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argumentos, aduzir os
raciocínios que constituem
uma argumentação. No sentido
jurídico, a palavra é usada
sobretudo transitivamente,
em termos de alegar, trazer
como argumento, e é um modo
específico de raciocinar que
procede por questionamentos
sucessivos.
ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
2º Edição
Manole
Copyright 02016 Editora Manole Ltda., por meio de contrato com o autor.
1º Edição - 2014
2º Edição - 2016
f Esta obra possui uma videoaula complementar na Manole Educação. Para consultá-la,
acesse o site www.manoleeducacao.com.br/argumentacaojuridica.
VIII ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
Para o senso comum jurídico, o Poder Judiciário é um dos três Poderes clás-
sicos reconhecidos pela doutrina. Em simples palavras, costuma-se atribuir-
-lhe a missão de aplicar contenciosamente a lei a particulares. Nas lições
mais antigas, repetidas ainda hoje, o Poder Judiciário é constituído para
determinar e assegurar a aplicação das leis que garantem a inviolabilidade
dos direitos individuais. No exercício desta missão, ele é, em face dos outros
Poderes, autônomo e independente. Distinguindo-se do Poder Executivo
por aplicar contenciosamente a lei, a doutrina usa esclarecer o sentido deste
modo de aplicação por meio de características inibidoras de sua autuação:
ele só age se houver litígio, só se pronuncia sobre casos individualizados
(nunca sobre hipóteses ou leis em tese, ressalvadas as arguições diretas de
inconstitucionalidade) e, para autuar, tem de ser provocado. Em princípio,
à diferença do Poder Legislativo, suas decisões são programadas e não pro-
gramantes, isto é, decidem com base na lei, na Constituição, nos princípios
gerais de direito, nos costumes e sua decisão vale para o caso para o qual
foi provocado, não podendo ser estendida para os demais casos.
1 Des Seygneuries, HI, 12, mencionado por Gillissen: “Les problêmes des lacunes du droit
dans lévolution du droit mediéval et moderne”, in: PERELMAN (org.). Les problêmes des lacu-
nes en droit, 1968, p. 230.
2 “O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação” - Declaração dos Di-
reitos do Homem e do Cidadão de 1789, art. 3º.
3 Constituição Francesa de 1791.
4 “O Poder Judiciário não pode em nenhum caso ser exercido pelo corpo legislativo, nem
pelo rei”, art. 1º, Cap. V.
5 “Os tribunais não podem se imiscuir no exercício do Poder Legislativo, nem suspender
a execução das leis”, art. 3º, Cap. V.
prÓLOGO XII
prima facie valet. Com isso, o direito não depende do saber e do sentir
individuais e, ao mesmo tempo, continua sendo aceito por todos.
Nestes quadros, a neutralização do Poder Judiciário transforma o
sentido da aplicação do direito. Antes encarava-se o direito como uma
expectativa ética de padrão de comportamento, predeterminado por
valores-fins, entendendo-se o juízo como um ato da razão e a jurisdição
como uma atividade decorrente da virtude da justiça; agora, o direito é
visto como um programa funcional, hipotético e condicional (se... en-
tão), que aduz a uma certa automaticidade do julgamento, se libera de
complicados controles de finalidades de longo prazo e se reduz a con-
troles diretos, caso a caso.” Só assim é possível lidar-se, no Judiciário do
Estado de Direito burguês, com altos graus de insegurança concreta de
uma forma suportável: a segurança abstrata, como valor jurídico, isto é,
com certeza e isonomia, é diferida no tempo pela tipificação abstrata
dos conteúdos normativos (generalidade da lei) e pela universalização
dos destinatários (igualdade de todos perante a lei), aparecendo como
condição ideologicamente suficiente para a superação das decepções
concretas que as decisões judiciais trazem para as partes.
9 Cf, criticamente, MarCIC, René. Vom Gesetzesstaat zum Richterstaat, p. 250 e segs.
prRÓLOGO XVII
10 Mánnlicher: Die richterliche Unabhângigkeit, citado por MARCIC, Op. cit., p. 265.
XVII ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
1 Cf. ENGISCH, Karl. Einfiihrung in das juristische Denken (há tradução para o portu-
guês).
