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RESUMO DE DIREITO DO URBANISMO

Manuais: Profs. Drs. Fernando Alves Correia e André Folque


Regente: Prof. Dr. João Miranda
por FILIPE BRAZ MIMOSO e PATRÍCIA GANHÃO
2012/2013

OS ACTOS DE CONTROLO PRÉVIO DAS OPERAÇÕES URBANÍSTICAS

É no âmbito do controlo prévio das operações urbanísticas que se procuram harmonizar, no


respeito das normas jurídicas urbanísticas, todos os interesses individuais, comunitários e
sociais conexos com a ocupação, uso e transformação do solo. De facto, aos interesses
individuais do proprietário privado contrapõem-se múltiplas exigências colectivas
respeitantes à tutela do ambiente e do património cultural e à necessidade de uma
adequada localização das estruturas residenciais e produtivas e às correspondentes infra-
estruturas urbanísticas. O controlo prévio das operações urbanísticas constitui, assim, um
mecanismo indispensável para garantir o respeito das normas jurídicas urbanísticas no
momento em que têm lugar as transformações urbanísticas do solo e para garantir a
harmonização entre todos os interesses conflituantes coenvolvidos nas acções de
ocupação, uso e transformação daquele bem. Daí que a generalidade do ordenamentos
jurídicos urbanísticos consagrem a regra geral de sujeição a controlo prévio das operações
urbanísticas, dada a insuficiência do controlo a posteriori realizado pela Administração .
A disciplina jurídica dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas está
condensada no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de
Junho, e modificado, por último, pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, e pelo Decreto-Lei
n.º 26/2010, de 30 de Março (tendo a Lei n.º 28/ /2010, de 2 de Setembro, alterado, por
apreciação parlamentar, o artigo 13.° do RJUE, na versão deste último diploma legal), no
Regime Geral das Edificações Urbanas (RGEU) e, ainda, nos regulamentos municipais de
urbanização e ou de edificação, bem como nos regulamentos municipais relativos ao
lançamento e liquidação das taxas e prestação de caução que, nos termos da lei, sejam
devidas pela realização de operações urbanísticas, uns e outros emitidos pelos municípios
“no exercício do seu poder regulamentar próprio” (artigos 3.°, n. 05 1 e 2, e 116.° e 117.° do
RJUE).
Os referidos regulamentos devem ter como objectivo a concretização e execução do
RJUE, não podendo contrariar o nele disposto, designadamente quanto ao procedimento de
controlo prévio a que as operações urbanísticas estão submetidas, e devem fixar os
montantes das taxas a cobrar nos casos de admissão de comunicação prévia e de
deferimento tácito, não podendo estes valores exceder os previstos para o licenciamento ou
acto expresso (artigo 3.°, n.º 2, do RJUE). Os projectos destes regulamentos são
submetidos a discussão pública, por prazo não inferior a 30 dias, antes da sua aprovação
pelos órgãos municipais, sendo publicados na 2.a série do Diário da República, sem prejuízo
das demais formas de publicidade previstas na lei (artigos 3.°, n. os 3 e 4, e 116.°, n.° 5, do
RJUE).
Ver artigo 10.º, n.os 8 e 9, do RJUE na redacção do Decreto-Lei n.º 26/2010.

Conceito de operações urbanísticas

Objecto de controlo prévio por parte do município são, por via de regra, todas as
operações urbanísticas, as quais são definidas na alínea j) do artigo 2.° do RJUE como “as
operações materiais de urbanização, de edificação, utilização dos edifícios ou do solo desde
que, neste último caso, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais,
mineiros ou de abastecimento público de água”. Segundo esta noção, não são operações
urbanísticas as utilizações ou usos do solo para fins exclusivamente agrícolas, pecuários,
florestais, mineiros ou de abastecimento público de água, mas são-no as obras de urba-

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nização e de edificação destinadas a esses fins, pelo que estão as mesmas sujeitas ao
controlo prévio definido no RJUE.
O conceito de operações urbanísticas fornecido pela alínea j) do artigo 2.° é um conceito
tendencialmente conglomerador de todos os usos artificiais do solo sujeitos a controlo
prévio do município. Todavia, o legislador, com o objectivo de definir o tipo de controlo pré-
vio a que está sujeita cada uma das específicas modalidades de operações urbanísticas,
não deixou de apresentar, no artigo 2.° do RJUE, vários conceitos de usos e ocupações
artificiais do solo integradores do conceito abrangente de operação urbanística. Assim
sucede com as noções de edificação, obras de construção, obras de reconstrução sem
preservação das fachadas, obras de ampliação, obras de alteração, obras de conservação
obras de demolição, obras de urbanização, operações de loteamento, trabalhos de
remodelação dos terrenos, obras de escassa relevância urbanística e obras de
reconstrução com preservação das fachadas .
Vale a pena enunciar, agora, as referidas noções, deixando para mais tarde os
esclarecimentos complementares relativos às operações de loteamento e às obras de
urbanização.
Assim, a edificação é definida como “a actividade ou o resultado da construção,
reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização
humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de
permanência” [artigo 2.°, alínea a)]. Por seu lado, obras de construção são caracterizadas
como “as obras de criação de novas edificações” [artigo 2.°, alínea b)].
Embora, sob o ponto de vista técnico e lógico, a noção de obras de construção seja
mais ampla do que a de obras de edificação, já que as primeiras abrangem “os conjuntos
erigidos pelo homem, com quaisquer materiais, reunidos e ligados artificialmente ao solo ou
a um imóvel com carácter de permanência, com individualidade própria e distinta dos seus
elementos”, enquanto as segundas dizem respeito à construção de edifícios, isto é, de
prédios urbanos destinados ao uso dos homens, para fins de habitação ou outros, o RJUE
utiliza, em sentido contrário, o termo edificação como tendo um sentido mais amplo do que
o de construção, uma vez que integra nele não só as construções relativas a edifícios, mas
todas as construções que se incorporem no solo com carácter de permanência.
Obras de reconstrução sem preservação das fachadas são “as obras de construção
subsequentes à demolição total ou parcial de uma edificação existente, das quais resulte a
reconstituição da estrutura das fachadas, da cércea e do número de pisos” [artigo 2.°,
alínea c)]. Por sua vez, obras de ampliação são “as obras de que resulte o aumento da área
de pavimento ou de implantação, da cércea ou do volume de uma edificação existente”
[artigo 2.°, alínea d)]. O que distingue as obras de reconstrução, no caso da alínea c) do
artigo 2.° do RJUE, sem preservação das fachadas, das obras de ampliação é que, nas
primeiras, o prédio reconstruído continua a ser o mesmo, embora com reconstituição da
estrutura das fachadas, com a mesma área, cércea e número de pisos, ainda que,
eventualmente com materiais diferentes, ao passo que, nas segundas, verifica-se um
aumento da área de construção, traduzido no aumento da área de pavimento ou de
implantação, da cércea ou do volume da edificação existente.
Obras de alteração são “as obras de que resulte a modificação das características físicas
de uma edificação existente ou sua fracção, designadamente a respectiva estrutura
resistente, o número de fogos ou divisões interiores, ou a natureza e cor dos materiais de
revestimento exterior, sem aumento da área de pavimento ou de implantação ou da cércea”
[artigo 2.°, alínea e)]. Pelo que respeita às obras de conservação, são “as obras destinadas
a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução,
ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, conservação ou limpeza”
[artigo 2.°, alínea f)]. Verifica-se da definição destas duas modalidades de operações
urbanísticas que as benfeitorias correspondentes às obras de alteração são mais profundas
do que as relacionadas com as obras de conservação, mas ambas têm como limite a
manutenção da área de pavimento ou de implantação ou da cércea das edificações objecto
das referidas obras.
Obras de demolição são “as obras de destruição, total ou parcial, de uma edificação

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existente” [artigo 2.°, alínea g)]. Como veremos infra, as obras de demolição de edificações
podem ser realizadas isoladamente ou estar previstas em licenças de obras de
reconstrução do edifício total ou parcialmente demolido, sendo, então, diferente o tipo de
controlo prévio aplicável.
Obras de urbanização são “as obras de criação e remodelação de infra-estruturas
destinadas a servir directamente os espaços urbanos ou as edificações, designadamente
arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água,
electricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de
utilização colectiva” [artigo 2.°, alínea h)]. No tocante às operações de loteamento, são elas
“as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes
destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de
um ou vários prédios ou do seu reparcelamento” [artigo 2.°, alínea i)].
Trabalhos de remodelação dos terrenos são “as operações urbanísticas não
compreendidas nas alíneas anteriores que impliquem a destruição do revestimento vegetal,
a alteração do relevo natural e das camadas de solo arável ou o derrube de árvores de alto
porte ou em maciço para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais ou
mineiros” [artigo 2.°, alínea l)]. Com a sujeição a controlo prévio desta modalidade de
operações urbanísticas — cuja origem se pode encontrar no artigo 1.° do RGEU, no artigo
1.°, N.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril, e no artigo 1.°, n.º 1, alínea a)
do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro — visa-se colocar sob controlo das câmaras
municipais todos os trabalhos de destruição do revestimento vegetal, de derrube de árvores
de alto porte ou em maciço, de escavação e de aterro que, não sendo realizados para fins
exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais ou mineiros, tenham como consequência a
alteração da topografia local, evitando-se, assim, “que livremente se modifiquem, em locais
naturalmente destinados à construção urbana, as condições de edificabilidade ou a estética
dessas zonas”.
Obras de escassa relevância urbanística são “as obras de edificação ou demolição
que, pela sua natureza, dimensão ou localização, tenham escasso impacto urbanístico”
[artigo 2.°, alínea m)]. Estas obras — que estão isentas de qualquer controlo prévio — são
as definidas no artigo
6.°-A, n.º 1, do RJUE, bem como outras, como tal qualificadas em regulamento municipal.
Por último, obras de reconstrução com preservação das fachadas são “ as obras de
construção subsequentes à demolição de parte de uma edificação existente, preservando
as fachadas principais com todos seus elementos não dissonantes e dos quais não resulte
edificação com cércea superior à das edificações confinantes mais elevadas” [artig 0 2.°,
alínea n)]. Convém sublinhar que a obra de reconstrução com preservação da fachada pode
configurar uma verdadeira obra de ampliação, na medida em que a mesma pode traduzir-se
num aumento da obra até às cérceas das edificações confinantes. Apesar disso, a obra de
reconstrução com preservação das fachadas estará sempre sujeita ao procedimento de
comunicação prévia — e não ao de licença —, ainda que ela coenvolva uma ampliação da
obra objecto de reconstrução.
Antes de encerrarmos este ponto relativo ao conceito de operações urbanísticas, importa
deixar registadas duas notas. A primeira diz respeito ao facto de o RJUE, apesar de se
aplicar tendencialmente a todas as operações urbanísticas, conter a disciplina material de
apenas algumas delas, porventura as mais importantes, quais sejam as operações de
loteamento (artigos 41.° a 52.°), as obras de urbanização (artigos 53.° a 56.°), as obras de
edificação (artigos 57.° a 61.°) e a utilização de edifícios e respectivas fracções (artigos 62.°
a 66.°), omitindo as condições específicas de licenciamento ou comunicação prévia das
restantes operações urbanísticas, definidas na alínea j) do artigo 2.° do RJUE, incluindo as
obras de demolição [alínea g) do artigo 2.°] e os trabalhos de remodelação dos terrenos
[alínea l) do artigo 2.°]. Esta circunstância reforça a importância dos regulamentos
municipais de urbanização e ou de edificação como elementos integradores das omissões
ou das lacunas da disciplina constante do RJUE.
A segunda nota tem a ver com a circunstância de haver operações urbanísticas que
estão sujeitas a um regime especial de controlo prévio, ainda que, por vezes, esse regime

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particular comungue de várias características do regime constante do RJUE.
Circunscrevendo-nos tão-só a dois exemplos, é o que sucede com o licenciamento dos pos-
tos de abastecimentos de combustíveis e com o licenciamento das redes e estações de
radiocomunicações.
As mencionadas operações urbanísticas encontram-se, nos termos do n.º 2 do artigo 5.°
do Decreto-Lei n.º 267/2002, submetidas ao RJUE, sem prejuízo das especificidades
estabelecidas pelo primeiro diploma. Assim, de acordo com alínea c) do n.º 2 do artigo 4.°
do RJUE, está sujeita a licença administrativa a realização de obras de construção,
ampliação ou alteração em área não abrangida por alvará de loteamento ou por plano de
pormenor que contenha os elementos referidos nas alíneas c), d) e f) do n.º 1 do artigo 91.°
do RJIGT. O procedimento tendente à emissão da licença de construção, regulado pelos
artigos 8.° e seguintes, e 18.° e seguintes do RJUE, é constituído por duas fases: a
primeira, dirigida à apreciação do projecto de arquitectura; a segunda (que tem lugar
quando aquela termina com a aprovação do projecto), destinada à apreciação dos projectos
de especialidades. O acto final do procedimento — a licença da operação urbanística —
confere ao seu titular a faculdade de realizar, dentro de determinado lapso temporal, as
obras de construção, ampliação ou alteração solicitadas, nos termos e condições fixados no
acto.

6. OBRAS DE EDIFICAÇÃO (ANDRÉ FOLQUE)


6.1. Critérios de classificação

As obras de edificação, entendeu o legislador classificar em obras de construção, de


reconstrução, de ampliação, de alteração e de simples conservação (artigo 2.°, alínea a)),
categorias estas que, por sua vez, têm um papel importantíssimo na definição do
procedimento administrativo de controlo, na sua isenção ou dispensa e determinam a
aplicação de normas especiais. Mas não é apenas pela natureza e resultado dos trabalhos
levados a cabo que se qualificam, para este efeito, as obras de edificação. Tal como em
relação às demais operações urbanísticas, as obras de edificação subordinam-se a outras
classificações:

a) a relevância urbanística, tanto que pode levar à isenção por regulamento municipal
(artigo 6°, n.° 2);

b) a densidade das regras de gestão territorial aplicáveis ao local; e

c) a localização da operação, com particularidades para as operações que tenham lugar:


i. em imóveis classificados ou em vias de classificação e zonas de protecção
respectivas (artigo 4.°, n.° 2, alínea d));
ii. em áreas sujeitas a servidão administrativa ou a restrição de utilidade pública (artigo
4.°, n.° 2, alínea d));
iii. no interior de edifícios, tratando-se de obras ordinárias (artigo 6.°, n.° 1, alínea b));

Como já houve oportunidade de reconhecer-se, o legislador veio estabelecer uma


ligação incindível entre a edificação — como actividade (trabalhos de construção civil) ou
como resultado (o edifício) — e a incorporação no solo com carácter de permanência.

Esta característica só não releva quando a actividade ou o resultado se encontrem


orientados finalisticamente para a utilização humana. Então, em tal hipótese, mesmo que a
operaçao leve a uma incorporação precária, continuará a haver edificação (v. g. casas
desmontáveis). Já uma simples vedação rural que consista apenas na instalação alinhada
de estacas de madeira, por exemplo, para delimitar um aparcamento de gado, não é uma
obra de edificação.

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E não há edificação sem obras. De obras que podem ser de conservação (não alterara
a substância nem a aparência), de ampliação (alteram quantitativamente a substância e a
aparência), de reconstrução (não alteram a substância nem a aparência, mas pressupõem a
prévia demolição do existente) ou de alteração (modificações de natureza essencialmente
qualitativa, preservando elementos quantitativos determinantes da substância — a área de
pavimento, a área de implantação, o número de pisos e a cércea).
Mas é bem de ver que nem todas as obras são de edificação: as obras de demolição,
por um lado, as obras de urbanização, por outro. Num e noutro caso, falta a utilidade directa
e imediata para o ingresso e permanência das pessoas ou dos bens que satisfazem outras
necessidades individuais ou colectivas.
Para compreender a distinção entre as várias espécies de obras de edificação importa
começar por delimitar alguns conceitos, próprios da arquitectura e do urbanismo, que o
direito recebe, conferindo-lhes, aqui e ali, nomeadamente nos instrumentos de gestão
urbanística, algumas adaptações.

6.2. Obras de construção

Assim, as obras de construção, no essencial, obtêm a sua qualificação pelo resultado:


uma nova edificação, um edifício de maior ou menor porte que surge ex novo. Mesmo na
hipótese de sobre o mesmo prédio ter existido uma outra edificação, caso o promotor não
se limite a manter a estrutura das fachadas, a cércea e o número de pisos, haverá uma
nova edificação e estaremos perante um caso de construção.
Deve recordar-se que ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação não
interessam todas as obras de construção, mas apenas aquelas que sejam de subsumir ao
conceito de obras de edificação, o que inculca necessariamente a utilização humana ou,
pelo menos, a incorporação no solo com carácter de permanência.
A construção tem de ter um volume próprio. Por conseguinte, os trabalhos de
pavimentação ou de alteração do relevo natural não podem, por definição, ser considerados
obras de construção.
É delicada porventura a situação de algumas obras que parecem preencher
concorrentemente as categorias de construção e de ampliação. Até que ponto um anexo ou
uma garagem no logradouro adjacente a uma edificação devem considerar-se resultado de
uma nova edificação. Julga-se qüe o critério deve passar pela autonomia funcional. Na
hipótese de o anexo ou garagem possuírem ligação interna à edificação primitiva, não é de
excluir tratar-se de uma ampliação. Já, ao invés, se apesar da relação de acessoriedade,
não ocorrer ligação funcional nenhuma, a obra deve ser tida como de construção.
No entanto, de qualquer modo, obras de construção e obras de ampliação subordinam-
se quase sempre ao mesmo tipo de controlo urbanístico preliminar: licença (artigo 4.°, n.° 2,
alínea cj), no caso de o local não estar compreendido em operação de loteamento nem sob
aplicação de plano de pormenor qualificado; autorização (artigo 4.°, n.° 3, alínea cj) se, pelo
contrário, for verificado algum destes pressupostos.

6.3. Obras de reconstrução

Temos, pois, que as obras de reconstrução pressupõem uma pré-existência que será
recuperada ou reconstituída nos seus traços essenciais, depois de uma demolição ou da
ruína. A anterior edificação pode ter sido demolida — voluntaria ou coercivamente — como
pode ter simplesmente ruído ou colapsado, por acidente da natureza ou por acto humano.
Manter ou reconstituir as fachadas são duas variantes admissíveis, cada uma, porém,
com as suas características. A preservação da fachada — contida por estruturas que a
sustentam no decurso dos trabalhos — dá-se, nomeadamente quando as fachadas
apresentem elementos arquitectónicos infungíveis e com significado histórico, etnográfico
ou artístico (v. g. painéis de azulejos, estatuária, frontões, fustes e colunas, carrancas,
pinturas). Nem sempre é técnica ou economicamente viável este meio, situação em que —
não havendo elementos classificados — o promotor reconstitui a fachada nos seus termos

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estruturais. Há-de manter as proporções entre os vãos, o mesmo tipo de revestimento, mas
certamente poderá alterar a qualidade dos materiais, as cores, a forma dos caixilhos, tudo o
que, no conjunto da fachada, não seja estrutural.

6.4. Obras de ampliação

Seguem-se as obras de ampliação. Estas, assim como as de reconstrução, têm como


pressuposto uma edificação existente. Se nas de reconstrução a edificação há-de ter sido
demolida ou ruído no todo ou em parte, já nas obras de ampliação ocorre uma modificação
quantitativa (positiva), mas sem quebra do existente.
A área de implantação (superfície que constitui projecção horizontal da edificação, a
área de pavimento (soma das superfícies interiores de cada um dos pisos, a cércea ou a
volumetria (espaço ocupado por uma edificação, expresso em m3, por cálculo da altura,
largura e profundidade) sofrem necessariamente uma variação positiva. Basta que um
destes factores seja aumentado, mesmo quando um dos demais sofra uma redução (v. g.
aumento da cércea, embora com redução da área de implantação).

6.5. Obras de alteração

Por seu turno, as obras de alteração importam, no essencial, uma variação qualitativa,
mantendo ou reduzindo os standards que definem a obra de ampliação. Este é, por assim
dizer, o seu pressuposto prévio. Alterar é, no mais, mudar as restantes características físi-
cas: o número de fogos ou de compartimentos interiores destes (o que fará variar a
densidade da utilização), a natureza ou cor dos revestimentos exteriores, o que se traduz
numa vicissitude sobretudo estética (76) (vidro, madeira, alvenaria, cantaria, ferro, etc.) ou a
estrutura resistente (a arqueação que confere solidez e estabilidade), importando uma
variação nada despicienda nas condições de segurança. Ao enunciado exemplificati vo,
podemos certamente acrescentar as modificações na cobertura, a abertura de novos vãos
(portas e janelas), a instalação de varandas, balcões e terraços ou ainda de elementos
decorativos ou acessórios nas fachadas.

6.6. Obras de conservação

Por fim, obras de conservação são aquelas que nada alteram substancialmente — nem
em qualidade nem em quantidade — as características da edificação, podendo
compreender obras de conservação ordinária, de conservação extraordinária ou de
beneficiação.
De conservação ordinária são aquelas que se limitam à limpeza da edificação e à
manutenção dos materiais, prevenindo o seu perecimento ou interrompendo o agravamento
do mesmo: «remediar as deficiências do uso normal e (...) manter em boas condições de
utilização», tal como resultava do disposto no artigo 9.° do RGEU, hoje revogado, mas que
corresponde à obrigação periódica de conservação instituída no artigo 89.°, n.° 1, do RJUE.
Encontrando-se, ou não, a edificação com sinais de deterioração, o proprietário providencia
pela sua boa utilização, presente e futura.
De conservação extraordinária, por seu turno, são as obras que resultam de uma prévia
verificação de más condições de salubridade, embora com reduzido alcance. O proprietário
deve executá-las por iniciativa própria, logo que tome conhecimento da sua necessidade.
Não o fazendo, poderá a câmara municipal intimá-lo, sem necessidade de vistoria, nos
termos do disposto no artigo 12.° do RGEU: obras relativas a roturas, obstruções ou outras
formas de mau funcionamento, tanto das canalizações interiores e exteriores de água e
esgotos, como das instalações sanitárias, obras relativas a deficiências das coberturas ou
ao mau estado das fossas.
No mais, entramos no campo das obras de beneficiação, sem as quais a edificação deixa
de poder ser utilizada. São obras que se destinam a devolver à edificação as suas
características originárias, como é próprio das obras de conservação, importando contudo

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reparações na estrutura resistente, na estrutura das fachadas, na cobertura. A imposição
municipal tem lugar, assim que vistoriada a edificação (artigo 90.°, n.° 1), oficiosamente ou
a requerimento de titular de interesse directo (v. g. inquilino, vizinho) e se conclua pela
justificação das mesmas (artigo 89.°, n.° 2). São obras de recuperação que, por não
alterarem nem as qualidades nem o impacte urbanístico da edificação, não integram os
conceitos de obra de alteração nem de ampliação. Na hipótese de colapso, de demolição
total ou parcial, haverá obras de reconstrução e não simplesmente de beneficiação. (FIM do
André Folque)

Tipologia e campo de aplicação dos actos de controlo prévio

O RJUE prevê, nos artigos 4.° a 6.°-A, em relação à generalidade das operações
urbanísticas, três tipos de títulos habilitativos de realização de operações urbanísticas: a
licença, a comunicação prévia e a autorização.
Nas mesmas disposições legais, são contempladas algumas operações urbanísticas
isentas de qualquer controlo prévio e, por isso, livres, no sentido de que não estão
submetidas ao controlo prévio do município. Estão, porém, as mesmas, como é
compreensível, submetidas à observância das normas jurídicas urbanísticas e a fiscalização
administrativa, como resulta claramente do artigo 93.° do RJUE. E, no artigo 7.°, condensa
o RJUE um regime especial para as operações urbanísticas promovidas pela Administração
Pública.
Nas linhas subsequentes, vamos adiantar algumas considerações sobre estes pontos.

A licença

A licença administrativa constitui o acto de controlo prévio mais exigente e rigoroso das
operações urbanísticas.
A licença de operações urbanísticas pode ser definida como um acto administrativo
autorizativo, por meio do qual a Admnistração realiza um controlo prévio da actividade dos
administrados, traduzida, em geral, na realização de transformações urbanísticas do solo,
com vista a verificar se ela se ajusta, ou não, às exigências do interesse público urbanístico,
tal como se encontra plasmado no ordenamento jurídico vigente.
Pensada, inicialmente, como um controlo prévio das obras de construção e de alteração
e, posteriormente, das operações de loteamento e das obras de urbanização, a licença
estendeu-se a todas as operações urbanísticas. Além disso, ampliou-se o alcance do
controlo operado pela licença: com ela não se controla apenas a observância das regras
técnicas e jurídicas do direito administrativo da construção, mas também o respeito pelas
normas disciplinadoras da ocupação, uso e transformação do solo, em especial as
decorrentes dos planos urbanísticos.
Debruçando-nos sobre o campo de aplicação da licença, importa sublinhar que o artigo
4.°, n.° 2, do RJUE enumera, nas suas alíneas a) a f), as operações urbanísticas que estão
sujeitas a licença administrativa. São elas as seguintes: as operações de loteamento; as
obras de urbanização e os trabalhos de remodelação de terrenos em área não abrangida
por operação de loteamento; as obras de construção, de alteração ou de ampliação em
área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor que contenha os
elementos referidos nas alíneas c), d) e f) do n.° 1 do artigo 91.° do RJIGT (isto é, o
desenho urbano, exprimindo a definição dos espaços públicos, de circulação viária e
pedonal, de estacionamento, bem como do respectivo tratamento, alinhamento,
implantações, modelação do terreno, distribuição volumétrica, bem como a localização dos
equipamentos e zonas verdes; a distribuição de funções e a definição de parâmetros
urbanísticos, designadamente índices, densidade de fogos, número de pisos e cérceas; e
as operações de demolição, conservação e reabilitação das construções existentes); as

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obras de reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição de imóveis
classificados ou em vias de classificação, bem como dos imóveis integrados em conjuntos
ou sítios classificados ou em vias de classificação, e as obras de construção, reconstrução,
ampliação, alteração exterior ou demolição de imóveis situados em zonas de protecção de
imóveis classificados ou em vias de classificação; as obras de reconstrução sem
preservação das fachadas; e as obras de demolição das edificações que não se encontrem
previstas em licença de obras de reconstrução.
Na definição do campo de aplicação da licença administrativa, o legislador guiou-se por três
critérios, que surgem estreitamente conjugados. São eles os seguintes: o tipo da operação
urbanística a realizar tendo em conta a sua elevada relevância urbanística; a localização da
operação urbanística, particularmente visível quando se tratar de obras em imóveis situados
em zonas de protecção de imóveis classificados ou em vias de classificação; e a
inexistência de uma operação de loteamento licenciada, cujo alvará defina os parâmetros
das obras de urbanização e dos trabalhos de remodelação de terrenos, bem como das
obras de construção, de alteração e de ampliação de edifícios, e ainda, no que respeita às
obras de construção, de alteração ou de ampliação, a inexistência de um plano de
pormenor dotado de elevada densidade, ou seja, que contenha os elementos acima
referidos, designadamente a definição dos parâmetros urbanísticos. De qualquer modo, um
entendimento adequado do campo de aplicação da licença das operações urbanísticas não
pode dispensar uma tarefa cuidadosa de conjugação do artigo 4.°, n.º 2, com o artigo 4.°,
n.º 4, que define o elenco das operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia, e com
o artigo 6.°, onde são contempladas as operações urbanísticas isentas de controlo prévio.
No tocante à competência para a concessão da licença das operações urbanísticas,
rege o artigo 5.°, N.º 1, do RJUE.

A comunicação prévia

O artigo 4.°, n.º 4, do RJUE elenca um naipe de operações urbanísticas que estão
sujeitas a um controlo prévio mais simples e mais célere que o da licença, que é o da
comunicação prévia.
Estão submetidas a este tipo de controlo prévio as seguintes operações urbanísticas: as
obras de reconstrução com preservação das fachadas; as obras de urbanização e os
trabalhos de remodelação de terrenos em área abrangida por operação de loteamento; as
obras de construção, de alteração ou de ampliação em área abrangida por operação de
loteamento ou plano de pormenor que contenha os elementos referidos nas alíneas c), d) e
f) do n.º 1 do artigo 91.° do RJIGT; as obras de construção, de alteração ou de ampliação
em zona urbana consolidada que respeitem os planos municipais e das quais não resulte
edificação com cércea superior à altura mais frequente das fachadas da frente edificada do
lado do arruamento onde se integra a nova edificação, no troço de rua compreendido entre
as duas transversais mais próximas para um e outro lado; as obras de construção,
reconstrução, ampliação, alteração ou demolição nas seguintes áreas sujeitas a servidão
administrativa ou restrição de utilidade pública (zonas de protecção dos perímetros de
protecção de águas minerais naturais, definidas nos termos do Decreto-Lei n.° 90/90, de 16
de Março; a edificação de piscinas associadas a edificação principal; as alterações à utili-
zação dos edifícios que envolvam a realização de obras não isentas de controlo prévio ou
que careçam da realização de consultas externas; e as demais operações urbanísticas que
não estejam isentas de controlo prévio, nos termos do RJUE [artigo 4.°, n.º 4, alíneas a) a
h)].
A competência para a admissão ou rejeição da comunicação prévia é da competência
do presidente da câmara municipal, podendo ser delegada nos vereadores, com faculdade
de subdelegação, ou nos dirigentes dos serviços municipais (artigo 5.°, n.º 2, do RJUE).
O esclarecimento do perímetro de aplicação da comunicação prévia de operações
urbanísticas impõe-nos três notas complementares. A primeira relaciona-se com a eventual
colisão entre a norma do n.º 5 do artigo 4.° do RJUE, que submete a autorização a
utilização dos edifícios ou suas fracções, bem como as alterações da utilização dos

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mesmos - e a que nos referiremos mais abaixo, quando nos debruçarmos sobre o terceiro
tipo de títulos habilitativos de operações urbanísticas - e a alínea g) do n.º 4 do artigo 4.° do
RJUE, que sujeita a comunicação prévia “as alterações à utilização dos edifícios que envol-
vam a realização de obras não isentas de controlo prévio ou que careçam da realização de
consultas externas”.
Cremos, no entanto, que, em direitas contas, uma tal colisão não se verifica. De facto,
da conjugação entre as normas da alínea g) do n.º 4 do artigo 4.° e do n.º 5 do mesmo
artigo do RJUE ressalta que todas as alterações à utilização dos edifícios ou suas fracções
estão sujeitas a autorização, devendo, além disso, a realização de obras não isentas de
controlo prévio implicadas nas alterações à utilização de edifícios ser objecto de
comunicação prévia. Ao fim e ao cabo, não são verdadeiramente as alterações à utilização
de edifícios referidas na alínea g) do n.º 4 do artigo 4.° do RJUE que estão sujeitas a
comunicação previa, mas as obras nelas coenvolvidas não isentas de controlo prévio.
De igual modo, como vimos, a norma da alínea g) do n.º 4 do artigo 4.° do RJUE impõe
um procedimento de comunicação prévia nos casos em que as alterações à utilização dos
edifícios careçam da realização de consultas externas ao município.
A segunda nota refere-se aos critérios de determinação das operações urbanísticas
submetidas ao regime de comunicação prévia. São eles, para além do tipo da operação
urbanística a realizar e da localização da operação urbanística a concretizar, claramente
expressa, por exemplo, na sua localização em zona urbana consolidada, a existência de
instrumentos definidores dos parâmetros da operação urbanística em alvará de loteamento
ou em plano de pormenor que contenha determinadas especificações.
A terceira nota conexiona-se com a circunstância de as alíneas a) a h) do n.° 4 do artigo
4.° do RJUE não esgotarem o elenco de operações urbanísticas submetidas a comunicação
prévia. Assim sucede com os casos que resultam da conjugação dos artigos 17.° e 14.°, n.°
2, do RJUE. De harmonia com o disposto neste último preceito, o interessado pode requerer
que a informação prévia respeitante a operação de loteamento, em área não abrangida por
plano de pormenor, ou a obra de construção, ampliação ou alteração em área não abran-
gida por plano de pormenor ou operação de loteamento contemple especificamente certos
aspectos (a volumetria, alinhamento, cércea e implantação da edificação e dos muros de
vedação; condicionantes para um adequado relacionamento formal e funcional com a envol-
vente; programa de utilização das edificações, incluindo a área bruta de construção a
afectar aos diversos usos e o número de fogos e outras unidades de utilização; infra-
estruturas locais e ligação às infra-estruturas gerais; estimativa de encargos urbanísticos
devidos; e áreas de cedência destinadas a implantação de espaços verdes, equipamentos
de utilização colectiva e infra-estruturas viárias). São aquelas operações urbanísticas que,
por via de regra, estão sujeitas a licença. Todavia, a informação prévia favorável — instituto
a que nos referiremos infra — sobre o pedido apresentado naqueles termos tem, de acordo
com o n.º 1 do artigo 17.° do RJUE, “por efeito a sujeição da operação urbanística em
causa, a efectuar nos exactos termos em que foi apreciada, ao regime de comunicação
prévia e dispensa a realização de novas consultas externas”. De igual modo, seguem o
procedimento de comunicação prévia: as alterações à operação de loteamento que tenha
sido objecto de comunicação prévia, nos termos da mencionada conjugação dos artigos
14.°, n.º 2, e 17.°, n.º 1, do RJUE (artigo 48.°-A deste diploma); as alterações ao projecto
aprovado, durante a execução das obras, nos termos e nas condições referidos no artigo
83.° do RJUE53; e a conclusão de obras inacabadas, isto é, de obras que já tenham atingido
um estado avançado de execução, mas a licença ou admissão de comunicação prévia haja
caducado, nos termos e condições definidos no artigo 88.° do RJUE54.
53
De acordo com o artigo 83.° do RJUE, as alterações ao projecto, durante a execução da
obra, que impliquem a realização de obras de ampliação ou de alterações à implantação das
edificações estão sujeitas ao procedimento de licença ou de comunicação prévia, consoante a
aprovação do projecto tenha seguido o primeiro ou o segundo procedimento (n.° 3). As restantes
alterações ao projecto estão submetidas a comunicação prévia, desde que essa comunicação seja
efectuada com antecedência necessária para que as obras estejam concluídas antes da apresenta-

9
ção do pedido de autorização de utilização do edifício ou suas fracções autónomas (n.° 1), excepto
se as alterações em obra corresponderem a operações urbanísticas não sujeitas a controlo prévio
(n.° 2).
54
De harmonia com o artigo 88.° do RJUE, a conclusão das obras inacabadas pode ser
feita mediante a concessão de uma licença especial ou admissão de comunicação prévia, aplicando-
se o disposto no artigo 60.°, que consagra, como já sabemos, a garantia da existência (o que
significa que a licença especial ou a admissão de comunicação prévia não poderá ser recusada com
fundamento em normas legais ou regulamentares supervenientes).

