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Direito Administrativo I
2ª Turma – Dr. Licínio
“(...) é uma experiência eterna a de que todo homem que tem poder tende a
abusar dele; ele vai até onde encontra limites (...)”
Montesquieu
Henrique Milheiro
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Nota introdutória
Como fonte de estudo e recolha de informação, esta sebenta conta com apontamentos
pessoais, com excertos de aulas, com transcrições de manuais e códigos inerentes à
disciplina, PowerPoints disponibilizados nos sumários entre outras fontes. Todas as
fontes são devidamente referenciadas, sem prejuízo do trabalho dos seus autores. A
matéria abordada em aula (pelo menos no presente ano letivo) encontra-se sucintamente
explicada, deixando de fora tópicos que, embora estejam no manual ou noutras fontes,
não foram alvo de estudo quer em aulas teóricas, quer em aulas práticas. Algumas notas
são também introduzidas ao longo do texto, a fim de clarificar, desenvolver ou
referenciar certos pontos da matéria.
Com esperança de que facilite o estudo de todos/as os/as colegas que desta se sirvam,
seja no corrente ano letivo, seja num momento posterior, desejo a todos os que por este
meio se recorram votos de sucesso e bom estudo! Um bem-haja do vosso semelhante,
Henrique Milheiro
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“Administrar” significa fazer uma gestão. Essa gestão pode ser de património e/ou
financeira ou até de pessoas, ou seja, é a gestão de recursos escassos; através de uma
lógica de organização, para atingir um conjunto de fins (interesses). Esta lógica de
organização visa obter um conjunto de utilidades, através de opções pré-definidas.
Podemos, pois, dizer que a “administração” consiste na tarefa de prosseguir esses fins.
Mas esta tarefa só é possível através da organização, de um quadro institucional a quem
os compete prosseguir.
1 Facilmente se compreenderá que estes variam de comunidade em comunidade, em função do tempo em que
se inserem
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Estes são os chamados interesses públicos, no sentido em que certos órgãos dessa
comunidade politicamente organizada, vão avaliar as necessidades comuns,
confiando a sua satisfação a serviços próprios do aparelho que dirige a vida dessa
comunidade.
2 Atualmente os limites deste conceito tendem a ser mais fluidos, com o fenómeno das privatizações e
concessões.
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Aqui é incluída a atividade levada a cabo por entidades privadas, desde que no
exercício de poderes públicos (regulada por princípios ou disposições normativas
de direito administrativo); mas exclui-se a atividade desenvolvida pelos entes
públicos administrativos, no puro exercício da sua capacidade de direito privado
(ex. realização de negócios auxiliares3).
3 Porém, nestes casos a atividade privada dos entes públicos está sujeita ao cumprimento dos princípios gerais
de direito administrativo e, por vezes, a pré-procedimentos de natureza pública.
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São para já, de salientar três grandes grupos de sujeitos da Administração Pública:
Evolução Histórica
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Breve síntese 4
Nesta época nem faz sentido falar-se de Administração Pública, pois não existe qualquer
unidade que sirva o interesse primário, nem nenhum aparelho organizado destinado a
servir o interesse primário. Nem se quer há as ideias abstratas de “Estado” ou “Nação”.
A transição entre a época medieval e a criação dos Estados Modernos, vão-se afirmar
duas correntes essenciais para a mudança: uma linha racionalizadora, em que a razão se
4 Matéria facultativa, mas fundamental para uma compreensão mais profunda do ponto 1.1.
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assume como valor fundamental o que reflete uma melhor organização; uma linha
centralizadora com crescente concentração de poderes no rei. A afirmação destas novas
tendências pode ser justificada por motivos religiosos; económicos e militares.
b) Entre meados do século XVII e finais do século XVIII surge a figura do Estado-de-
Policia. A sua grande característica é o absolutismo Estadual5, com uma concentração
de poderes no monarca, sua figura máxima.
