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MATERIAL DE APOIO1

Leonardo Evangelista de Souza Zambonini2

significa unicamente os órgãos e entidades que


Introdução estão à margem da política. São organismos
normalmente perenes e de cunho executório,
embora a atividade que exerçam, se típica de estado
Esta será uma série de doze cursos que
ou de cunho público, não seja critério, no Brasil, para
abordarão temais iniciais de Direito Administrativo,
defini-los.
tais como regime jurídico de direito público,
Podemos perceber, portanto, que a
contratos, servidores, responsabilidade civil, dentre
Administração Pública em sentido estrito não dispõe
outros temas. Qual o objetivo de fazermos esses
de autonomia política, ou seja, não pode organizar-
comentários? Dar suporte aos jurisdicionados em
se segundo leis emanadas de suas próprias
conceitos básicos utilizados na Administração
entidades, prerrogativa conferida apenas às pessoas
Pública, aproxima-los dos demais cursos que
políticas. Contudo, que entidades são essas?
oferecemos em nosso site e oferecer um primeiro
Bom, em nosso ordenamento, Administração
contato com as principais decisões proferidas pelo
Pública é o que a lei diz que é, de forma que, para
TCE-PR.
nós, ela é integrada pelos órgãos, de função
No quinto curso, abordaremos a organização
administrativa, inseridos na organização de
administrativa do Estado brasileiro. Uma temática
determinada pessoa política, no que temos a
recorrente, mas que ainda causa uma certa
Administração Pública Direta, de que a Receita
confusão, especialmente em quem não seja
Federal do Brasil é exemplo, e pelas pessoas jurídicas
familiarizado com as regras que a determinam.
da Administração Pública Indireta, a saber,
Dessa forma, procuramos sistematizar os principais
autarquias, fundações públicas, empresas públicas e
pontos da nossa estrutura administrativa, para que
sociedades de economia mista.
seja possível compreender melhor como funciona a
Ora, mas qual a relação entre entidades
máquina pública no país.
políticas e Administração Pública em sentido estrito?
Podemos dizer que, em geral, a Administração
Conceito de Administração Pública Pública desempenha atividades que são, nada mais,
nada menos, do que a execução das medidas
políticas adotadas pelas cúpulas de governo.
Administração Pública pode ser concebida Não entendeu? Vamos a um exemplo.
como sinônimo de Estado, ou seja, contempla todos Suponha que determinado prefeito decida investir
os poderes e respectivas instâncias, inclusive os recursos públicos na construção de uma escola,
políticas, de determinada organização que se por entender que, dessa forma, conseguirá melhorar
proponha a regular a vida em sociedade e promover o ensino público em sua cidade. Essa é uma decisão
o bem comum da população. Em outras palavras, na eminentemente política, tomada segundo as livres
Administração Pública em sentido amplo estão convicções do próprio prefeito, embora,
inseridas tanto a cúpula de determinado poder como naturalmente, balizada pelo ordenamento jurídico.
a mais subalterna das unidades administrativas. Pois bem, tomada a decisão, há um órgão público na
Contudo, essa acepção não é a mais utilizada prefeitura responsável pela construção dessa escola.
no âmbito jurídico. Com efeito, em seu significado Não cabe a esse órgão decidir se levantará ou
mais técnico, ou estrito, Administração Pública não os muros, a ele cabe executar a política adotada

1
Este material não possui a função de esgotamento do tema, mas tão somente servir como apoio às aulas em vídeo que constam no curso.
2
Analista de Controle do Tribunal de Contas do Estado do Paraná.
pelo governo. Ora, esse órgão é, justamente, um possuem personalidade jurídica própria? Pois então,
exemplo de Administração Pública, que é, repita-se, a diferença que separa a composição da
a parcela das entidades e órgãos do Estado Administração Direta da Administração Indireta
responsáveis pela execução das políticas de governo. reside em dois fenômenos, e seus opostos, a
Aqui, entretanto, precisamos fazer um centralização/descentralização e a
adendo, no sentido de que há entidades da concentração/desconcentração. Calma, é tudo
Administração Pública Indireta que não muito fácil, você logo vai entender.