2 Cf, RECASÉNS SICHES, Luis. Tratado general de filosofia del derecho, p. 632.
14 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
3 Ibidem, p. 65.
APLICAÇÃO E SUBSUNÇÃO 15
3 Cf. von WRIGHT, Georg Henrik. Norma y acción. Madrid, Tecnos, p. 111.
20 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
6 —FORSTHOFE, Ernst. Rechtsstaat im Wandel, p. 134. Sobre Volk, ver Carl Schmitt, Verfas-
sungslehre, Duncker & Hublot, Berlin, 1928/reprodução de 1970, p. 243.
IX. DO ESTADO DE DIREITO PARA O
ESTADO SOCIAL
Nesses termos, “a clareza de uma lei não é uma premissa, mas o resul-
tado da interpretação, na medida em que apenas se pode afirmar que a
lei é clara após ter sido ela interpretada”
Do ângulo hermenêutico, a interpretação começa com o texto, com
os vocábulos e a forma como são usados. Parte-se do pressuposto de
que a ordem das palavras e o modo como elas estão conectadas são im-
portantes para obter-se o correto significado da norma. Na verdade, a
diante uma asserção também realizamos uma ação que não chegamos
a asseverar.” Veja-se, por exemplo, o caso de sentenças em que a elocu-
ção (“meu filho, está chovendo”) implica, em um determinado contex-
to, uma ilocução não expressa ( leve o guarda-chuva”).
No universo normativo, isso não é diferente.
Assim, em face do teor literal de uma norma, o aplicador deve pôr-
-se a possibilidade de argumentar nos seguintes termos: deve-se per-
guntar se existem razões para não aceitar o significado de uma elo-
cução em seu valor de face: se a resposta é negativa, a elocução é
transparente (clara). Se positiva, deve-se buscar interpretações alterna-
tivas, até chegar a uma resposta negativa. Nesse contexto, clareza signi-
fica transparência, isto é, endosso de uma interpretação direta, sem ne-
cessidade de busca de alternativas no plano ilocutivo.”
9 AUSTIN, JL. How to do things with words. Tradução brasileira: Quando dizer é fazer, pa-
lavras e ação. Porto Alegre, Artes Médicas, 1990.
10 Essa mudança de foco, passando do que foi dito numa sentença para o que o agente quis
dizer na comunicação é o ponto de partida para a análise pragmática de Grice sobre o que
seria uma lógica da conversação (GRICE, H.P “Logic and conversation”, in: Studies in the way
of words, e FURTHER, Notes on logic and conversation”, in: Studies in the way of words, p. 41-
57). Para Grice, o acesso ao que se quis dizer a partir do que se disse consiste em um processo
de inferência, não dedutiva, que é chamada de implicatura. Para exemplificar a diferença en-
tre inferência dedutiva e implicatura, suponha que alguém afirme “Sou um doutor”. A partir
dessa premissa pode-se deduzir que o emissor tem um título de pós-graduação. Contudo, em
um contexto no qual um indivíduo se acidenta, a afirmação feita em resposta à pergunta “há
um doutor nesta sala?” nos leva a conclusões adicionais ou mesmo diversas. Nesse caso, assu-
mimos normalmente que o emissor não quis afirmar que tem um título de doutorado em di-
reito, ou em engenharia, ou em qualquer outra área, mas sim, que é médico (com doutorado
ou não) e que pode atender a vítima do acidente. Isso é assim, pois no contexto daquela con-
versação, a mera afirmação de um título de pós-graduação não é relevante e se supõe que o
emissor esteja nela engajado, contribuindo para o propósito daquela relação comunicativa.
11 DASCAL, Marcelo. Interpretação e compreensão, p. 353 e segs.
62 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
mativo (como se fosse uma falta, um defeito, uma lacuna), mas o inte-
gra compreensivelmente.
Compreensivelmente quer significar uma exigência de justificação.
No plano do direito, isso aponta para o tema tradicional da intenção do
legislador.
Com relação à busca da intenção, na atividade de interpretação que
se instaura na relação comunicativa-normativa (significado indireto),
o aplicador enfrenta também uma tensão, presente no sempre latente
conflito entre o sentido elocutivo da norma (texto normativo) e o sen-
tido ilocutivo (propósito do legislador).
Frederick Schauer'? traz uma abordagem esclarecedora desse tipo
de tensão. As prescrições teriam por base generalizações acerca de um
efeito positivo (um bem) ou um efeito negativo (um mal) que a ação
regulada, categoricamente ou em determinada condição, pode causar.