Isto é compreensível pela conjuntura Iluminista6, pois considerava-se que o rei era o
“mais esclarecido” e como tal o mais fiél intérprete da razão.
A transição para a época liberal parte desde logo, do crescente sentimento de mal-estar e
opressão generalizado, resultante do absolutismo. Novas mentalidades começam a por
em causa a legitimidade monárquica, e forma-se o conceito de Nação7 – conjunto de
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súbitos, o “terceiro estado”, aos olhos da revolução francesa. A esta causa vai-se juntar a
nova classe da burguesia, com interesses de mudança.
Tudo isto, em conjunto com a “aliança” entre o povo e a burguesia, vai eclodir nas
revoluções liberais, que “abrem portas” a um novo modelo de Estado.
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Desde os anos 80 do século XX que se tem vindo a acentuar aquilo que alguns veem
como sendo uma nova realidade social, caracterizada pela informação e conhecimento.
Há, pois, quem considere que estamos já perante um novo paradigma, o do Estado Pós-
Social/Pós-Moderno, que se transforma num Estado de Garantia – aquele que regula,
orienta e incentiva a atividade privada, com especial intensidade daquela que prossiga
interesses gerais ou coletivos.
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Daí se chamar de Estado regulador, garantidor, aquele que deixa a prestação direta,
assumindo antes a orientação, promoção e garantia de serviços públicos.
Tradicionalmente, o modelo teórico das funções estaduais fazia como que um estereótipo
de “3 poderes, 3 funções” - Parlamento/legislativa; Governo/executiva;
Tribunais/judicial. A função administrativa, enquadrava-se na função executiva, como
uma mera função residual, de execução material.
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A diferenciação entre estas duas funções, pode ser vista, desde logo, no carácter primário
da atividade política – ela é desenvolvida através da aplicação direta da Constituição,
onde estão fixadas as competências e respetivos limites, sem intervenção da lei ordinária
e tendo em vista a realização direta dos interesses fundamentais da comunidade
politicamente organizada.
Mas este carácter diferenciador é cada vez menos suficiente, uma vez que a função de
governo se desenvolve também, através de dimensões de programação e de orientação
político–estratégica da atividade administrativa – políticas públicas – com destaque para
os domínios económico, social e financeiro. Esta dimensão da função política, designada
de função governativa, manifesta-se frequentemente sob a forma de decreto-lei, o que nos
permite falar numa atividade político-legislativa do governo.
Uma forma prática de evidenciar as diferenças entre estas duas funções é a análise dos
artigos 197º e 199º da Constituição:
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(...)”
(...)”
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Onde estas características não forem suficientes para uma devida diferenciação,
devem ser tidas em conta ideias de primariedade, essencialidade ou novidade da
lei, que permitem identificar a função legislativa.
A diferenciação das funções estaduais não tem um simples alcance teórico, mas
também importantes consequências práticas:
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Este critério é útil num duplo sentido: seja para proibir a intervenção regulamentar
administrativa em matéria legislativa (ex. posturas municipais que regulam matérias
de direitos, liberdades e garantias); seja para proibir a intervenção parlamentar no
exercício concreto da função administrativa.
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Nesta época, entendido apenas num sentido negativo – a Administração não podia praticar
qualquer ato que contrariasse o disposto na lei11. Ou seja, a atividade administrativa tinha
de respeitar as determinações legais, sob pena de invalidade. Isto é um claro reflexo da
supremacia do Parlamento, pois as suas leis não podiam ser desrespeitadas por atos da
administração, tendo estes de obedecer ao Direito (nesta fase identificado em exclusivo
com a lei).
11 Recorde-se que nesta época “lei” era concebida como apenas a lei do Parlamento, identificada com o
Direito.
12 Justamente, as mais importantes para a recém afirmada classe burguesa.
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- em sentido material, pois as leis identificavam-se com as normas jurídicas, que eram
exclusivamente as normas relativas à esfera da liberdade e da propriedade dos cidadãos;
Fora da zona reservada da lei, ou seja, fora das matérias que tocassem na esfera
jurídica dos cidadãos, a Administração atuava livremente. Nesse território além da
lei, a atividade jurídica não encontrava qualquer tipo de subordinações.