necessariamente desempenham atividades de Quando o Estado executa diretamente suas
cunho público, como é o caso das empresas públicas atividades, assim que por meio de seus órgãos e
e sociedades de economia mista, cuja atuação se dá, agentes, enquanto Administração Direta, temos o
normalmente, em âmbito privado, com fins fenômeno da centralização, que, em outras palavras,
lucrativos, de sorte que, normalmente, elas não nada mais é do que a atuação estatal não interposta
executam políticas públicas, embora também por outra pessoa. Como exemplo, podemos pensar
vinculem-se à Administração Pública Direta, por na construção de uma rodovia intermunicipal
meio de uma espécie de relação que nós diretamente pelo governo de determinado estado
estudaremos mais para frente. da federação. Tal obra ficará a cargo,
Note também que todas essas entidades, provavelmente, da respectiva secretaria de obras e
integrantes da Administração Pública Indireta, transportes, ou algo que o valha, não importa, o
embora não disponham, como dito, de autonomia importante é que essa unidade integre o estado de
política, desfrutam de autonomia administrativa, ou nosso exemplo, seja parte de sua configuração
seja, organizam-se conforme as leis ou estatutos hierárquica, de forma que, por meio da atuação dela,
segundo os quais criadas, sem que se subordinem às considere-se que o próprio estado esteja atuando. É
pessoas políticas que as instituíram, a quem a teoria do órgão.
compete apenas exercer tutela ou supervisão sobre
as atividades desempenhadas pelas organizações
instituídas. IMPORTANTE!
Em contrates, estão os órgãos, que, sendo
Teoria do órgão é aquela segundo a qual toda atuação
parcelas da Administração Pública Direta,
do agente público deve ser imputada ao órgão que ele
subordinam-se, normalmente, a alguma autoridade representa, ou seja, à pessoa jurídica para a qual
política, embora, a depender de sua alçada trabalha, e não à sua pessoa. Na jurisprudência
hierárquica, desfrutem de maior ou menor brasileira, essa teoria se manifesta nas decisões que
independência. não aceitam o ajuizamento de ação de indenização
pelo particular diretamente contra o agente público
causador do dano.
Desconcentração/descentralização
administrativas
Simples, não? Pois na descentralização
ocorre o contrário, ou seja, o Estado delega a
Para começarmos, precisamos que você terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, parcela de suas
lembre das ideias de Administração Direta e de atribuições, para que sejam executadas
Administração Indireta, de que tratamos no nosso indiretamente. Aqui, há três classificações
último encontro. Lembra que falamos que doutrinárias, a saber, descentralização por serviços,
Administração Pública Direta é integrada por órgãos, descentralização por colaboração e descentralização
de função administrativa, inseridos na organização territorial.
de determinada pessoa política, e que esses órgãos Vamos analisar uma a uma:
não tinham personalidade, bem como que a
Administração Pública Indireta é composta por a) Na descentralização por serviços, também
entidades administrativas autônomas, ou seja, que conhecida por outorga, um ente político, por meio
de lei, cria ou autoriza a criação de uma terceira fronteiras geográficas. No Brasil, atualmente, só
entidade e transfere a ela a titularidade de pode ocorrer com a criação de territórios (art. 18,
determinada atribuição, de que ficará, então, parágrafo segundo, da Constituição Federal).
apartado, até que outra lei eventualmente Perceberam a diferença principal? Em suma,
modifique a situação, motivo pelo qual essa espécie na centralização, o Estado executa suas atribuições
de descentralização tem duração indeterminada, diretamente, ao passo que na descentralização,
condicionada à vigência da respectiva lei. É o essas atividades são executadas por terceiras
fenômeno responsável pelo surgimento das entidades.
entidades da Administração Indireta, ou seja, Contudo, nem Estado nem entidades
autarquias, fundações, sociedades de economia delegadas são compostas por um único núcleo de
mista, empresas públicas e, mais atuais, os atividades, como se fossem uma grande sala em que
consórcios públicos, todas elas atuando com todos desempenhariam suas funções
independência do ente criador, a quem não se simultaneamente. Já imaginou a bagunça? É
subordinam, apenas vinculam-se em regime de justamente para organizar as coisas que existe a
tutela ou supervisão, que é o controle exercido figura da desconcentração, que nada mais é do que
apenas sobre os fins da entidade, não sobre os meios a distribuição de competências entre órgãos de um
para alcançá-lo. mesmo ente.