2. COMUNICAÇÃO PRÉVIA (ANDRÉ FOLQUE)

Trata-se de um procedimento expedito de que beneficiam as obras previstas no artigo


6.°, n.° 1, alínea b) — algumas obras de alteração interiores e em alguns edifícios — e no
n.° 2 — a delimitar, como possuindo escassa relevância urbanística por regula- mênto
municipal, ora em função da sua natureza (v. g. anexos para arrumos, telheiros) ora de
acordo com a dimensão e impacte (v. g. área de impermeabilização, área de construção,
altura), ora ainda »segundo a localização (v. g. fora dos perímetros urbanos).
Em alguns regulamentos municipais deparamo-nos com um frequente vício de
incompetência negativa. O órgão autor do regulamento, em lugar de concretizar, de
densificar o conceito impreciso de escassa relevância urbanística, limita-se a reproduzir os
enunciados legislativos. Ao fim e ao cabo, renuncia ao exercício de uma competência — do
poder regulamentar — o que não pode deixar de importar a nulidade de tais normas, de
acordo com o disposto no artigo 29°, n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo.

Tortuosos são os caminhos do legislador. Obras que seriam sujeitas a licença ou a


autorização passam a estar dispensadas por regulamento municipal, para, no fim, estarem
subordinadas a comunicação prévia.
Esta, a que poderíamos chamar declaração prévia, tem este nomen juris do lado do
particular, pois a sua natureza jurídica, do lado da Administração Pública, deve considerar-
se um nihil obstat ou um veto.
Se, ao fim deJ30 dias, nada for oposto pelo presidente da câmara municipal, o particular
que declarou as obras e trabalhos pode tomar o silêncio administrativo, não como um
deferimento tácíto, mas como um nihil obstat.
O deferimento tácito, como acto administrativo que é, pode ser revogado ou declarado
nulo, mas já não o simples silêncio perante a comunicação prévia. É um poder de veto,
cujo exercício caduca ao fim de 20 dias (art. 36º/1).
Levanta-se o problema de saber se não pode o presidente da câmara municipal ordenar
o embargo e a demolição de uma obra que, embora comunicada previamente, sempre
estaria sujeita a licença ou a autorização, expirado que seja o prazo para a poder impedir.
O particular "viu constituído na sua esfera jurídica o direito a construir de acordo com as
características previstas na comunicação prévia, mesmo contra a lei ou contra um plano?
Não. O particular viu constituído na sua esfera jurídica o direito a construir de acordo
com as normas aplicáveis (artigo 6.°, n.° 8).e, por isso, toda e a qualquer infracção — até
por não estarem as obras amparadas por licença nem por autorização - podem dar lugar à
aplicação de sanções e à adopção de medidas de polícia administrativa.
As razões que podem motivar o veto são de duas ordens distintas.
A primeira leva a um veto meramente suspensivo e tem um efeito impediente, mas não
dirimente — a obra, pelas suas características, extravasa o âmbito da comunicação prévia
e, sem que se mostre definitivamente malograda a sua execução, terá de submeter-se a
licença ou a autorização (artigo 36.°, n.° 2).
A segunda ordem de razões leva, não já a um veto impediente, mas absolutamente
dirimente — é manifesto que a obra se revela ilegal no plano substantivo.
Importa não esquecer, de todo o modo, que a falta de oposição à comunicação prévia
não exime o dono da obra, seu preposto ou comi- tido de observar as prescrições legais e

10
regulamentares próprias do local e da natureza da obra (artigo 6.°, n.° 8) nem isenta os
trabalhos de fiscalização municipal no seu decurso (artigo 93.°). (FIM ANDRÉ FOLQUE)

A autorização

Com as alterações introduzidas ao RJUE pela Lei n.° 60/2007, a autorização passou a
ter um campo de aplicação muito reduzido. Estão sujeitas a autorização somente a
utilização dos edifícios ou suas fracções, bem como as alterações da utilização dos
mesmos (artigo 4.°, n.º 5, do RJUE). É nos artigos 62.° a 66.° do RJUE que encontramos o
travejamento jurídico básico da autorização.
Segundo o artigo 62.°, n.° 1, a autorização de utilização de edifícios ou suas fracções
autónomas destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte,
e a conformidade da obra com o projecto de arquitectura e arranjos exteriores aprovados e
com as condições do licenciamento ou da comunicação prévia. Por sua vez de acordo com
o n.° 2 do mesmo preceito, quando não houver lugar à realização de obras ou quando se
tratar de alteração da utilização ou de autorização de arrendamento para fins não
habitacionais de prédios ou fracções não licenciados, nos termos do n.° 4 do artigo 5.° do
Decreto-Lei n.° 160/2006, de 8 de Agosto — isto é, dos edifícios cuja construção seja
anterior à entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo
Decreto-Lei n.° 38382, de 7 de Agosto de 1951 -, a autorização destina-se a verificar a
conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares aplicáveis e a
idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido.
A concessão da autorização está dependente da apresentação de requerimento, o qual
deve ser instruído nos termos referidos no artigo 63.°, no caso de autorização de utilização
de edifícios ou suas fracções autónomas, com termo de responsabilidade subscrito pelo
director de obra ou director de fiscalização de obra (artigos 13.° a 17.° da Lei n.° 31/2009,
de 3 de Julho, e 12.° a 19.° da Portaria n.° 1379/2009, de 30 de Outubro), no qual estes
devem declarar que a obra está concluída e que foi executada de acordo com o projecto de
arquitectura e arranjos exteriores aprovados e com as condições da licença ou da
comunicação prévia e, se for caso disso, que as alterações efectuadas ao projecto estão
em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis, e, nas
hipóteses previstas no n.° 2 do artigo 62.°, onde se inclui a alteração de utilizaçao, com
termo de responsabilidade subscrito por pessoa habilitada a ser autor de projecto segundo
o regime da qualificação profissional dos técnicos responsáveis pela elaboração e
subscrição de projectos (artigos 10.° a 12.° da Lei n.° 31/2009, de 3 de Julho, e artigos 4.° a
da Portaria n.° 1379/2009, de 30 de Outubro).
A autorização de utilização e concedida, no prazo de 10 dias a contar da recepção do
requerimento, com base nos termos de responsabilidade anteriormente referidos, salvo se,
no prazo acima indicado, o presidente da câmara municipal, oficiosamente ou a requeri-
mento do gestor do procedimento, determinar a realização de vistoria, quando se verificar
alguma das seguintes situações: o pedido de autorização de utilização não estiver instruído
com os termos de responsabilidade supra referenciados; existirem indícios sérios,
nomeadamente com base nos elementos constantes do processo ou do livro de obra, a
concretizar no despacho que determina a vistoria, de que a obra se encontra em
desconformidade com o respectivo projecto ou condições estabelecidas; ou, tratando-se de
autorização prevista no n.º 2 do artigo 62.°, onde se inclui a alteração de utilização, existam
indícios sérios de que o edifício, ou sua fracção autónoma, não é idóneo para o fim
pretendido (artigo 64.° do RJUE). A vistoria é realizada nos termos dos n.os 1 a 6 do artigo
65.° do RJUE.
A autorização considera-se tacitamente deferida se, no prazo definido para o efeito, não
for tomada qualquer decisão sobre o respectivo pedido. Isto mesmo resulta dos artigos
111.°, alínea c), e 113.º do RJUE. Mas o n.º 3 do artigo 64.° do RJUE - preceito aditado pelo
Decreto-Lei n.° 26/2010, de 30 de Março - veio facilitar a operacionalização da autorização
tácita, determinando que, não sendo determinada a realização de vistoria no prazo de 10

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dias a contar da recepção do requerimento, pode o requerente solicitar a emissão do alvará
de autorização de utilização, a emitir no prazo de cinco dias, mediante a apresentação do
comprovativo do requerimento da mesma. A autorização de utilização dos edifícios é
titulada por alvará, devendo o interessado, no prazo de um ano a contar da notificação da
autorização de utilização (o qual pode ser prorrogado pelo presidente da câmara, por uma
única vez), requerer a emissão do respectivo alvará, apresentando para o efeito os
elementos previstos no n.º 6 da Portaria n.º 216-E/2008, de 3 de Março (artigos 74.°, n.º 3, e
76.° do RJUE).
A competência para a concessão da autorização de utilização dos edifícios ou suas
fracções, bem como das alterações da utilização dos mesmos, pertence ao presidente da
câmara municipal, podendo ser delegada nos vereadores, com faculdade de subdelegação,
ou nos dirigentes dos serviços municipais [artigo 5.°, n.º 2, do RJUE e artigo 68.°, n.º 2,
alínea l), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro].

4. AUTORIZAÇÃO (ANDRÉ FOLQUE)

A autorização, no sentido tradicional do direito administrativo, é o acto administrativo


permissivo que se limita a conferir vinculadamente os pressupostos e requisitos para o
exercício de um direito constituído anteriormente. Tem, por conseguinte, uma natureza
declarativa por contraste com a natureza constitutiva da licença.
Assim, no domínio do exercício de direitos, liberdades e garantias, sempre que haja
necessidade de um controlo administrativo prévio, designadamente para assegurar a
compatibilidade do exercício de outro ou do mesmo direito por terceiros (v. g. direito de
manifestação), a autorização apresenta-se como a medida preferencial à luz do regime das
restrições (artigo 18°, n.ºs 2 e 3, da Constituição).
Porém, a autorização de operações urbanísticas não apresenta diferenças muito
notórias relativamente à licença, do ponto de vista substancial e, logo, da sua natureza.
Tendencialmente, o seu âmbito é o de operações urbanísticas enquadradas por
especificações mais densas e precisas (artigo 4.°, n.° 3) — operação de loteamento urbano,
plano de pormenor qualificado, projecto de arquitectura e condições acessórias (autorização
de utilização), a reconstituição, por reconstrução, de uma edificação total ou parcialmente
demolida ou arruinada.
O procedimento da sua formação tem, contudo, algumas diferenças de elevado alcance,
as quais traduzem a principal inovação procedimental do novo regime.
Em primeiro lugar, a competência é de órgãos diferentes (artigo 5.°, n.°* 1 e 2) —a
câmara municipal, órgão colegial complexo e o seu presidente. Por conseguinte, as
habilitações para delegar e subdelegar são diferentes e é diferente a impugnação graciosa
a título de recurso hierárquico próprio ou impróprio.
Em segundo lugar, no procedimento de alteração não há lugar às consultas externas ao
município enunciadas no artigo 19.° No entanto, é por não haver esta necessidade que se
admite o procedimento mais abreviado de autorização. Assim, não é a autorização que
afasta as consultas externas. É ao invés, a desnecessidade destas que admite o expediente
da autorização. Com efeito, parte-se do princípio de que estas consultas, a serem
necessárias, já foram formuladas quando do licenciamento da operação de loteamento
urbano ou quando da formação do plano de pormenor.
Esta afirmação, porém, não deve fazer esquecer que outras intervenções externas
podem e devem ter lugar como pressuposto de validade da autorização. Trata-se das
aprovações previstas no artigo 37.°, determinadas peia utilização específica da edificação a
construir, a reconstruir, a ampliar, a alterar — empreendimentos industriais, recintos de
espectáculos e divertimentos públicos — de par com as operações urbanísticas que tenham
lugar nos imóveis classificados ou em vias de classificação (n.° 1).

É, pois, excessivo alvitrar que a autorização se caracteriza por não compreender


consultas externas. O que sucede é que estas consultas têm de ser promovidas pelo
requerente, antes de apresentar o pedido de autorização ao presidente da câmara

12
municipal (artigo 37.°, n.05 2 e 3).
Em terceiro lugar, encontramos a falta de um momento específico de apreciação do
projecto de arquitectura, o que se repercute a montante e a jusante. A montante porque a
apreciação liminar é mais densa do que no caso da licença (artigo 29.°, n.° 1). A jusante
porque a decisão final tem de compreender a apreciação do projecto de arquitectura (arti-
gos 30.° e 31.°). Quer isto dizer que não pode ser impugnado destacadamente o acto de
aprovação do projecto de arquitectura nem o da sua recusa, actos meramente internos e
preparatórios, cuja lesividade só se consolida com o despacho final do presidente.
Os motivos para indeferir a autorização correspondem, no essencial, aos do
licenciamento (artigo 31.°, n.os 2 e 3), excepto no caso da utilização (artigo 31.°, n.° 6) —
aqui, relevam fundamentalmente a conformidade com a licença (artigo 62.°, n.° 2) e a
idoneidade do edifício ou ftaeçâo autónoma para o fim pretendido.
Contudo, deve reparar-se que é apenas entre os motivos de indeferimento da
autorização que encontramos a desconformidade com a licença ou autorização de
loteamento— artigo 31.°, n.° 5. E é assim, precisamente, porque as operações urbanísticas
se encontram subordinadas ao seu conteúdo, com as condições impostas à operação de
loteamento sempre que esta tenha precedido ou acompanhado o pedido de autorização das
obras de urbanização. Todavia, estamos aqui perante obras de urbanização, apenas (artigo
4.°, n.° 3, alínea b)).
Já no que diz respeito a obras de construção, alteração ou ampliação desconformes
com as especificações contidas em alvará de loteamento (artigo 4.°, n.° 3, alínea c)), não
fora a cominação com a nulidade (artigo 68.°, alínea a), in fine) e faleceria base legal
expressa para o indeferimento, ausente do enunciado do artigo 31.°
Na versão originária do RJUE, aprovada pelo Decreto n.° 555/99, de 16 de Dezembro, o
tratamento da autorização revelava-se demasiado exíguo, em termos que justificaram, em
parte, a Recomendação do Provedor de Justiça n.° 10/B/2000, de 10 de Março.

Assim, quanto ao indeferimento dos pedidos de autorização, o legislador optara pela


excessiva parcimónia. Esta opção era, desde logo, realçada no preâmbulo do diploma,
onde, quanto aos procedimentos de autorização, considerara dispensável a apreciação dos
projectos de arquitectura e das especialidades, tendo em conta, porém, que «ao diminuir
substancialmente a intensidade do controlo realizado pela Administração, o procedimento
de autorização envolve necessariamente uma maior responsabilização do requerente e dos
autores dos respectivos projectos, pelo que tem como «contrapartida» um regime mais
apertado de fiscalização». Acabava por traduzir-se na extrema contenção das disposições
que ao assunto se referem.
Com efeito, no artigo 31.° apenas se encontrava previsto o indeferimento dos pedidos
de autorização, no caso da utilização de edifícios ou suas fracções, quando não se
mostrasse conforme a obra com o projecto aprovado ou com as condições do licenciamento
ou da autorização. Por seu turno, no aitigo 30.° dispunha-se sobre a rejeição liminar dos
pedidos de autorização, considerando-se, para além das situações em que se verificasse
que o procedimento a adoptar não era o de autorização (quer por se dever seguir o
licenciamento, quer por se mostrarem dispensadas as obras de licença ou autorização), que
deveriam ser liminarmente rejeitados os pedidos de autorização que respeitassem (i) a
operações de loteamento em área abrangida por plano de pormenor quando fosse
manifesto violarem este último, (ii) a obras de urbanização e trabalhos de remodelação de
terrenos em área abrangida por operação de loteamento por manifesta violação da licença
de loteamento ou plano de pormenor, e (iii) a obras de construção, ampliação ou alteração
em área abrangida por operação de. loteamento, plano de pormenor ou em área urbana
consolidada como tal identificada em plano municipal de ordenamento do território, por
manifesta violação de licença de loteamento ou plano de pormenor.

Tudo apontava para que a autorização só pudesse ser indeferida por outros motivos que
não a violação manifesta de plano de pormenor ou de alvará de loteamento. De outro modo,
não se encontraria sentido útil ao preceito contido na redacção originária do artigo 29.°

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(sobre a apreciação dos pedidos de autorização e os prazos para decisão dos mesmos),
nem na norma que obriga à suspensão do procedimento de autorização quando da
elaboração ou revisão de planos especiais ou municipais de ordenamento do território.
E mais. A não ser assim, esse poder decisório reduzir-se-ia a um mero deferimento
vinculado, ainda que praticando, paradoxalmente, um acto inválido, ao qual a própria lei
associava, em certos casos (de que se destaca a violação, manifesta ou não, de
instrumentos de planeamento territorial), o valor jurídico negativo da nulidade (artigo 68.°,
alínea a)).
Esta linha resultaria, segundo António Duarte de Almeida, «de uma definição
preexistente da posição jurídica activa do particular, que reduzia as margens de
indeterminação administrativa e permitia remeter o controlo público para o momento
imediatamente anterior à utilização».
Apenas por laboriosa interpretação sistemática das normas sobre a autorização seria
possível retirar um sentido adequado das disposições pertinentes, o que cumpriria
confrontar com a intenção do legislador. O preceituado na versão primitiva do artigo 30.°
sobre rejeição liminar dos pedidos de autorização não podia deixar de ser entendido como a
concretização da regra geral sobre saneamento e apreciação liminar contida no artigo 11.°,
n.° 3, do diploma, e segundo a qual, compete ao presidente da câmara municipal «proferir
despacho de rejeição liminar quando da análise dos elementos instrutórios resultar que o
pedido é manifestamente contrário às normas legais e regulamentares aplicáveis»,
dispondo, para o efeito, de um prazo de quinze dias.
Ao que parece, esta competência mostra-se de exercício vinculado quanto aos pedidos
de autorização relativos a operações de loteamento, obras de urbanização, trabalhos de
remodelação de terrenos e obras de construção, ampliação ou alteração, sempre que
observada violação
manifesta de plano de pormenor ou de alvará de loteamento, por aplicação da regra
prevista no citado artigo 30.°
As dúvidas interpretativas suscitadas foram, com assinalável proveito de clareza,
resolvidas mediante simples alteração da localização dos preceitos legais em causa e a
reformulação do disposto no artigo 30.°, recolocando este regime da rejeição liminar antes
do artigo 29.° (sobre a apreciação e decisão final dos pedidos de autorização), e
introduzindo-lhe expressa menção à norma constante no artigo 11.°, n.° 3, ultrapassando
uma leitura menos atenta que levasse a crer em duas fases liminares de apreciação.
Ainda nesta ordem de considerações, defenderia o Provedor de Justiça que a
apreciação liminar nos procedimentos de autorização, a menos que culminasse com a
rejeição do pedido, em nada contenderia com a decisão final sobre o mesmo, a qual poderia
ser favorável (deferimento) ou desfavorável (indeferimento), por referência às pertinentes
disposições legais e regulamentares.
Simplesmente, e porque a apreciação feita do pedido de autorização pode ser menos
densa do que a apreciação dos pedidos de licenciamento (o que se traduz no encurtamento
dos prazos e na ausência de referência aos parâmetros de decisão) a incidência do controlo
camarário far-se-ia sentir sobretudo a posteriori.
A limitação dos motivos de indeferimento ao escasso enunciado do artigo 31.º tornava o
próprio controlo desprovido de sentido útil, podendo dar-se o caso de a câmara municipal,
embora perante um pedido de autorização ilegal, não ter como indeferi-lo.

Tal como a licença, também a autorização é um acto constitutivo de direitos, com o que
esta qualificação representa ao nível de revogação.
Sob pena de caducidade, é admitida, dentro de certos limites, a renovação de licenças e
autorizações (artigo 72.°).
O âmbito da autorização, como pode observar-se do artigo 4.°, n.° 3, é sempre
justificado por um controlo precedentemente efectuado e que, por isso, faculta à câmara
municipal e ao interessado um procedimento mais abreviado e menos complexo. São,
assim, as operações de loteamento quando já houve plano de pormenor qualificado (alínea
a)), certas obras de urbanização e quando já se encontra deferida operação de loteamento

14
(alínea b)), as obras de construção, de ampliação ou de alteração e as alterações ao uso
sem obras quando em área abrangida por operação de loteamento ou plano de pormenor
qualificado (alíneas c) e f)). Ou então, por outro lado, é a própria natureza das obras que
não implica significativo aprofundamento técnico do controlo — as obras de demolição e as
obras de reconstrução quando não ameacem o património cultural (alíneas d) e e)).
Eminentemente, é a densidade normativa que vem delimitar o âmbito da autorização
perante o da licença. É que, como explicam ANTÓNIO Duarte de Almeida:
O legislador 'incorporará' o acto de licenciamento no processo físico do território, do
qual constitui a meta final (...) Daí que à máxima discricionariedade de planeamento deva
corresponder, em princípio, a mínima discricionariedade de licenciamento.

Em quarto lugar, há diferenças sensíveis no que respeita ao valor do silêncio administrativo


do órgão competente. Assim, o procedimento de autorização admite a formação de actos
tácitos positivos (deferimento tácito), nos termos do artigo 113.°, ao passo que, no
licenciamento, a garantia do particular contra a inércia administrativa há-de resultar de uma
intimação judicial para um comportamento (artigo 112.°, n.° 6) ou, em último caso, pelo
suprimento da vontade do órgão competente por parte do tribunal (artigo 113.°, n.° 7,
também aplicável ao alvará de licença não emitido indevidamente). (FIM ANDRÉ FOLQUE)

A isenção de controlo prévio

O artigo 6.° do RJUE, na versão do Decreto-Lei n.° 26/2010, enumera as operações


urbanísticas que estão isentas de qualquer controlo prévio, sendo, por isso, operações
urbanísticas livres, expressão esta que deve ser entendida no sentido de que se trata
operações urbanísticas que não estão sujeitas a controlo prévio ou a qualquer procedimento
habilitante, e não com o significado de que as mesmas não estão submetidas à observância
das regras jurídicas urbanísticas e a um controlo a posteriori ou sucessivo da
Administração, como decorre dos artigos 6.°, n.º 8, e 93.° do RJUE. Com efeito, nos termos
da primeira disposição legal citada, a inexigência de controlo prévio de operações urba-
nísticas não as isenta da “observância das normas legais e regulamentares aplicáveis,
designadamente as constantes de planos municipais ou especiais de ordenamento do
território, de servidões ou restrições de utilidade pública, as normas técnicas de construção,
as de protecção do património cultural imóvel, e a obrigação de comunicação prévia nos
termos do artigo 24.° do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, que estabelece o regime
jurídico da Reserva Agrícola Nacional”.
E, de acordo com o artigo, n.º 1, daquele diploma legal “ a realização de quaisquer
operações urbanísticas está sujeita a fiscalização administrativa, independentemente da
sua sujeição a prévio licenciamento, admissão de comunicação prévia, autorização de
utilização ou isenção de controlo prévio”, a qual se destina “a assegurar a conformidade
daquelas operações com as disposições legais e regulamentares aplicáveis e a prevenir os
perigos que da sua realização possam resultar para a saúde e segurança das pessoas”
(artigo 93.°, n.°2).
Poderá dizer-se que os casos das operações urbanísticas isenta controlo prévio
constituem os exemplos mais expressivos do fenómeno da liberalização no campo das
operações urbanísticas.
Desde que não consistam nas intervenções urbanísticas em imóveis classificados ou em
vias de classificação, em imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados ou em vias
de classificação ou em imóveis situados em zonas de protecção de imóveis classificados ou
em vias de classificação, indicadas na alínea d) do n.º 2 do artigo 4.° do RJUE, estão
isentas de controlo prévio as seguintes operações urbanísticas: as obras de conservação
[artigo 6.°, n.º 1, alínea a)]; as obras de alteração no interior de edifícios ou suas fracções
que não impliquem modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das
fachadas e da forma dos telhados ou coberturas [artigo 6.°, n.º 1, alínea b)]; as obras de

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escassa relevância urbanística, definidas no artigo 6.°-A, n.º 1, para além de outras obras
como tal qualificadas em regulamento municipal, desde que tais obras não sejam realizadas
em imóveis classificados ou em vias de classificação, de interesse nacional ou interesse
público, em imóveis situados em zonas de protecção de imóveis classificados ou em vias de
classificação ou em imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados ou em vias de
classificação [artigo 6.°, n.º 1, alínea c), e 6.°-A, n. os 1, alíneas a) a i), 2 e 3] 60; os actos que
tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial que se
situe em perímetro urbano, desde que as duas parcelas resultantes do destaque confrontem
com arruamentos públicos [artigo 6.°, n.° 1, alínea d) e n.° 4]; e os actos que tenham por
efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial em áreas situadas
fora dos perímetros urbanos se forem, cumulativamente, cumpridas as seguintes condições:
na parcela destacada, só vier a ser construído um edifício que se destine exclusivamente a
fins habitacionais e que não tenha mais de dois fogos; e na parcela restante se respeite a
área mínima fixada no projecto de intervenção em espaço rural em vigor ou, quando aquele
não exista, a área de unidade de cultura fixada nos termos da lei geral para a região
respectiva [artigo 6.°, n.º 1, alínea d), e n.º 5, alíneas a) e b)]
60
Trata-se de obras que, devido à sua escassa dimensão ou à sua natureza, têm uma pequena
relevância urbanística. Já tivemos ensejo de as indicar um pouco mais acima. Importa recordar que
as dimensões das obras de escassa relevância urbanística referidas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do
artigo 6.°-A podem ser ampliadas pelos regulamentos municipais. Mas, segundo pensamos, tal só
pode ser feito com o limite de, com essa ampliação, não ser desvirtuada a essência do conceito de
obra de escassa relevância urbanística, que constitui a razão de ser da isenção de controlo prévio
desse tipo de operação urbanística. Está, por isso, uma tal ampliação sujeita à observância dos
princípios da adequação e da proporcionalidade.
Assinale-se, por último, que a instalação de geradores eólicos associada a edificação principal,
para produção de energias renováveis, incluindo de microprodução, nos termos da alínea g) do n.º 1
do artigo 6.°-A do RJUE, apesar de estar isenta de controlo prévio, deve ser precedida de notificação
à câmara municipal, a qual se destina a dar conhecimento a este órgão da instalação do
equipamento e deve ser instruída com os seguintes elementos: a localização do equipamento; a
cércea e o raio do equipamento; o nível de ruído produzido pelo equipamento; e termo de
responsabilidade onde o apresentante da notificação declare conhecer e cumprir as normas legais e
regulamentares aplicáveis à instalação de geradores eólicos [artigo 6.°-A, n. os 5 e 6, alíneas a) a d),
do RJUE].

O regime especial das operações urbanísticas promovidas pela Administração


Pública

Como vimos, os artigos 6.° e 6.°-A do RJUE contemplam um naipe de operações


urbanísticas que estão isentas de qualquer controlo prévio. A isenção de várias operações
urbanísticas de qualquer trolo prévio assenta na natureza e nas características das
operações urbanísticas abrangidas, sendo, por isso, isenções de controlo prévio de carácter
puramente objectivo.
Diversamente, o RJUE prevê, no seu artigo 7.°, outro conjunto de operações urbanísticas
isentas de controlo prévio, que se alicerçam simultaneamente num critério subjectivo,
relacionado com a natureza das entidades promotoras das operações urbanísticas, e num
critério objectivo, decorrente da natureza ou do tipo das operações urbanísticas a executar
pelas entidades promotoras.
Como bem sublinha Pedro Gonçalves, o artigo 7.° fixa um regime excepcional em
relação à regra geral da submissão a controlo prévio das operações urbanísticas, que deve
ser objecto de uma interpretação cautelosa. De facto, como é próprio das relações entre
regra e excepção, quando houver dúvidas a propósito da recondução de uma determinada
operação urbanística promovida por uma certa entidade ao regime excepcional estabelecido
no artigo 7.° do RJUE, deverá aplicar-se o regime geral do controlo prévio das operações
urbanísticas. E isto deve ser assim, tanto mais que o artigo 7.° deve ser visto, em boa parte,
como uma compressão, ainda que não inconstitucional, da autonomia dos municípios.

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NOTA: Hoje, diferentemente, as operações urbanísticas promovidas pela Administração
Pública referidas no artigo 7.º do RJUE estão isentas de licença (e de comunicação prévia)
e, além disso, os respectivos projectos não estão sujeitos a aprovação da camâra
municipal, estão apenas sujeitos, com excepção dos promovidos pelos municípios, a
parecer prévio não vinculativo da camara municipal.