Era aqui reconhecida uma “cláusula geral de polícia”, que conferia à Administração
poderes implícitos para a “defesa do interesse social” e “manutenção da ordem
pública”.
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O conceito de lei vai ser alterado, não sendo mais, apenas visto como um meio de
proteção da esfera jurídica dos cidadãos, mas agora também como um meio de
assegurar a prossecução do interesse público. Deixa também de ser um mero limite à
atividade administrativa, para se assumir como seu pressuposto e fundamento.
Assim modifica-se a visão liberal do princípio da legalidade administrativa, por uma nova
visão – o princípio da juricidade (lei e direito), com a alteração dos entendimentos dos
seus subprincípios:
Continua a existir primazia normativa das normas legislativas sobre todas as decisões
administrativas. A grande diferença incide sobre a visão deste princípio, também na sua
vertente positiva – princípio da precedência da lei – pois ela passa a ser o pressuposto e
fundamento da atuação administrativa. A Administração, não só não pode desrespeitar a
lei (sentido negativo), como passa ater de ter uma lei prévia habilitante para atuar (sentido
positivo).
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Embora deixe de haver uma reserva absoluta da função legislativa nas mãos do
Parlamento, ele continua a ser o órgão legislativo por excelência, tendo reserva absoluta
sobre algum tipo de matérias, nomeadamente em questões de direitos e liberdades dos
cidadãos e decisões fundamentais para a vida em sociedade.
Neste tipo de matérias é exigida uma densidade legal acrescida, o que representa uma
vinculação mais intensa da atividade administrativa à lei.
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3. A discricionariedade administrativa
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- que resulta de uma indeterminação legal, de uma lacuna intencional, aberta pelo
legislador perante certas situações.
Essa abertura justifica-se, desde logo, pelo facto de a lei ter uma capacidade limitada de
previsão (ela não consegue prever tudo, sobretudo quando se formulam juízos únicos);
mas também por razões de natureza técnica, isto é, a Administração tem, por regra, uma
maior aptidão técnica, estrutural e procedimental, adequada à realidade dos factos.
Imagine-se uma norma com estrutura condicional, que é constituída por uma
hipótese (X) ou estatuição(Y). A hipótese contém uma descrição típica de uma
situação; enquanto a estatuição contem o conteúdo do ato.
Mas
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Será ainda de referir que além destas, surgem cada vez com mais frequência,
normas de estrutura programática – aquelas que limitam a definir os
fins/objetivos que a Administração deve prosseguir, deixando-lhe, pois, a
determinação dos meios (soluções). Elas também não têm uma estrutura
fechada, concedendo, por isso, discricionariedade.
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§ Conceitos subjetivos
São aqueles que pela sua extrema abertura ou vastidão, devem presumir-se como
delegação de avaliação no poder administrativo, porque aí não há uma mera
indeterminação conceitual e deve reconhecer-se uma prerrogativa de avaliação
própria da Administração, que o juíz não pode reexaminar. Há, pois, uma clara
atribuição de poder discricionário.
§ Conceitos classificatórios
São determinados por remissões para juízos de experiência comum (ex. urgência
imperiosa); ou de uso certo de tempo e lugar, para valores ou institutos jurídicos
(ex. propriedade); ou para conceitos de ciências exatas ou em relação aos quais
se verifique um consenso científico (substância tóxica).
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Feita a um órgão
Vertical subalterno na hierarquia
interna, que passa a poder
exercer competências.
Feita entre diversos
Horizontal órgãos, independentes
entre si, onde não existe
uma relação hierárquica.
A lei atribui diretamente
competências a órgãos
subalternos, através das
Originária leis de organização
administrativa (leis de
desconcentração
administrativa).