Por exemplo, a Seção 2 do Sherman Act proíbe qualquer ato que
constitua uma “tentativa de monopolização” (elocução). Um estatuto
posterior, o Clayton Act, proíbe, na Seção 7, qualquer aquisição de em-
presa que possa “reduzir substancialmente a competição” ou “tender a
criar um monopólio” (elocução).º
As normas, por sua locução expressa, proíbem aquisições que criem
(ou até tendam a criar) um monopólio. Elas não excluem, expressamen-
te, o caso em que exista um mercado com apenas dois agentes que pre-
tendem se fundir e que a firma a ser adquirida está em processo de falên-
cia, de forma que encerrará suas atividades se não for adquirida.
Não se deve olvidar ainda o disposto no art. 6º, III, da Lei n. 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor), no qual o direito à informação
figura entre os direitos básicos do consumidor. Afinal, propaganda é
também informação sobre malefícios a evitar (no caso de tabaco, por
exemplo, a quantidade de alcatrão contida no produto elaborado). So-
negar ao cidadão o acesso a tais informações, a que se obrigam os pró-
prios produtores, é reduzir-lhe a capacidade de percepção e de julga-
mento: assim ele se defende menos, não mais.
Entende-se, destarte, o disposto no parágrafo subsequente (art. 220,
S$ 4º, da CF) que, no que se refere a certos produtos, o tabaco entre eles,
sujeita sua propaganda comercial a “restrições legais, nos termos do
inciso II do parágrafo anterior”, mencionando-se, em especial, quando
Parece claro, nessas condições, que restringir não significa excluir, banir,
proibir. A proteção da família e da pessoa não se faz pela sua alienação,
mas pela disciplina de sua correta e adequada informação.
É difícil dizer que haja uma resposta única para esse problema.
Por essa razão, percebe-se que a argumentação jurídica não pode
ser considerada objetiva, a não ser que se resolvesse com objetividade
a questão sobre a ponderação de princípios.
Trata-se de tema nuclear para uma teoria da argumentação jurídica.
XV. DO USO DOS PRINCÍPIOS
E OS PROBLEMAS DO
NEOCONSTITUCIONALISMO: COMO LIDAR
COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS?
Existe hoje uma vasta literatura (Ronald Dworkin, Robert Alexy, Car-
los Nino Santiago, Gustavo Zagrebelsky, Manuel Atienza, Michel Troper,
entre outros) que, a partir de uma crítica ao positivismo analítico e sua
exclusão das justificações morais da argumentação jurídica, propõe, ao
contrário, que os saberes e as técnicas jurídicas, por óbvio, não conse-
guem conviver com essa exclusão, sobretudo no terreno constitucional.
Surge daí um constitucionalismo principialista e argumentativo, de
clara matriz anglo-saxônica, que não só parte para um ataque à argu-
mentação positivista (que separa direito e moral e despe os argumen-
tos de sua carga moral para lhes dar uma carga de mera eficiência téc-
nica), mas se endereça também para uma concepção da argumentação
jurídica que vem sendo chamada de neoconstitucionalista.
Para essa concepção, os direitos constitucionalmente estabelecidos
não são regras (normas), mas princípios em eventual conflito e, por
isso, objeto de ponderação, e não de subsunção. Do que resulta uma
concepção de direito como uma prática social confiada aos juízes, uma
prática de interpretação e argumentação de que se devem dar conta to-
dos os operadores do direito e que põe em questão a distinção entre ser
e dever ser, o direito como fato e como norma.
14 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
Para essa concepção, são os fatos que contam; não é a validade que
domina, mas a efetividade enquanto fato de modo adequado aos inte-
resses econômicos e conforme os interesses dos seus operadores que
estes acabam por repeti-los e segui-los por sua força persuasiva como
uma alternativa à crise da lei e da legalidade, à desconfiança de que
mediante a lei (legolatria) problemas sociais possam ser resolvidos, etc.
A distinção entre princípio e norma é crucial para essa concepção.
Ela, na sua fórmula mais conhecida, remonta a Dworkin:
Em síntese, para essa visão, as regras descrevem os casos aos quais se apli-
cam em forma cerrada e são razões peremptórias para a ação; os princí-
pios se concebem de forma aberta e são razões para a ação, não peremp-
tórias, mas ponderáveis com outras razões, isto é, com outros princípios.