O artigo 7.º indica concretamente as entidades abrangidas pelo conceito de


Administração Pública e identifica, com rigor, as operações urbanísticas dessas entidades
abrangidas pelo regime especial.
Vejamos, num primeiro momento, quais são as operações urbanísticas promovidas pela
Administração Pública que estão isentas de controlo prévio, para, num segundo momento,
nos debruçarmos sobre as regras jurídicas a que as mesmas estão sujeitas.
De acordo com o artigo 7.°, n.° 1, do RJUE, estão isentas de controlo prévio as
seguintes operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública:

a) As operações urbanísticas promovidas pelas autarquias locais e suas associações


em área abrangida por plano municipal de ordenamento do território [artigo 7.°, n.° 1, alínea
a)].
A isenção abrange, em geral, todas e quaisquer operações urbanísticas dos municípios,
das freguesias e das associações de municípios ou de freguesias, seja qual for o figurino
jurídico que estas associações assumam, desde que, em qualquer caso, se trate de
operações a executar em área abrangida por plano municipal de ordenamento do território.
Repare-se que as operações urbanísticas promovidas pelas autarquias locais e suas
associações em área não abrangida por plano municipal de ordenamento do território
também estão isentas de qualquer controlo prévio, como resulta do artigo 7.°, n.º 3, do
RJUE, que sujeita a um regime especial as operações de loteamento e as obras de ur-
banização promovidas pelas autarquias locais e suas associações em área não abrangida
por plano municipal de ordenamento do território.
No entanto, a norma do n.º 3 do artigo 7.° do RJUE, referindo-se a áreas não
abrangidas por plano municipal de ordenamento do território, abarca tão-só as operações
de loteamento e as obras de urbanização, não indicando, assim, qual o regime aplicável às
operações urbanísticas promovidas pelas autarquias locais e suas associações que não
consistam em operações de loteamento e em obras de urbanização em áreas não
abrangidas por plano municipal de ordenamento do território.

b) As operações urbanísticas promovidas pelo Estado relativas a equipamentos ou


infra-estruturas destinados à instalação de serviços públicos ou afectos ao uso directo e
imediato do público [artigo 7.° n.° 1, alínea b)].
Esta norma abrange operações urbanísticas de qualquer tipo promovidas pelo ente
público Estado, mas a isenção está circunscrita por um princípio de vinculação quanto ao
destino. As operações urbanísticas promovidas pelo Estado devem ser relativas a
equipamentos ou infra-estruturas com um destino determinado: ou a instalação de serviços
públicos ou a instalação de serviços (ou bens) afectos ao uso directo e imediato do público.
Com a aposição do limite da vinculação quanto aos destinos referidos, a norma da
alínea b) do n.° 1 do artigo 7.° do RJUE encontra-se bem longe da norma antecedente que
isentava de licença todas as obras promovidas pela Administração directa do Estado [cfr. o
artigo 3.°, n.° 1, alínea c), do Decreto-Lei n.° 445/91]. Tendo os equipamentos ou as infra-
estruturas outro destino que não um dos indicados, as operações urbanísticas, ainda que
promovidas pelo Estado, estão sujeitas ao regime geral.
Veremos infra que algumas das operações urbanísticas do Estado abrangidas pelo
regime da isenção de controlo prévio estão sujeitas a regras jurídicas específicas.

c) As obras de edificação ou demolição promovidas pelos institutos públicos ou


entidades da Administração Pública que tenham por atribuições específicas a salvaguarda
do património cultural ou a promoção e gestão do parque habitacional do Estado e que

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estejam directamente relacionadas com a prossecução dessas atribuições [artigo 7.°, n.° 1,
alínea c)].
Estamos perante uma norma que recorta com rigor o seu campo de aplicação. A mesma
contempla somente as obras de edificação e de demolição. E destas obras apenas as que
os referidos institutos públicos ou entidades da Administração Pública realizam na
prossecução directa das suas atribuições. No plano objectivo, as operações urbanísticas
abrangidas pela isenção de controlo prévio são unicamente as obras de edificação e as
obras de demolição e desde que as mesmas estejam directamente relacionadas com a
prossecução das atribuições específicas dos institutos públicos ou entidades da
Administração Pública expressamente referidos naquela norma. E, no plano subjectivo, o
perímetro da norma não abarca todos os institutos públicos ou entidades da Administração
Pública, mas unicamente aqueles que tenham por atribuições específicas a salvaguarda do
património cultural ou a promoção e gestão do parque habitacional do Estado.

d) As obras de edificação ou demolição promovidas por entidades públicas que tenham


por atribuições específicas a administração das áreas portuárias ou do domínio público
ferroviário ou aeroportuário, quando realizadas na respectiva área de jurisdição e
directamente relacionadas com a prossecução daquelas atribuições [artigo 7.°, n.º 1, alínea
d)].
Trata-se de uma norma que, sob o ponto de vista objectivo, circunscreve com precisão o
tipo de operações urbanísticas isentas de controlo prévio: as obras de edificação e de
demolição. Não são, porém, abrangidas todas as obras de edificação e de demolição, mas
somente aquelas que se realizem nas áreas de jurisdição das entidades referidas e estejam
directamente relacionadas com a prossecução das atribuições no domínio da administração
daquelas áreas. Significa isto que também se aplica aqui o princípio da vinculação quanto
ao destino.
No plano subjectivo, poderão surgir dúvidas quanto ao âmbito da norma, sobretudo no
que se refere ao conceito de “entidades públicas”. Como bem salienta PEDRO GONÇALVES,
este conceito refere-se, em geral, a entidades com estatuto de direito público, requisito que
não é satisfeito pela generalidade das entidades com atribuições na administração das
áreas portuárias ou do domínio público aeroportuário. Todavia, como defende o citado
autor, deverá entender-se que o conceito de “entidades públicas” se refere a entidades
pertencentes ao sector público, ainda que com estatuto formal de direito privado.
Com efeito, uma tal solução parece ser imposta pela teleologia da norma, que é a de isentar
de controlo prévio as referidas operações urbanísticas promovidas pelas entidades que têm
uma “jurisdição” sobre determinadas áreas, independentemente do estatuto - de direito
público ou de direito privado - de que estão munidas. Podemos assim, concluir que o
conceito de “entidade pública” presente na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.° do RJUE não
deve ser interpretado em sentido próprio, mas reportando-se a um conceito amplo da Admi-
nistração em sentido organizatório, que inclua também entidades formalmente privadas,
mas materialmente públicas.
Pensamos que sentido idêntico deve ser atribuído à expressão “entidades da Administração
Pública”, constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 7.° do RJUE. Também uma tal locução
deve ser entendida como abrangendo todas as entidades pertencentes ao sector público
que tenham como atribuições específicas a salvaguarda do património cultural ou a
promoção e gestão do parque habitacional do Estado e que estejam directamente
relacionadas com a prossecução dessas atribuições, independentemente do seu estatuto
formal de direito público ou de direito privado.

e) As obras de edificação ou demolição e os trabalhos promovidos por entidades


concessionárias de obras ou serviços públicos, quando se reconduzam à prossecução do
objecto da concessão [artigo
7.°, n.º 1, alínea e)].
Esta norma exige, para a sua cabal compreensão, alguns esclarecimentos. No plano
objectivo, são abrangidas pela isenção de controlo prévio as obras de edificação e

18
demolição, bem como os trabalhos [vocábulo este que parece remeter para a operação
urbanística “trabalhos de remodelação de terrenos” definida no artigo 2.°, alínea l), do
RJUE], desde que se reconduzam à prossecução do objecto da concessão.
No plano subjectivo, beneficiam daquela isenção as entidades concessionárias de obras
ou serviços públicos, pressupondo-se que se trata de entidades que sejam titulares de uma
posição que, nos termos da lei, seja qualificada como concessão de obras públicas ou de
serviços públicos. Mas não limitando a norma o universo das entidades concessionárias,
são abrangidas todas e quaisquer entidades concessionárias de obras ou serviços públicos,
seja qual for o seu objecto e seja qual for o sector em que actue (rodoviário, eléctrico,
saúde, etc.). Esta grande amplitude do universo subjectivo das entidades concessionárias
de obras ou serviços públicos suscita, no entanto, algumas dúvidas quanto à questão de
saber se estão abrangidas as entidades concessionárias de obras ou serviços públicos de
“quaisquer concedentes”, tendo em conta que pode haver concessões atribuídas por
institutos públicos, por empresas públicas, por municípios, etc. Acompanhando PEDRO
GONÇALVES, dir-se-á que, nos casos em que as “entidades concedentes” não beneficiam de
isenção de controlo prévio de operações urbanísticas, não faz sentido que dela beneficiem
as “entidades concessionárias”. Por outro lado, será de aceitar que as empresas
concessionárias de obras ou serviços públicos dos municípios sejam abrangidas pela
isenção de con trolo prévio das referidas operações urbanísticas, mas de tal benefício já
não gozarão as empresas municipais. Daqui deve concluir-se que o RJUE atribui um regime
mais favorável às empresas concessionárias dos municípios do que às próprias empresas
municipais.

f) As operações urbanísticas promovidas por empresas públicas relativamente a


parques empresariais e similares, nomeadamente áreas de localização empresarial, zonas
industriais e de logística [artigo 7.°, n.° 1, alínea f)].
Sob o ponto de vista objectivo, a isenção de controlo prévio abrange quaisquer
operações urbanísticas, desde que relativas a parques empresariais e similares. No plano
subjectivo, a norma refere-se somente a empresas públicas, o que significa que aquela
isenção é circunscrita às entidades às quais caiba aquele qualificativo. São qualificadas
como tais as empresas definidas no artigo 3.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 558/99, de 17 de
Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 300/2007, de 23 de Agosto (que estabelece o
regime jurídico do sector empresarial do Estado e das empresas públicas).
Estão, assim, excluídas, para este efeito, por exemplo, as empresas municipais.

Passando, agora, à abordagem das regras específicas das operações urbanísticas


isentas de controlo prévio promovidas pela Administração Pública, importa sublinhar que as
mesmas estão sujeitas a um conjunto de normas, de carácter procedimental e material, o
que significa que elas não ocupam um espaço descoberto pelo direito, nem estão numa
situação de vazio normativo. No âmbito da disciplina jurídica específica das referidas
operações urbanísticas, devem ser destacados os seguintes pontos:

a) A isenção de controlo prévio não implica a inobservância das normas jurídicas


atinentes à legalidade material da operação urbanística. O n.º 6 do artigo 7.° é inequívoco
ao determinar que todas as operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública
devem “observar as normas legais e regulamentares que lhes forem aplicáveis,
designadamente as constantes de instrumento de gestão territorial, do regime jurídico de
protecção do património cultural, do regime jurídico aplicável à gestão de resíduos de
construção e demolição, e as normas técnicas de construção”.

b) Conquanto estejam isentas de controlo prévio as mencionadas operações


urbanísticas promovidas pela Administração Pública, a execução das mesmas, com
excepção das promovidas pelos municípios, fica sujeita a parecer prévio não vinculativo da
câmara municipal que deve ser emitido no prazo de 20 dias a contar da recepção do
respectivo pedido (artigo 7.°, n.º 2). Este parecer obrigatório, embora não vinculativo, da

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câmara municipal constitui uma expressão do “conteúdo mínimo” de “conservação” pelos
municípios dos poderes de controlo urbanístico sobre as operações urbanísticas promo-
vidas pela Administração Pública isentas de controlo prévio, a par do dever de observância
pelas mesmas das regras e princípios dos planos municipais de ordenamento do território e
da sujeição das referidas operações urbanísticas aos poderes de fiscalização do município.
Estando-se em face de um parecer obrigatório, é nulo o acto administrativo que decida a
sua realização, quando não precedido da solicitação do parecer camarário. É esta a solução
que decorre da aplicação do princípio ínsito no artigo 68.°, alínea c), primeira parte, do
RJUE. Mas já não será assim, se aquele acto administrativo não estiver em conformidade
com o parecer, dado a sua natureza não vinculativa.

c) A realização das operações urbanísticas de que vimos falando está sujeita a


fiscalização administrativa, como flui claramente do artigo 93.°, n.º 1, do RJUE, que estende
a referida fiscalização às operações urbanísticas isentas de controlo prévio. A verificação
pelo presidente da câmara municipal de que aquelas operações urbanísticas violam normas
legais e regulamentares pode dar origem à aplicação pelo mesmo de medidas de tutela da
legalidade urbanística, incluindo o embargo [artigo 102.°, n.º 1, alínea c), do RJUE].

d) De harmonia com o que prescreve o n.° 7 do artigo 7.° do RJUE, aplica-se à


realização das operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública isentas de
controlo prévio o disposto nos artigos 10.°, 12.° e 78.°, com as necessárias adaptações.
Quer isto dizer que aquelas operações urbanísticas só podem ser realizadas com base num
termo de responsabilidade dos autores dos projectos e, bem assim, que o pedido de
parecer camarário ou a decisão de realizar a operação urbanística, tal como o parecer ou a
autorização de realizar a operação urbanística devem ser publicitados.

e) Para além das regras jurídicas anteriormente referidas, as operações de loteamento e


as obras de urbanização promovidas pelo Estado estão ainda submetidas às seguintes
regras: primo, em todas as situações, devem ser previamente autorizadas pelo ministro da
tutela e pelo ministro responsável pelo ordenamento do território, depois de ouvida a
câmara municipal, a qual se deve pronunciar no prazo de 20 dias após a recepção do
pedido (artigo 7.°, n.º 4) - audição esta que se verifica, no âmbito do parecer prévio não
vinculativo, referido no artigo 7.°, n.º 2, do RJUE, não havendo, neste caso, qualquer
“audição” diferente ou complementar daquele parecer. A referida autorização constitui um
requisito de legalidade daquelas operações urbanísticas; secundo, quando as referidas
operações urbanísticas forem promovidas em área não abrangida por plano de urbanização
ou plano de pormenor, devem ser submetidas a discussão pública, nos termos do artigo
77.° do RJIGT, com as necessárias adaptações, excepto no que se refere aos períodos de
anúncio e duração da discussão pública, que são, respectivamente, de 8 e de 15 dias
(artigo 7.°, n.º 5).

f) Todas as operações urbanísticas promovidas pelas autarquias locais e suas


associações estão isentas de qualquer controlo prévio, nos termos anteriormente
assinalados. As mesmas estão, no entanto, submetidas às regras específicas referidas nas
anteriores alíneas a) a d), salvo, quanto aos municípios, no que respeita ao parecer prévio
da câmara municipal. Todavia, tratando-se de operações de loteamento e obras de ur-
banização promovidas pelas autarquias locais e suas associações em área não abrangida
por plano municipal de ordenamento do território, devem as mesmas, ainda, ser
previamente autorizadas pela assembleia municipal, depois de submetidas a parecer prévio
não vinculativo da comissão de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), a qual
deve pronunciar-se no prazo de 20 dias a contar da recepção do respectivo pedido (artigo
7.°, n.° 3).
Repare-se que o regime específico contido no artigo 7 .º, n.º3 quanto à intervenção
consultiva da CCDR no âmbito das operações de loteamento e obras de urbanização
promovidas pelas autarquias locais e suas associações em área não abrangida por plano

20
municipal de ordenamento do território, é menos exigente do que o previsto pelo artigo 42.°
do RJUE quanto ao licenciamento de operações de loteamento localizadas em área não
abrangida por qualquer plano municipal de ordenamento do território. Com efeito, de
harmonia com o disposto no n.° 1 deste último preceito, o licenciamento de tais operações
de loteamento está sujeito a parecer prévio favorável da CCDR, o qual, nos termos do n.° 2
do mesmo preceito, se destina “a avaliar a operação de loteamento do ponto de vista do
ordenamento do território e a verificar a sua articulação com os instrumentos de
desenvolvimento territorial previstos na lei”.
Acresce que, se as referidas operações de loteamento e obras de urbanização
promovidas pelas autarquias locais e suas associações se localizarem em área não
abrangida por plano de urbanização ou plano de pormenor, estão as mesmas também
submetidas a discussão pública em termos idênticos aos referidos para as operações de
loteamento e obras de urbanização promovidas pelo Estado em área não abrangida por
plano de urbanização ou plano de pormenor. Assim o determina o artigo 7.°, n.° 5, do
RJUE.
Algumas particularidades das operações de loteamento e das obras de
urbanização

Noção e evolução do com ceito de loteamento urbano

O conceito de operação de loteamento passou a ser substancialmente diferente por


efeito do disposto na alínea i) do artigo 2.° do RJUE, na sua versão originária. De acordo
com a definição fornecida por esta norma, as operações de loteamento são “as acções que
tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou
subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios,
ou do seu emparcelamento ou reparcelamento”.
Se compararmos esta noção com a apresentada pelo Decreto-Lei n.° 448/91, podemos
concluir que o loteamento, para efeitos do RJUE, na sua versão originária, deixou de ser
unicamente a divisão de um ou vários prédios. De facto, a constituição de um lote ou de
vários lotes resultantes do emparcelamento ou do reparcelamento de prédios autónomos
também passou considerada, na perspectiva daquele diploma, como uma operação de
loteamento sujeita a controlo prévio do município. Daí que se tenha passado a prever a
constituição de “loteamentos de um só lote”.
O conceito de loteamento apontado passou a reflectir uma visão dinâmica da realidade
urbanística. Com efeito, ao definir os loteamentos como “as acções que tenham por objecto
ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente
à edificação urbana”, o RJUE, na sua versão originária, pretendeu acentuar a nota da
transformação fundiária, em detrimento da nota clássica da divisão fundiária. Ademais, o
RJUE ampliou o âmbito da noção de loteamento, o qual passou a abranger a constituição
de um ou vários lotes em resultado do seu emparcelamento ou reparcelamento, para além
da sua divisão fundiária. Esta, que era a pedra angular do conceito tradicional de
loteamento, passou a ser apenas um dos seus elementos constitutivos.
Outra modificação importante no domínio dos loteamentos urbanos trazida pelo RJUE,
na sua redacção originária, traduziu-se no estabelecimento da obrigação de precedência de
discussão pública da aprovação pela câmara municipal do pedido de licenciamento de uma
operação de loteamento em área não abrangida por plano de pormenor — podendo, no
entanto, o município, mediante regulamento, dispensar de discussão pública as operações
de loteamento cuja dimensão não ultrapasse 40 000 m 2, 100 habitações ou 10% da popu-
lação do aglomerado urbano em que se insere o loteamento (artigo 22.° do RJUE, na
redacção do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro). Uma tal obrigação constitui um
elemento de aproximação do procedimento de formação do loteamento ao procedimento de
aprovação do plano de pormenor.
No preâmbulo do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro, o legislador refere que a
sujeição a prévia discussão pública dos procedimentos de licenciamento de operações de
loteamento em área não abrangida por plano de pormenor se alicerça no entendimento de

21
que o impacte urbanístico de tais operações “tem implicações no ambiente urbano que
justificam a participação das populações locais no respectivo processo de decisão, não
obstante poder existir um plano director municipal ou um plano de urbanização, sujeitos,
eles próprios, a prévia discussão pública”.

A noção de operação de loteamento sofreu, por último, alteração em consequência das


modificações introduzidas ao RJUE pela Lei n.° 60/2007. De harmonia com o que estatui o
artigo 2.°, alínea j), do RJUE, na redacção actual, operações de loteamento são “as acções
que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados,
imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou
vários prédios ou do seu reparcelamento”. Se cotejarmos esta noção com a da versão
originária do RJUE, verificamos que foi excluída do conceito de loteamento urbano a
operação de transformação fundiária traduzida no emparcelamento de dois ou mais prédios.
A razão do afastamento da intensio do conceito de loteamento da constituição de um lote
em resultado do emparcelamento de vários prédios encontra-se na consideração pelo
legislador do carácter excessivo da sujeição de uma tal operação, aparentemente simples,
aos procedimentos de controlo prévio e ao regime substantivo previsto para a operação de
loteamento, em particular ao pagamento dos correspondentes encargos urbanísticos.
Apesar disso, a alteração ao conceito de “operação de loteamento” introduzida pela Lei n.°
60/2007 deixou intocada a possibilidade de o loteamento dar origem a um único lote.
A possibilidade de um loteamento dar origem a um só lote, derive este de uma divisão
fundiária ou de um reparcelamento, suscita a questão de saber se é possível proceder a
loteamentos sobre parte de prédios — os denominados loteamentos parciais. A resposta a
este quesito é positiva, porquanto a noção legal de operação de loteamento inclui a
possibilidade de constituição de um só lote, mesmo depois de ter sido excluída como causa
da constituição de um único lote o emparcelamento de dois ou mais prédios. Nos
loteamentos parciais, o prédio inicial (prédio mãe) a sujeitar a loteamento abrange a área
loteada e a área restante ou remanescente. Nestes casos, no alvará de loteamento deve
constar a descrição da totalidade do prédio objecto de intervenção, mas o mesmo apenas
incide sobre a área loteada. Naquele tipo de loteamentos, a área a lotear não é coincidente
com a área total do prédio originário, havendo, assim, parcelas sobrantes ou áreas rema-
nescentes. Um loteamento que não abranja todo o prédio exige, no entanto, que,
previamente, se proceda à desanexação da parte objecto desta operação urbanística, isto
é, à autonomização de um prédio, para que sobre ele possa incidir uma operação de
loteamento.
O conceito de loteamento constante da alínea I) do artigo 2.° do RJUE, na versão
decorrente da Lei n.º 60/2007, comunga ainda de várias notas caracterizadoras da noção
apresentada pelo Decreto-Lei n.º 448/91, que tivemos o ensejo de expor anteriormente.
Algumas dessas notas foram, porém, completadas ou corrigidas pelas reformas
introduzidas pelo RJUE, quer na sua redacção originária, quer na redacção introduzida pela
Lei n.° 60/2007. Concluída a evolução do conceito de loteamento, podemos dizer que os
seus elementos constitutivos são os seguintes: a presença de um acto voluntário que tenha
por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes; a existência de uma divisão
fundiária de um ou vários prédios ou de um reparcelamento de vários prédios; a constituição
de um ou mais lotes; e o destino, imediato ou subsequente, do lote ou lotes a edificação
urbana.
Por fim, quanto à submissão a discussão pública dos procedimentos de licenciamento
das operações de loteamento, a Lei n.º 60/2007 operou uma modificação significativa em
relação à versão do RJUE do Decreto-Lei n.º 555/99. A regra passou a ser a da faculdade
de os municípios determinarem, através de regulamento, a prévia sujeição a discussão
pública do licenciamento de operações de loteamento com significativa relevância
urbanística (artigo 22.°, n.º 1). A excepção passou a ser a da obrigatoriedade de uma tal
prévia discussão pública. Ela apenas existe quando a operação de loteamento exceda
algum dos seguintes limites: 4 ha; 100 fogos; ou 10% da população do aglomerado em que
se insere a pretensão de licenciamento da operação de loteamento (artigo 22.°, n.º 2).

22
O espaço de discricionaridade dos regulamentos municipais foi também ampliado, por
força das alterações introduzidas no artigo 22.º do RJUE pela Lei n.° 60/2007, dado que este
artigo deixou de regular a tramitação da discussão pública e o âmbito documental objecto
da mesma. Apesar do silêncio do artigo 22.° do RJUE, na versão da Lei n.° 60/2007, sobre
a possibilidade de o município sujeitar a prévia discussão pública o licenciamento de outras
operações urbanísticas, distintas do loteamento, de significativa relevância urbanística,
cremos que nada obsta a que isso possa ser feito, através de regulamento municipal,
quando estiverem em causa operações urbanísticas com impacte urbanístico relevante.

Com efeito, o artigo 57.°, n.º 5, do R.JUE veio estabelecer que o disposto no artigo 43.º
(que exige que os projectos de loteamento devem prever áreas destinadas à implantação
de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos) é tam-
bém aplicável às obras de edificação em áreas não abrangidas por operação de
loteamento, “quando respeitem a edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si que
determinem, em termos urbanísticos, impactes semelhantes a uma operação de
loteamento, nos termos a definir por regulamento municipal”. Às mesmas obras de
edificação é igualmente aplicável o disposto no artigo 44.°, n.° 4, do RJUE (obrigatoriedade
de pagamento de uma compensação ao município, em numerário ou espécie), “quando a
operação contemple a criação de áreas de circulação viária e pedonal, espaços verdes e
equipamentos de uso privativo” (artigo 57.°, n.° 6, do RJUE).
Em face destas exigências, uma das grandes preocupações de demarcação entre o
loteamento urbano e a propriedade horizontal de conjuntos de edifícios, que era a de
impedir uma fuga aos encargos urbanísticos associados à operação de loteamento,
desapareceu. Agora, em resultado daquelas disposições legais, assistiu-se a uma
equiparação entre os encargos urbanísticos a suportar pelo promotor de uma operação
urbanística, independentemente de ela configurar um loteamento urbano ou de se
enquadrar na figura de propriedade horizontal de um conjunto de edifícios. Tudo isto
significa que o factor determinante dos encargos urbanísticos deixou de ser o nome ou a
designação da operação urbanística para ser o impacto urbanístico da mesma. Uma tal
equiparação está, porém, dependente de uma interpositio regulamentar do município, como
resulta claramente da norma do artigo 57.°, n.°5, do RJUE.
Acrescente-se, por último, que o legislador lançou mão do conceito de operações
urbanísticas de impacte relevante para as equiparar às operações de loteamento no
domínio das cedências e compensações a que estão obrigados os proprietários e demais
titulares de direitos reais sobre prédio a sujeitar a qualquer operação urbanística. Neste
sentido, o artigo 44.°, n.° 5, do RJUE determina que “o proprietário e demais titulares de
direitos reais sobre prédio a sujeitar a qualquer operação urbanística que nos termos de
regulamento municipal seja considerada como de impacte relevante ficam também sujeitos
às cedências e compensações previstas para as operações de loteamento”.

Como referimos anteriormente, o legislador isenta de controlo prévio certas divisões


fundiárias, as quais seriam, em princípio, autênticos loteamentos urbanos e, como tais,
sujeitos a controlo prévio do município. Referimo-nos aos destaques, os quais, desde que
observados certos requisitos, estão isentos de controlo prévio do município.
Os requisitos a que a figura do destaque deve obedecer variam conforme o prédio
objecto de divisão se situe dentro ou fora do perímetro urbano — o qual pode ser definido
como uma porção contínua de território classificada como solo urbano, que compreende os
terrenos urbanizados e aqueles cuja urbanização seja possível programar, incluindo os
solos afectos à estrutura ecológica necessários ao equilíbrio do espaço urbano [artigo 72.°,
n.º 2, alínea b), do RJIGT, Decreto Regulamentar n.º 9/2009, de 29 de Maio, que fixa os
conceitos técnicos nos domínios do ordenamento do território e do urbanismo a utilizar
pelos instrumentos de gestão territorial, e artigo 6.° do Decreto Regulamentar n.º 11/2009,
também de 29 de Maio, que estabelece os critérios de classificação e reclassificação do
solo, bem como os critérios e as categorias de qualificação do solo rural e urbano aplicáveis
a todo o território nacional].

23
No primeiro caso, é necessário que as duas parcelas resultantes do destaque
confrontem com arruamentos públicos (artigo 6.°, n.º 4, do RJUE). O legislador entendeu
isentar de qualquer controlo prévio esta operação de fraccionamento de um prédio com
descrição predial situado em perímetro urbano, desde que as duas parcelas resultantes do
destaque confrontem com arruamentos públicos, em razão da simplicidade de tal operação.
O legislador é claro no sentido de que da operação de destaque apenas podem resultar
duas parcelas (a parcela destacada e a parcela sobrante ou restante), não admitindo o
destaque de uma parcela intermédia de um prédio.
Na segunda hipótese, ou seja, no caso de o prédio a dividir se situar fora do perímetro
urbano, a lei exige, cumulativamente, que na parcela destacada só seja construído edifício
que se destine exclusivamente a fins habitacionais e que não tenha mais de dois fogos e,
bem assim, que na parcela restante se respeite a área mínima fixada no projecto de
intervenção em espaço rural em vigor ou, quando aquele não exista, a área de unidade de
cultura fixada nos termos da lei geral para a respectiva região [artigo 6.°, n.° 5, alíneas a) e
b), do RJUE] Pode suceder que o prédio de que se pretende destacar uma parcela se situe
parte dentro do perímetro urbano e outra parte fora do perímetro urbano. Se uma situação
destas se verificar - a qual não poderá deixar de se considerar anómala — e não for
possível resolvê-la através de uma rectificação do plano, nos termos do artigo 97.°-A, n.° 1,
alínea c), do RJIGT, mediante acertos de cartografia determinados por incorrecções de
cadastro, de transposição de escalas, de definição de limites físicos identificáveis no
terreno, bem como por discrepâncias entre plantas de condicionantes e plantas de ordena-
mento, ou através de normas de ajustamento ao cadastro previstas nos planos municipais,
de modo a que cada prédio tenha um mesmo estatuto urbanístico —, o artigo 6.°, n.° 10, do
RJUE, na redacção do Decreto-Lei n.° 26/2010, de 30 de Março, fornece-nos uma solução,
a qual consiste em aplicar os requisitos fixados nos n. os 4 ou 5 do artigo 6.° do RJUE,
conforme a parcela a destacar se localize dentro ou fora do perímetro urbano, ou, se
também ela se situar em perímetro urbano e fora deste, consoante a localização da área
maior.
Do regime do destaque consta um ónus de não fraccionamento, por um prazo de 10
anos, através de novos destaques, da área correspondente ao prédio originário, com o fito
de se obstaculizar que, pela via de sucessivos actos de destaque sobre as parcelas
resultantes do destaque inicial, se realizem verdadeiras operações de loteamento sem
passarem pela estreita fieira do controlo prévio do município. Um tal ónus de não
fraccionamento, bem como o condicionamento da construção previstos nos n.os 5 e 6 do
artigo 6.° do RJUE devem ser inscritos no registo predial sobre as parcelas resultantes do
destaque, sem o que não pode ser licenciada ou admitida comunicação prévia de qualquer
obra de construção nessas parcelas (n.os 6 e 7 do artigo 6.° do RJUE). A referida inscrição
no registo predial é necessária, porquanto o ónus de não fraccionamento e o
condicionamento da construção constituem elementos importantes da situação jurídica das
parcelas cuja publicitação deve ser assegurada pelo sistema registal.
O destaque referido anteriormente pode ser realizado directamente na conservatória do
registo predial ou através de qualquer negócio jurídico que tenha como efeito aquele
fraccionamento da propriedade. Uma tal operação está isenta de qualquer controlo prévio
do município, mas não da observância das normas legais e regulamentares aplicáveis,
designadamente as constantes de planos municipais ou especiais de ordenamento do
território, de servidões ou restrições de utilidade pública, as normas técnicas de construção,
as de protecção do património cultural imóvel, e a obrigação de comunicação prévia nos
termos do artigo 24.° do Decreto-Lei n.° 73/2009, de 31 de Agosto, que estabelece o regime
jurídico da RAN (artigo 6.°, n.° 8, do RJUE). Do conjunto das normas dos planos municipais
de ordenamento do território a respeitar pelos destaques podem fazer parte regras jurídicas
relacionadas, por exemplo, com a área mínima dos lotes ou parcelas para construção.
A comprovação de que um determinado destaque cumpre os requisitos definidos nos
os
n. 4 e 5 do artigo 6.° do RJUE e observa as normas legais e regulamentares aplicáveis,
designadamente as constantes de plano municipal e especial de ordenamento do território,
cabe à câmara municipal, que emite, para o efeito, uma certidão (artigo 6.°, n.° 9, do RJUE).

24
Sem essa certidão não pode ser feito o registo predial da parcela destacada, nem ser
realizada a escritura pública do destaque.

Os loteamentos e as obras de urbanização

As obras de urbanização são definidas, como já referimos, no artigo 2.°, alínea h), do
RJUE.
Existe uma relação muito estreita entre operações de loteamento e obras de urbanização.
De facto, uma operação de loteamento só pode realizar-se ou em terrenos já urbanizados,
ou seja, já dotados de infra-estruturas urbanísticas, ou em terrenos cuja urbanização tenha
lugar juntamente com a operação de loteamento. Isto mesmo resulta da norma do artigo
41.° do RJUE, que determina que “as operações de loteamento só podem realizar-se em
áreas situadas dentro do perímetro urbano e em terrenos já urbanizados ou cuja
urbanização se encontre programada em plano municipal de ordenamento do território” 92.
Significa isto que são muitas as operações de loteamento que exigem a realização de obras
de urbanização, precisamente aquelas que incidem sobre prédios ainda não servidos pelas
infra-estruturas urbanísticas necessárias.
92
Registe-se, no entanto, que o artigo 41.° do RJUE não é aplicável às operações de loteamento
relativas a empreendimentos turísticos. Com efeito, segundo o artigo 38.°, n.º 1, do RJUE, os
empreendimentos turísticos estão sujeitos ao regime jurídico das operações de loteamento nos casos
em que se pretenda efectuar a divisão jurídica do terreno em lotes. Mas a tais operações de
loteamento não é aplicável o disposto no artigo 41.° do RJUE, podendo a operação de loteamento
realizar-se em áreas em que o uso turístico seja compatível com o disposto nos instrumentos de
gestão territorial válidos e eficazes e, por isso, em áreas distintas das referidas naquele artigo 41.°,
designadamente em áreas situadas fora dos perímetros urbanos e em solo rural (artigo 38.°, n.º 2, do
RJUE). Acrescente-se que esta norma do RJUE deve ser interpretada em conjugação com o artigo
87.°, n.° 2, alínea b), do RJIGT, nos termos do qual o plano de urbanização pode abranger “outras
áreas do território municipal que, de acordo com os objectivos e prioridades estabelecidas no plano
director municipal, possam ser destinadas a usos e funções urbanas designadamente à localização
de instalações ou parques industriais, logísticos ou de serviços ou à localização de empreendimentos
turísticos e equipamentos e infra-estruturas associadas”.