Perceba que tudo se passa dentro de uma
b) Com a descentralização por colaboração, também mesma entidade, política ou não, cujas atribuições
conhecida por delegação, ocorre um fenômeno um são repartidas entre diferentes unidades de
pouco distinto. Aqui, o Estado transfere apenas a competência, ou seja, entre diferentes órgãos que,
execução de uma atividade, que lhe é afeta, a atuando de forma articulada, entregam os serviços
terceiros particulares, previamente existentes, demandados à entidade como um todo. Enfim, é
permanecendo como seu titular. Não há lei, tudo mera técnica administrativa para desincumbir um
ocorre em âmbito infra legal, por meio de contratos mesmo centro de todas as atribuições da entidade,
ou mesmo meros atos administrativos, como são a fim de aprimorar seu funcionamento.
exemplo as concessões, as permissões e as Como exemplos, podemos citar a criação de
autorizações de serviços públicos. Embora não se Ministérios, no âmbito da União (desconcentração
possa falar propriamente em hierarquia também na Administração Direta), e de uma diretoria,
neste caso, como o Estado permanece sendo titular subordinada à presidência de uma determinada
das atividades descentralizadas, o controle exercido empresa pública (desconcentração na
sobre a pessoa que executa os serviços é maior, Administração Indireta).
inclusive com possibilidade de aplicação de sanções Pois bem, você já deve ter percebido que, na
por descumprimento do pacto firmado ou de criação de órgãos de cunho administrativo, há
retomada da execução direta das atividades, de hierarquia entre órgãos superiores e órgãos
forma unilateral, quando o interesse público assim o inferiores. Contudo, há alguns casos que destoam
exija. um pouco dessa lógica. Pois é, enquanto no
desempenho das atividades típicas de seus
c) Finalmente, na descentralização territorial, ou respectivos poderes, deputados e magistrados,
geográfica, transfere-se praticamente a totalidade embora órgãos singulares, não se subordinam a
das atribuições de determinado ente político a um órgãos de mais alta estatura (como os respectivos
centro de competências, para que este as colegiados), atuando segundo sua consciência. O
desempenhe no âmbito de determinado território, mesmo acontece no âmbito do Ministério Público,
podendo, inclusive, editar leis, nos limites permitidos que, como sabemos, não chega a ser um poder, mas
pelo ente concessor. Veja-se que é uma desfruta de ampla autonomia. Mas esses são
transferência de cunho genérico, ou seja, concedem- detalhes, não precisa se preocupar tanto.
se competências em geral, típicas de Estado, para Continuando, é necessário, ainda,
que sejam executadas dentro de determinadas pontuarmos que a desconcentração também é
repartida em três espécies, desconcentração em estão em consonância com os objetivos de sua
razão da matéria (Ministério da Cultura), em razão criação.
da hierarquia (presidência e diretorias) e em razão Talvez um exemplo ajude a entendermos
territorial (Tribunal de Contas da União no Estado do melhor esse ponto. Pense na Petrobrás, empresa
Paraná). que atua no ramo de extração, refino e
Finalmente, e você já deve ter percebido, é comercialização de hidrocarbonetos, vinculada ao
de se concluir que a concentração está para a governo federal. Ora, o presidente ou o ministro de
desconcentração assim como a centralização está minas e energias não pode determinar a política de
para a descentralização, ou seja, são fenômenos mercado da Petrobrás, ou seja, não pode (ou ao
opostos. Como vimos, a desconcentração é técnica menos não deveria, nós sabemos como é o Brasil)
administrativa de criação de núcleos de determinar por quanto e pra quem a empresa
competência, de distribuição de atribuições. Ora, na venderá o petróleo que produz. Essas são decisões
desconcentração ocorre o contrário, ou seja, uma de cunho técnico-negocial, afetas estritamente ao
determinada unidade é extinta para ser, por mais alto órgão deliberativo da empresa. Cabe ao
exemplo, integrada por outra, em benefício de uma governo, apenas, certificar-se de que a atividade de
melhor organização da entidade. De seu turno, nossa petroleira esteja em consonância com os
enquanto na centralização as atividades são marcos de sua criação, notadamente com a
desempenhadas diretamente pela Administração descrição de seu objeto, contida em seu estatuto
Direta, na descentralização, esses serviços são social.