DO USO DOS PRINCÍPIOS E OS PROBLEMAS DO NEOCONSTITUCIONALISMO 75
1 Art 34, O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do
quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Consti-
tuição de 1967, com a redação dada pela Emenda n. 1, de 1969, e pelas posteriores. |...) S 8º
Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a
lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, b, os Estados
e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar n. 24,
de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria”
2 Confiram-se, entre outras, as seguintes decisões: ADIn n. 2.549/DF, rel. Min. Ricar-
do Lewandowski, j. 01.06.2011; ADIn n. 2.157/BA, rel. Min. Moreira Alves, j. 10.04.2003;
ADIn n. 1.247-MC/PA, rel. Min. Celso de Mello, j. 17.08.1995; ADIn n. 1.179-MC/SB,
rel. Min. Marco Aurélio, j. 29.02.1996; ADIn n. 2.155-9/PR, rel. Min. Sydney Sanches, j.
15.02.2001.
16 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
5 ENGISCH, Karl. Einfiihrung in das juristische Denken, p. 137 (há tradução em portu-
guês).
6 Princípios constitucionais de direito constitucional moderno, p. 64.
80 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
I
tituição. Sem entrar no mérito se tais princípios - o da proteção da
autonomia individual em face do poder, decorrente da declaração dos
direitos individuais e garantias constitucionais, e o da separação dos
Poderes - são mesmo universais, é importante mostrar que a distin-
ção de Bachof nos permite encontrar um primeiro significado para a
expressão princípio constitucional. Trata-se, pelos exemplos, de pau-
tas primárias de uma Constituição que, por pressuposto, dão sentido
à principialidade do ato constituinte. Assim, se o ato constituinte é um
ato inaugural, a liberdade há de ser, necessariamente, um de seus atri
butos fundamentais. Em consequência, princípio constitucional não é
apenas uma pauta inicial, não se confunde com um mero começo, mas
é o que dá sentido ao que se segue. Princípios fundamentais de uma
Constituição são aqueles que lhe dão sentido de primeira norma. É o
caso, por exemplo, do princípio da supremacia das normas constitu-
cionais. Sem eles não há Constituição, sem eles a principialidade do
ato constituinte não ocorre.
A Constituição brasileira de 1988 declara estes princípios, a nosso
ver, no seu Título I: “Dos Princípios Fundamentais”. Este título contém,
por assim dizer, o traçado do ato principal do poder constituinte ori-
ginário. É assim que ele se instaura, e alterar o que consta dos arts. 1º,
2º, 3º e 4º seria principiar outra Constituição. Aqueles princípios, que
ali se chamam “fundamentais”, “objetivos fundamentais” e “princípios”,
são a base da principialidade constituinte originária: neles está a supre-
macia de uma ordem nova. Isto é, os Estados-membros não podem al-
terar, pois seu poder constituinte decorrente ali se principia como ali
se principia o próprio poder constituinte originário. Por este seu ca-
ráter de fundamentos da própria principialidade, estes princípios de-
vem ser chamados de fundamentais. Tais princípios estão ali com o ato
constituinte. Por seu caráter originário destaca-se, inicialmente, no art.
1º o que se poderia chamar de princípio congênito do exercício do po-
82 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
1 Cap. XV.
2 Istoé, that men perform their convenants made”.
3 Nesse sentido, Hobbes reconhece que “Covenants entered into by fear in the condition
of meer Nature, are obligatory”.
RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE COMO REGULADORES DA PONDERAÇÃO 99
4 Constituir uma sociedade com base em vontade majoritária não funciona: é preciso
supor um tipo de unanimidade compacta, uma espécie de razão soberana acima das indivi-
dualidades: a vontade geral. É o pensar de Rousseau em O contrato social, II, Cap. 3.
5 Kant expressou essa “lógica” do afastamento da possibilidade de divergir com a seguinte
questão: “Pergunte-se o povo, antes do estabelecimento do pacto civil, se ele se atreveria a tor-
nar pública a máxima do desígnio de uma eventual insurreição” (A paz perpétua, p. 165).
6 Por exemplo, DuGuUIT, Léon. Traité de droit constitutionnel, t. 1, p. 634 e segs.
RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE COMO REGULADORES DA PONDERAÇÃO 10]
9 Cf. KELSEN, Hans. “Zum Bundesverfassungsentwurf des Tiroler Landtages” In: Neue
Freie Presse, 13. Januar 1920, p. 3 — grifo do autor.
1I0 Comentava Kelsen: “Nos projetos havia, na verdade, este princípio [o direito federal
prevalece sobre o direito estadual], mas ele não conseguiu impor-se contra as tendências fe-
deralistas” (KELSEN, Hans. Die Verfassungsgesetze der Republik Osterreich, p. 78).