Quando tal suceder, os projectos de loteamento devem prever áreas destinadas à


implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e
equipamentos (artigo 43.°, n.º 1, do RJUE); o proprietário e os demais titulares de direitos
reais sobre o prédio a lotear devem ceder gratuitamente ao município as parcelas para
implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização colectiva e as infra-
estruturas que, de acordo com a lei e a licença ou comunicação prévia, devam integrar o
domínio municipal (artigo 44.°, n.° 1, do RJUE), mas se o prédio a lotear já estiver servido
pelas infra-estruturas referidas na alínea h) do artigo 2.° do RJUE ou não se justificar a
localização de qualquer equipamento ou espaço verde públicos no referido prédio, não há
lugar a qualquer cedência para estes fins, ficando, no entanto, o proprietário obrigado ao
pagamento de uma compensação ao município, em numerário ou espécie, nos termos
definidos em regulamento municipal (artigo 44.°, n.º 4, do RJUE) ; o requerente da licença
da operação de loteamento ou o autor da comunicação prévia da mesma são obrigados a
realizar as obras de urbanização, de acordo com as condições estabelecidas pelo órgão
municipal competente e dentro do prazo fixado para a sua conclusão, devendo, além disso,
prestar caução destinada a garantir a sua boa e regular execução (artigos 53.° e 54.° do
RJUE); e são titulados por um único alvará a operação de loteamento e as obras de
urbanização, o qual deve ser requerido no prazo de um ano a contar da admissão de
comunicação prévia das obras de urbanização (artigo 76.°, n.° 3, do RJUE).
A urbanização é também um processo que se traduz na infra-estruturação e preparação
de um terreno para a realização de obras de construção, isto é, para a criação de novas
edificações, em área não abrangida por operação de loteamento. Neste sentido, M. COSTA
LOBO afirma que urbanização significa o acto de adaptação do espaço natural ao homem e
à sua medida, arrumando as suas instalações e implicando a modelação do terreno, a infra-

25
estruturação e o seu equipamento social. A urbanização ou a dotação de um terreno de
infra-estruturas urbanísticas apresenta-se, assim, também como um processo que está
claramente a montante da construção, ou seja, da criação de novas edificações, sendo, ou
devendo ser, uma condido sine qua non para a construção.
É a ideia que vem de ser referida que está na base da solução consagrada no artigo
24.°, n.º 5, do RJUE, nos termos do qual o pedido de licenciamento das obras referidas na
alínea c) do n.º 2 do artigo 4.° deste diploma legal — isto é, das obras de construção, de
alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou plano de
pormenor que contenha os elementos referidos nas alíneas c), d) e f) do n.º 1 do artigo 91.°
do RJIGT - deve ser indeferido na ausência de arruamentos ou de infra-estruturas de
abastecimento de água e saneamento ou se a obra projectada constituir,
comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes. No
entanto, no caso de existir projecto de decisão de indeferimento com estes fundamentos —
ou ainda com os fundamentos constantes da alínea b) do n.° 2 do artigo 24.° do RJUE pode
o requerente obter o deferimento do pedido se, na audiência prévia, se comprometer a
realizar os trabalhos necessários ou a assumir os encargos inerentes à sua execução, bem
como os encargos de funcionamento das infra-estruturas por período de 10 anos,
celebrando para o efeito, antes da emissão do alvará, um contrato relativo ao cumprimento
das obrigações assumidas e prestando caução adequada [artigos 24.°, n.os 2, alínea b), e 5,
e 25.°, n.os 1, 3 e 6, do RJUE].
Estamos aqui perante contratos que têm por objecto encargos relativos a infra-
estruturas urbanísticas, os quais se apresentam como uma das modalidades de contratos
de mediação no regime do controlo das operações urbanísticas, que, quanto à sua natureza
jurídica, são contratos com objecto passível de acto administrativo, mais especificamente,
contratos obrigacionais, por intermédio dos quais a Administração Pública se compromete,
no âmbito de um determinado procedimento administrativo, a praticar um acto
administrativo com um certo conteúdo, in casu, o deferimento do pedido de licenciamento
da operação urbanística (artigo 25.°, n.° 4, do RJUE).

5. OBRAS DE URBANIZAÇÃO (André Folque)

O Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação vem introduzir a figura do alvará


único, requerido no prazo de um ano a contar da notificação do acto que autorize as obras
de urbanização (artigo 76.°, n.° 3). Enquanto que no Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de
Novembro, as obras de urbanização dispunham necessariamente de uma licença própria, a
qual tinha como pressuposto objectivo necessário a licença de loteamento e a emissão do
respectivo alvará, o novo diploma condensa uma e outra, logrando alguma redução da
complexidade procedimental.
Mas o que são, ao fim e ao cabo, as obras de urbanização? Trata-se, de acordo com o
artigo 2.°, alínea h), «das obras de criação e remodelação de infra-estruturas destinadas a
servir directamente os espaços urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos
viários e pedo- nais, redes de esgotos e de abastecimento de água, electricidade, gás e
telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização colectiva».
No anterior regime jurídico, as obras de urbanização surgiam definidas como «todas as
obras de criação e remodelação de infra-estruturas que integram a operação de loteamento
e as destinadas a servir os conjuntos e aldeamentos turísticos e as ocupações industriais,
nomeadamente arruamentos viários e pedonais e redes de abastecimento de água, de
esgotos, de electricidade, de gás e de telecomunicações, e ainda de espaços verdes e
outros espaços de utilização colectiva» (artigo 3.°, alínea b), do Decreto-Lei n.° 448/91, de
29 de Novembro). O licenciamento das obras de urbanização deveria ser recusado (artigo
22.°, n.° 2, alínea a)), na eventualidade de não ter sido ainda aprovada a operação de
loteamento e, por conseguinte, impedida a emissão do alvará.
A diferença essencial está, pois, na desvinculação entre obras de urbanização e
operações de loteamento ou figuras afins, muito embora já pudessem ser licenciadas

26
operações de loteamento sem obras de urbanização, por desnecessidade das mesmas.
Mas hoje, tanto podem ser licenciadas ou autorizadas operações de loteamento sem
obras de urbanização — por exemplo, em áreas já suficientemente urbanizadas — como
também é possível deferir licenças e autorizações para obras de urbanização fora de
operações de loteamento ou sem operação de loteamento (até como condição para
licenciar certas obras de edificação — artigo 25.°). Não é de excluir que o promotor —
embora sem pretender dividir jurídica ou materialmente o prédio — precise de criar
condições de urbanização específicas ou particularmente qualificadas. Será o caso dos
denominados condomínios fechados, como será o caso de alguns empreendimentos turís-
ticos de edificação em conjunto (artigo 57.°, n.° 5).

As obras de urbanização podem ser objecto de um contrato administrativo — o


designado contrato de urbanização — outorgado pelo município, pelo proprietário e por
outros titulares de direitos reais sobre o prédio com outras entidades — públicas e privadas
— que se encontrem envolvidas (artigo 55.°, n.° 1), especialmente, as sociedades
concessionárias de serviços públicos ou da exploração de bens do domínio público (EDP,
Energias de Portugal, SA, PT — Comunicações, SA, ú Empresa Pública das Águas Livres
de Lisboa, SA, etc.).
Descortinam-se duas notórias vantagens no contrato de urbanização. A primeira, é a de
uma mais clara e rigorosa repartição de incumbências entre os vários intervenientes, de
modo a permitir imputar danos de forma mais justa, nomeadamente por mora ou por
defeitos da obra na empreitada. Em segundo lugar, a vantagem de os contratos de urbani-
zação permitirem a negociação entre os diversos interessados, fazendo ingressar a
autonomia pública e a autonomia privada na criação de soluções de maior eficácia e de
maior eficiência.
Do artigo 55.°, n.° 1, parece-nos resultar mesmo a faculdade de a câmara municipal
condicionar a aprovação das obras de urbanização à celebração de um contrato de
urbanização. E compreende-se que assim seja, à vista do interesse público na segurança
da conclusão atempada e perfeita das obras de urbanização.
As obras de urbanização podem ser faseadas (artigo 56.°, n.° 1), mas o faseamento tem
riscos para o município e para os adquirentes, a começar pela interrupção e a acabar no
abandono dos trabalhos. Para obstar a maiores inconvenientes, dispõe-se no artigo 56.°, n.°
3, que cada fase «deve ter coerência interna e corresponder a uma zona da área a lotear
ou a urbanizar que possa funcionar autonomamente». Destarte, visou o legislador que a
estipulação das fases não resultasse simplesmente dos interesses e disponibilidades finan-
ceiras do urbanizador. E procurou ainda que, no caso de alguma das fases não ser
completada, as restantes não fiquem inexoravelmente subordinadas à conclusão dos
trabalhos. Por conseguinte, parecem ilegais os programas de faseamento que reservem
para o termo das operações a execução dos arruamentos ou a instalação de toda a ilu-
minação pública. (FIM do André Folque)

Os loteamentos e terceiros adquirentes dos lotes

Como já foi assinalado, têm sido, ao longo dos anos, dois os grandes objectivos da
criação de uma disciplina jurídica específica das operações de loteamento: assegurar que
os loteamentos urbanos se localizem nas áreas mais adequadas sob o ponto de vista do
ordenamento do território; e garantir que os lotes adquiridos por terceiros, bem como os
edifícios construídos nos lotes ou as fracções autónomas dos mesmos estejam dotados das
infra-estruturas urbanísticas necessárias.
De facto, o loteamento não pode ser visto como uma mera relação jurídica bilateral
entre o promotor do loteamento e o município. Deve, antes, ser perspectivado como uma
relação jurídica multipolar que se estabelece entre o loteador, o município, terceiros

27
adquirentes dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de fracções construídas nos
mesmos, os proprietários ou os titulares de outros direitos reais de prédios vizinhos, os
autores de projecto e cidadãos em geral portadores dos interesses difusos a um correcto
ordenamento do território e a um urbanismo de qualidade. A relação jurídica multipolar do
loteamento urbano caracteriza-se por uma programação legal leve, por uma pluralidade e
interpenetração de interesses públicos e privados, por uma complexidade das situações a
regular e por uma participação procedimental alargada ao maior e mais diverso número de
interessados . Se quisermos identificar as relações jurídicas integradas na relação jurídica
administrativa multipolar do loteamento, encontramos a relação jurídica de informação
prévia, quando o particular (qualquer interessado) pretender solicitar “à câmara municipal, a
título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística
ou conjunto de operações urbanísticas directamente relacionadas, bem como sobre os
respectivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infra-
estruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos,
cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão” (artigo 14.°, n.º 1,
do RJUE), a relação jurídica bilateral entre o município e o loteador, a relação jurídica
trilateral entre o município, o loteador e o autor do projecto, as relações jurídicas entre o
município, o loteador e os proprietários de lotes e as relações jurídicas entre o loteador,
proprietários de lotes e vizinhos".
No conjunto dos pólos ou vértices constitutivos da relação jurídica do loteamento,
revestem particular importância os terceiros adquirentes dos lotes, de edifícios construídos
nos lotes ou de fracções autónomas dos mesmos, considerando que a grande maioria das
operações de loteamento destinam-se à comercialização de lotes, de edifícios neles
construídos ou de fracções autónomas desses mesmos edifícios. Compreende-se, por isso,
que o ordenamento jurídico urbanístico tenha criado um leque de medidas de protecção de
terceiros adquirentes dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de fracções autónomas
dos mesmos, que visam tutelar a confiança legítima dos mesmos na aquisição destes bens.
É a caracterização sumária dessas medidas que vamos fazer nas linhas subsequentes.
A primeira dessas medidas consiste na garantia da execução efectiva das obras de
urbanização. Para esse efeito, o RJUE prevê ou a execução das mesmas pela câmara
municipal ou a execução das obras de urbanização por terceiro. Quanto à primeira hipótese
o artigo 84.°, n.° 1, do RJUE determina que a câmara municipal, para salvaguarda do
património cultural, da qualidade do meio urbano e do meio ambiente, da segurança das
edificações e do público em geral ou, no caso de obras de urbanização, também para
protecção de interesses de terceiros adquirentes de lotes, pode promover a realização das
obras por conta do titular do alvará ou do apresentante da comunicação prévia, accionando,
se for necessário, as cauções efectuadas, quando, por causa que seja imputável a este
último: não tiverem sido iniciadas no prazo de um ano a contar da emissão do alvará ou do
termo do prazo de 20 dias a contar da entrega da comunicação prévia e dos elementos que
a devem acompanhar; permanecerem interrompidas por mais de um ano; não tiverem sido
concluídas no prazo fixado ou suas prorrogações, nos casos em que a câmara municipal
tenha declarado a caducidade; ou não hajam sido efectuadas as correcções ou alterações
que hajam sido intimadas, nos termos do artigo 105.° do RJUE [alíneas a) a d) do n.° 1 do
artigo 84.° do RJUE].
No tocante à segunda, o artigo 85.°, n.° 1, do RJUE estabelece que qualquer adquirente
dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de fracções autónomas dos mesmos tem
legitimidade para requerer a autorização judicial para promover directamente a execução
das obras de urbanização quando, verificando-se as situações anteriormente referidas, a
câmara municipal não tenha promovido a sua execução. O tribunal competente para
conhecer do pedido de autorização judicial para os terceiros promoverem, em via
substitutiva, a execução das obras de urbanização é o tribunal judicial da comarca onde se
localiza o prédio no qual se devem realizar as obras de urbanização (artigo 85.°, n.° 8, do
RJUE). Antes de decidir, o tribunal notifica a câmara municipal, o titular do alvará ou o
apresentante da comunicação prévia para responderem no prazo de 30 dias e ordena a
realização das diligências que entenda úteis para o conhecimento do pedido,

28
nomeadamente a inspecção judicial do local (artigo 85°, n.° 3, do RJUE). No caso de o
tribunal deferir o pedido, fixa especificadamente as obras a realizar e o respectivo
orçamento e determina que a caução prestada fique à sua ordem, a fim de responder pelas
despesas com as obras até ao limite do orçamento. Mas se a caução faltar ou for
insuficiente, o tribunal determina que os custos sejam suportados pelo município, sem
prejuízo do direito de regresso deste sobre o titular do alvará ou o apresentante da
comunicação prévia (artigo 85.°, n.os 4 e 5, do RJUE). Cabe à câmara municipal emitir
oficiosamente alvará para a execução das obras de urbanização por terceiro (artigo 85.°, n.º
9, do RJUE).
A segunda das medidas apontadas diz respeito à publicidade à alienação de lotes de
terreno, de edifícios ou fracções auónomas neles construídos, em construção ou a construir.
De acordo com o artigo 52.° do RJUE, nos instrumentos de publicidade é obrigatório
mencionar o número do alvará de loteamento ou da comunicação prévia e a data da sua
emissão ou admissão pela câmara municipal, bem como o respectivo prazo de validade.
Esta norma visa claramente proteger os potenciais adquirentes de lotes, de edifícios ou
fracções autónomas neles construídos, em construção ou a construir, contra meios de
publicidade enganosa relativamente a loteamentos ilegais. A violação daquele dever jurídico
é tipificado pelo RJUE como um facto ilícito, punível como contra-ordenação. E o que
resulta do artigo 98.°, n.º 1, alínea p), que considera como contra-ordenação, punível com
coima, “a ausência do número de alvará de loteamento ou a admissão da comunicação
prévia nos anúncios ou em quaisquer outras formas de publicidade à alienação dos lotes de
terreno, de edifícios ou fracções autónomas nele construídos”.
Uma terceira medida de protecção de terceiros consiste na obrigação da indicação, nos
títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos
relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a
constituição de lotes ou a transmissão de lotes legalmente constituídos, do número do
alvará ou da comunicação prévia, da data da sua emissão ou admissão pela câmara
municipal, da data de caducidade e da certidão do registo predial (artigo 49.°, n.º 1, do
RJUE). Na mesma linha se situa a proibição da celebração de escrituras públicas de
primeira transmissão de imóveis construídos nos lotes ou de fracções autónomas desses
imóveis sem que seja exibida, perante a entidade que celebre a escritur pública ou
autentique o documento particular, certidão emitida pela câmara municipal, comprovativa da
recepção provisória das obras de urbanização ou certidão, emitida pela câmara municipal,
comprovativa de que a caução é suficiente para garantir a boa execução das obras de
urbanização (artigo 49.°, n.° 2, do RJUE). No caso de as obras de urbanização terem sido
realizadas, em via substitutiva pela câmara municipal ou por terceiro, aquelas escrituras
podem ser celebradas mediante a exibição da certidão, emitida pela câmara municipal,
comprovativa da conclusão de tais obras devidamente executadas em conformidade com os
projectos aprovados (artigo 49.°, n.° 3, do RJUE).
Uma quarta medida protectora dos direitos de terceiros traduz-se no direito que
qualquer adquirente de um lote tem de exigir à câmara municipal, ao proprietário do prédio,
bem como a todos os outros adquirentes dos lotes a observância das especificações do
alvará de licença de operação de loteamento ou de obras de urbanização, entre as quais se
contam o número de lotes e respectiva área, localização, finalidade, área de implantação,
área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes, com
especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos, as
cedências obrigatórias, sua finalidade e especificação das parcelas a integrar no domínio
municipal e o prazo para a conclusão das obras de urbanização (artigo 77.°, n. os 1 e 3, do
RJUE). É este o sentido que retira da norma do artigo 77.°, n.° 3, do RJUE, segundo a qual
“as especificações do alvará [...] vinculam a câmara municipal, o proprietário do prédio, bem
como os adquirentes dos lotes”.
Em quinto lugar, delineou o legislador também como medida de protecção de terceiros
adquirentes dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de fracções autónomas dos
mesmos o direito de exigir ao município a indemnização dos prejuízos por eles suportados
em caso de revogação, anulação ou declaração de nulidade de licenças ou comunicações

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prévias de operações de loteamento, sempre que a causa da revogação, anulação ou
declaração de nulidade resultar de uma conduta ilícita dos titulares dos seus órgãos ou dos
seus funcionários e agentes (artigo 70.°, n.° 1, do RJUE). Os titulares dos órgãos do
município e os seus funcionários e agentes respondem solidariamente com o município
quando tenham dolosamente dado causa à ilegalidade que fundamenta a revogação,
anulação ou declaração de nulidade (artigo 70.°, n.º 2, do RJUE).
O estabelecimento pela lei de um procedimento específico, para alteração, a
requerimento do interessado, dos termos e das condições da licença de loteamento ou para
alteração da operação de loteamento admitida objecto de comunicação prévia, com
intervenção dos adquirentes dos lotes, constitui, de igual modo, uma importante medida de
protecção destes. Neste sentido, de harmonia com o que estatui o n.º 2 do artigo 27.° do
RJUE, a alteração da licença de operação de loteamento é precedida de consulta pública,
quando a mesma esteja prevista em regulamento municipal ou quando sejam ultrapassados
alguns dos limites previstos no n.º 2 do artigo 22.° do RJUE, isto é, 4 ha, 100 fogos ou 10%
da população do aglomerado urbano em que se insere a pretensão. E segundo o n.º 3 do
artigo 27.° do mesmo diploma legal, sem prejuízo do disposto no artigo 48.° do RJUE, que
disciplina as condições e os termos em que a licença ou comunicação prévia de operação
de loteamento pode ser alterada por iniciativa da câmara municipal e que são,
precisamente, quando a alteração se mostrar necessária à execução de plano municipal de
ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, área de
desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária ou área de reabilitação
urbana —, a alteração da licença de operação de loteamento não pode ser aprovada se
ocorrer oposição escrita da maioria dos proprietários dos lotes constantes do alvará,
devendo, para o efeito, o gestor do procedimento proceder à sua notificação para pronúncia
no prazo de 10 dias.
Por seu lado, e na mesma linha, a alteração de operação de loteamento admitida
objecto de comunicação prévia só pode ser apresentada se for demonstrada a não
oposição escrita da maioria dos proprietários dos lotes constantes da comunicação (artigo
48.°-A do RJUE).
A exigência de standards urbanísticos, quanto aos parâmetros de dimensionamento das
áreas para espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e pedonais, no
domínio dos loteamentos urbanos, funciona também como uma medida de protecção dos
terceiros adquirentes dos lotes, de edifícios construídos nos lotes ou de fracções autónomas
dos mesmos, que, desse modo, vêem garantida uma qualidade urbanística mínima dos
espaços em que vão habitar. Como já sabemos, a fixação dos parâmetros para o
dimensionamento das áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização
colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos - constituídas por parcelas de natureza
privada a afectar a estes fins e por parcelas a ceder gratuitamente ao município para
implantação de espaços verdes públicos, equipamentos de utilização colectiva e infra-
estruturas que, de acordo com a lei e a licença ou comunicação prévia, devam integrar o
domínio municipal — consta dos planos municipais de ordenamento do território (artigos
43.°, n.os 1,2 e 3, e 44.° do RJUE). Mas, enquanto os parâmetros para o dimensionamento
daquelas áreas não estiverem definidos em plano municipal de ordenamento do território,
de acordo com as directrizes estabelecidas pelo PNPOT e pelos PROT, são fixados por
portaria do membro do Governo responsável pelo planeamento do território (artigo 43.°, n.os
1 e 2, do RJUE e artigo 6.°, n.º 3, da Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro). A portaria que,
actualmente, fixa os parâmetros para o dimensionamento das áreas destinadas a espaços
verdes de utilização colectiva nos projectos de loteamento e a Portaria n.º 216-B/2008, de 3
de Março (rectificada pela Declaração de Rectificação n.° 24/2008, de 2 de Maio).
O que vem de ser sublinhado demonstra claramente que a definição dos standards
urbanísticos, no campo do loteamento, depende, em larga medida, da emanação de normas
regulamentares, sendo, claramente, uma matéria situada entre a lei e o regulamento.
Por último, pode considerar-se a não produção de efeitos da caducidade da licença para
a realização de operação de loteamento ou de obras de urbanização, por as obras de
urbanização não terem sido iniciadas no prazo de nove meses a contar da data da emissão

30
do alvará, por elas estarem suspensas por período superior a seis meses, por estarem
abandonadas por período superior a seis meses ou por não terem sido concluídas no prazo
fixado na licença ou comunicação prévia ou suas prorrogações, relativamente aos lotes
para os quais já haja sido aprovado pedido de licenciamento para obras de edificação ou já
tenha sido apresentada comunicação prévia da realização dessas obras, também como
uma medida de protecção dos terceiros adquirentes dos lotes, embora não estejamos
perante uma solução legal destinada exclusivamente à protecção destes (artigo 71.°, n.os 3,
4 e 7, do RJUE). Com efeito, de igual protecção goza o loteador em relação a lotes para os
quais já haja sido aprovado pedido de licenciamento para obras de edificação ou já tenha
sido apresentada comunicação prévia da localização dessas obras.
Retomaremos infra a problemática da caducidade da licença e da admissão de
comunicação prévia das operações urbanísticas.

4. AS OPERAÇÕES DE LOTEAMENTO (Pelo Prof. André Folque)


4.1. Generalidades

As operações de loteamento definem-se formal e finalisticamente — o seu objecto


imediato ou, pelo menos, o efeito, há-de ser a constituição de um ou mais lotes, destinados
imediata ou subsequentemente à edificação urbana, como resultado da divisão material de
um ou vários prédios ou do seu emparcelamento ou reparcelamento.
A operação de loteamento comporta sempre um elemento voluntário da parte do
promotor — não pode resultar de um simples facto jurídico, como, por exemplo, de
alterações hidrográficas, nem pode ser efeito de um acto de terceiros, como, por exemplo, a
constituição de parcelas sobrantes no caso de expropriação por utilidade pública.
Tão-pouco cabe na noção de loteamento a oneração de um ou de vários prédios por
direitos reais menores ou por direitos pessoais de gozo. Assim, por exemplo, a constituição
do direito de superfície não divide o prédio; limita-se a comprimir o gozo do fundeiro sobre a
coisa e facultar o seu aproveitamento agrícola ou edificatório pelo superficiário (artigos
1524.° e segs. do Código Civil). Não se formam unidades prediais autónomas.
Não deve impressionar-nos que a constituição de um único lote haja de dar lugar a uma
operação de loteamento. Este fenómeno de parcelamento singular — por secessão — pode
dar origem a um lote mais ou menos extenso, destinado a uma nova frente urbana ou
apenas a uma edificação.

O elemento básico é o da finalidade da divisão material: a edificação — no presente ou no


futuro. Divisão essa que não é necessariamente formal ou jurídica, ao nível matricial ou
registrai, como nem tão-pouco implica demarcação material no prédio, por marcos,
vedações, muros ou sebes.
Nem poderia ser de outro modo. É a própria validade dos actos e negócios jurídicos que
importam a divisão jurídica da coisa que pressupõe a licença ou a autorização de uma
operação de loteamento, a menos que desta divisão resulte a perpetuação do uso rústico
(artigo 50.°) porquanto se prescreve aos notários e aos tribunais que confiram o número do
alvará, a data da sua emissão e a certidão do registo predial (artigo 49.°, n.° 1).
Perante a iniciativa de múltiplas edificações num mesmo prédio fica indiciada a sua
repartição funcional e, como tal, a necessidade de requerer o licenciamento ou a
autorização de uma operação de loteamento urbano.
O simples reparcelamento pode não inculcar uma operação de loteamento se,
porventura, o número de lotes for intocado.
A compreensão do conceito de loteamento, todavia, só se atinge mediante o
contraponto negativo, presente, discretamente, no artigo 57.°, n.° 5. Do cotejo entre esta
disposição e o enunciado do artigo 2.°, alínea i), podemos reter que a operação de
loteamento é obrigatória sempre que no mesmo prédio haja lugar à pluralidade de
edificações urbanas (valendo aqui o recorte conceptual das operações urbanísticas) que,

31
não sendo contíguas, possuam autonomia funcional entre si.
O loteamento só tem relevo para o direito do urbanismo por causa do seu potencial
efeito. De outro modo, a divisão de prédios para outros fins releva, por exemplo, para o
direito agrário ou florestai (artigo 50.°), de modo a preservar unidades agrícolas com
aproveitamento significativo.
Para que seja devida a operação de loteamento, o pressuposto da alteração de um ou
de vários prédios tem de estar presente. Vejamos quatro situações diferentes e cuja
distinctio contribuirá para uma melhor compreensão do conceito normativo.

1.° exemplo — parcelamento e edificação:


O prédio A com 500 m2 dá lugar a quatro lotes com 125 m2, cada.

2° exemplo — parcelamento sem edificação:


O prédio A é partilhado entre quatro herdeiros para a actividade agrícola. Não importa
loteamento. Já se o prédio se localizar em solo urbano, a partilha pode indiciar a
necessidade de operação de loteamento.

3.° exemplo — dispensa de operação de loteamento {destaque):


O prédio A com 500 m2 terá edificada uma moradia unifami- liar com 150 m2, ficando o
remanescente para a actividade agrícola.

4.° exemplo — reparcelamento (emparcelamento seguido de novo parcelamento em termos


diversos) ou emparcelamento de múltiplas parcelas numa quantidade menor:

Os prédios A (200 m2), B (300 m2), C (100 m2) e D (400 m2) dão lugar a quatro lotes,
cada um com 250 m2.

Neste último caso, se os quatro prédios derem lugar a um só, então há


emparcelamento. Não há divisão e, por isso, não tem de haver operação de loteamento.
O loteamento, embora possa pressupor um emparcelamento, não se esgota neste
fenómeno, no qual não tem lugar a divisão fundiária, como pode suceder nas associações
entre a Administração Pública e os proprietários. Mas, se depois do emparcelamento houver
lugar a nova divisão (reparcelamento) e se esta operação visar ou permitir a edificação,
então, sem dúvida, que se encontram preenchidos os requisitos para uma operação de
loteamento obrigatória.
De resto, note-se, a operação de loteamento, mais do que uma pretensão do promotor
imobiliário é uma imposição dos órgãos da administração urbanística, como condição para
um aproveitamento urbanístico plúrimo, isto é, de várias edificações urbanas, autónomas na
sua funcionalidade.
O legislador parte da ideia de que uma operação de loteamento tem sempre impacto
significativo embora com grandes oscilações. Por isso, a operação de loteamento deve
poder ser condicionada:

a) pela execução de obras de urbanização (artigos 53.° e segs.);


b) por cedências para o domínio público (artigo 44.°, n.° 1);
c) pela adstrição de certas áreas privadas ao uso colectivo (artigo 43.°);
d) pelo pagamento de compensações, em numerário ou em espécie, nos termos a definir
por regulamento municipal (artigo 44.°, n.° 4).

A ideia é a de que quem tira proveito de uma nova frente de edificação deve assumir
parte dos encargos sociais que a operação comporta. Não é possível edificar sem fazer
cidade, sem urbanizar. Não é o princípio do poluidor/pagador, próprio do direito do
ambiente, mas é o princípio do Ioteador/urbanizador.
Para edificar em áreas ainda não suficientemente urbanizadas — embora urbanizáveis
— com uma mais-valia apreciável, é preciso imputar ao beneficiário directo uma quota

32
substancial dos encargos. O loteador vai assim contribuir decisivamente para a
prossecução do interesse público, custeando melhoramentos que beneficiam, não apenas
os adquirentes dos lotes ou das edificações e suas fracções, como a comunidade, em geral.
E isto com garantias de que o fará tempestivamente e com observância de padrões de qua-
lidade e de quantidade que a câmara municipal especificará com alguma margem de
discricionariedade. O depósito de uma caução (artigo 54°) e o controlo efectuado por altura
da recepção provisória e da recepção definitiva das obras de urbanização (artigo 87.°)
servem de garantia adequada, que a intervenção notarial obrigatória reforça (artigo 49.°,
n.ºs 1 e 2) nos actos e negócios jurídicos com eficácia real.
São, por outro lado, exigências de justiça na repartição dos encargos públicos e, bem
assim, de racionalidade no ordenamento do território — o loteamento vai ser aprovado com
regras de gestão territorial de pormenor e mesmo com regras de edificação e de utilização.
Por conseguinte, as especificações da licença ou da autorização do loteamento (artigo
77°, n.° 1) constituirão um instrumento de protecção da confiança para terceiros adquirentes
ou vizinhos urbanísticos. Tais regras — expressas ou implícitas nas especificações
descritas no alvará — vinculam os adquirentes dos lotes, independentemente da eficácia
real das obrigações contratadas ou do registo predial destes ónus (artigo 77.°, n.° 3).
A desconformidade dos actos de licenciamento ou da autorização com tais
especificações, por seu turno, é tratada no mesmo pé que a violação de plano, tendo como
valor jurídico negativo o da nulidade (artigo 68.°, alínea a)).
Parece excessivo, contudo, que além das especificações obrigatórias (artigo 77.°)
também a contravenção às demais especificações determine invalidade. As especificações
facultativas, pelo menos, em relação aos alvarás posteriores à entrada em vigor do RJUE
são produto da autonomia privada e, como tal, deveriam ser tratadas apenas no plano das
relações jurídicas propter rem de direito civil, nomeadamente enquanto servidões prediais
de natureza contratual.
É, como já se referiu, a partir do artigo 57º n.° 5, que se alcança melhor a fronteira entre
a necessidade e a desnecessidade de loteamento urbano. Esta norma vem garantir, pela
primeira vez no direito urbanístico nacional, que a concentração de fogos em edificações
funcionalmente ligadas entre si e em contiguidade (proximidade, embora com interstícios
não edificados) deve estar obrigada a encargos análogos aos de um loteamento.
E, ao fim e ao cabo, é a partir desta norma que se compreende o que é a divisão
material do prédio — um conjunto de edificações não contíguas e não ligadas
funcionalmente entre si. A definição legal da operação de loteamento urbano, contida no
artigo 2.°, alínea i), só se completa, como dissemos, pela análise do artigo 57.°, n.° 5.