prestados indiretamente, sempre por meio de uma Perceberam como funciona esse tipo de
terceira entidade. controle? Ele atua basicamente sobre os resultados
da entidade controlada, sobre sua atividade-fim, não
sobre os meios como atingi-los. Claro, em casos
Descentralização administrativa: excepcionais, de profundo descalabro, ele pode ser
Administração Pública Indireta aprofundado, dando ensejo ao que Celso Antônio
Bandeira de Mello chama de tutela extraordinária.
Mas isso é raro, não se preocupe.
Como você bem deve se lembrar, a Continuando, como dissemos, todas as
Administração Pública Indireta é composta de entidades da Administração Pública Indireta
pessoas jurídicas de cunho administrativo que, dispõem de personalidade e patrimônio próprios.
vinculadas, mas não subordinadas, à Administração Além disso, todas são criadas ou têm sua criação
Pública Direta, desempenham atividades autorizada por lei específica. Vamos explicar esse
administrativas ou de natureza lucrativa. ponto, por contrastes.
Você lembra, também, que comentamos a Lei genérica é aquela que permite,
respeito de que, no Brasil, Administração Pública é o genericamente, a criação de qualquer pessoa
que a lei diz ser? Pois então, as leis que determinam jurídica. De seu turno, a lei específica é elaborada a
quais são as entidades integrantes da Administração fim de criar ou permitir a criação de uma ou mais
Indireta são o Decreto Lei n.º 200/67, em cujo art. 4º entidades determinadas, cujas finalidades também
há a relação de entidades que a compõem, a saber, devem ser específicas, sob pena de haver
autarquias, fundações públicas, empresas públicas e desperdício de recursos, à hipótese de que duas ou
sociedades de economia mista, e a Lei n.º 11.107/05, mais autarquias, por exemplo, prestem os mesmos
que insere nesse rol os consórcios públicos. serviços na mesma área geográfica. Nesse sentido, é
Lembre, todas essas entidades não se o art. 37, XIX, da Constituição Federal. Vamos ler
subordinam à Administração Direta que lhes deu juntos?
causa, apenas vinculam-se a ela, submetendo-se a
um controle denominado de tutela administrativa, XIX - somente por lei específica poderá ser criada
cujo objetivo principal é avaliar os resultados da autarquia e autorizada a instituição de empresa
entidade tutelada, a fim de certificar-se de que eles pública, de sociedade de economia mista e de
fundação, cabendo à lei complementar, neste Também não há exceção a respeito da
último caso, definir as áreas de sua atuação; natureza jurídica das autarquias. Todas são criadas
com personalidade jurídica de direito público, em
Pela leitura, você já deve ter percebido a razão das atividades típicas de Estado que
primeira distinção entre autarquias e as demais desempenham, de sorte a possuírem as mesmas
espécies de entidades. Isso mesmo, a autarquia, prerrogativas, como impenhorabilidade de seus
pessoa jurídica sempre de direito público, é criada bens, e mesmas condicionantes, como contratar por
diretamente por lei, ao passo que as outras meio de licitação, da Administração Pública Direta.
entidades, pessoas jurídicas de direito privado, têm Podemos, aliás, dizer que as autarquias são
sua criação apenas autorizada legalmente, assim que parcelas especializadas da Administração Pública
dependendo de outros procedimentos para seu Direta, de que se apartam para atuar com mais
nascimento, como o registro dos respectivos independência, à margem de interesses políticos,
estatutos nos órgãos competentes. detendo, entretanto, praticamente todas as
Aqui, contudo, reside um detalhe. As características do Estado, como a capacidade de
fundações podem ser tanto de direito público emitir atos administrativos em sentido formal,
quanto de direito privado. Na primeira hipótese, são possuir patrimônio público, contratar pessoal por
denominadas de autarquias fundacionais, criando-se meio de concurso, submissão ao controle exercido
diretamente pela lei. Na segunda, sua criação apenas pelos tribunais de contas, etc.