11 Ibidem, p. 67 - grifo do autor.
RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE COMO REGULADORES DA PONDERAÇÃO 103
12 Sobre esse paradoxo, cf. DUGUIT, Léon. Traité de droit constitutionnel, p. 620. Kant, em
O que é certo, porém, é que não pode taxa dessa natureza ultrapassar a
equivalência razoável entre o custo real dos serviços e o montante a que
pode ser compelido o contribuinte a pagar, tendo em vista a base de cál-
culo estabelecida pela Lei estadual e o quantum da alíquota por esta fixado.
12 Cf. assis, Araken. “Liquidação do dano”. In: Revista dos Tribunais, v. 759, p. 11 e segs.
13 ST), REsp n. 216.904/DF, 4º T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 19.08.1999, DJ
20.09.1999,
14 Cf. TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Comentários ao novo Código Civil, v. V, t.
II, p. 350.
XIX. PROPORCIONALIDADE
2 CAsTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis
na nova Constituição do Brasil, p. 164 e segs.
PROPORCIONALIDADE 117
3 STE MCna ADlnn. 1.158/AM, Tribunal Pleno, rel. Min. Celso de Mello, j. 19.12.1994,
DJ 26.05.1995.
4 Diário de Justiça, seção I, 14.04.1999, p. 24.
118 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
vontade da lei no caso concreto é aquilo que o juiz afirma ser a von-
tade da lei”.
Com efeito, um juiz não conhece vínculos hierárquicos quando
exerce sua função jurisdicional. Isto é manifestação de um conheci-
do princípio jurídico: todo juiz é independente e está vinculado ape-
nas à Constituição e à lei. Atua segundo as regras do direito e inspi-
rado em sua convicção. Assim, os tribunais podem modificar, anular,
revogar ou substituir os atos que ele praticar, mas não têm poderes
para lhe impor a priori a orientação a seguir e, tampouco, estabelecer
sanções para forçá-lo a adotar determinada diretriz ou entendimento.
Contudo, para além de manifestação de um princípio doutrinário, é
na convicção, nesse ponto convergente das regras, dos métodos e dos
casos, que se mostra, mais do que tudo, a justeza do seu juízo, como
algo que lhe é próprio.
5 Cf. DIAS, Luciana Drimel. “A verdade e a prova judicial - uma análise filosófico-pro-
cessual da verdade voltada à Teoria Geral da Prova”. Curitiba. Dissertação (Mestrado em
sa julgada e outro princípio constitucional. Um falso problema”. In: A coisa julgada, p. 92.
8 “O princípio da segurança jurídica na criação e aplicação do tributo”. In: Revista Dialé-
tica de Direito Tributário, v. 22, jul. 1997, p. 24.
128 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
lor perseguido”? Com isso, seria plausível sustentar, como faz Cân-
dido Dinamarco, que:
9 THEODORO JUNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. “A coisa julgada inconsti-
tucional e os instrumentos processuais para o seu controle” In: NASCIMENTO, Carlos Valder
do (org.). Coisa julgada inconstitucional, p. 33.
10 “Relativizar a coisa julgada material”. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (org.). Coisa
julgada inconstitucional, p. 14 e segs.
11 Curso de direito constitucional positivo, p. 381.
12 Comentários à Constituição brasileira de 1988, p. 54.
ARGUMENTAÇÃO, SEGURANÇA JURÍDICA E JUSTIÇA: RAZÃO E EMOÇÃO NO JULGAR 129
5. PERSPECTIVAS
A oposição entre justiça e segurança remonta a Radbruch, ao afirmar
que, diante da impossibilidade de se certificar o que é justo, cabia a
quem de direito competente estabelecer o que é jurídico.'* Não é o caso
de entrar nessa discussão. No entanto, é importante assinalar que o di-
reito é um sistema que sempre se apresenta como sistema justo e, por
consequência, razoável (adequado a seus fins), o que exige uma cer-
teza na sua positivação. Na verdade, falar da justiça como um valor
eminente, ao qual a segurança se opõe como um outro valor, é entrar
em um jogo de contraposições de entidades diferentes. Afinal, justiça
pode ser entendida como um valor, mas segurança é um direito funda-
mental, como o é a liberdade, a vida, a propriedade, a igualdade. Nesse
sentido, é um engano supor a justiça como uma entidade absoluta, em
oposição a direitos fundamentais.