4.2. Cedências dominiais, compensações e áreas de utilização colectiva

A cedência gratuita de parcelas, pelo proprietário dos prédios a lotear e pelos demais
titulares de direitos reais (usufrutuários, superficiários, titulares de direitos de preferência
real) constitui um ónus (artigo 44.°, n.° 1), como contrapartida para o impacto da operação,
de modo a socializar os seus custos urbanísticos. Trata-se de ceder gratuitamente parcelas
— não necessariamente do imóvel a lotear — mas que permitam implantar espaços verdes
públicos, equipamentos de utilização colectiva (escolas, unidades de saúde, quartéis de
bombeiros, centros desportivos, locais de culto) e infra-estruturas (arruamentos, pontes,
viadutos, redes públicas de abastecimento domiciliário) que, de algum modo, contribuam
para a qualidade da zona envolvente do local da operação ou, pelo menos, para corrigir
assimetrias verificadas no mesmo aglomerado urbano.
É por isso que esta cedência importa a afectação automática ao domínio público
municipal (artigo 44.°, n.° 3) com a consequente inalienabilidade, impenhorabilidade e
imprescritibilidade próprias do estatuto dominial. Os terrenos cedidos passam a ficar de fora
do comércio jurídico (artigo 202.°, n.° 2, do Código Civil) e a desafectação, em princípio, só
poderá ter lugar por deliberação da assembleia municipal (artigo 53.°, n.° 4, alínea b), da Lei
n.° 169/99, de 18 de Setembro). Não se tratando de bens dominiais por natureza, mas por

33
atribuição, a desafectação não pode ser tida como acto de objecto impossível.
O efeito translativo e a dominialização produzem-se ipso jure com a emissão do alvará,
à semelhança do que já se previa no artigo 16.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de
Novembro, dissipando dúvidas suscitadas ao abrigo de anteriores regimes jurídicos acerca
da necessidade de fazer cumprir a cedência por negócio jurídico de doação, a celebrar por
escritura pública.
A afectação ao domínio público inculca ainda a adstrição das parcelas cedidas a uma
determinada utilidade pública, cujo incumprimento constitui no cedente um direito de
reversão (artigo 45.°, n.° 1), análogo ao que se produz com a inutilidade ou a alteração do
destino previsto para as expropriações na declaração de utilidade pública (n.° 2). Já não
seria assim se porventura as cedências não estivessem condicionadas pelo fim estipulado
no alvará e pudessem integrar o domíríío privado municipal.
Por outro lado, desde que se trate da necessidade inexorável de fazer executar um
plano urbanístico ou instrumento análogo, o fim das parcelas cedidas pode sofrer
vicissitudes por alteração unilateralmente imposta pelo município, nos termos do artigo 48.°,
n.° 1. Dispõe ainda o proprietário de legitimidade para fazer desencadear alterações por ini-
ciativa particular, sujeitando-se, contudo, ao procedimento próprio e à oposição da maioria
dos proprietários dos lotes.
Mas, nem por assim acontecer, as parcelas cedidas ficam libertas do seu destino, salvo
se este for o da instalação de equipamentos colectivos. Precisamente porque seria injusto
impor ao loteador o encargo na execução de tais equipamentos, depois de o município o
não ter feito, determina-se a conversão de tais áreas em zonas verdes (artigo 45.°, n.° 4).
As cedências podem, no entanto, mostrar-se objectivamente inúteis ou impossíveis,
nomeadamente por não carecer a área de novos espaços para utilização pública ou
mostrar-se inviável a sua concretização. Ainda assim, por imperativo de igualdade na
repartição dos encargos públicos, haverá lugar ao pagamento de uma compensação em
numerário ou em espécie (v. g. parcelas ou lotes de terreno do próprio imóvel ou em outro
local do município). De modo a que haja um mínimo de auto-vinculação e de equidade na
estipulação dos valores compensatórios e nas suas modalidades, a exequibilidade do
disposto no artigo 44.°, n.° 4, depende de regulamento municipal. A serem em espécie, os
terrenos dados em pagamento como compensação podem integrar o domínio privado muni-
cipal, o que figurava expressamente no artigo 16.°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29
de Novembro.
As áreas a ceder e o seu valor não encontram enquadramento normativo específico por
via legislativa, cumprindo aos regulamentos municipais dispor sobre os critérios. Ganha aqui
um sentido acrescido o controlo a efectuar por aplicação dos princípios gerais de direito
administrativo, maxime o da proibição do excesso e o da proibição do arbítrio.
Assim, padece de violação de lei o indeferimento baseado na exigência de uma área a
ceder que inviabilize economicamente a operação de loteamento ou que reduza o lucro a
um locupletamento irrisório.
Não se confundam porém as áreas cedidas ao domínio público municipal com as áreas
privativas da operação, embora destinadas ao uso colectivo dos proprietários, e cuja
previsão pode ser tomada obrigatória por plano municipal (artigo 43.°, n.° 2), muito embora
possa ser consumida por uma extensão das áreas cedidas ao domínio público municipal
(artigo 43.°, n.° 3) e que se destinam a espaços verdes e outras áreas de lazer,
equipamentos, arruamentos ou outras estruturas de base.
Estas áreas, cuja espécie e extensão vêm definidas na Portaria n.° 1136/2001, de 25 de
Setembro, permanecem no património dos proprietários dos lotes. Assim, por exemplo,
cada fogo para habitação importa 28 m2 de espaço verde e cada fogo habitacional T0 ou T1
implica um lugar de estacionamento.
Já o disposto no artigo 44n.° 4, presta-se aos maiores equívocos, ao enunciar entre os
motivos que podem justificar a dispensa de cedências ao domínio público, «os casos
referidos no n.° 4 do artigo anterior», ou seja, haver espaços verdes e de utilização
colectiva, infra-estruturas várias e equipamentos de natureza privada» que são partes
comuns na propriedade horizontal, a constituir em consonância com o artigo 1438.°-A do

34
Código Civil.
Se a previsão deste tipo de áreas — colectivas, mas de uso restrito — é devida (artigo
43.°, n.° 1), poderá um regulamento municipal instituir como regra geral a compensação, em
numerário ou em espécie, subvertendo o princípio legislativo da preferência por cedências
ao domínio público municipal? E se assim for, não estará a infringir-se a norma
constitucional do artigo 112.°, n.° 5, que impede taxativamente os actos regulamentares de
modificarem, interpretarem ou derrogarem com eficácia externa normas contidas em actos
legislativos?
Nos artigos 46.° e 47.° parece retomar-se ambiguamente este conjunto de áreas,
quando se descobre afinal tratar-se da possibilidade de concessionar a gestão das áreas
cedidas ao domínio público e vocacionadas para a utilização geral, pois, de resto, não
podem tais contratos, sob cominação de nulidade das suas cláusulas, deixar de manter tais
locais como espaços públicos ou, pelo menos, abertos ao público (artigo 47.°, n.° 3). Até
porque as outras áreas — privativas do loteamento — essas ficam subordinadas, com as
necessárias adaptações, ao regime das partes comuns na propriedade horizontal (artigo
43.°, n.° 4).
A leitura incauta do artigo 46.° leva a julgar estarmos perante o tratamento das áreas
privativas de uso colectivo, previstas segundo o artigo 43.® Mas logo se descobre no artigo
47.°, n.° 1, que são, ao fim e ao cabo, as áreas cedidas ao domínio público municipal («a
que se refere o artigo anterior»). Nem faria sentido que o município convencionasse com
moradores ou grupos de moradores os termos da gestão de áreas que constituem partes
comuns, e que perduram no seu património.
O sentido do artigo 44.°, n.° 4, só pode ser o de, por regulamento municipal, se
admitirem compensações, em lugar das cedências, quando as áreas para uso colectivo
previstas no artigo 43.° sejam abertas ao público, em geral. Embora não ocorra a sua
afectação ao domínio público municipal, embora permaneçam partes comuns sob
propriedade privada, ficam oneradas por uma servidão administrativa atípica, qual seja, a de
franquear à utilidade pública o seu uso, de forma mais ou menos incondicionada.

4.4. Preterição da operação de loteamento

Algo estranhamente, o RJUE, como os anteriores regimes jurídicos, abstém-se de


qualificar o valor jurídico negativo dos actos de licença ou de autorização das obras de
edificação que devessem ter sido antecedidas por operação de loteamento, com ou sem
obras de urbanização.
O esforço jurisprudencial dos tribunais administrativos, como em muitos aspectos,
revela-se decisivo neste ponto essencial, porque o legislador parece ter ignorado a
preterição da operação de loteamento.
Embora singularmente, esta situação foi objecto de um Acórdão do STA, de 17-05-1994
(Proc. 33.641), que considerou inválidas as licenças de edificação que, apesar de
pressuporem uma operação de loteamento, tenham deixado de o fazer, por equivalerem à
desconformidade com a licença de loteamento. Por maioria de razão, é de atribuir a esta
desconformidade exactamente o mesmo valor negativo que se atribui à contradição entre a
licença/autorização de edificação e as condições disciplinadas para a operação de
loteamento. Nas razões avisadamente sopesadas pelo Supremo Tribunal Administrativo,
pode ler-se:

A alínea a) do n.° 1 do artigo 63.° do Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro, impõe


vinculadamente o indeferimento do pedido de licenciamento de uma obra particular em
caso de ‘desconformidade com alvará de loteamento ou com instrumentos de planeamento
territorial válidos nos termos da lei’. No espírito dessa previsão/estatuiçâo legal não pode
deixar de ter estado, para além da simples desconformidade, a própria inexistência do
alvará, se a lei no caso concreto o
tomava necessário — argumento de maioria de razão ou ‘a fortiori’.

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É certo que no direito administrativo geral, a anulabilidade constitui o valor jurídico
negativo residual (artigo 135.° do CPA), limitando-se as esta- tuições de nulidade ao
enunciado do artigo 133.°, n.° 2, do CPA.
Não está excluído, porém, o recurso à analogia, desde que verdadeiramente ocorra uma
lacuna. Assim, se no artigo 68.°, alínea a), é fulminado com a nulidade o acto positivo
desconforme com o teor da licença ou da autorização de operação de loteamento, então, a
falta de operação de lotea- mento, como pressuposto desta norma, há-de gerar, bem assim,
nulidade.
Só este entendimento permite reconhecer unidade e coerência à ordem jurídica,
estabelecendo a concordância racional entre normas ordenadas num mesmo sistema.
Tão importante é, com efeito, a operação de loteamento que, quase sempre, a lei obriga
a licença. A autorização só pode ter lugar para este tipo de operações quando sitas em área
sob plano de pormenor qualificado (artigo 4°, n.° 3, alínea a)).

4.5. Dispensa de operação de loteamento: o destaque

Excepcionalmente, admite-se o parcelamento para edificar sem prévia operação de


loteamento — é o destaque: dispensado de licença ou de autorização, de acordo com o
artigo 6.°, n.° 1, alínea c), mas nem por isso isento, em absoluto, de controlo administrativo
preliminar.
Outra excepção é determinada pela natureza jurídica ou estatuto do promotor e das
suas atribuições — as operações de loteamento empreendidas pelos municípios, mas
também pelas freguesias (artigo 7.°, n.° 3). No entanto, é obrigatório, neste caso, o parecer
favorável da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional.
Odestaque é uma forma de secessão predial. Uma espécie, pois no mesmo género
podemos encontrar o fraccionamento de prédios rústicos (artigo 50.°) e a operação de
loteamento (artigo 2.°, alínea i)). Destaque é, ao fim e ao cabo, a dispensa de
licença/autorização dé operação de loteamento para uma divisão que, em princípio, se
subsumiria à previsão da operação de loteamento urbano (artigo 2.°, alínea j)). Não se trata,
de modo algum, de uma categoria de operações urbanísticas a se.
Apenas pode dar lugar à constituição de uma nova parcela e com os seguintes
pressupostos:

1) no perímetro urbano (artigo 6.°, n.° 4)


a) tanto a parcela destacada como a parcela sobrante, ambas têm de confrontar com
arruamentos públicos — e continuar a confrontar depois do destaque (isto, em nome do
interesse público na preservação dos alinhamentos e na contenção dos custos de
ligação às redes públicas);
b) a edificação a executar tem de dispor de projecto de arquitectura já aprovado, a
menos que se trate de edificação já executada — pois nada impede o destaque de um
parcela em que já se encontra implantada uma edificação — contanto que, ao tempo da
edificação primitiva, não fosse exigível o licenciamento da obra.

2) fora do perímetro urbano (artigo 6.°, n.° 5)

a) contenção da densidade habitacional, de modo a evitar o povoamento disperso:

— uma edificação, apenas;


— para uso habitacional; e
— não mais que bifamiliar (no máximo, dois fogos)

b) preservação do aproveitamento agrícola na parcela sobrante (área mínima/área da


unidade de cultura).

Estamos perante o fraccionamento de um prédio rústico, em princípio, motivo por que

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importa ainda ter presente o disposto no artigo 50.° Em todo o caso, o particular ficará
sujeito a um ónus real que impede ulteriores destaques, num prazo de dez anos (artigo 6.°,
n.° 6). Esta limitação é reveladora da parcimónia com que o legislador tratou do destaque,
de modo a evitar excessos e abusos.
E se tivermos presente a proscrição da generalidade das operações de loteamento fora
dos perímetros urbanos (artigo 41.°), vemos como a norma do artigo 6.°, n.° 5, é
duplamente excepcional. Vem abrir a porta, não só à dispensa de loteamento, mas bem
assim, à divisão fundiária para fins de edificação fora dos perímetros urbanos.
É pertinente interrogarmo-nos se pode ulteriormente haver destaque dentro de parcela
destacada, uma vez que o preceito se limita literalmente ao prédio originário.
Consideramos que não, e por maioria de razão, em face do impedimento que onera, por
dez anos, o prédio originário. O destaque é, como se viu, uma excepção. As normas
excepcionais não devem ser interpretadas extensivamente. De outro modo, teríamos aberto
a porta a situações de fraude à lei, por destaques sucessivos. Bastaria conservar uma
exígua parcela sobrante como plataforma simulatória de dispensa da operação de
loteamento.
Explicam MARJA JOSÉ CASTANHEJRA NEVES/FERNANDA PAULA OLIVEIRA/DULCE LOPES,
que «juridicamente, os destaques são autênticas operações de loteamento (em sentido
estrito), visto que consistem na divisão de um prédio em lotes para efeitos de construção».
Não podemos deixar de discordar. Com efeito, a parcela sobrante — o remanescente do
prédio destacado — poderá ficar para sempre adstrita a um aproveitamento agrícola. O
destaque não dá lugar a dois lotes, mas a duas parcelas. Sem lotes não há loteamento.

4.7. Garantias de cumprimento dos deveres de lotear e de urbanizar

Deve entender-se outrossim que a transmissão parcial de um prédio f urbano já


edificado implica:
a) apresentação do alvará de loteamento ou
b) certidão de destaque

Assim, o disposto no artigo 49.°, n.° 1, do RJUE deve aplicar-se também à transmissão
de edificação em lotes de terreno que sejam de destacar de uma descrição predial, ainda
que se trate de constituir ou transmitir direitos reais menores, como o direito de superfície.

Outra importante garantia notarial está no controlo que leva a efeito sobre o
cumprimento dos deveres de urbanização pelo loteador. De acordo com o artigo 49.°, n.° 2,
este não vai poder transmitir os lotes constituídos sem exibir ao notário documento bastante
que prove:

a) a recepção provisória das obras de urbanização ou


b) certidão municipal da prestação de caução.

Está aqui a prevenir-se a eventualidade — não rara nem despicienda — do


incumprimento dos deveres de urbanização por parte do loteador. De outro modo, para
este, tudo seriam vantagens — fraccionar o prédio 1 vender os lotes, deixando aos
adquirentes e ao município os encargos com a urbanização.
No artigo 49.°, n.° 3, trata-se do caso específico de as obras de urbanização competirem
a um terceiro (artigo 85.°) ou ao município (artigo 84.°).
Se os adquirentes de lotes podem exigir do promotor o cumprimento dos deveres de
urbanização e se podem exigi-lo da câmara municipal, podem também subrogar-se ao
loteador, a expensas da caução (artigos 73.°, 84.° e 85.°).
Uma outra garantia fundamental — na articulação entre a urbanização e a edificação —
é a da caducidade da licença ou da autorização de loteamento (artigo 71.°), a qual deve ser
declarada:
— por não Ser requerida a autorização para iniciar as obras de urbanização ou a emissão

37
de alvará único no prazo de um ano contado da notificação da autorização das obras de
urbanização (artigo 76.°, n.° 3, e artigo 71.°, n.° 1, alínea b));
— se não forem cumpridos tempestiva e diligentemente os deveres de urbanização (mora,
abandono das obras, insolvência ou falência).

O estado de abandono presume-se nas situações expressamente previstas pelo


legislador, incumbindo sobre o loteador o ónus de elidir tais presunções juris tantum: é o
que resulta do artigo 71.°, n.° 4.
Mas, como sabe o notário que a licença ou a autorização da operação de loteamento
não caducou, que se mantém plenamente eficaz, quando lhe é apresentado o alvará (título
da licença ou autorização)?
O alvará relativo a licença ou a autorização caducadas deve ser cassado pelo
presidente da câmara municipal (artigo 19°, n.° 1), acto que este transmite ao conservador
do registo predial, o qual, por sua vez, fará anotação à descrição e procederá ao
cancelamento do registo (artigo 79.°, n.° 2).
E, depois de caducado, perdida a eficácia, não pode a licença ou a autorização ser
prorrogada ou ‘revalidado’ o alvará (Acórdão do STA, 1.ª Sub., de 10-10-2002), a menos
que o acto da declaração de caducidade venha a ser anulado.
Como o vendedor terá de exibir certidão do registo predial perante o notário ou perante
o tribunal (v. g. venda em hasta pública ou para efeito de partilha), desta há-de constar
averbado o cancelamento do alvará.
E se houver lotes para os quais, entretanto, já tinham sido deferidas licenças ou
autorizações de edificação?
É a situação prevista no artigo 77.°, n.° 2. O registo será também cancelado, embora
apenas parcialmente (artigo 79.°, n.° 4).
Como garantia última contra a edificação não sustentada em adequadas condições de
urbanização encontra-se o poder/dever de indeferimento dos pedidos de licença por motivo
de a operação «constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-
estruluras ou serviços gerais existentes ou implicar para o município, a construção ou
manutenção de equipamentos, a realização de trabalhos ou a prestação de trabalhos por
este não previstos, designadamente, quanto a arruamentos e redes de abastecimento de
água, de energia eléctrica ou de saneamento» (artigo 24.°, n.°2, alínea b)). E mais, no caso
de faltarem, de todo, estas condições, o n.° 5 impõe o indeferimento. Outro tanto pode
suceder em relação às alterações do uso das edificações (n.° 6).
O que se faculta é ao interessado chamar a si os encargos com a urbanização, como se
de um loteamento se tratasse. É o que resulta claramente do disposto no artigo 25.°, n.° 1 e
n.° 2.
Esta norma pode impedir o recurso abusivo ao destaque, ainda que intervalado por
períodos de dez anos. Repare-se que a isenção por destaque da operação de loteamento
pressupõe a prévia aprovação do projecto de arquitectura. Aqui, o indeferimento nesta
aprovação fará tanto sentido em caso de falta ou inadequação das condições de
urbanização, como na generalidade das situações.
Outro importante meio de protecção resulta da publicidade, não apenas do alvará (artigo
78.°) no local da obra e por publicação oficial, como também da necessidade de mencionar
o número do alvará, a data da emissão e o termo da sua eficácia sempre que seja
anunciada a alienação de lotes de terreno, de edifícios ou fracções autónomas neles
construídos, em construção ou a construir (artigo 52.°).
Na eventualidade de as obras de urbanização poderem ser executadas faseadamente
(artigo 56.°), não apenas se procura afastar o arbítrio na delimitação temporal e espacial
das fases (estas devem possuir autonomia e coerência interna, de acordo com o n.° 3),
como, por outro lado, cada nova fase importará um novo aditamento ao alvará, já que na
sua primitiva versão apenas se alberga a primeira (n.° 5). Por esta via, ficam mitigados os
inconvenientes da não execução de fases ulteriores.
Por fim, a recepção — provisória e definitiva — das obras de urbanização, precedendo
vistoria (artigo 87º), como condição para a autorização de obras de construção nos lotes

38
(artigo 57.°, n.° 4) e para libertação da caução constituída em favor do município (artigo
54.°).
No mais, para além da substituição municipal na conclusão dos trabalhos (artigo 84.°)
também os adquirentes dispõem de legitimidade para se substituírem ao promotor, caso o
município o não faça (artigo 85.°). Terão de obter autorização judicial, depositar caução,
comunicar o acto à comissão de coordenação e desenvolvimento regional e à conservatória
do registo predial, incorrendo o município em responsabilidade solidária com o loteador,
caso se mostre insuficiente a caução (artigo 85.°, n.° 5).
Deve observar-se ainda que o promotor responde pelos defeitos i das obras de
urbanização por cinco anos (artigo 87.°, n.° 5).
O que se expõs quanto a licenças vale, mutatis mutandis, para as simples
autorizações, como resulta do enunciado do artigo 31.°, n.° 2.

Vemos, pois, que os dois grandes contrafortes deste sistema são, por um lado, a
invalidade dos actos que permitam operações urbanísticas com preterição da operação de
loteamento, e por outro, o controlo exercido sobre os actos e negócios jurídicos que tenham
por efeito a transmissão de prédios urbanos. Neste ponto, recorde-se que a eficácia do
alvará de loteamento se encontra condicionada pelo cumprimento dos deveres de
urbanização e que estes, por seu turno, estão hoje em condições de serem adequadamente
caucionados.
Outra importante função do controlo administrativo prévio das operações de loteamento
é o de gestão territorial da edificação. Vimos até agora como a operação de loteamento
procura salvaguardar a precedência das obras de urbanização. Contudo, não menos
importante é o parâmetro que a licença ou a autorização de loteamento constitui para as
edificações que se programa virem a ser executadas na área territorial compreendida. A
operação de loteamento e o seu título revelam uma função próxima dos instrumentos de
gestão territorial.
Assim, o alvará deve conter, entre outras especificações, «o número de lotes e
indicação da área, localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número
de pisos e número de fogos de cada um dos lotes» (artigo 77.°, n.° 1, alínea e)). Outro tanto
vale para a finalidade das áreas cedidas (artigo 77.°, n.° 1, alínea f)) cujo desvio poderá
constituir na esfera jurídica do cedente um direito de reversão (artigo 45.°).
Esta disciplina aproxima-se, em certa medida, do plano de pormenor, aspecto que leva
à sua equiparação, no direito italiano, como já se referiu supra.
Mas quase que poderíamos reconhecer à licença de loteamento prevalência sobre o
plano de pormenor. E que o princípio tem sido o de as licenças de loteamento não serem
afectadas por supervenientes instrumentos de gestão territorial incompatíveis.
Por isso, havendo necessidade — para fazer executar novo plano — de introduzir
unilateralmente alterações, constitui-se o dever de indemnizar (artigo 48º, n.° 4), contanto
que da alteração resultem prejuízos graves e anormais, como resulta das regras gerais
sobre responsabilidade civil extracontratual por actos lícitos de gestão pública (artigo 9.° do
Decreto-Lei n.° 48.051, de 21 de Novembro de 1967).
Apesar de tudo, com isto, é possível fundamentar direitos de edificação adquiridos com
base em alvarás de loteamento verdadeiramente ancestrais, emitidos quando as
especificações eram diminutas e as preocupações de ordenamento do território muito
menos exigentes. De outro modo, o Estado ou os municípios têm de aprovar planos
directamente vinculativos dos particulares, de cuja execução resulte necessariamente uma
contradição com as prescrições da operação de loteamento, e ressarcir pelos danos
emergentes, lucros cessantes e despesas desaproveitadas.
A licença de loteamento constitui, assim, um importante instrumento de protecção da
confiança depositada pelos adquirentes de lotes ou de fracções autónomas edificadas.
Nem por isso, contudo, deixam as condições e especificações de poderem ser
modificadas por iniciativa particular — seja do loteador, seja dos adquirentes de lotes, nos
termos do disposto nos artigos 21° ou 33.°. Mas, salvaguarda-se, de todo o modo, a
protecção da confiança, pelo menos, da maioria.

39
Com efeito, não pode haver expressa oposição da maioria dos proprietários de lotes,
maioria essa que é qualificada pelo poder de veto que assiste à maioria no subconjunto dos
proprietários de lotes atingidos pela alteração.
Estas alterações, naturalmente, dependem na sua validade e eficácia do cumprimento
de regras procedimentais de publicidade, informação e participação, havendo lugar
inclusivamente a discussão pública (artigo 21°, n.° 2, e artigo 33.°, n.° 2).
Apenas as alterações sumárias, aprovadas por simples deliberação da câmara
municipal, escapam a estes requisitos (artigo 27.°, n.° 8), embora envolvam apertados
pressupostos:

1) < 3% nas áreas de implantação ou de construção,


2) = número de fogos
3) = parâmetros urbanísticos de plano municipal, mesmo superveniente.

Outra modalidade de alterações sumárias diz respeito, não ao direito da edificação, mas
ao cumprimento dos deveres de urbanização (prazos e 1 montante da caução) de acordo
com o disposto no artigo 27.°, n.° 8.
A preocupação do legislador, aqui, foi sobretudo a de acautelar o resultado, ou seja,
garantir que a execução das obras de urbanização e, posteriormente, a edificação serão
levadas a cabo pelo promotor ou de que, pelo menos, o município disporá de liquidez para
se poder substituir, em caso de incumprimento. (FIM do André Folque)

O procedimento de licença

A Lei n.º 60/2007 teve como principal preocupação a simplificação e a aceleração dos
procedimentos dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas. Assim sucedeu,
desde logo, com o procedimento de licença.
O propósito de simplificação e de aceleração procedimental manifesta-se, de modo
impressivo, nas seguintes reformas emblemáticas dirigidas a todos os procedimentos de
controlo prévio das operações urbanísticas:

a) A criação da figura do gestor de procedimento, que acompanha cada procedimento e


a quem compete assegurar o normal desenvolvimento da tramitação procedimental,
acompanhando, nomeadamente, a instrução, o cumprimento de prazos, a prestação de
informação e os esclarecimentos aos interessados (artigo 8.°, n.° 3, do RJUE); _
,

b) A tramitação desmaterializada dos procedimentos, através de um sistema informático


próprio, o qual permite, nomeadamente, a entrega de requerimentos e comunicações, a
consulta pelos interessados do estado dos procedimentos, a submissão dos procedimentos
a consulta por entidades externas ao município, e a disponibilização de informação relativa
aos procedimentos de comunicação prévia admitida para efeitos de registo predial e
matricial (artigo 8.°-A, n.° 1, do RJIGT e Portaria n.° 216-A/2008, de 6 de Novembro);
c) A instituição de uma única entidade coordenadora, que é a CCDR territorialmente
competente, que promove a consulta de entidades da Administração Central, directa ou
indirecta, do sector empresarial do Estado, bem como de entidades concessionárias que
exerçam poderes de autoridade, que se devam pronunciar sobre a operação urbanística em
razão da localização, e que emite uma decisão global e vinculativa de toda a Administração

40
Central (artigo 13.°-A do RJUE e Portaria n.° 349/2008, de 5 de Maio);

d) A previsão da técnica da conferência decisória, promovida pela CCDR, caso existam


posições divergentes entre as entidades da Administração Central, directa ou indirecta, do
sector empresarial do Estado, bem como de entidades concessionárias que exerçam
poderes de autoridade, consultadas sobre a localização da operação urbanística, com vista
à adopção por aquela de uma decisão final, a qual pode ser favorável, favorável
condicionada ou desfavorável (artigo 13.°-A, n.º 5, 6, 7, 8 e 9, do RJUE e artigos 3.° a 8.° da
Portaria n.° 349/2008, de 5 de Maio); e

e) A dispensa da consulta, certificação, aprovação ou parecer, por entidade interna ou


externa aos municípios, dos projectos das especialidades e outros estudos, quando o
respectivo projecto seja acompanhado por termo de responsabilidade subscrito por técnico
autor de projecto legalmente habilitado que ateste o cumprimento das normas legais e
regulamentares aplicáveis, bem como da realização de vistoria, certificação, aprovação ou
parecer, pelo município ou por entidade exterior, sobre a conformidade da execução dos
projectos das especialidades e outros estudos com o projecto aprovado ou apresentado,
mediante emissão do termo de responsabilidade por técnico legalmente habilitado para
esse efeito, de acordo com o respectivo regime legal, que ateste essa conformidade, sem
prejuízo da verificação aleatória dos referidos projectos e da sua execução (artigo 13.°-A,
n.os 8, 9 e 10, do RJUE, na redacção do Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março).
Pretendemos apresentar, neste número, os traços fundamentai do procedimento
administrativo das licenças urbanísticas. Para esse efeito, agruparemos os actos e
formalidades tendentes à formação da licença das operações urbanísticas em três fases: a
fase preparatória, a fase constitutiva e a fase de integração da eficácia 104. Trata-se de uma
arrumação clássica dos actos e formalidades de acordo com a função que desempenham
no procedimento, cuja paternidade pertence a Aldo Sandulli, e que foi divulgada, entre nós,
por Rogério Soares.
104
Sobre o procedimento de licença no regime jurídico da urbanizaçao e da edificação, na versão
anterior à Lei n.° 60/2007, cfr. ANDRÉ FOLQUE, p. 113-149, o qual arruma os actos e
formalidades que compõem aquele procedimento em cinco fases: a fase da iniciativa e apreciação
liminar, a fase das consultas externas, a fase da apreciação dos projectos de edificação (de
arquitectura e das especialidades), a fase da deliberação ou decisão final e a fase da integração da
eficácia.

