir e tomar uma atitude mais oficial, devem ser orientados a conversar com o filho
sobre a situação e trabalhar com ele, para que a situação não piore. Lembrá-lo de
que tem o direito de se sentir seguro na escola, de decidir a melhor maneira de
fazer isso juntos, sem exagerar, atrair a atenção de pessoas não envolvidas no caso

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ou se precipitar. Os pais devem ouvir seu filho com atenção, ouvir toda a história,
perguntá-lo como vê a situação e o que seria mais útil para ele. As crianças e ado-
lescentes precisam saber que alguém mais poderoso que o agressor está do lado
delas, e pode acabar com o bullying – e muitas vezes, este alguém são os pais.2,3

EXEMPLO PRÁTICO

Caso clínico: Bullying na escola4


M., um menino de 12 anos, estudou o sétimo ano do ensino fundamental, foi encaminhado
pelo professor para tratar das suas dificuldades de aprendizagem. A queixa do professor
foi referente ao fraco desempenho nos estudos, problemas de leitura e escrita, e também
porque M. não falava em sala de aula (mutismo seletivo). Durante a entrevista clínica, o
paciente relatou ter muito medo das provas orais, apresentações e leituras em voz alta
nas aulas. Apresentava dificuldades em assimilar os conteúdos das aulas de ciências,
tinha dificuldade em ler e escrever palavras mais difíceis. Se queixou que alguns colegas
zombam dele nessas atividades.
Diferentes modalidades de avaliação, como: a observação comportamental, as entrevistas
clínicas (paciente, pais e professores), a escala de avaliação subjetiva, os gráficos de linha
de base, a avaliação comportamental e emocional (escala de problemas de crianças em
idade escolar), a avaliação escolar (leitura, ditado, cálculo), a avaliação neuropsicológica
(escalas de inteligência, tarefas de habilidades de leitura e escrita, de raciocínio, entre
outras) foram realizadas para a identificação e avaliação do problema.
Os resultados da avaliação revelaram que M. foi vítima de bullying na escola. As interven-
ções foram: estratégias de orientação, treino de habilidades sociais para a construção de
relacionamentos interpessoais na escola, priorização de metas, programação de atividades
diárias e psicoeducação, treinamento de assertividade, análise de custos e benefícios, ha-
bilidades de estudo, alteração de regras antigas, técnica de exposição, gráfico de palavras,
entre muitas outras técnicas e estratégias que envolveram não apenas o paciente, mas
principalmente, os pais e professores de M.
Foram realizadas 10 sessões com o cliente. O comportamento geral foi cooperativo em todas
as atividades. O resultado da intervenção foi satisfatório, pois ele aprendeu a ser assertivo
e também não teve mais medo de contar às figuras de autoridade da escola (professores,
auxiliares, coordenadora, diretora) sobre quaisquer problemas de intimidação.

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Sistematizando: Bullying e outros fatores de riscos pessoais

Bullying e outros fatores Diversos sinais devem


Orientações aos pais
de riscos pessoais ser observados

Quais são os sinais que


Comportamento
os pais, professores e Escutar atentamente
intencional e repetitivo
terapeutas precisam seu filho
de agredir outra pessoa
ficar atentos?

Nenhum fator isolado


Algumas estratégias para o
Quem está em risco? coloca uma criança/
enfrentamento do bullying
adolescente em risco

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REFERÊNCIAS

1. Alckmin-Carvalho F, Izbicki S, Fernandes LFB, Melo MH da S. Estratégias e


instrumentos para a identificação de bullying em estudos nacionais. Av. Psic.
[Internet]. 2014; 13(3): 343–350.
2. Martins FS, Faust GI. Prevenção ao bullying – intervenção baseada na
Abordagem Cognitivo-Comportamental. Revista Brasileira de Terapias
Cognitivas [Internet]. 2018; 14(2): 113–120. Disponível em: https://doi.
org/10.5935/1808-5687.20180016
3. Friedberg RD, Mcclure JMA. Prática Clínica de Terapia Cognitiva com Crianças
e Adolescentes. Artmed; 2007.
4. Chaudhary M. A Case from School Psychology (Bullying Victimization). J
Psychol Clin Psychiatry [Internet]. 2018; 9(1): 00500. Disponível em: https://
doi.10.15406/jpcpy.2018.09.00500

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