é autorizada legalmente. Mas calma, esse ponto será Há, ainda, a figura das autarquias de regime
abordado mais para frente, vamos continuar falando especial, a que se confere independência ainda
das autarquias. maior do que as demais autarquias, como a
Segundo o art. 5º, I, do Decreto Lei n. 200/67, estabilidade de seus dirigentes, cujos mandatos, em
autarquia é “o serviço autônomo, criado por lei, com geral, são exercidos por tempo fixo, determinado em
personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, lei, de que são exemplos o Banco Central e a Anatel,
para executar atividades típicas da Administração cuja lei de criação, Lei n.º 9.472/97, por elucidativo,
Pública, que requeiram, para seu melhor vamos ler parcialmente juntos:
funcionamento, gestão administrativa e financeira
descentralizada.”. Art. 8° Fica criada a Agência Nacional de
Pelo dispositivo acima, podemos perceber Telecomunicações, entidade integrante da
que toda autarquia é uma pessoa jurídica, afinal tem Administração Pública Federal indireta,
personalidade jurídica, com patrimônio e receita submetida a regime autárquico especial e
vinculada ao Ministério das Comunicações, com
próprios, a qual é criada por lei a fim de prestar, com a função de órgão regulador das
autonomia, determinado serviço ou atividade típica telecomunicações, com sede no Distrito Federal,
da Administração Pública para cuja melhor execução podendo estabelecer unidades regionais.
seja demandada gestão administrativa e financeira § 2º A natureza de autarquia especial conferida à
descentralizada, ou seja, à margem da Agência é caracterizada por independência
administrativa, ausência de subordinação
Administração Direta. hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus
Contudo, você deve estar se perguntando, dirigentes e autonomia financeira.
que tipo de atividade típica é essa? Ora, as atividades
desenvolvidas pelas autarquias, a despeito de Note que independência administrativa e
algumas exceções, são próprias de Estado, como é o ausência de subordinação são características ínsitas
caso das entidades de fiscalização profissional. A a toda autarquia. Contudo, o mandato fixo e a
respeito do que, no entanto, não há relativização é estabilidade de seus dirigentes não o são, elementos
que apenas atividades internas às competências que tornam a Anatel uma autarquia de natureza
estatais mais importantes prestam-se a serem especial.
descentralizadas legalmente para uma autarquia, A propósito, a competência para nomear e
cuja atuação, então, é balizada pela lei que a criou. destituir dirigentes de autarquias normais é do chefe
do poder executivo da unidade federativa a que
vinculadas, o que, como vimos, não ocorre Bom, agora que já sabemos o que é uma
normalmente com as autarquias especiais. fundação, é preciso dizer que, em geral, ela tem
Enfim, essas são as duas principais caráter privado, ou seja, o patrimônio que lhe é
classificações de autarquias existentes em nosso subjacente é oriundo de uma pessoa natural ou
ordenamento jurídico, com suas respectivas instituição privada, tanto que, como vimos, sua
características. Falemos, agora, um pouco das previsão está contida no Código Civil. Contudo, no
fundações públicas. âmbito do Direito Administrativo, as fundações
Em primeiro lugar, vamos entender o que é podem ser públicas, ou seja, ser constituídas por
uma fundação. Para tanto, vamos traçar um paralelo patrimônio público, e mais, podem ter
com as sociedades empresárias. personalidade jurídica de direito público. Leia
Pense comigo, se você vai abrir uma empresa comigo trecho da ementa de um julgado do
com determinado sócio, a figura desse sócio é Supremo Tribunal Federal:
importante, não? Afinal, ele deverá ter algumas
características que o diferenciam das demais “FUNDAÇÃO INSTITUÍDA PELO PODER PÚBLICO.