Fase preparatória
Compõem a fase preparatória todos os actos destinados a preparar o “ambiente” em
que surge o acto principal e que exercem a função de pressuposto deste, ou seja, como
sublinha Rogério Soares, citando Aldo Sandulli, “todos os actos que se destinam a criar
uma situação relevante para o direito em cujo seio podem realizar-se os elementos
constitutivos”.
Surgem-nos, nesta fase, os actos de iniciativa e de apreciação liminar, bem como os
actos de instrução.

a) Iniciativa e apreciação liminar


A iniciativa ou a colocação em marcha do procedimento de licença de uma operação
urbanística tem lugar mediante requerimento, apresentado com recurso a meios
electrónicos e através do sistema informático próprio do município, dirigido ao presidente da
câmara municipal, com a identificação do requerente, incluindo o seu domicílio ou sede,
bem como com a comprovação da sua legitimidade, através da “indicação da qualidade de
titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística”
(artigo 9.°, n.º 1, do RJUE). O requerimento deve igualmente conter a indicação do pedido
ou objecto em termos claros e precisos e identificar o tipo de operação urbanística sujeita a
licença, a realizar por referência ao disposto no artigo 2.° do RJUE, bem como a respectiva

41
localização (artigo 9.°, n.º 2, do RJUE).
Com a apresentação do requerimento para licenciamento por via electrónica deve ser
emitido recibo, entregue por via igualmente electrónica, o qual deve conter a identificação
do gestor do procedimento, bem como a indicação do local, do horário e da forma pelo qual
poderá ser contactado (artigos 8.°, n.º 4, e 9.°, n.º 6, do RJUE).
No requerimento pode o interessado solicitar a indicação das entidades que, nos termos
da lei, devam emitir parecer, autorização ou aprovação relativamente ao pedido
apresentado, indicação essa que lhe deve ser fornecida no prazo de 15 dias, salvo se
existirem fundamentos para a rejeição liminar do pedido, nos termos que um pouco adiante
se explicitarão (artigo 9.°, n.° 7, do RJUE).
A perfeição do requerimento inicial exige que o mesmo seja acompanhado de vários
elementos, referidos nos artigos 9.° e 10.° do RJUE e no artigo 74.° do Código do
Procedimento Administrativo, a saber: a designação do órgão administrativo a que se dirige;
a identificação do requerente, através da indicação do nome, estado, profissão e residência
ou sede; a comprovação da legitimidade do requerente; a indicação do pedido ou objecto
em termos claros e precisos e a identificação do tipo de operação urbanística sujeita a
licença, a realizar por referência ao disposto no artigo 2.° do RJUE, bem como a respectiva
localização; os elementos instrutores referenciados nos n. os 7.°, 9.°, 11.°, 13.° e 16.° da
Portaria n.° 232/2008, de 11 de Março (regulamento este emitido com base na habilitação
constante do artigo 9.°, n.° 4, do RJUE); e o termo de responsabilidade, a que se refere o
artigo 10.° do RJUE.
Este último elemento reclama alguns desenvolvimentos. O termo de responsabilidade,
que deve acompanhar os requerimentos de licença (e também a comunicação prévia, como
veremos infra), consiste na declaração dos autores dos projectos, da qual conste que foram
observadas na elaboração dos mesmos as normas legais e regulamentares aplicáveis,
designadamente as normas técnicas de construção em vigor, bem como na declaração do
coordenador dos projectos, na qual ateste a compatibilidade entre os mesmos. Nas
mesmas declarações deve ainda ser atestada a conformidade do projecto com os planos
municipais de ordenamento do território aplicáveis à pretensão, bem como com a licença de
loteamento, quando exista (artigo 10.°, n.os 1 e 2, do RJUE).
O termo de responsabilidade, com o conteúdo assinalado, tem a função de dispensar os
órgãos municipais de controlar a observância das regras técnicas de construção
(estabilidade, estruturas resistentes, comportamento térmico, isolamento acústico,
qualidade dos materiais, etc.), com consequências benéficas na simplificação e aceleração
do procedimento de licença. O legislador, ao instituir e ao exigir a apresentação do termo de
responsabilidade, confiou em que os autores dos projectos e o coordenador dos projectos,
dotados das qualificações profissionais legalmente exigidas, cumprem as regras da expe-
riência e do conhecimento da arte (leges artis), sob pena de responderem civil, disciplinar e
criminalmente (cfr. o artigo 277.° do Código Penal, que prevê um crime de perigo comum
relativo à infracção das regras de boa construção).
O termo de responsabilidade, com o conteúdo e o sentido assinalados, constitui, nas
palavras de PEDRO GONÇALVES, uma expressão do fenómeno da “privatização de
responsabilidades públicas e de activação das responsabilidades privadas”, no âmbito dos
procedimentos de autorização prévia dos poderes públicos. De facto, por efeito do termo de
responsabilidade, a tarefa de fiscalização ex ante da observância das regras técnicas de
construção é devolvida e confiada a peritos contratados pelo interessado (in casu, os
autores e coordenadores dos projectos), estando-se, por isso, em face de um sistema de
controlo e certificação por terceiro: third party certification. Isto mesmo resulta claramente do
artigo 20.°, n.º 8, do RJUE, nos termos do qual “as declarações de responsabilidade dos
autores dos projectos das especialidades e outros estudos que estejam inscritos em
associação pública constituem garantia bastante do cumprimento das normas legais e
regulamentares aplicáveis aos projectos, excluindo a sua apreciação prévia [...].
A apresentação do termo de responsabilidade subscrito por técnico autor de projecto
legalmente habilitado que ateste o cumprimento das normas legais e regulamentares
aplicáveis, designadamente as identificadas nos n.os 1 e 2 do artigo 10.° do RJUE, tem

42
também como consequência a inexigência de consulta, certificação, aprovação ou parecer,
por entidade interna ou externa aos municípios, dos projectos das especialidades e outros
estudos. E a emissão de termo de responsabilidade por técnico legalmente habilitado para
esse efeito, de acordo com o respectivo regime legal, que ateste a conformidade de
execução dos projectos das especialidades e outros estudos com o projecto aprovado ou
apresentado tem ainda como efeito a dispensa da realização de vistoria, certificação,
aprovação ou parecer, pelo município ou por entidade exterior, sobre a referida
conformidade (artigo 13.°, n.os 8 e 9, do RJUE, na versão do Decreto-Lei n.° 26/ /2010, de
30 de Março).
Ainda sobre o requerimento, importa referir que o autor do mesmo pode entregar com
ele os pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos, desde que os tenha
solicitado previamente às entidades externas ao município, não havendo lugar a nova
consulta, desde que, até à data da apresentação de tal requerimento na câmara municipal,
não haja decorrido mais de um ano desde a emissão dos pareceres, autorizações ou
aprovações emitidos ou desde que, caso tenha sido esgotado este prazo, não se tenham
verificado alterações dos pressupostos de facto ou de direito em que os mesmos se
basearam (artigo 13.°-B, n.º 1, do RJUE). A utilização desta faculdade pelo requerente
possibilita, assim, a abreviatura do período de instrução da decisão.
De realçar, ainda, que o pedido de licenciamento corporizado no requerimento deve ser
publicitado sob a forma de aviso, segundo o modelo respectivo aprovado pela Portaria n.º
216-C/2008, de 3 de Março, a colocar no local de execução da operação de forma visível da
via pública, no prazo de 10 dias a contar da apresentação do requerimento inicial (artigo
12.° do RJUE). A publicitação do pedido de licenciamento (e também da comunicação
prévia) tem como finalidade possibilitar a qualquer interessado a solicitação de informações
e a apresentação de reclamações sobre o pedido em apreciação na câmara municipal,
construindo um virtuoso instrumento potenciador da participação dos particulares, sejam
eles vizinhos do terreno onde vai ser realizada a operação urbanística, quaisquer cidadãos
no gozo dos seus direitos civis e políticos ou associações e fundações defensoras dos
interesses difusos do ordenamento do território, do urbanismo e do ambiente. De salientar
que o n.º 5 do artigo 110.° do RJUE impõe à câmara municipal a fixação, no mínimo, de um
dia por semana para que os serviços municipais competentes estejam especificamente à
disposição dos cidadãos para a apresentação de eventuais pedidos de esclarecimento ou
de informação ou reclamações.
Apresentado o requerimento, com os elementos anteriormente referidos, tem lugar a
apreciação liminar, da competência do presidente da câmara municipal, por sua iniciativa ou
por indicação do gestor do procedimento (artigo 11.°, n.º 1, do RJUE). O presidente da
câmara municipal pode delegar nos vereadores, com faculdade de subdelegação, ou nos
dirigentes dos serviços municipais a competência para praticar os actos que integram a
apreciação liminar (artigo 11.°, n.º 10, do RJUE). A referida apreciação liminar consiste na
decisão das questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conhecimento
do pedido de licenciamento (ou da comunicação prévia), isto é, no saneamento dos pedidos
de licenciamento (ou das comunicações prévias) deficientemente instruídos ou
manifestamente insusceptíveis de deferimento.
A mesma pode desembocar em dois tipos de despachos. Ou num despacho de
aperfeiçoamento do pedido, no prazo de oito dias a contar da respectiva apresentação,
sempre que o requerimento (ou comunicação prévia) não contenha a identificação do
requerente (ou do comunicante), do pedido ou da localização da operação urbanística a
realizar, bem como no caso de faltar documento instrutório exigível que seja indispensável
ao conhecimento da pretensão e cuja falta não possa ser oficiosamente suprida (artigo 11.°,
n.º 2). O requerente (ou o comunicante) deve corrigir ou completar o pedido, no prazo de 15
dias, ficando suspensos os termos ulteriores do procedimento, sob pena de rejeição liminar
(artigo 11.°, n.º 3, do RJUE). Ou num despacho de rejeição liminar, proferido pelo
presidente da câmara municipal, oficiosamente ou por indicação do gestor do procedimento,
no prazo de 10 dias a contar da apresentação do pedido (ou da comunicação prévia),
quando da análise dos elementos instrutórios resultar que o pedido é manifestamente

43
contrário às normas legais ou regulamentares aplicáveis (artigo 11.°, n.º 4, do RJUE).
O despacho de aperfeiçoamento tem lugar, assim, quando as deficiências ou as lacunas
sejam susceptíveis de ser supridas. Por sua o despacho de rejeição liminar ocorre quando
os defeitos do pedido forem de tal modo graves que sejam insusceptíveis de suprimento em
termos de só poderem ser ultrapassados com a apresentação de um novo pedido (ou
comunicação prévia).
No caso de não ocorrer rejeição liminar, nem convite para corrigir ou completar o pedido
(ou comunicação prévia), dentro dos prazos assinalados, presume-se que o requerimento
(ou a comunicação prévia) se encontra correctamente instruído e, por isso, o procedimento
pode seguir os seus termos (artigo 11.°, n.º 5, do RJUE). Repare-se, no entanto, que a não
emissão, neste momento procedimental, de um despacho de rejeição não preclude a
possibilidade de este ser proferido em qualquer outro momento, até à decisão final, sempre
que surjam ou venham a ser conhecidos factos ou elementos que o fundamentem. Um tal
princípio está plasmado no artigo 11.°, n.º 6, do RJUE, onde se determina que “o gestor do
procedimento deve dar a conhecer ao presidente da câmara municipal, até à decisão final,
qualquer questão que prejudique o desenvolvimento normal do procedimento ou impeça a
tomada de decisão sobre o objecto do pedido, nomeadamente a ilegitimidade do requerente
e a caducidade do direito que se pretende exercer”.

b) Instrução

A instrução coenvolve, segundo ROGÉRIO SOARES, “um conjunto de diligências


destinadas, primeiro a pôr diante do agente um esquema articulado dos vários interesses
que constituem uma dada situação de interesse público e, depois, facilitar a avaliação do
peso relativo deles, de modo a apontar para uma sua hierarquização. É assim que o agente,
na posse gradual dum interesse público concretamente determinado e captado vivo na
interpenetração das tensões que o significam — está em condições de eleger o conteúdo
do acto principal”. O objectivo precípuo da instrução é a averiguação e a recolha dos factos
ou dos materiais necessários à decisão final.
No caso específico do procedimento de licença, os momentos instrutórios direccionados
à averiguação e à recolha dos factos ou materiais necessários à adopção de uma decisão
de deferimento ou indeferimento da licença encontram-se fundamentalmente nos elementos
instrutórios que acompanham o requerimento, anteriormente indicados, nos pareceres,
autorizações ou aprovações sobre o pedido emitidos por entidades externas ao município,
nos pareceres, aprovações ou autorizações da Administração Central, directa ou indirecta,
do sector empresarial do Estado, bem como de entidades concessionárias que exerçam
poderes de autoridade sobre a localização da operação urbanística e nas consultas
públicas, em certos tipos de operações de loteamento.
Vamos adiantar, nas linhas subsequentes, alguns esclarecimentos complementares
sobre estas três espécies de elementos instrutórios, mormente sobre os indicados em
primeiro e segundo lugares - que se encontram em todos os procedimentos gerais de
operações urbanísticas (procedimento de licença e procedimento de comunicação prévia).
Deixaremos, por isso, de lado — pelo menos, por agora - os elementos instrutórios
aplicáveis apenas aos procedimentos especiais de operações urbanísticas, regulados nos
artigos 38.° e 39.° do RJUE.
Os pareceres, autorizações ou aprovações sobre o pedido, isto é, sobre os aspectos
caracterizadores da operação urbanística, com a exclusão da sua localização, como sejam,
no caso de obras de edificação, o projecto de arquitectura e os projectos das
especialidades, surgem no âmbito das denominadas consultas a entidades externas ao
município cujo travejamento jurídico está condensado no artigo 13.° do RJUE. Tais
pareceres, autorizações ou aprovações de entidades exteriores ao município, exigíveis para
a realização de operações urbanísticas, em função do tipo ou natureza das operações a
realizar, visam a tutela de interesses públicos diferenciados no âmbito do controlo prévio
das operações urbanísticas que não tenham sido objecto de ponderação no plano, ou por
falta deste114 ou por falta de densidade do plano existente para acautelar interesses que

44
apenas as soluções de projecto permitem avaliar ou, ainda, porque o legislador entendeu
dever excluir determinado interesse do âmbito de ponderação do plano, atribuindo-lhe uma
relevância autónoma no procedimento de controlo prévio de determinadas operações
urbanísticas.
O sistema previsto no artigo 13.°, n.º 1, do RJUE, nos termos do qual a consulta às
entidades que, nos termos da lei, devam emitir parecer, autorização ou aprovação sobre o
pedido é promovida pelo município, através do gestor do procedimento, sendo efectuada
em simultâneo, por meio do sistema informático, é um sistema de “guichet único”, em que o
requerente da licença se relaciona com uma única entidade, o município, que, por sua vez,
age como sua interlocutora com outras entidades. Ele tem, por isso, subjacente um salutar
objectivo de simplificação do procedimento do licenciamento das operações urbanísticas. E
é graças a este sistema que a licença da operação urbanística em que desemboca o
procedimento desempenha uma função federadora ou de síntese de todas as autorizações
e aprovações de diferentes entidades exigidas por lei para cada uma das operações
urbanísticas.
114
É o que sucede com o parecer prévio favorável da CCDR exigido pelo artigo 42.° do RJUE
para o licenciamento de operação de loteamento que se realize em área não abrangida por plano
municipal de ordenamento do território, o qual se destina a avaliar a operação de loteamento do
ponto de vista do ordenamento do território e a verificar a sua articulação com os instrumentos de
desenvolvimento territorial previstos na lei (n. os 1 e 2 do artigo 42.°). O referido parecer, que deve ser
emitido pela CCDR no prazo de 20 dias a contar da disponibilização do processo, considerando-se
como tendo um conteúdo favorável se não for recebido pelo município dentro deste prazo - caduca
no prazo de dois anos, salvo se, dentro desse prazo, for licenciada a operação de loteamento ou,
uma vez esgotado, não existirem alterações nos pressupostos de facto e de direito em que se fun-
damentou (suspendendo-se, porém, este prazo, no caso de intimação judicial para a prática de acto
legalmente devido) - artigo 42.°, n.os 3 e 4, do RJUE.

As entidades exteriores ao município consultadas para a emissão de parecer,


autorização ou aprovação sobre o pedido de licenciamento da operação urbanística devem
pronunciar-se exclusivamente no âmbito das suas atribuições e competências, o que
significa que vigora o princípio da especialidade das entidades consultadas (artigo 13.°, n.°
3, do RJUE). Daí que o parecer negativo ou a recusa de autorização ou de aprovação só
vinculem o município se for respeitado o princípio da especialidade das entidades
consultadas, devendo ser considerados inoponíveis ao município as consultas que versem
sobre matérias estranhas às atribuições e competências daquelas entidades.
As entidades consultadas devem pronunciar-se no prazo de 20 dias a contar da data da
disponibilização do processo, considerando-se haver concordância daquelas entidades com
a pretensão formulada se os respectivos pareceres, autorizações ou aprovações não forem
recebidos dentro daquele prazo (artigos 13.°, n.os 4 e 5, e 15.°-A, n.° 3 do RJUE).
Especificamente quanto aos pareceres, interessa sublinhar que, quando a lei exigir a
sua solicitação a propósito da licença de determinadas operações urbanísticas, são os
mesmos obrigatórios. E são múltiplos os casos em que a lei impõe a solicitação de parecer
no procedimento de licença (ou de comunicação prévia) de operações urbanísticas.
Diferente é a natureza vinculativa ou não vinculativa de tais pareceres. A regra é a de
que os pareceres emitidos no procedimento de licença (ou de comunicação prévia) não têm
de ser seguidos pelo órgão competente para a decisão, não assumindo, por isso, um
carácter vinculativo, na esteira, aliás, do que dispõe o artigo 98.°, n.º 2, do Código do
Procedimento Administrativo. A norma do n.º 6 do artigo 13.° do RJUE define, no entanto,
três condições cumulativas para que os pareceres revistam natureza vinculativa: que a lei
lhes confira expressamente tal atributo; que se fundamentem em condicionamentos legais
ou regulamentares, isto é, que os pareceres tenham como conteúdo uma pronúncia sobre
condicionalismos legais ou regulamentares da pretensão urbanística; e que sejam recebidos
pela entidade que os solicitou dentro do referido prazo de 20 dias.
Note-se, porém, que, na generalidade dos casos, estes pareceres, mesmo quando a lei
os qualifica como vinculativos, apenas o são quando assumem um conteúdo negativo, caso

45
em que o órgão competente para a emissão da licença é obrigado a indeferir este acto, sob
pena de nulidade do mesmo [artigos 24.°, n.° 1, alínea c), e 68.°, alínea c), do RJUE]. Não
assim, quando o parecer reveste um conteúdo positivo, pois, em tal hipótese, o órgão
competente do município pode indeferir o pedido de licenciamento, com base em
fundamentos diferentes dos do parecer positivo. Resulta do exposto que os pareceres de
que vimos falando são, ao fim e ao cabo, verdadeiros pareceres conformes, que são
vinculantes apenas num sentido: o de que impedem uma decisão positiva (in casu, o
deferimento da licença) se o parecer for negativo, mas não impedem uma decisão negativa
(o indeferimento da licença) se o parecer for positivo.
Sublinhe-se, por último, quanto aos pareceres, que os pareceres expressos (positivos
ou negativos) que sejam emitidos por órgãos da Administração Central no âmbito dos
procedimentos de licença (ou de comunicação prévia) podem ser objecto de impugnação
administrativa autónoma, devendo esta ser decidida no prazo de 30 dias, findo o qual se
considera tacitamente deferida (artigo 114.°, n.os 1 e 2, do RJUE).
A Lei n.° 60/2007 aditou, no contexto das suas alterações ao RJUE, o artigo 13.°-A, que
disciplina os pareceres, aprovações ou autorizações em razão da localização da operação
urbanística. No pórtico da entrada da breve análise do regime jurídico das consultas
externas solicitadas no âmbito do artigo 13.°-A do RJUE, importa inscrever que se lhes
aplicam vários dos aspectos do regime das consultas externas constantes do artigo 13.°,
tais como o princípio da especialidade das entidades consultadas, o sentido da não
recepção dos pareceres, autorizações ou aprovações dentro daquele prazo e as condições
em que os pareceres revestem natureza vinculativa. Quanto ao prazo para a pronúncia das
entidades da Administração Central, directa ou indirecta, do sector empresarial do Estado,
bem como de entidades concessionárias que exerçam poderes de autoridade, que se
devam pronunciar sobre a operação urbanística em razão da localização, o artigo 13.°-A, n.º
3, do RJUE determina que o mesmo é, em regra, de 20 dias. Mas acrescenta-lhe duas
notas: a de que nunca há lugar à suspensão do procedimento; e a de que aquele prazo é
de 40 dias, nos casos de obra relativa a imóvel de interesse nacional ou de interesse
público e de operações urbanísticas a realizar em área integrada na Rede Natura 2000, nos
termos do Decreto-Lei n.° 140/99, de 24 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.° 49/2005, de
24 de Fevereiro, ou em área integrada na Rede Nacional de Áreas Protegidas, nos termos
do n.º 7 do artigo 23.° do Decreto-Lei n.° 142/2008, de 24 de Julho, sempre que a emissão
de parecer aí prevista se inclua em algum dos pedidos ou procedimentos previstos neste
diploma [artigo 13.°-A, n.º 4, alíneas a) e b), do RJUE].
O artigo 13.°-A do RJUE veio criar uma entidade coordenadora das intervenções de
entidades da Administração Central, directa ou indirecta, do sector empresarial do Estado,
bem como de entidades concessionárias que exerçam poderes de autoridade, que devam
ser consultadas sobre a operação urbanística em razão da sua localização. Essa entidade
coordenadora é a CCDR territorialmente competente. Neste sentido, o artigo 13.°, n.º 2, do
RJUE estabelece que, nos casos daquelas consultas, o gestor do procedimento comunica o
pedido, com identificação das entidades a consultar, à CCDR. E, na mesma linha, o artigo
13.°-A, n.º 1, do RJUE determina que a consulta das entidades que se devam pronunciar
sobre a operação urbanística em razão da localização “é efectuada através de uma única
entidade coordenadora, a CCDR territorialmente competente, a qual emite uma decisão
global e vinculativa de toda a administração central”.
Neste contexto, a CCDR identifica, no prazo de cinco dias a contar da recepção dos
elementos através do sistema informático entidades que nos termos da lei devam emitir
parecer, aprovação ou autorização de localização, promovendo dentro daquele prazo a res-
pectiva consulta, a efectivar em simultâneo e com recurso ao referido sistema informático
(artigo 13.°-A, n.° 2). No caso de não existirem posições divergentes entre as entidades
consultadas, a CCDR toma a decisão final no prazo de cinco dias a contar do fim do prazo
que as entidades consultadas têm para se pronunciar (artigo 13.°-A, n.° 5). Mas na hipótese
de existirem posições divergentes entre as entidades consultadas, a CCDR deve promover
uma conferência decisória e tomar a decisão final, que pode ser favorável, favorável
condicionada ou desfavorável, no prazo de 20 dias (artigo 13.°-A, n.° 6).

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O subprocedimento de consulta das entidades que se devam pronunciar sobre a
operação urbanística em razão da localização, disciplinado no artigo 13.°-A do RJUE, e que
foi desenvolvido pela Portaria n.° 349/2008, de 5 de Maio [emitida ao abrigo da habilitação
legal constante do n.° 11 (anteriormente ao Decreto-Lei n.° 26/2010, n.° 10) daquele artigo
13.°-A], teve como móbil a simplificação do procedimento de licença das operações
urbanísticas, mas sobram dúvidas sobre se a instituição daquele subprocedimento,
enxertado no procedimento de licença (ou comunicação prévia), na medida em que o
desloca da esfera municipal e o transfere para a CCDR , nao aumentou a complexidade e a
carga burocrática do procedimento de licença (ou comunicação prévia).
O terceiro momento instrutório que queremos referir é o da consulta pública, referida no
artigo 22.° do RJUE. Nela também podem ser colhidos importantes elementos a avaliar e a
ponderar na decisão a adoptar no procedimento de licença. Como já tivemos oportunidade
de adiantar noutra altura, os municípios podem determinar, através de regulamento
municipal, a prévia sujeição a discussão pública de operações de loteamento com
significativa relevância urbanística (artigo 22.°, n.° 1, do RJUE). De acordo com este
normativo, a prévia sujeição a discussão ou consulta pública do licenciamento de operações
urbanísticas está dependente da vontade do município, cabendo, além disso, no campo da
discricionaridade do município a definição das operações de loteamento cujo licenciamento
está subordinado a prévia discussão pública. A norma do n.° 2 do artigo 22.° do RJUE
determina, porém, a obrigatoriedade da sujeição a prévia consulta pública das operações de
loteamento que exceda algum dos seguintes limites: 4 ha; 100 fogos; ou 10% da população
do aglomerado urbano em que se insira a loteamento.

Fase constitutiva

E esta a fase em que se produz o “acto principal” ou, melhor, o acto típico a que se
dirige o procedimento, no caso concreto que está a ocupar o nosso espírito, a deliberação
ou decisão final de deferimento (ou de indeferimento) do pedido de licenciamento, a qual,
no caso de ter aquele conteúdo, consubstancia a licença para a realização da operação
urbanística. Trata-se da fase em que, como sublinha Rogério Soares, após terminados os
momentos instrutórios se desenvolvem todos os actos que implicam o cumprimento do tipo
legal. Ainda segundo este mesmo autor, na fase constitutiva vai o órgão administrativo
aproveitar e manusear os elementos fornecidos pela instrução para com eles e a partir
deles determinar o conteúdo do acto.
Na fase constitutiva do procedimento de licença encontramos como momentos
marcantes: a apreciação dos projectos de obras de edificação e a aprovação do projecto de
arquitectura; a apreciação dos projectos de loteamento, de obras de urbanização e
trabalhos de remodelação de terrenos; e a deliberação ou decisão final de licenciamento.

a) Apreciação dos projectos de obras de edificação e aprovação do projecto de


arquitectura

Nos casos em que o pedido de licenciamento tiver como objecto a realização de obras
de edificação, constitui elemento determinante da apreciação do município o projecto de
arquitectura, o qual nos aparece autonomizado, no âmbito da actividade global da
elaboração do projecto de edificação, a partir do regime jurídico do licenciamento de obras
particulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 445/91. A apreciação pelo município
desta peça central dos elementos instrutórios do procedimento de licença (e da
comunicação prévia) incide, de acordo com o artigo 20.°, n.° 1, do RJUE, sobre a sua
conformidade com os planos municipais de ordenamento do território, os planos especiais
de ordenamento do território, as medidas preventivas, as áreas de desenvolvimento urbano
prioritário e de construção prioritária, as servidões administrativas, as restrições de utilidade
pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares relativas ao aspecto exterior,
sobre a inserção urbana e paisagística das edificações e sobre o uso proposto dessas
mesmas edificações.

47
No sentido de diminuir o espaço de discricionaridade de apreciação decorrente da
utilização pela mencionada norma do conceito impreciso-tipo “inserção urbana e
paisagística” das edificações, o n.° 2 do artigo 20.° do RJUE adianta que “a apreciação da
inserção urbana das edificações é efectuada na perspectiva formal e funcional, tendo em
atenção o edificado existente, bem como o espaço público envolvente e as infra-estruturas
existentes e previstas”. Esta norma não consegue, porém, eliminar totalmente a margem de
discricionaridade de apreciação da câmara municipal, não só porque o juízo sobre a “boa”
ou “má” inserção urbana tem de caber necessariamente ao órgão decisor, como ainda
porque a lei cala qualquer definição sobre a amplitude do “edificado existente”, do “espaço
público envolvente” e das “infra-estruturas existentes e previstas” que servem de referência
àquele juízo de “correcta” ou “incorrecta” inserção urbana da obra de edificação.
O RJUE fixa, no n.º 3 do artigo 20.°, um prazo para a câmara municipal deliberar sobre
o projecto de arquitectura, devendo a deliberação incidente sobre o projecto de arquitectura
ser notificado ao interessado (artigo 20.°, n.º 4, do RJUE). Esse prazo é de 30 dias,
contados ou da data da recepção do pedido ou dos elementos solicitados, nos termos do
artigo 11.°, n.º 3, do RJUE, para corrigir ou completar o pedido; ou da data da recepção do
último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao
município, quando tenha havido lugar a consultas; ou ainda do termo do prazo para a
recepção dos pareceres, autorizações ou aprovações, sempre que alguma das entidades
consultadas não se pronuncie até essa data [artigo 20.°, n.º 3, alíneas a), b) e c), do RJUE].
O acto que aprovar o projecto de arquitectura — expressão utilizada na norma do n.º 4
do artigo 20.° do RJUE — é notificado ao interessado, para efeitos de apresentação por
este dos projectos das especialidades e outros estudos necessários à execução da obra no
prazo de seis meses a contar da notificação, caso não tenha apresentado tais projectos
com o requerimento inicial (artigo 20.°, n.º 4, do RJUE). Este prazo pode, no entanto, ser
prorrogado pelo presidente da câmara por uma só vez, e por período não superior a três
meses, mediante requerimento fundamentado apresentado antes do respectivo termo
(artigo 20.°, n.° 5, do RJUE). A falta de apresentação dos projectos das especialidades e
outros estudos no prazo anteriormente indicado ou naquele que resultar da prorrogação
concedida nos termos acabados de referir implica a suspensão do procedimento de
licenciamento pelo período máximo de seis meses, findo o qual é declarada a caducidade
do procedimento, após audiência prévia do interessado (artigo 20.°, n.° 6, do RJUE).
Como já dissemos um pouco mais atrás, não há lugar à apreciação prévia dos projectos
das especialidades, constituindo as declarações de responsabilidade dos autores destes
projectos que estejam inscritos em associação pública garantia bastante do cumprimento
das normas legais e regulamentares aplicáveis aos mesmos (artigo 20.°, n.° 8, do RJUE).
Tem sido vivamente debatida a questão da natureza jurídica do acto de aprovação do
projecto de arquitectura e, a ela intimamente associada, a da sua impugnabilidade
contenciosa imediata.
A discussão apresenta os seguintes contornos: o acto de aprovação do projecto de
arquitectura é um mero acto preparatório do acto final do procedimento - constituído pela
deliberação ou decisão de licenciamento -, sem autonomia funcional e sem imediata
eficácia lesiva, sendo, por isso, insusceptível de impugnação contenciosa imediata? Ou é,
ao invés, um acto constitutivo de direitos para o requerente, capaz de produzir efeitos
externos e de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, podendo,
assim, por estes ser imediatamente impugnado?
A jurisprudência administrativa vem entendendo, de modo reiterado e constante, ainda
que com algumas flutuações argumentativas, que o acto de aprovação do projecto de
arquitectura, sendo embora condicionante do prosseguimento da instrução para recolha e
elaboração de novos projectos e elementos auxiliares da decisão final, “é um acto
preliminar, que tem apenas uma função instrumental e pré-ordenada à produção do acto
final-principal, definidor e constitutivo do licenciamento de obra”. Ainda segundo a mesma
jurisprudência, aquele acto “está finalisticamente orientado na preparação do acto final de
licenciamento, esgotando-se nessa vocação auxiliar, com ausência de autonomia funcional
para, por si próprio e desde logo, ter eficácia lesiva e imediata da esfera jurídica dos contra-

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interessados no licenciamento”, pelo que não pode ser contenciosamente impugnado.
Entendemos, porém, na esteira do que escrevemos no Volume I deste Manual, e na linha
do que vem sendo defendido por alguma doutrina, bem como pela jurisprudência, que a
aprovação do projecto de arquitectura de uma obra de edificação é um verdadeiro acto
administrativo, embora um acto administrativo prévio, que se pronuncia de modo final e
vinculativo para a Administração sobre um conjunto de requisitos constantes da lei (artigo
20.°, n.° 1, do R.JUE). A verificação dos requisitos constantes desta disposição legal, a que
nos referimos um pouco mais acima, fica definitivamente decidida, tomando-se, por isso, o
acto que aprovou o projecto de arquitectura (artigo 20.°, n.° 4, do RJUE), em relação a tais
aspectos, constitutivo de direitos para o requerente do licenciamento (no sentido de que ele
tem o direito a que esses aspectos não voltem a ser postos em causa no decurso do
procedimento) e vinculativo para a câmara municipal no momento da deliberação final sobre
o pedido de licenciamento 126.
126
Cfr., a este propósito, o Acórdão da l. a Secção do TCAS de 28 de Outubro de 2009,
Proc. n.° 4110/08, em cujo sumário se pode ler, entre o mais, o seguinte: “1. Relativamente aos
requisitos referidos no art. 20.°, n.° 1, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, sobre que
incide a apreciação do projecto de arquitectura, a pronúncia da Administração é final e vinculativa. 2.
Por isso, embora a aprovação do projecto de arquitectura seja acto prévio do procedimento de licen-
ciamento de obras de edificação, ela define determinados elementos que o acto final do
procedimento tem de acolher”.
No mesmo sentido, o Acórdão da l.a Secção do mesmo Tribunal de 28 de Outubro de 2009, Proc.
n.° 4399/08, sublinhou, inter alia, que “a aprovação do projecto de arquitectura configura um acto
constitutivo de direitos, na subcategoria dos actos prévios, sem efeitos permissivos, que, no tocante à
posição pretensiva final inerente ao procedimento de licenciamento, aprecia de forma completa todos
os aspectos relativos | arquitectura (a estrutura da obra, a respectiva implantação, a sua inserção na
envolvente, a respectiva cércea, alinhamento, o respeito das condicionantes dos planos em vigor,
etc.)”.