Entende-se, assim, que a justiça não seja, nem mesmo na CF, à
luz do seu Preâmbulo, uma entidade à parte, eminente no sentido de
externamente superior aos direitos. Com efeito, falar da justiça como
uma aspiração constitucional não pode significar outra coisa que sua
13 Cf. ciNTRA, Antônio Carlos Araújo. Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, p.
292.
I4 Rechtsphilosophie, p. 169.
130 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
l6 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada, p. 139, apud CINTRA,
Antônio Carlos de Araújo. Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV.
17 BOTELHO DE MESQUITA, José Ignácio. “Conflito entre a intangibilidade da coisa julgada
e outro princípio constitucional. Um falso problema”. In: A coisa julgada, p. 52, grifo nosso.
ARGUMENTAÇÃO, SEGURANÇA JURÍDICA E JUSTIÇA: RAZÃO E EMOÇÃO NO JULGAR 133
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ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO
À cometimento/relato 64 dogmático 69
âmbito normativo common law 8 due process of law 105, 106,
(relato) 59 conceitos 107, 108, 116
análise 33 indeterminados 15
antinomia 95 valorativos 15 E
aplicação 16 concretização 7 elocução 61,63
como subsunção 11 conflito 29,67 error in judicandum 131
dalei 7 institucionalizado 22 especialidade 41
do direito 3,4,7,8,13, conjectural 30 experiências
15 conotação 60 recalcitrantes 66,67
esubsunção 13 construção silogística 11
árbitros 23 crítica 33 F
argumentação 23,92 cultura do código 35,37 filológica 59
jurídica 23,39,57,71, força da presunção 31
94 forma
legitimadora 55,95 decisão(ões) 22 elocutiva 62
por legitimação 54 jurídica 11 ilocutiva 65
principiológica 91 dedução 7,11,13
argume ntar 29, 35 defesa mais G
argumento(s) forte 30 graus diferentes de
da clareza 62 e uma mais fraca 32 ilegitimidade 87
teleológico(s) 5 fraca 30,31 guerra fiscal 76,78
evalorativos 23 definição
conotativa 60 H
( denotativa 60 hierarquia 41,79
caráter persuasivo 31 definitio 30
carreira para os denotação 60 |
servidores 83 devido processo legal 105 locução 60,61,62
clareza 58, 62, 64 substantivo 117 ilocutiva(o) 62,63
cláusula rebus sic direitos fundamentais impessoalidade 87
stantibus 16 instituídos 82 implicatura 61
coisa julgada 126, 127, 128 discricionariedade 15 inobservância de princípios
inconstitucional 130 discurso judiciário 24 fundamentais 88
140 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
responsabilidade pela I
decisão 22 teoria(s)
restrição denotativa 65 da argumentação 92
rule of reasonableness 116 dos lugares comuns 92
deontológicas 95
$ teleológicas 95
segurança tópica
ecerteza 128 de princípios 92
jurídica 127 formal 24
semântica natural 30 material 24
sentido indireto 62 principiológica 96
séries argumentativas 93 topoi de argumentação 24
significado indireto 60,63 translatio 29
sistema
constitucional 89
de valores 42 uso tópico de
subinclusão 65 princípios 93
substantive due 106
process oflaw 115 )
subsumir 30 zetético 69
subsunção XIV, XV, 7, 12,
Los d/
analógica 31
TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR.
Doutor em Filosofia pela
Johannes Gutenberg-Universitat
Mainz, Alemanha.
Doutor em Direito pela Faculdade
de Direito da Universidade de
São Paulo — USP.
Professor Titular aposentado
do Departamento de Filosofia
e Teoria Geral do Direito da
Faculdade de Direito da USP.
Professor emérito pela Faculdade
de Direito da USP Ribeirão Preto.
Professor da Faculdade de Direito
PUC-SP— pós-graduação.
Este livro não se apresenta como uma teoria
da argumentação jurídica, embora conjugue,
na forma de elaborações argumentativas
sobre casos concretos, os temas próprios da
hermenêutica e da teoria da argumentação
no Direito. Entre eles, por exemplo, o
papel da subsunção normativa e o uso de
princípios como objeto de aplicação direta
na decisão de conflitos. Com isso pretende
fornecer ao leitor exemplos de uma praxis
no uso de argumentos, mediante a qual
os procedimentos de interpretação e
argumentação são explicitados na sua
abrangência e delimitados no seu alcance.
Manole
Educação ISBN 975-55-204-4713-0