Tem fundamento legal,
mas é efetuada através de
Derivada um ato administrativo (ato
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de delegação de
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poderes).
As competências são
Territorial distribuídas por vários
órgãos segundo áreas
geográficas.
Distribuição de funções e
competências entre
órgãos sem
Funcional necessariamente uma
desconcentração
territorial de
competências.
Personalizada/Intersubjetiva Estado-Administração
(Estado e Administração procede à transferência de
indireta) atribuições a pessoas
coletivas por si
instituídas.
Ela implica a transferência de titularidade de uma atribuição de que era titular o Estado
para a organização administrativa benificiária.
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Esquema-resumo:
Indireta (e)
Direta (b)
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Entidades Públicas
Institutos Públicos (g)
Empresariais (h)
Atente-se antes de mais, aos artigos 182º e alínea d) do artigo 199º da Constituição:
(...)
Engloba-se aqui toda a atividade administrativa levada a cabo diretamente pelos próprios
serviços administrativos do Estado, sob direção do Governo, que é o órgão superior da
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d) órgãos periféricos – que são órgãos da pessoa coletiva Estado, dependentes direta ou
hierarquicamente do Governo, que excrescem uma competência limitada a uma certa
circunscrição administrativa. (ex. comissões de coordenação e desenvolvimento regional)
São aqui também incluídos os serviços periféricos externos, que exercem poderes fora do
território nacional17. (ex. as embaixadas)
O seu órgão superior tem o poder de emitir ordens aos órgãos subalternos, sejam
concretos e individuais, sejam só diretrizes – poder de direção; pode instaurar
procedimentos disciplinares, pela prática de infrações pelos órgãos subalternos – poder
disciplinar, e ainda pode anular e revogar atos praticados pelos órgãos subalternos –
poder de revisão.
Esta é aquela que é realizada por conta do Estado, mas por outros entes que não o próprio
Estado, ou seja, aqui encontramos entes públicos que não prosseguem interesses próprios,
mas antes interesses do Estado.
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g) Institutos Públicos
Em geral têm âmbito nacional, embora existam institutos públicos com âmbito
territorialmente circunscrito.
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Já quanto aos fins, o Governo exerce sobre os institutos públicos a tutela de legalidade,
que tem por objetivo a verificação da legalidade de atuação, e a tutela de mérito, que tem
por objetivo o controlo do mérito da ação desenvolvida.
São pessoa coletivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado e
que prosseguem igualmente fins deste.
Quanto ao tipo, elas podem ser empresas públicas constituídas sob a forma de sociedade
de responsabilidade limitada nos termos da lei comercial – em regra, sob a forma de
sociedade anónima (S.A.); nas quais o Estado ou outras entidades públicas exercem a
influência dominante (sendo o titular da maioria do capital social).
Podem também ser entidades públicas empresariais (E.P.E.), isto é, pessoas coletivas de
direito público, com natureza empresarial, criadas por decreto-lei.
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Tratam-se de entidades que prosseguem fins do Estado, mas sem influência do Governo,
enquadrando-se aqui a generalidade das empresas públicas.
a) Administração Autónoma
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As autarquias locais são pessoas coletivas públicas, de base territorial, que asseguram a
prossecução de interesses próprios do respetivo agregado populacional, através de órgãos
próprios, por este eleito. Como dispõe o n.º 2 do artigo 235º da Constituição:
1. (...)
b/1) Municípios
Dos artigos 249º a 251º a Constituição versa sobre os Municípios. Procure-se entender
melhor o seu funcionamento com uma breve caracterização dos seus órgãos:
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b/2) Freguesias
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Quanto ao tipo de relação jurídica entre o Estado e estas entidades, há uma relação de
tutela administrativa de legalidade, no sentido da qual, os regulamentos que versem sobre
os estágios profissionais e as provas profissionais de acesso à profissão, só produzem
efeitos após a homologação da respetiva tutela.
Bibliografia:
Henrique Milheiro
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