O carácter constitutivo de direitos para o requerente do licenciamento da aprovação do


projecto de arquitectura torna-se mais claro se recensearmos os direitos constituídos na
esfera do particular que viu aprovado o projecto de arquitectura. O primeiro é o de ver fixado
o momento de referência para a apreciação do seu pedido: dado que as matérias
consideradas no exame do projecto de arquitectura o são em definitivo, são irrelevantes
eventuais modificações ulteriores dos parâmetros urbanísticos face aos quais é aferida pela
Administração a sua legalidade e viabilidade, em particular por efeito das alterações, revi-
sões ou suspensões dos instrumentos de planeamento territorial que os definem. E certo
que essas modificações podem ocorrer. Todavia, como sublinhámos no Volume I deste
Manual, no caso de a licença não poder ser concedida, por ter, entretanto, entrado em vigor
um plano cujas disposições são incompatíveis com a realização da obra de edificação, tem
o beneficiário do acto de aprovação do projecto de arquitectura direito a uma
indemnização127"128.
127
Cfr. o mencionado Acórdão da l.a Secção do TCAS de 28 de Outubro de 2009, Proc. n.º
4110/08, o qual consignou, a este propósito, o seguinte: “[...] porque a questão da conformidade da
pretensão com o plano é verificada no momento da apreciação do projecto de arquitectura, é
irrelevante a alteração posterior do Plano Director Municipal para efeitos de emissão da licença de
construção, salvo se este dispuser noutro sentido”.
No mesmo sentido, o citado Acórdão da l. a Secção do TCAS de 28 de Outubro de 2009, Proc. n.º
4399/08, salientou o seguinte: “sendo o PDM um plano com eficácia plurisubjectiva, deriva da sua
natureza jurídica normativa a susceptibilidade de aplicação a situações a decidir no futuro, com
excepção da garantia do existente nos termos do art. 60.° do Regime Jurídico da Urbanização e Edi-
ficação, de posições subjectivas de direitos adquiridos antes da sua entrada em vigor e de expressa
eficácia expropriativa do PDM subsequente, com os consequentes efeitos indemnizatórios, ex vi art.
143.° do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de
Setembro)”.
128
Cfr. SUZANA TAVARES DA SILVA, Um Novo Direito Administrativo?, Coimbra, Imprensa da
Universidade de Coimbra, 2010, p. 41, a qual, referindo-se à aprovação do projecto de arquitectura,
fala de um direito ao aproveitamento do solo que “vai sendo progressivamente adquirido”, uma vez

49
que, apesar de não ser ainda apto a satisfazer a pretensão que o requerente apresentou, consolida,
todavia, “uma pronúncia que a Administração não pode revogar com fundamento em modificações do
plano, ocorridas posteriormente”, havendo um dever de indemnizar o titular do direito, sempre que se
“pretenda fazer prevalecer o conteúdo do plano sobre a decisão administrativa anterior”.
O segundo é o de poder prosseguir com o procedimento, entregando os projectos das
especialidades, se o não tiver feito antes (artigo 20.°, n.º 4, do RJUE), e o de ver iniciar-se a
contagem do prazo para a subsequente deliberação ou decisão sobre o pedido de licencia-
mento. O terceiro é o de ver decidido o pedido para a execução dos trabalhos de escavação
e contenção periférica até à profundidade do piso de menor cota do edifício projectado,
antecedidos ou não dos trabalhos de demolição do edifício que no local pré-exista, decisão
que pode ser proferida em qualquer momento após a aprovação do projecto de arquitectura
(artigo 81.°, n.º 2, do RJUE) . E o quarto é o de poder obter a aprovação de uma “licença
parcial” para a construção da estrutura, licença que pode requerer, estando aprovado o
projecto de arquitectura, “imediatamente após” a entrega de todos os projectos das
especialidades e outros estudos, desde que preste caução para demolição da estrutura até
ao piso de menor cota, em caso de indeferimento do pedido de licença (artigo 23.°, n.º 6, do
RJUE), “licença parcial” essa que dá lugar à emissão de alvará (artigo 23.°, n.º 7, do RJUE).
Se atentarmos neste núcleo de efeitos jurídicos produzidos pelo acto de aprovação do
projecto de arquitectura, incluindo o de servir como condição essencial para as três
primeiras fases de trabalho de uma construção (demolir o edifício pré-existente; proceder à
escavação correspondente às fundações do novo edifício; e erigir a estrutura deste), não
poderemos deixar de concluir pela imediata impugnabilidade contenciosa daquele acto. Na
verdade, podendo o projecto de arquitectura ser aprovado com a ofensa de regras legais e
a ofensa de direitos de terceiros, somos de opinião que quer estes, quer o Ministério Público
têm de ter a possibilidade de evitar que essa lesão se venha a consumar, através da
verificação judicial dessa ofensa. Como sublinha ANTÓNIO CORDEIRO, devem “ser
simetricamente tratadas, nas relações poligonais, a situação do beneficiário do acto prévio,
que vê constituídos direitos na sua esfera jurídica, e a situação dos terceiros a quem ele virá
a prejudicar, logo que exercidos esses direitos.
O acto prévio tem de ter a mesma externalidade de efeitos para os vários sujeitos jurídicos
envolvidos: se àquele garante uma situação de vantagem, a estes tem de, no mesmo
momento, permitir o seu re-exame judicial”.
Importa sublinhar que a tese acabada de referir foi acolhida pelo Acórdão da 1. a Secção
do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Dezembro de 2009, Proc. n.º 019/09, o qual
corporiza uma inversão, ainda que parcial, da jurisprudência do nosso órgão supremo da
justiça administrativa. Inversão meramente parcial, porquanto a impugnabilidade imediata
por um terceiro do acto de aprovação do projecto de arquitectura não foi admitida por
aquele aresto em todas as situações, mas tão-só numa determinada situação. Com efeito,
no referido aresto, o STA, confirmando o acórdão do TCAN, considerou ser imediatamente
impugnável o acto administrativo de aprovação do projecto de arquitectura apresentado
pelo “vizinho ” do interessado se for praticado no âmbito de um processo de legalização de
uma obra levada a efeito em desconformidade com um licenciamento anterior, ou seja,
quando o acto de aprovação de tal projecto de arquitectura se destina a “legalizar” uma
obra já executada sem a indispensável licença camarária.
Segundo o acórdão acima referido, o artigo 51.°, n° 1 do CPTA, nos termos do qual
“ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos
administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível
de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos” - veio consagrar o critério da
externalidade dos efeitos como elemento determinante da impugnabilidade dos actos
administrativos, ao contrário do artigo 25.°, n.° 1, da LPTA, que adoptava o critério da
definitividade. “E, efectivamente, como a apreciação do projecto de arquitectura visa aqui-
latar nomeadamente da sua conformidade com planos municipais de ordenamento do
território, planos especiais de ordenamento do território, observância de normas legais e
regulamentares relativas ao aspecto exterior e a inserção urbana e paisagística das
edificações (...), com a sua aprovação são introduzidos efeitos positivos na esfera jurídica

50
do requerente, e que podem ser lesivos de terceiro ou de interesses difusos. Na verdade,
como refere o Ministério Público no seu parecer, «para o requerente há a garantia de que
se não deixar caducar a aprovação a Administração não poderá indeferir o licenciamento
com base em imcompatibilidade legal do projecto de arquitectura», mas, «para terceiros —
lesados com a localização, com a área de implantação ou com a volumetria da obra —
significa, definitivamente, uma posição jurídica de desvantagem»”.
E prossegue o aresto que estamos a seguir de perto: “Ora, no caso que nos ocupa,
como se sublinha no acórdão recorrido e acima se viu, o acto que aprovou o projecto de
arquitectura foi praticado no âmbito de um processo de legalização de uma obra levada a
efeito em desconformidade com um anterior licenciamento, visando «legalizar» uma obra já
executada sem a indispensável licença camarária. E, como desde logo invocou a
interessada, a lesão dos seus direitos e interesses «ocorre pelo facto de a obra ter sido
implantada no preciso local em que o foi, isto é, demasiado próximo da moradia da
recorrente não permitindo um correcto arejamento, iluminação natural e exposição à luz
solar, cfr. art. 58.° do RGEU». Lesão que é actual, e que se manterá se, e enquanto, a obra
não vier a ser demolida, pois que a legalidade de tal implantação foi definida pelo acto
administrativo impugnado. Por outro lado, uma tal matéria já não voltará a ser apreciada no
âmbito do procedimento administrativo de licenciamento da obra, e daí a produção de
efeitos externos que afectam de modo decisivo a esfera jurídica da recorrente. E, se é certo
que, por força do n.° 3 do art. 51.° do CPTA, a não impugnação do acto intermédio não
preclude a faculdade de impugnação do acto final, a possibilidade de impugnação imediata
constitui um evidente interesse”.

b) Apreciação dos projectos de loteamento, de obras de urbanização e de trabalhos


de remodelação de terrenos

Nos casos em que o procedimento de licenciamento tiver como objecto a realização de


operações de loteamento, de obras de urbanização e de trabalhos de remodelação de
terrenos, a apreciação dos projectos destas operações urbanísticas pela câmara municipal
incide sobre a sua conformidade com planos municipais de ordenamento do território,
planos especiais de ordenamento do território, medidas preventivas, área de
desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidões administrativas,
restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares apli-
cáveis, bem como sobre o uso e a integração urbana e paisagística (artigo 21.° do RJUE).
Estes parâmetros de apreciação dos projectos de loteamento, de obras de urbanização
e de trabalhos de remodelação de terrenos são, como se vê, formalmente semelhantes aos
parâmetros de apreciação do projecto de arquitectura das obras de edificação. Mas não o
são sob o ponto de vista substancial, dado que, por exemplo, as exigências dos planos
municipais de ordenamento do território e das normas legais e regulamentares em relação
às operações de loteamento e às obras de urbanização são materialmente diferentes.
Pense-se a título exemplificativo, no que sucede com as exigências quanto aos parâmetros
para o dimensionamento das áreas destinadas pelos projectos de loteamento à implantação
de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos (artigo
43.° do RJUE).

c) A deliberação (ou decisão) final de licenciamento

Realizada a apreciação dos projectos, bem como a avaliação e a ponderação dos


interesses públicos e privados coenvolvidos, tem lugar a deliberação (ou a decisão, no caso
de ter havido delegação de poderes da câmara municipal no seu presidente ou
subdelegação deste nos vereadores) final de deferimento (ou de indeferimento) do pedido
de licenciamento da operação urbanística. Esta deliberação final de deferimento do pedido
de licenciamento consubstancia ou corporiza a licença para a realização da operação
urbanística (artigo 26.° do RJUE).
Num busquejo rápido pelos aspectos mais relevantes da deliberação final de

51
licenciamento das operações urbanísticas, vamos referir-nos, em termos breves, aos
seguintes pontos: prazos para a adopção da deliberação; fundamentos de indeferimento do
pedido de licenciamento; audiência prévia do requerente; reapreciação do pedido de licen-
ciamento; e especificações da deliberação de licenciamento de algumas operações
urbanísticas.
No tocante ao primeiro ponto, saliente-se que o artigo 23.° do RJUE consagra uma série
de prazos para a deliberação sobre o pedido de licenciamento, cujo decurso sem que a
mesma se mostre praticada origina, como melhor veremos infra, não o deferimento tácito da
pretensão, mas a possibilidade de o interessado pedir ao tribunal administrativo de círculo
da área da sede da autoridade requerida a intimação da câmara municipal para proceder à
prática do acto que se mostre devido [artigos 111.°, alínea a), e 112.° do RJUE].
Tais prazos são os seguintes: 45 dias, no caso de operação de loteamento; 30 dias, no
caso de obras de urbanização; e 45 dias, no caso de obras previstas nas alíneas c) a f) do
n.º 2 do RJUE, ou seja, nas restantes operações urbanísticas sujeitas a licença [artigo 23.°,
n.º 1, alíneas a), b) e c), do RJUE]. Os mencionados prazos para a delibera ção sobre os
pedidos de licenciamento de operações de loteamento e de obras de urbanização contam-
se ou a partir da data da recepção do pedido ou dos elementos solicitados, nos termos do
artigo 11.°, n.º 3, do RJUE, para corrigir ou completar o pedido; ou da data da recepção do
último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao
município, quando tenha havido lugar a consultas; ou, ainda, do termo do prazo para a
recepção dos pareceres, autorizações ou aprovações, sempre que alguma das entidades
consultadas não se pronuncie até essa data [artigo 23.°, n.º 3, alíneas a), b) e c), do RJUE].
Por seu lado, o prazo de 45 dias para a adopção da deliberação, nos restantes casos de
operações urbanísticas sujeitas a licença, conta-se a partir ou da data da apresentação dos
projectos das especialidades e outros estudos ou da data da aprovação do projecto de
arquitectura se o interessado os tiver apresentado juntamente com o requerimento inicial;
ou, quando haja lugar a consulta de entidades externas, a partir da data da recepção do
último dos pareceres, autorizações ou aprovações; ou, ainda, do termo do prazo para a
recepção dos pareceres, autorizações ou aprovações, sempre que alguma das entidades
consultadas não se pronuncie até essa data [artigo 24.°, n.º 4, alíneas a), b) e c), do RJUE].
Por último, quando o pedido de licenciamento de obras de urbanização for apresentado em
simultâneo com o pedido de licenciamento de operação de loteamento, o aludido prazo de
30 dias para adopção da deliberação sobre aquele pedido conta-se a partir da deliberação
que aprove o pedido de loteamento (artigo 23.º, n.º 5, do RJUE).
À contagem dos prazos assinalados aplicam-se as regras constante do artigo 72.° do
CPA, designadamente a que se refere à suspensão dos mesmos nos sábados, domingos e
feriados.
No que respeita ao segundo ponto, o artigo 24.° do RJUE consagra o denominado
princípio da taxatividade dos fundamentos de indeferimento do pedido de licenciamento, ao
qual já nos referimos no Volume I deste Manual, quando abordámos o problema da relação
entre o direito de propriedade e o vulgarmente designado “jus aedificandi”.
O significado daquele princípio é o de que a câmara municipal está vinculada aos
fundamentos de indeferimento do pedido de licenciamento enumerados no artigo 24.°,
estando-lhe vedado rejeitar um pedido por fundamentos diferentes dos dele constantes, e
não a exclusão de qualquer margem de discricionaridade daquele órgão. De facto, o
reconhecimento à câmara municipal de um certo espaço de discricionaridade na apreciação
e decisão dos pedidos de licenciamento de operações urbanísticas deve ser admitido nos
casos em que a lei utiliza o conceito de “pode” (artigos 24.°, n. os 2 e 4, e 25.°, n.° 1, do
RJUE) e, bem assim, naqueles em que recorre a “conceitos imprecisos-tipo”, como sucede
na alínea a) do n.° 2 do artigo 24.° (quando “a operação urbanística afectar negativamente o
património arqueológico, histórico, cultural ou paisagístico, natural ou edificado”) e no n.° 4
do mesmo artigo [“quando a obra seja susceptível de manifestamente afectar (...) a estética
das povoações, a sua adequada inserção no ambiente urbano ou a beleza das paisagens”].
Estes aspectos carecem de alguns desenvolvimentos. Assim, o n.° 1 do artigo 24.° do

52
RJUE indica expressamente os casos em que o pedido de licenciamento de uma operação
urbanística deve ser indeferido. Tais casos são os seguintes: quando o pedido de
licenciamento (ou a operação urbanística que se pretende ver licenciada) violar plano
municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território,
medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção
prioritária, servidão administrativa, restrição de utilidade pública ou quaisquer outras normas
legais e regulamentares aplicáveis [alínea a)]; quando existir declaração de utilidade pública
para efeitos de expropriação que abranja o prédio objecto do pedido de licenciamento, salvo
se tal declaração tiver por fim a realização da própria operação urbanística [alínea b)]; e
quando tiver sido objecto de parecer negativo ou recusa de aprovação ou autorização de
qualquer entidade consultada nos termos do RJUE cuja decisão seja vinculativa para os
órgãos municipais [alínea c)]135.
135
Sublinhe-se que, no caso de apreciação do projecto de arquitectura de obras de edificação, a
existência de parecer negativo ou recusa de aprovação ou autorização de qualquer entidade
consultada cuja decisão seja vinculativa constitui, já naquele momento, fundamento de recusa de
aprovação do projecto de arquitectura.

Em todas estas hipóteses a câmara municipal não dispõe de qualquer espaço de


discricionaridade para uma ponderação, com vista ao eventual deferimento. O artigo 24.°,
n.º 1, determina, nas suas várias alíneas, os casos em que é obrigatório o indeferimento do
pedido de licenciamento. Nem é possível o deferimento do mesmo pedido, com a aposição
de cláusulas acessórias, precisamente porque falta uma “norma de autorização formal” para
uma tal aposição. De igual modo, o artigo 24.°, n.º 5, aponta para uma obrigatoriedade, de
princípio, de indeferimento do pedido de licenciamento das obras de construção, de
alteração e de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano
de pormenor que contenha os elementos referidos nas alíneas c), d) e f) do n.º 1 do artigo
91.° do RJIGT, na ausência de arruamentos ou de infra-estruturas de abastecimento de
água e saneamento ou se a obra projectada constituir, comprovadamente, uma sobrecarga
incomportável para as infra-estruturas existentes. Todavia, este fundamento de
indeferimento pode ser superado, no momento da reapreciação do pedido, nas condições
definidas no artigo 25.° do RJUE, a que nos vamos referir daqui a pouco.
Diversamente, os n.os 2 e 4 do artigo 24.° do RJUE indicam um conjunto de
fundamentos que atribuem uma margem de discricionaridade à câmara municipal na
decisão sobre o pedido de licenciamento, a qual pode, assim, ser positiva ou negativa,
conforme a avaliação que aquele órgão venha a fazer, tendo em conta as circunstâncias
concretas da operação urbanística a licenciar. Assim, de acordo com o n.° 2 daquele artigo,
quando o pedido de licenciamento tiver por objecto a realização das operações urbanísticas
referidas nas alíneas a) a e) do n.° 2 do artigo 4.° do RJUE - ou seja, em todas as
operações urbanísticas sujeitas a licença, com excepção das “obras de demolição das
edificações que não se encontrem previstas em licença de obras de reconstrução” —, o
indeferimento pode ainda ter lugar com o fundamento em a operação urbanística afectar
negativamente o património arqueológico, histórico, cultural ou paisagístico, natural ou
edificado [alínea a)]; ou a operação urbanística constituir, comprovadamente, uma
sobrecarga incomportável para as infra-estruturas ou serviços gerais existentes ou implicar,
para o município, a construção ou manutenção de equipamentos, a realização de trabalhos
ou a prestação de serviços por este não previstos, designadamente quanto a arruamentos e
redes de abastecimento de água, de energia eléctrica ou de saneamento [alínea b)]. A atri-
buição de uma margem de discricionaridade à câmara municipal resulta quer da utilização
pela lei do conceito de “pode”, quer do recurso pela mesma a “conceitos imprecisos-tipo”
(“afectar negativamente” e “sobrecarga incomportável”).
Por seu lado, de harmonia com o n.° 4 do artigo 24.° do RJUE, quando o pedido de
licenciamento tiver por objecto a realização das obras referidas no artigo 4.°, n.° 2, alíneas
c) e d) — ou seja, obras de construção, de alteração e de ampliação em área não abrangida
por operação de loteamento ou por plano de pormenor que contenha os elementos

53
referidos nas alíneas c), d) e f) do n.° 1 do artigo 91.° do RJIGT e obras de reconstrução,
ampliação, alteração, conservação ou demolição de imóveis classificados ou em vias de
classificação, bem como dos imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados ou em
vias de classificação, e as obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração exterior
ou demolição de imóveis situados em zonas de protecção de imóveis classificados ou em
vias de classificação -, pode o mesmo ser indeferido quando a obra seja susceptível de
manifestamente afectar o acesso e a utilização de imóveis classificados de interesse
nacional ou interesse público, a estética das povoações, a sua adequada inserção no
ambiente urbano ou a beleza das paisagens, designadamente em resultado da
desconformidade com as cérceas dominantes, a volumetria das edificações e outras
prescrições expressamente previstas em regulamento”. Também esta norma confere aos
órgãos administrativos competentes um acentuado espaço de discricionaridade no
conteúdo da decisão, quer porque utiliza o conceito de “pode”, quer porque recorre a
“conceitos imprecisos-tipo” ou a “conceitos imprecisos em sentido estrito”, ou seja, a
conceitos elásticos, de natureza não descritiva, que não indicam uma classe de situações
individuais, antes expressam de modo difuso factos ou valores nos quais as situações
concretas da vida não se podem encaixar com rigor (susceptibilidade de a obra “mani-
festamente afectar a estética das povoações137, a sua adequada inserção no ambiente
urbano ou a beleza das paisagens”). É certo que a norma do artigo 24.º, n.º4, procura, in
fine, esbater a referida margem de discricionaridade, dizendo que aquela afectação resulta
designadamente da “desconformidade com as cérceas dominantes, a volumetria das
edificações e outras prescrições expressamente previstas em regulamento”. Mas não
consegue eliminar totalmente a margem de discricionaridade do órgão administrativo, desde
logo porque caberá sempre na prerrogativa do mesmo a definição do âmbito ou da
extensão das obras de edificação cuja cércea e volumetria são utilizadas como termo de
comparação com a obra objecto de licenciamento.
Quando existir projecto de decisão de indeferimento do pedido de licenciamento, deve
ter lugar a audiência prévia do requerente, nos termos dos artigos 100.° e seguintes do
CPA. Ora, é justamente no momento da audiência prévia do requerente que pode ocorrer a
reapreciação do pedido de licenciamento, tendo como consequência a transmutação de um
projecto de decisão de indeferimento numa decisão de deferimento. O regime de uma tal
reapreciação do pedido está condensado no artigo 25.° do RJUE. Assim, segundo o n.° 1
do artigo 25.° do RJUE, quando exista projecto de decisão de indeferimento com os
fundamentos referidos na alínea b) do n.° 2 e no n.° 5 do artigo 24.° — isto é, com o
fundamento de “a operação urbanística constituir, comprovadamente, uma sobrecarga
incomportável para as infra-estruturas ou serviços gerais existentes ou implicar, para o mu-
nicípio, a construção ou manutenção de equipamentos, a realização de trabalhos ou a
prestação de serviços por este não previstos, designadamente quanto a arruamentos e
redes de abastecimento de água, de energia eléctrica ou de saneamento” ou com os
fundamentos da “ausência de arruamentos ou de infra-estruturas de abastecimento de água
ou saneamento” e de “a obra projectada constituir, comprovadamente, uma sobrecarga
incomportável para as infra-estruturas existentes” pode haver deferimento pedido, desde
que o requerente, na audiência prévia, se comprometa a realizar os trabalhos necessários
ou a assumir os encargos inerentes à sua execução, bem como os encargos de
funcionamento das infra-estruturas por um período mínimo de 10 anos. A expressão “pode
haver deferimento” parece apontar no sentido de que, mesmo em face da assunção pelo
requerente dos custos das infra-estruturas e da celebração pelo mesmo do contrato a que
se refere o n.º 3 do artigo 25.°, está aberta ao município a possibilidade de indeferir o
licenciamento, com base em outros fundamentos, designadamente no caso de inexistência
de consenso sobre o traçado das infra-estruturas ou sobre o momento da sua execuação.
137
Sobre as limitações ao controlo jurisdicional no caso da avaliação estética das edificações, a
que se refere o artigo 121.° do RGEU, decidiu o Acórdão da l. a Secção do Supremo Tribunal
Administrativo de 10 de Dezembro de 1998, Proc. n.º 37572, o seguinte: “No âmbito do artigo 121.°
do RGEU, o Tribunal não pode exercer um controlo jurisdicional pleno, não podendo ir além da
dimensão garantística ou formal da decisão administrativa, aferindo-se, em especial, os aspectos

54
vinculados do acto, sem contudo ser possível ajuizar sobre a dimensão material, não podendo o
tribunal substituir pelos seus os juízos e as valorações empreendidas pela Administração, a menos
que se alegue e demonstre a existência de erro manifesto ou de utilização de critérios claramente
desadequados ao nível da integração do conceito indeterminado”.
Em sentido algo diverso, entendeu o Acórdão da l. a Secção do Supremo Tribunal Administrativo
de 23 de Novembro de 2005, Proc. n.º 1112/04, que o legislador, reportando-se aos termos «estética
das povoações», «adequada inserção no ambiente urbano» e «beleza das paisagens» [artigo 63.°,
n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.° 445/91], conceitos indeterminados, não está a entregar à
Administração poderes discricionários, mas a fixar-lhe um quadro de vinculação, podendo o tribunal
substituir pelos seus os juízos estético e adequada inserção no ambiente formulados pela entidade
administrativa, em caso de erro grosseiro ou utilização de critério manifestamente desajustado”.
A nossa discordância da doutrina que emana deste último aresto deriva, por um lado, da
negação da atribuição pelo legislador de poderes discricionários através da técnica de utilização de
conceitos imprecisos-tipo e, por outro lado, da consideração, subjacente ao acórdão, de que a
decisão adoptada pela Administração no exercício de poderes discricionários escapa totalmente ao
controlo jurisdicional. Ora, quanto a este ponto, é sabido que os tribunais administrativos podem
sindicar uma tal decisão não apenas em caso de erro manifesto de apreciação, mas tam bém quando
a mesma enferme de desvio de poder em sentido subjectivo (que consiste na divergência entre o fim
subjectivamente proposto pelo agente e o fim legalmente fixado para a respectiva decisão) ou de
desvio de poder em sentido objectivo, o qual se verifica quando a decisão adoptada viole os
princípios jurídicos fundamentais limitativos da acção administrativa (princípios de igualdade, da
proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé). Todavia, o juiz administrativo, na sua
actividade de controlo das decisões adoptadas pela Administração no âmbito do seu poder
discricionário, não pode substituir-se à Administração, mas tão-só verificar se a decisão adoptada
viola os mencionados princípios jurídicos fundamentais.

Havendo deferimento, nos termos apontados, deve o requerente, antes da emissão do


alvará, celebrar com a câmara municipal contrato relativo ao cumprimento das obrigações
assumidas e prestar caução adequada, beneficiando de redução proporcional ou isenção
das taxas por realização das infra-estruturas urbanísticas, nos termos a fixar em
regulamento municipal (artigo 25.°, n.º 3). A prestação de caução — à qual se aplica, com
as necessárias adaptações, o regime jurídico da caução destinada a garantir a boa e
regular execução das obras de urbanização, condensado no artigo 54.° do RJUE —, bem
como a execução ou manutenção das obras de urbanização que o interessado se
compromete a realizar ou a câmara municipal entenda indispensáveis devem ser
mencionadas expressamente como condição do deferimento do pedido. O n.º 6 do artigo
25.° do RJUE impõe, neste domínio, a observância do princípio da proporcionalidade, deter-
minando que os encargos a suportar pelo requerente do licenciamento ao abrigo do
contrato que vem de ser referido devem ser proporcionais à sobrecarga para as infra-
estruturas existentes resultante da operação urbanística.
Como já referimos, seguindo JORGE ALVES CORREIA, o contrato acima mencionado é,
quanto à sua natureza jurídica, um contrato com objecto passível de acto administrativo,
mais especificamente, um contrato obrigacional, por meio do qual a Administração se
compromete, no âmbito de um determinado procedimento administrativo, a praticar um acto
administrativo com um determinado conteúdo, in casu, o deferimento do pedido de
licenciamento da operação urbanística.
Reportando-nos, agora, ao último ponto, deve sublinhar-se que a deliberação de
licenciamento inclui também um conjunto de especificações relativas a determinadas
operações urbanísticas. É o que sucede com a determinação das cedências ao município
de parcelas para implantação de espaços verdes públicos, equipamentos de utilização
colectiva e infra-estruturas, no caso de deliberação de licenciamento de uma operação de
loteamento (artigo 44.° do RJUE); a fixação das condições a observar na execução das
obras de urbanização, incluindo o cumprimento do disposto no regime da gestão de
resíduos de construção e demolição nelas produzidos, o prazo para a sua conclusão, o
montante da caução destinada a assegurar a boa e regular execução das mesmas obras e
as condições gerais do contrato de urbanização que porventura venha a ser celebrado no
âmbito de execução das obras de urbanização (artigo 53.° do RJUE) 141; e a fixação das

55
condições a observar na execução das obras de edificação, das condições relativas à
ocupação da via pública ou à colocação de tapumes e vedações nas obras de edificação e
do prazo de execução das mesmas obras (artigos 57.° e 58.° do RJUE).
141
O contrato de urbanização referido no texto, regulado no artigo 55.° do RJUE, é, ao lado do
contrato referido nos artigos 24.°, n.os 2, alínea b), e 5, e 25.°, n.os 1, 3 e 6, do RJUE, um contrato
urbanístico em sentido restrito, e, tal como este, um contrato que tem por objecto encargos relativos
a infra-estruturas urbanísticas. Ambos os contratos constituem exemplos de contratos de mediação
no regime de controlo das operações urbanísticas.
Aquele contrato de urbanização pode ser celebrado quando a execução de obras de urbanização
envolva, em virtude de disposição legal ou regulamentar ou por força de convenção, mais de um
responsável, sendo partes no mesmo, obrigatoriamente, o município e o proprietário e outros titulares
de direitos reais sobre o prédio e, facultativamente, as empresas que prestem serviços públicos, bem
como outras entidades envolvidas na operação de loteamento ou na urbanização dela resultante,
designadamente interessadas na aquisição dos lotes (artigo 55.°, n. os 1 e 2, do RJUE).
Ressalvado o caso em que se apresente como uma mera reprodução de obrigações legais, o
contrato de urbanização a que nos estamos a referir, na medida em que as respectivas condições
gerais, no caso de recurso ao mesmo, são definidas na deliberação da câmara municipal que defere
o pedido de licenciamento das obras de urbanização e, além disso, é mencionado no próprio alvará
de licença das obras de urbanização (artigo 55.°, n.º 4, do RJUE), constitui um contrato
administrativo relativo ao modo de execução das obras de urbanização, em que as condições de
recurso ao mesmo são fixadas unilateralmente pelo contraente público. Está-se, assim, perante um
contrato que é precedido de um acto administrativo (in casu, uma deliberação), o qual exerce uma
dupla função: a de constituir uma decisão de recurso ao contrato administrativo e uma decisão
normativa das condições do mesmo. Cfr. Jorge Alves Correia, ob. cit., p. 169 e 170.

Fase integrativa de eficácia

Com a deliberação de deferimento do pedido de licenciamento da operação urbanística,


o mesmo é dizer, com a atribuição da licença para a realização da operação urbanística
(artigo 26.° do RJUE), não fica ainda completo o procedimento de licença. Na verdade,
aquele é um acto perfeito, mas ainda não é eficaz. Ele é um acto potencialmente produtor
de consequências jurídicas, mas elas estão comprimidas ou em estado latente. Torna-se,
por isso, necessária, como acentua ROGÉRIO SOARES, uma terceira fase, constituída por
actos que, não podendo acrescentar nada à validade do acto principal, vão, todavia,
conferir-lhe a força que os liberte do letargo.
O acto integrativo da eficácia da licença é a emissão de um título, que adopta a
designação tradicional no nosso direito autárquico de alvará. De facto, de harmonia com o
disposto no artigo 74.°, n.º 1, do RJUE, “as operações urbanísticas objecto de licenciamento
são tituladas por alvará, cuja emissão é condição de eficácia da licença” Por sua vez, a
emissão do alvará pressupõe a prova do pagamento das taxas ou, utilizando os termos da
lei, aquele é emitido “desde que se mostrem pagas as taxas devidas” (artigo 76.°, n.º 4, do
RJUE).
Também a autorização de utilização dos edifícios é titulada por alvará (artigo 74.°, n.º 3,
do RJUE). Mas não sucede o mesmo com a admissão de comunicação prévia das
operações urbanísticas, a qual é titulada pelo recibo da apresentação da comunicação
prévia, acompanhado do comprovativo da admissão, nos termos que veremos adiante
(artigo 74.°, n.º 2, do RJUE).
A competência para a emissão do alvará de licença para a realização das operações
urbanísticas pertence ao presidente da câmara municipal, podendo o mesmo delegar esta
competência nos vereadores, com faculdade de subdelegação, ou nos dirigentes dos
serviços municipais (artigo 75.° do RJUE). O alvará obedece a um modelo tipo estabelecido
na Portaria n.° 216-D/2008, de 3 de Março - regulamento emitido com base na remissão
normativa constante do artigo 76.°, n.° 6, do RJUE.
Para efeitos de emissão de alvará, deve o interessado, no prazo de um ano a contar da
data da notificação do acto de licenciamento (ou da autorização de utilização), apresentar o
respectivo requerimento, acompanhado dos elementos definidos na Portaria n.° 216-

56
E/2008, de 3 de Março - prazo esse que pode ser prorrogado, por uma única vez, pelo
presidente da câmara municipal, a requerimento fundamentado do interessado (artigo 76.°,
n.os 1 e 2, do RJUE). A inobservância deste prazo tem como consequência a caducidade da
licença [artigo 71.°, n.os 1, alínea b), e 2, do RJUE). Mas ao problema da caducidade da
licença (e admissão de comunicação prévia) voltaremos mais adiante 144.
144
As normas dos artigos 71.°, n. os 1, 2 e 3, e 76.°, n. os 1 e 2, do RJUE fixam um prazo legal ou dies
iuris, ao qual a Administração e os particulares estão vinculados. Tal prazo não constitui, por isso,
uma cláusula acessória (termo final ou resolutivo), porque a Administração não dispõe de qualquer
poder discricionário para definir, dentro dos limites impostos por lei, a sua extensão. Todavia, o prazo
de prorrogação fixado por despacho do presidente da câmara municipal, nos termos do artigo 76.°,
n.° 2, do RJUE, já constitui um termo, na medida em que a lei remete para a discricionaridade
administrativa a concretização do seu limite. Cfr., sobre esta questão, FlLIPA URBANO CalvãO,
Cláusulas Acessórias em Direito Administrativo, cit., p. 154-157.

