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Dom Sebastião Rei de Portugal

Louco, sim, louco, porque quis grandeza


Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem


Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

Trata-se de um poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de


poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro
desta integra-se As Quinas. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando
assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos
destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e
dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão
lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da
matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação
o princípio de Portugal. O título D. Sebastião remete-nos para um momento importante
da nação, assumindo D. Sebastião um papel importante na decisão tomada de avançar
para a conquista de África.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por duas estrofes, de cinco
versos (quintilhas). Quanto ao metro e ao ritmo os versos são irregulares. Os versos
variam entre as seis sílabas métricas, as oito e as dez. Predomina o ritmo binário,
aparecendo também o ternário. A rima varia também entre consoante, que predomina e
toante, variando ainda entre rica e pobre, predominando não obstante a pobre e obedece
ao seguinte esquema rimático: ababb, com rimas cruzadas e emparelhadas, portanto. A
alternância de ritmo possibilita a emissão de uma reflexão do próprio rei e o incitamento
que dirige aos destinatários.
O poema poderá dividir-se em duas partes: a primeira correspondendo à primeira estrofe
e a segunda parte à segunda estrofe. Na primeira o sujeito poético faz uma
autocaracterização como “louco”; na segunda faz uma apologia da loucura, um elogio,
exortando a que outros dêem continuidade ao seu sonho.
Na primeira estrofe o sujeito lírico encontra a base da loucura na grandeza (a febre do
além, o sonho, o ideal) que o sujeito lírico assume com orgulho. Em consequência dessa
loucura, o herói encontrou a morte em Alcácer Quibir (perífrase). Apesar disto a loucura
tem neste poema uma conotação positiva, já que se liga ao desejo de grandeza, à
capacidade realizadora, sem a qual o homem não passa de um animal. Veja-se ainda na
primeira estrofe a referência ao ser histórico “ ser que houve” que ficou na batalha de
Alcácer Quibir, onde encontrou a destruição física, e a distinção deste com o ser mítico
“ não o que há”, que sobreviveu pois é imortal, é a ideia-símbolo, o sonho que fecunda a
realidade. Este perdura na memória colectiva como exemplo.
Na segunda parte, o sujeito poético lança um repto aos destinatários, fazendo um apelo à
loucura e à valorização do sonho. Deve portanto dar-se asas à loucura como força
motora da acção. Trata-se de um apelo de alcance nacional e universal. Este mesmo
elogio será repetido várias vezes ao longo da obra. É a referência ao mito sebastianista,
força criadora, capaz de impelir a nação para a sua última fase que está aqui em questão.
O repto permite aos destinatários considerarem a grandeza do rei suficiente para todos.
A utopia foi e será sempre a força criadora de novos mundos quer a nível individual
quer a nível colectivo. Sem ideal cai-se no viver materialista. A interrogação retórica
com que termina o poema aponta precisamente para a loucura como força criativa que
poderá ser canalizada para a reconstrução nacional. Sem o sonho “a loucura” o homem
não se distingue do animal. É a través do sonho que o homem é capaz de seguir em
frente sem temer a própria morte. Assim o homem deixará de ser um animal sadio ou
reprodutor com a morte adivinhada.

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