NEM TODA FUNDAÇÃO INSTITUÍDA PELO PODER
pessoas. Em geral, deve ser alguém por quem você PÚBLICO É FUNDAÇÃO DE DIREITO PRIVADO. - ÀS
nutre certa confiança, um indivíduo cuja história FUNDAÇÕES, INSTITUÍDAS PELO PODER
você conheça, ao menos em linhas gerais. Somente PÚBLICO, QUE ASSUMEM A GESTÃO DE SERVIÇO
quando ambos, você e seu sócio, estão de acordo e ESTATAL E SE SUBMETEM A REGIME
prontos para iniciar uma sociedade, é que ela tem ADMINISTRATIVO PREVISTO, NOS ESTADOS-
MEMBROS, POR LEIS ESTADUAIS SÃO
condições de existir. FUNDAÇÕES DE DIREITO PÚBLICO, E,
Com as fundações é um pouco diferente. Elas PORTANTO, PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO
são, em essência, patrimônios destinados a PÚBLICO. - TAIS FUNDAÇÕES SÃO ESPÉCIE DO
determinado fim. Calma, vamos entender juntos. GÊNERO AUTARQUIA” (RE 101.126/RJ)
Pense em um senhor rico, um filantropo que ama a
natureza. Ao pressentir que não terá muito tempo Veja, toda fundação instituída pelo Poder
de vida, ele deixa, em testamento, uma parte Público com patrimônio público é uma fundação
considerável de sua fortuna, para que ela seja pública. No entanto, as fundações públicas podem
destinada à construção e manutenção de um parque ser de direito privado, equiparando-se às fundações
em sua cidade natal. Pois nessas circunstâncias já instituídas com patrimônio particular, ou podem ser
temos a semente de uma fundação, qual seja, um de direito público, circunstâncias em que se
patrimônio destinado a determinado objetivo, assimilam à figura de autarquias, inclusive, e
pouco importando quem haverá de administrá-lo. O principalmente, em relação a prerrogativas e
senhor da nossa história, por exemplo, pode relegar submissões.
a administração de sua fundação ao poder público, É importante mencionar que toda fundação,
sem nem ao menos saber quais agentes serão pública ou privada, deve ser destinada a um fim
designados para a tarefa. Aliás, cabe ao Ministério social e não pode possuir fins lucrativos,
Público Estadual velar pelas fundações que se situem independentemente da origem de seus recursos. Em
na região de sua atuação. outras palavras, toda fundação deve promover uma
Nesse sentido, leia o art. 62 do Código Civil: utilidade, um benefício à sociedade, sem almejar
lucros, ou seja, sem distribuir dividendos a seus
Art. 62. Para criar uma fundação, o seu titulares, mesmo porque não há titulares em uma
instituidor fará, por escritura pública ou fundação, afinal ela é, grosso modo, um patrimônio.
testamento, dotação especial de bens livres, Vejamos alguns exemplos de atividades
especificando o fim a que se destina, e desenvolvidas por fundações, a teor do art. 62,
declarando, se quiser, a maneira de administrá-
la.
parágrafo único, do Código Civil:

Parágrafo único. A fundação somente poderá


Fácil, não? Fundações são patrimônios constituir-se para fins de:
afetados a determinado fim.
I – assistência social; atividade econômica ou, em raros casos, preste
II – cultura, defesa e conservação do patrimônio algum serviço público. Como exemplos, podemos
histórico e artístico;
III – educação;
citar a Caixa Econômica Federal e os Correios.
IV – saúde; De seu turno, sociedades de economia mista
V – segurança alimentar e nutricional; também são pessoas jurídicas de direito privado
(...) criadas por autorização legal, para que o Estado
desempenhe atividade econômica ou, em raros
Interessante notarmos que a parte final do casos, preste algum serviço público. A diferença é
art. 37, XIX, da Constituição Federal, determina que a forma delas deve ser sociedade anônima, de
caber à lei complementar definir as áreas de atuação cujas ações o Poder Público detenha a maior parte,
das fundações públicas. Essa lei ainda não foi para exercer controle administrativo. A título de
editada, e a despeito da profunda divergência exemplo, podemos citar a Petrobras.
doutrinária a respeito do tema, nos parece que as Perceberam como ambas as figuras são
áreas que vierem a ser definidas deverão estar em parecidas? As principais diferenças entre elas estão
consonância com a promoção de benefícios à na forma que assumem, a empresa pública podendo
coletividade. assumir qualquer forma idônea ao desempenho de
Pois bem, quando a fundação pública é de sua atividade, enquanto a sociedade de economia
direito privado, a lei não a cria, apenas autoriza sua mista deve necessariamente ser constituída como
criação, que deverá ser formalizada com o registro sociedade anônima; e na composição de capital, à
de seus atos constitutivos em cartório. Por outro consideração de que as empresas públicas são
lado, a exemplo do que acontece com as autarquias, constituídas de capital inteiramente público, e as
as fundações públicas de direito público são sociedades de economia mista, como o próprio
efetivamente criadas por lei, também neste caso nome já diz, detém capital público e privado,
específica. pulverizado em ações.
Por fim, quanto às diferenças entre Como vimos, ambas entidades
fundações de direito público e privado, basta desempenham atividade econômica, ou seja,
sabermos que são, geralmente, as mesmas entre voltada ao lucro, mas sempre segundo os objetivos
fundações privadas e autarquias, com algumas insculpidos na Constituição Federal. Vamos ler?
especificidades que, neste curso de introdução, não
cabe nos atermos. Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta
Continuando, terminaremos de abordar as Constituição, a exploração direta de atividade
entidades integrantes da Administração Pública econômica pelo Estado só será permitida quando
necessária aos imperativos da segurança
Indireta, a saber, empresas públicas, sociedades de nacional ou a relevante interesse coletivo,
economia mista e consórcios públicos. conforme definidos em lei.
Em primeiro lugar, é importante dizermos
que não há distinção de atividades que possam ser Como é possível perceber, as atividades de
atribuídas a empresas públicas e a sociedades de cunho econômico, normalmente desenvolvidas pelo
economia mista, ou seja, ambas podem desenvolver setor privado, podem ser desempenhadas pelo
o mesmo objeto, geralmente de cunho lucrativo. Estado nas estritas hipóteses em que se relacionem
Ademais disso, ambas, sem exceções, são pessoas com a segurança nacional ou com relevante
jurídicas de direito privado, nunca público. A bem da interesse coletivo. É assim porque o governo,
verdade, ambas as espécies de entidades têm mais normalmente, detém informações e condições
similaridades entre si do que diferenças, como nós excepcionais para exercer esse tipo de atividade,
veremos. motivo pelo qual, se atuasse de forma indistinta no
Podemos definir empresa pública como setor econômico, provavelmente, prejudicaria a
pessoa jurídica de direito privado criada por competitividade econômica necessária à livre
autorização legal, sob qualquer forma legalmente iniciativa, um dos fundamentos de nosso Estado.
permitida, a fim de que o Estado desempenhe
Exemplos de atividades de relevante cujo desenvolvimento constitui a razão
interesse coletivo estão presentes no art. 177, de ser da empresa estatal, tal como
também da Constituição Federal, cujo teor dispõe a enunciado na lei de sua criação e em
respeito do que se constitui monopólio da União, seus estatutos constitutivos. A atividade-
como a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e fim é aquela para a qual está
gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos. vocacionada a entidade. As demais são
Quanto aos serviços públicos passíveis de atividades-meio e, portanto, sujeitam-se
serem prestados por empresas públicas e à regra da licitação.” (PEREIRA JUNIOR,
sociedades de economia mista, são aqueles que se Jessé Torres. Comentários à Lei das
prestam à atividade lucrativa, como o ensino e a Empresas Estatais: Lei nº 13.303/2016.
saúde, podendo ser explorados também por Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 135.)
particulares. Aliás, à hipótese de que a atividade não
possa ser desempenhada pela iniciativa privada, Ainda, o STF tem entendimento de que as
sendo, portanto, típica de Estado, não poderá ser empresas públicas e sociedades de economia mista
atribuída a empresas públicas e sociedades de que desempenhem serviços públicos não estão
economia mista, porque ambas possuem sujeitas ao regime jurídico das empresas privadas,
personalidade jurídica de direito privado, e o Estado, estando, assim, mais próximas do regime público,
para atuar enquanto tal, demanda personalidade em virtude do princípio da continuidade do serviço
jurídica de direito público. público. Vamos ler novamente:
Também as atividades de cunho
estritamente social, assistencial, não poderão ser “as sociedades de economia mista e as
delegadas a empresas públicas e sociedades de empresas públicas que explorem
economia mista, porque deficitárias, ou seja, não atividade econômica em sentido estrito
geram lucro. Percebam, a lucratividade, ao menos estão sujeitas, nos termos do disposto
em tese, da atividade é essencial. no § 1º do art. 173 da Constituição do
Como falamos, ambas entidades têm Brasil, ao regime jurídico próprio das
personalidade jurídica de direito privado. Contudo, empresas privadas o qual não se aplica
como estão vinculadas à Administração Pública, esse às empresas estatais que prestam
regime é mitigado. Um exemplo disso é a serviço público” (ADI 1.642/MG)
necessidade de que, para ingressarem em seus
quadros, os candidatos submetam-se a concurso Podemos dizer que, quanto mais importância
público – embora, aprovados, não se tornem pública tiver a atividade desempenhada pela
servidores, mas empregados regidos pela entidade, mais próxima ela estará do regime público.
Consolidação das Leis do Trabalho. Ainda, no âmbito Há, aliás, empresas a que o STF já estendeu a
de suas atividades-meio, essas entidades devem imunidade tributária típica dos entes federativas,
proceder a licitação para contratarem. Confira como é o caso da Empresa Brasileira de Correios e
comigo a lição de Jessé Torres: Telégrafos. E, embora tenhamos dito que, em geral,
o patrimônio dessas entidades tenha caráter
“As atividades finalísticas das empresas privado, a doutrina também faz distinção a respeito
estatais regem-se pelo direito privado e da natureza dos bens destinados ao serviço público
não estão sujeitas ao dever de licitar. prestado, hipótese em que esse patrimônio seria
Essa obrigação, no entanto, é exigível beneficiado pela proteção conferida aos bens
nas contratações necessárias ao públicos, como a impenhorabilidade.
exercício das atividades-meio. Não raro, De toda forma, sejam prestadoras de
determinada atividade-fim pode serviços públicos ou exploradoras de atividade
confundir-se com atividade-meio. A econômica, o estatuo das empresas estatais e
diferença entre ambas as atividades está sociedades de economia mista é dado pela Lei n.
na vinculação do contrato com o objeto 13.303/16.
Viram como é fácil?
Por fim, falemos um pouco dos consórcios
públicos, regidos pela Lei n. 11.107/05.
Como ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
consórcios públicos são acordos de vontade,
celebrados por duas ou mais entidades da
Administração Pública para desempenhar um
objetivo em comum. Ainda, segundo o art. 241 da
Constituição Federal:

“Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal


e os Municípios disciplinarão por meio de lei os
consórcios públicos e os convênios de
cooperação entre os entes federados,
autorizando a gestão associada de serviços
públicos, bem como a transferência total ou
parcial de encargos, serviços, pessoal e bens
essenciais à continuidade dos serviços
transferidos.”

Como podemos perceber, os consórcios


públicos são negócios jurídicos celebrados a fim de
que um determinado objetivo comum seja
alcançado pela agregação e coordenação de
esforços entre entes da Administração Pública.
Em outras palavras, é uma forma de
associação que, segundo a lei, passa a constituir a
Administração Indireta de todos os entes
consorciados.
Vamos dar um exemplo, para ficar mais claro.
Imaginemos vários pequenos municípios de um
estado qualquer, que precisam adquirir lâmpadas
para seus respectivos postes públicos de iluminação.
Se cada um adquirir, sozinho, os equipamentos, o
preço será equivalente a x. Contudo, se todos se
associarem para adquirir os produtos em conjunto,
podem ganhar em escala, ou seja, na quantidade
comprada, e assim conseguirem um preço melhor.
Pois assim, chegamos ao final da nossa aula.
Espero que vocês tenham gostado e aprendido um
pouco mais desse vasto mundo que é a
Administração Pública brasileira. Foi um prazer, e até
a próxima.

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