No caso de operação de loteamento que exija a realização de obras de urbanização, é


emitido um único alvará, que deve ser requerido no prazo de um ano a contar da admissão
de comunicação prévia das obras de urbanização (artigo 76.°, n.º 3, do RJUE). O alvará
deve ser emitido no prazo de 30 dias a contar da apresentação do respectivo requerimento
ou da recepção dos elementos que corrijam ou completem o pedido, “desde que se
mostrem pagas as taxas devidas” (artigo 76.°, n.º 4, do RJUE).
Vigora também no domínio da emissão do alvará o princípio da taxativdade dos
fundamentos de indeferimento, só podendo o requerimento ser indeferido com fundamento
na caducidade, suspensão, revogação, anulação ou declaração de nulidade da licença ou
na falta do pagamento das taxas que sejam devidas (artigo 76.°, n.º 5, do RJUE).
O alvará de licença de operações urbanísticas deve conter, nos termos da licença, a
especificação de um conjunto de elementos enumerados nos n.os 1, 2 e 4 do artigo 77.° do
RJUE. Assim, o alvará de licença de operação de loteamento ou de obras de urbanização
deve conter, conforme forem aplicáveis, os seguintes elementos: identificação do titular do
alvará; identificação do prédio objecto da operação de loteamento ou das obras de
urbanização; identificação dos actos dos órgãos municipais relativos ao licenciamento da
operação de loteamento e das obras de urbanização; enquadramento da operação
urbanística em plano municipal de ordenamento do território em vigor, bem como na
respectiva unidade de execução, se a houver; número de lotes e indicação da área,
localização, finalidade, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um
dos lotes com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados,
quando previstos (elementos estes que devem constar também de plantas que os
representem, anexas ao alvará); cedências obrigatórias, sua finalidade e especificação das
parcelas a integrar no domínio municipal (as quais devem também ser representadas em
planta ou plantas anexas ao alvará); prazo para a conclusão das obras de urbanização; e
montante da caução prestada e identificação do respectivo título (artigo 77.°, n. os 1 e 2, do
RJUE). No caso de haver lugar à celebração de contrato de urbanização, tendo como
objecto a realização das obras de urbanização, a ele deve também ser feita menção no
alvará (artigo 55.°, n.° 4, do RJUE).
Por seu lado, o alvará para a realização das restantes operações urbanísticas sujeitas a
licença deve conter, nos termos da licença, os seguintes elementos, consoante sejam
aplicáveis: identificação do titular da licença; identificação do lote ou do prédio onde se
realizam as obras ou trabalhos; identificação dos actos dos órgãos municipais relativos ao
licenciamento das obras ou trabalhos; enquadramento das obras em operação de
loteamento ou plano municipal de ordenamento do território em vigor, no caso das obras
previstas nas alíneas b), c) e e) do artigo 2.° do RJUE (ou seja, as obras de construção, as
obras de reconstrução sem preservação das fachadas e as obras de alteração); os con-
dicionamentos a que fica sujeita a licença; as cérceas e o número de pisos acima e abaixo
da cota de soleira; a área de construção e a volu- metria dos edifícios; o uso a que se
destinam as edificações; e o prazo de validade da licença, o qual corresponde ao prazo

57
para a conclusão das obras ou trabalhos (artigo 77.°, n.° 4, do RJUE).
O alvará está sujeito a especiais exigências de publicidade. Assim, deve ser afixado
pelo respectivo titular, no prazo de 10 dias após a sua emissão, no prédio objecto de
qualquer operação urbanística um aviso, visível do exterior, que deve permanecer até à
conclusão das obras, aviso que deve conter boa parte das especificações anteriormente re-
feridas, e o que o n.º 4 do artigo 78.° do RJUE enumera, e obedecer ao modelo definido na
Portaria n.° 216-F/2008, de 3 de Março (artigo 78.°, n.os 1, 3 e 4, do RJUE).
Tratando-se de alvará de licença de loteamento, a câmara municipal deve ainda, no
prazo de 10 dias após a sua emissão, publicar um aviso em boletim municipal e na página
da Internet do município ou, quando estes não existam, um edital a afixar nos paços do
concelho e nas sedes das juntas de freguesia abrangidas; e um aviso num jornal de âmbito
local, quando o número de lotes for inferior a 20, ou num jornal de âmbito nacional, nos
restantes casos [artigo 78.°, n.º 2, alínea a) e b), do RJUE].
Estas formas de publicidade têm como finalidade facilitar a utilização por terceiros
lesados nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, pelos actores populares ou
pelo Ministério Público dos meios jurisdicionais de protecção contra a licença.

O procedimento de comunicação prévia

O procedimento de comunicação prévia é mais simples e célere do que o procedimento


de licença.
Tal como no procedimento de licença, também no procedimento de comunicação prévia,
encontramos uma fase preparatória a qual integra os actos de iniciativa e de apreciação
liminar, bem como os actos de instrução.
O procedimento de comunicação prévia inicia-se com a apresentação da comunicação,
nos termos do artigo 9.°, n.° 1, do RJUE. Não há aqui lugar à entrega de um requerimento
ou de um pedido, já que, em termos formais, o interessado limita-se a apresentar uma
“comunicação” ou uma “notícia” de que se propõe realizar uma determinada operação
urbanística sujeita a esta modalidade de controlo preventivo. A apresentação da referida
comunicação é feita também com recurso a meios electrónicos e através do sistema
informático próprio do município, dirigida ao presidente da câmara municipal.
A comunicação prévia deve ser acompanhada de vários elementos instrutórios: os
elementos fixados na Portaria n.° 232/2008, de 11 de Março (n. os 8.°, 10.°, 12.°, 14.°, 17.° e
18.°, consoante o tipo de operação urbanística), o termo de responsabilidade referido no
artigo 10.° do RJUE, as especificações a que alude o artigo 77.° do RJUE (artigo 35.°, n.º 1,
do RJUE), bem como, se for caso disso, a indicação das condições relativas à ocupação da
via pública e à colocação de tapumes e vedações (artigo 57.°, n.º 2, do RJUE) e das fases
de execução da obra (artigo 59.°, n.os 1, 2 e 7, do RJUE).
A comunicação prévia da operação urbanística deve ser também publicitada, sob a
forma de aviso, no local da execução da mesma (artigo 12.° do RJUE e Portaria n.° 216-
C/2008, de 3 de Março).
Tal como foi avançado relativamente ao procedimento de licença, também tem lugar no
procedimento de comunicação prévia a apreciação liminar, a qual consiste, como se disse,
na decisão das questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conheci-
mento da comunicação prévia, isto é, no saneamento da comunicaçao prévia
deficientemente instruída ou manifestamente insusceptível de deferimento — apreciação
liminar essa que pode desembocar ou num despacho de aperfeiçoamento da comunicação
ou num despacho de rejeição liminar da mesma, em termos semelhantes aos indicados a
propósito do procedimento de licença (artigos 11.° e 36.°, n.° 1, do RJUE).
Não ocorrendo despacho de aperfeiçoamento, nem de rejeição liminar, presume-se que
a comunicação prévia se encontra correctamente apresentada e instruída (artigo 11.°, n.º 5,
do RJUE).
No que concerne à instrução da comunicação prévia, importa sublinhar que também no
procedimento desta têm lugar as consultas a entidades externas previstas nos artigos 13.° e
13.°-A do RJUE. Esta exigência de consultas externas, no âmbito do procedimento de

58
comunicação prévia, a qual é claramente afirmada no artigo 36.°, n.º 2, do RJUE, suscita-
nos uma crítica incisiva, dado que constitui um retrocesso, em termos de simplificação e
aceleração procedimentais, em relação ao anterior regime dos procedimentos de
autorização administrativa, onde eram expressamente dispensadas as consultas externas,
como decorria do artigo 28.°, n.° 2, do RJUE, na versão anterior à Lei n.° 60/2007.
Procedimento de comunicação prévia que se apresenta, sublinhe-se, como um sucedâneo
do anterior procedimento de autorização, com o qual mantém fortes pontos de contacto,
nomeadamente ao nível do respectivo âmbito material de aplicação.
A fase constitutiva do procedimento de comunicação prévia integra a respectiva decisão
sobre o mesmo — decisão essa que, in casu, apresenta contornos específicos. De
harmonia com o que preceituam os n.os 1 e 2 do artigo 36.° do RJUE, o procedimento de
comunicação prévia conclui-se, necessariamente, no prazo de 20 dias após a entrega da
comunicação ou, no prazo de 60 dias, quando haja lugar a consulta a entidades externas.
Nos termos dos artigos 36.° e 36.°-A do RJUE, o procedimento de comunicação prévia
poderá ter um dos seguintes desenlaces: rejeição expressa da comunicação; ou ausência
de rejeição expressa da comunicação.
No tocante à primeira, deve ela ocorrer dentro do prazo de 20 (ou de 60) dias após a
apresentação da comunicação prévia e demais elementos que a devem acompanhar (prazo
de rejeição). A mesma consta de decisão expressa do presidente da câmara (ou do
vereador com delegação de competência ou ainda do dirigente do serviço municipal com
subdelegação de competência) e deve ser proferida quando a obra violar as normas legais
e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de plano municipal de
ordenamento do território, alvará de loteamento, as normas técnicas de construção em
vigor, ou os termos de informação prévia existente (artigo 36.°, n.° 1, do RJUE). O acto de
rejeição, que tem de ser praticado dentro do prazo de rejeição — porquanto, se for
praticado mais tarde, estar-se-á perante um acto (tácito ou implícito) de revogação da
admissão da comunicação prévia —, é um acto administrativo, por meio do qual a
autoridade competente exerce o seu poder inibitório, interditivo ou de veto, do qual resulta a
não remoção da proibição legal da realização da operação urbanística. Apesar de traduzir
um poder inibitório ou de obstaculização à realização da operação urbanística objecto de
“comunicação” ou de “notícia”, a rejeição de que estamos a falar pode também ser
considerada um acto administrativo negativo, equiparado ao acto de indeferimento do
pedido ou do requerimento do particular.
No que respeita à segunda — ou seja, a ausência de rejeição da comunicação —,
equivale a mesma à admissão da comunicação prévia. De facto, conforme determina o
artigo 36.°-A, n.° 1, do RJUE, decorrido o prazo de rejeição sem que a comunicação prévia
tenha sido rejeitada, “é disponibilizada no sistema informático [...] a informação de que a
comunicação não foi rejeitada, o que equivale à sua admissão”.
A admissão ou, em termos equivalentes, a falta de rejeição da comunicação comporta
um efeito permissivo e habilitador, uma vez que, por força do artigo 36.°-A, n.º 2, do RJUE,
o interessado pode, isto é, fica habilitado a — dar início às obras, desde que efectue pre-
viamente o pagamento das taxas devidas através de autoliquidação (vejam-se também os
artigos 113.°, n.º 3, e 117.°, n.º 5, do RJUE, os quais prevêem, para outra hipótese, o
pagamento das taxas através de autoliquidação).
Apesar de a lei não se apresentar clara, concordamos com PEDRO GONÇALVES, o qual
defende que não é exactamente a informação, através do sistema informático, de que a
comunicação não foi rejeitada que equivale à admissão da comunicação prévia, como
sugere o n.° 1 do artigo 36.°-A, mas antes a simples falta de rejeição dentro do prazo, como
resulta do n.° 2 do mesmo preceito, o qual determina que “na falta de rejeição da
comunicação prévia, o interessado pode dar início às obras […]”. Assim sendo, se, por
qualquer razão, o sistema informático não disponibilizar a informação da não rejeição, o
interessado fica habilitado, pelo mero facto de ter decorrido o prazo de rejeição, a executar
as operações urbanísticas comunicadas, devendo a Administração suprir a falta de
informação pelo sistema informático, através da emissão de um comprovativo da admissão
da comunicação prévia.

59
Finalmente, também a propósito da admissão da comunicação prévia se poderá falar de
uma fase integrativa de eficácia. Não porque no procedimento de comunicação prévia haja
lugar à emissão de qualquer alvará, constituindo, antes, o título da mesma o “recibo da sua
apresentação acompanhado do comprovativo da admissão nos termos do artigo 36.°-A”
(artigo 74.°, n.° 2, do RJUE). Mas porque a realização da operação urbanística objecto de
admissão de comunicação prévia pressupõe o pagamento das taxas devidas pela operação
urbanística (artigo 116.° do RJUE). Só após o pagamento dessas taxas é que se pode dar
início às obras (artigo 36.°-A, n.° 2, do RJUE), fenómeno que legitimará a afirmação de que
um tal pagamento constitui um requisito de eficácia da admissão da comunicação prévia.
A singularidade mais importante do nosso modelo do procedimento de comunicação
prévia é a configuração da admissão da comunicação como acto administrativo. A opção do
legislador português por este modelo resulta claramente da epígrafe “acto administrativo” do
artigo 36.°-A do RJUE. E resulta também nitidamente dos artigos 67.° e 68.°, respeitantes à
validade da admissão de comunicação prévia, e 71.° e 73.°, relativos à caducidade e
revogação da mesma, todos do RJUE, nos quais se verifica uma identidade de regimes
entre a licença e a admissão de comunicação prévia.
A admissão de comunicação prévia tem, assim, no ordenamento jurídico português, a
natureza de um acto administrativo ficcionado, ou seja, de um acto administrativo criado por
ficção legal154.
154
A consideração da admissão da comunicação prévia como acto administrativo
ficcionado aproxima-a do instituto do deferimento tácito, cujo âmbito de aplicação no domínio dos
actos de controlo prévio das operações urbanísticas sofreu uma acentuada redução, como veremos
infra (sobre a figura do deferimento tácito em geral, cfr. JoÀo TIAGO SILVEIRA, O Deferimento Tááto,
Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 94 e segs.). Todavia, aquelas duas figuras jurídicas não se
confundem. Como efeito, como realça PEDRO GONÇALVES, no procedimento de admissão da
comunicação prévia, a ausência de decisão formal da Administração surge como situação típica
configurada pelo legislador: a falta de decisão dentro do prazo fixado para o efeito não traduz
qualquer inércia, nem uma situação de incumprimento (de dever ou obrigação de decidir) da
autoridade competente; pelo contrário, a lei define a falta de decisão como a situação típica e normal
de produção de efeito permissivo. Ao invés, o deferimento tácito surge como remédio para uma
“apatia da Administração , numa situação em que a lei não só exige a realização de um con trolo
prévio, como ainda reclama a tomada de uma decisão expressa; a falta de decisão consubstancia,
neste caso, o incumprimento de um dever legal de decidir.

A solução adoptada pelo nosso legislador é, deste modo, a mais adequada, já que, ao
considerar a admissão de comunicação prévia como um acto administrativo, ainda que
ficcionado, submete-a ao regime geral dos actos administrativos, designadamente em
matéria de validade e de impugnação contenciosa, bem como dos poderes administrativos
de declaração de nulidade ou de revogação [esta última a efectuar nos termos
estabelecidos no CPA para os actos constitutivos de direitos (veja- -se, contudo, o artigo
73.°, n.° 2, do RJUE), ou, tratando-se de revogação anulatória, nos termos do artigo 141.°
do mesmo Código].

Pedido de informação prévia

Conceito e objecto da informação prévia

O procedimento de licença e o procedimento de comunicação prévia podem ser


antecedidos de um pedido de informação prévia, o qual se apresenta em relação àqueles
como um procedimento facultativo (cabendo, por isso, ao interessado ajuizar das vantagens
do recurso ao mesmo, antes de iniciar o procedimento de licença ou de comunicação
prévia)164 e autónomo (no sentido de que não é um subprocedimento daqueles, apesar de a
decisão que vier a ser nele adoptada, sobretudo se tiver um conteúdo favorável, ter
importantes efeitos ou repercussões nos procedimentos de licença e de comunicação
prévia, como esclarecemos de seguida).

60
164
O carácter facultativo do pedido de informação prévia está expressamente contemplado no artigo
14.°, n.º 1, do RJUE [“qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio,
informação (…)”]. Daqui resulta que são ilegais as disposições dos regulamentos municipais de
urbanização e ou de edificação que consagrem a obrigatoriedade do pedido de informação prévia
relativo a todas ou a algumas das operações urbanísticas sujeitas a licença ou a admissão de
comunicação prévia.

O pedido de informação prévia — que se apresenta como o sucessor do denominado


“parecer de viabilidade” — tem como finalidade obter da câmara municipal, a título prévio,
informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística ou conjunto de
operações urbanísticas directamente relacionadas, bem como sobre os respectivos
condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infra-estruturas,
servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas,
afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão (artigo 14.°, n.º 1, do RJUE).
Tem, assim, o mesmo como objectivo fundamental fornecer ao interessado um conjunto de
informações fiáveis e credíveis, que lhe permitam analisar a viabilidade da operação
urbanística ou do conjunto de operações urbanísticas directamente relacionadas que ele
tenciona realizar e ponderar e decidir se avança, ou não, com o pedido de licenciamento ou
com a apresentação da comunicação prévia da operação urbanística. À luz do exposto, o
pedido de informação prévia constitui um instrumento de segurança dos interessados, que
lhes permite não avançar para a formulação de um pedido de licença ou para a
apresentação de uma comunicação prévia, acompanhados da elaboração de um projecto
da operação urbanística, cujos custos são elevados, sem previamente obter uma
informação sobre a viabilidade e sobre os condicionamentos legais e regulamentares da
concreta operação urbanística que pretendem concretizar.
O pedido de informação prévia, tal como é gizado nos artigos 14.° a 17.° do RJUE,
distingue-se facilmente do direito à informação, condensado no artigo 110.°, n.° 1, alínea a),
daquele diploma. A distinção resulta claramente, em primeiro lugar, da natureza do pedido
formulado num e noutro. Naquele, o requerente solicita à Administração uma informação
sobre a viabilidade e os condicionamentos legais e regulamentares de uma concreta
pretensão urbanística. Neste, o interessado limita-se a solicitar uma informação abstracta e
genérica sobre os instrumentos de desenvolvimento e planeamento territorial em vigor para
determinada área do município, bem como sobre as demais condições gerais a que devem
obedecer as operações urbanísticas a realizar nessa mesma áreas. Acresce que o direito à
informação de que estamos a falar constitui uma expressão dos direitos e garantias dos
administrados, plasmados nos n.os 1 e 2 do artigo 268.° da Constituição.
Deriva, em segundo lugar, da não coincidência, em abstracto, da legitimidade para
requerer a informação urbanística do artigo 110.°, n.º1, alínea d), do RJUE e para
apresentar o pedido de informação prévia. De facto, a primeira pode ser apresentada por
“qualquer interessado”, isto é, por quem invoque um interesse legítimo no conhecimento
dos elementos abrangidos, incluindo a condição de vizinho urbanístico ou de proximidade
com a área sobre que o recai o pedido de informação, bem como, “para defesa de
interesses difusos definidos na lei, quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e
políticos e as associações e fundações defensoras de tais interesses” (artigo 110.°, n.° 6, do
R.JUE) — os titulares dos direitos de participação procedimental e da acção popular, de
acordo com o artigo 52.°, n.° 3, da Constituição e da Lei n.° 83/95, de 31 de Agosto. O
segundo também pode ser apresentado por “qualquer interessado”, mas, como veremos um
pouco mais abaixo, não sendo o pedido de informação prévia apresentado pelo proprietário
ou pelo titular de qualquer direito que lhe permita fazer o posterior pedido de licenciamento
ou apresentar a comunicação prévia, só deve reconhecer-se interesse legítimo para
requerer a informação prévia a quem invoque um interesse efectivo ou eventual, na
aquisição da parcela sobre a qual recai o pedido — interesse este, no entanto, insusceptível
de prova, donde resulta o carácter meramente formal de sua invocação e, em último termo,
o carácter quase ilimitado da legitimidade para requerer a informação prévia.

61
Deriva, em terceiro lugar, da diferente natureza da pronúncia da Administração. Na
verdade, o pedido de informação prévia configura-se como um procedimento que
desemboca numa decisão ou num acto administrativo que produz consequências jurídicas
relevantes para o requerente, designadamente, no caso de informação prévia favorável, a
vinculação das entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de
licenciamento ou apresentação de comunicação prévia da operação urbanística a que
respeita. Ora, nada disto sucede no pedido de informação, condensado no artigo 110.°, n.º
1, alínea a), do RJUE. De facto, neste a informação obtida apresenta-se como um acto
meramente informativo ou declarativo, ao passo que naquele estamos perante uma
informação qualificada e constitutiva de direitos.
E resulta, em quarto lugar, da diversidade de efeitos jurídicos: a informação decorrente
do direito à informação do artigo 110.°, n.º 1, alínea a), do R.JUE não é constitutiva de
direitos, nem de expectativas jurídicas para o particular e não vincula a Administração, sem
prejuízo da eventual responsabilidade civil desta por danos causados aos particulares, no
caso de prestação de informações erróneas, nos termos do artigo 7.°, n.º 2 do CPA; a
informação prévia favorável é um acto constitutivo de direitos para o particular (embora de
carácter não permissivo) e vinculativo para a câmara municipal relativamente a uma
eventual decisão ulterior acerca do licenciamento ou da admissão de comunicação prévia
da operação urbanística visada.
O n.º 2 do artigo 14.° do RJUE define quais os aspectos que podem ser objecto do
pedido de informação prévia, quando este respeitar a operação de loteamento, em área não
abrangida por plano de pormenor, ou a obra de construção, ampliação ou alteração em
área não abrangida por plano de pormenor ou operação de loteamento. Tais aspectos são
os seguintes, em função da informação pretendida e dos elementos apresentados: a
volumetria, alinhamento, cércea e implantação da edificação e dos muros de vedação;
condicionantes para um adequado relacionamento formal e funcional com a envolvente;
programa de utilização das edificações, incluindo a área bruta de construção a afectar aos
diversos usos e o número de fogos e outras unidades de utilização; infra-estruturas locais e
ligação às infra-estruturas gerais; estimativa dos encargos urbanísticos devidos; e áreas de
cedência destinadas à implantação de espaços verdes, equipamentos de utilização
colectiva e infra-estruturas viárias.
Em face da redacção do n.° 2 do artigo 14.° do RJUE, poderia suscitar-se a questão de
saber se o legislador teria restringido o âmbito do pedido de informação prévia às
operações de loteamento, em área não abrangida por plano de pormenor, e às obras de
construção, ampliação ou alteração em área não abrangida por plano de pormenor ou
operação de loteamento. Não foi isso, porém, o que sucedeu. O legislador pretendeu
apenas esclarecer que o pedido de informação prévia pode ter como objecto aquelas
operações urbanísticas, em relação às quais, por as regras de planeamento serem menos
densas, poderiam ser levantadas dúvidas. Não pretendeu, seguramente, impedir que o
pedido de informação prévia possa ter como objecto qualquer tipo de operação urbanística
em área abrangida por plano de pormenor ou operação de loteamento, nem impedir que,
neste caso, o requerente do pedido de informação prévia possa solicitar que a informação
prévia contemple todos ou alguns dos aspectos referidos nas diferentes alíneas do n.° 2 do
artigo 14.° do RJUE.
De qualquer modo, como melhor veremos infra, a emissão de uma informação prévia
favorável com base no artigo 14.°, n.º 2, do RJUE tem uma relevância particular, dado que
tem por efeito a sujeição da operação urbanística em causa, a efectuar nos precisos termos
em que foi apreciada, ao regime de comunicação prévia e dispensa a realização de novas
consultas externas (aproveitando-se, por isso, as realizados no âmbito do procedimento de
informação prévia).
Aqui chegados, estamos em condições de afirmar que o pedido de informação prévia
desempenha três funções essenciais: uma função de informação, uma função de garantia
ou de segurança e uma função de simplificação procedimental. A primeira traduz-se na
informação ao requerente sobre a possibilidade de realização da operação urbanística
apresentada, tendo em conta as normas que lhe são aplicáveis e os respectivos con-

62
dicionamentos legais e regulamentares, ou seja, na medida da informação pretendida e dos
elementos apresentados, a qual assume a natureza de uma informação concretizada, nota
que a distingue do direito à informação da alínea a) do n.° 1 do artigo 110.° do RJUE. É esta
função que está plasmada nos n. os 1 e 2 do artigo 14.° do RJUE, mas que se encontra
também presente nos n.os 3 e 4 do artigo 16.° do mesmo diploma, que prescrevem,
respectivamente, a obrigatoriedade de indicação, na informação prévia favorável, do
procedimento de controlo prévio a que se encontra sujeita a realização da operação
urbanística projectada, e a obrigatoriedade, no caso de informação prévia desfavorável, da
indicação dos termos em que a mesma pode ser revista, por forma a serem cumpridas as
prescrições urbanísticas aplicáveis.
A segunda — a de garantia ou de segurança — está associada à vinculação pela
câmara municipal à informação no caso de posterior pedido de licenciamento ou
apresentação de comunicação prévia pelo interessado requerente, no prazo de um ano, e
na medida da conformação do ulterior pedido aos termos da informação prestada, seja a
mesma favorável ou desfavorável à pretensão do particular (artigos 17.°, n. os 1 e 2, e 16.°,
n.º 4, do RJUE). Uma tal função é reforçada pela possibilidade de “renovação” por mais um
ano do prazo de vinculação pela câmara municipal à informação prévia favorável, prevista
no artigo 17.°, n.º 3, do RJUE, e pela não suspensão dos procedimentos de licenciamento
ou comunicação prévia requeridos ou apresentados com suporte em informação prévia nas
áreas a abranger por novas regras urbanísticas, constantes de plano municipal ou especial
de ordenamento do território ou sua revisão a partir da data fixada para o início da
discussão pública e até à data da entrada em vigor daquele instrumento de planeamento,
plasmada no artigo 17.°, n.° 4 daquele diploma legal.
A terceira — a de simplificação procedimental — está espelhada, por um lado, na
antecipação para o procedimento de informação prévia das consultas externas, nos termos
dos artigos 13.°, 13.°-A e 13.°-B do RJUE, às entidades cujos pareceres, autorizações ou
aprovações condicionem, nos termos da lei, a informação a prestar, sempre que tal consulta
deva ser promovida num eventual pedido de licenciamento ou apresentação de
comunicação prévia, e, por outro lado, na sujeição da operação urbanística objecto de
informação prévia favorável ao regime de comunicação prévia e na desnecessidade da
repetição das consultas externas no procedimento ulterior da comunicação prévia da
operação urbanística objecto de informação prévia favorável, sempre que a informação
prévia seja proferida nos termos do artigo 14.°, n.° 2, do RJUE, ou seja, na sua modalidade
mais abrangente (artigos 15.°, n.° 1, e 17.°, n.° 1 do RJUE) Os pareceres, autorizações ou
aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município fazem parte integrante de
informação prévia aprovada e são obrigatoriamente notificados ao requerente juntamente
com aquela (artigo 16.°, n.° 2, do RJUE).

Procedimento de informação prévia

O procedimento de informação prévia inicia-se com um requerimento dirigido ao


presidente da câmara municipal, contendo os elementos referidos no artigo 9.° do RJUE,
anteriormente referido. Todavia, não há identidade dos requisitos de legitimidade para
requerer informação prévia e para requerer o licenciamento ou para apresentar a
comunicação prévia de uma operação urbanística, ao contrário do que sucedia no âmbito
da vigência dos Decretos-Leis n.os 448/91 e 445/91.
Mas, actualmente, o pedido de informação prévia pode ser apresentado por qualquer
interessado, referindo o artigo 14.°, n.° 3, do R.JUE que, quando este “não seja proprietário
do prédio, o pedido de informação prévia inclui a identificação daquele, bem como dos
titulares de qualquer outro direito real sobre o prédio, através de certidão emitida pela
conservatória do registo predial”. E, na mesma linha, o n.º 4 daquele artigo determina que,
em tal caso, “a câmara municipal deve notificar o proprietário e os demais titulares de
qualquer outro direito real sobre o prédio da abertura do procedimento”.
Verifica-se, assim, que o RJUE alargou a legitimidade para requerer a informação
prévia. O legislador, ao consagrar uma legitimidade alargada ou ampla para o pedido de

63
informação prévia, pretendeu claramente enfatizar o papel da informação prévia no
comércio imobiliário. Com efeito, a restrição de legitimidade para formular um pedido de
informação prévia ao proprietário de um terreno ou ao titular de um direito que lhe confira a
faculdade para realizar a operação urbanística tinha como consequência que apenas ele
podia utilizar uma eventual informação prévia favorável como instrumento de valorização do
seu terreno e de facilitação e promoção da transacção daquele bem. Mas o alargamento da
legitimidade para o pedido de informação prévia a “qualquer interessado” possibilita que um
eventual interessado na aquisição de um terreno formule o pedido de informação prévia
sobre a viabilidade de realização no mesmo de uma determinada operação urbanística,
fazendo depender a sua decisão sobre a aquisição do terreno do carácter favorável ou
desfavorável da informação prévia solicitada.
Da ampliação da legitimidade para apresentação de um pedido de informação prévia
podem, no entanto, resultar duas consequências negativas: a inutilidade de uma informação
prévia favorável para o requerente, se o interessado na aquisição de um terreno objecto
dessa informação prévia favorável não vier a adquirir a propriedade desse bem ou a
titularidade de um direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística; e a
possibilidade de um mesmo prédio ou terreno ser objecto de vários pedidos de informação
prévia que correm simultaneamente e eventualmente para utilizações distintas, apresen-
tados por diferentes interessados não titulares de qualquer direito real sobre o mesmo, os
quais constituem a câmara municipal na obrigação de decidir, de que resulta uma
sobrecarga, por vezes desnecessária e inútil, dos serviços municipais.
O requerimento é instruído com os elementos referidos nos n.os 1.° a 6.° (conforme o
tipo de operação urbanística sobre que incide o pedido de informação prévia) da Portaria n.°
232/2008, de 11 de Março, rectificada pela Declaração de Rectificação n.° 26/2008, de 9 de
Maio. Têm lugar também no procedimento de informação prévia o saneamento e a
apreciação liminar, em termos semelhantes aos apontados para os procedimentos de
licença e de comunicação prévia.
No âmbito do procedimento de informação prévia há lugar a consultas externas, nos
termos dos já mencionados artigos 13.°, 13.°-A e 13.°-B, às entidades cujos pareceres,
autorizações ou aprovações condicionem, nos termos da lei, a informação a prestar, sempre
que tal consulta deva ser promovida num eventual pedido de licenciamento ou
apresentação de comunicação prévia (artigo 15.° do RJUE). Ocorre, aqui, como referimos,
uma antecipação para o procedimento de informação prévia das consultas que são
exigíveis nos procedimentos de licença e de comunicação prévia.
Desta antecipação das consultas externas decorre a dispensa (rectius, a isenção) da
promoção de novas consultas — seria uma repetição das mesmas - no âmbito do
procedimento de comunicação prévia, que é precisamente aquele que deve ser seguido no
caso de informação prévia favorável emitida nos termos do artigo 14.°, n.° 2, do RJUE
(artigo 17.°, n.º 1, deste diploma legal). Sublinhe-se, no entanto, que deve entender-se que
uma tal duplicação das consultas externas é também afastada nos casos em que a emissão
da informação prévia favorável não tenha ocorrido ao abrigo do artigo 14.°, n.º 2, do RJUE,
precisamente porque o pedido de informação prévia respeita a uma operação urbanística
diferente das indicadas naquele preceito, desde que o requerente tenha solicitado
informação sobre todos os pressupostos de que depende a pronúncia das entidades
externas, as consultas tenham sido favoráveis e o acto de controlo da operação urbanística
com elas se conforme.
Tendo em conta a remissão feita pelo artigo 15.° do RJUE para os artigos 13.°, 13.°-A e
13.°-B, somos de crer que o requerente da informação prévia pode fazer uso da faculdade
conferida pelo artigo 13.°-B e proceder directamente à consulta das entidades externas fa-
zendo juntar ao pedido de informação prévia os pareceres, autorizações e aprovações que
receba dessas entidades
Segue-se, finalmente, a decisão, a qual é da competência da câmara municipal,
assumindo, por isso, a forma de deliberação. O artigo 16.°, n.° 1, estabelece os prazos para
a adopção da deliberação, distinguindo os casos em que o pedido de informação prévia
respeite a operação de loteamento em área não abrangida por plano de pormenor ou a obra

64
de construção, ampliação ou alteração em área não abrangida por plano de pormenor ou
operação de loteamento, nos quais o prazo é de 30 dias, e aqueles em que o pedido de
informação prévia se refere a outras operações urbanísticas, em que o prazo é de 20 dias.
Estes prazos contam-se ou da data da recepção do pedido ou dos elementos solicitados,
nos termos do artigo 11.°, n.° 3, do RJUE, isto é, no caso de ter havido despacho de
aperfeiçoamento do pedido, com a consequente solicitação dos elementos em falta [n.° 1,
alínea a)]; ou da data da recepção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações
emitidos pelas entidades exteriores ao município, quando tenha havido lugar a consultas
[n.° 1, alínea b)]; ou ainda do termo do prazo para a recepção dos pareceres, autorizações
ou aprovações, sempre que alguma das entidades consultadas não se pronuncie até essa
data [n.° 1, alínea c)] — considerando-se, como já sabemos, haver concordância das
entidades com a pretensão formulada se os respectivos pareceres, autorizações ou
aprovações não forem recebidos dentro daqueles prazos (artigo 13.°, n.° 5, do RJUE).
Na hipótese de a câmara municipal não adoptar qualquer deliberação dentro daqueles
prazos, verifica-se uma situação de silêncio positivo da Administração, com o consequente
deferimento tácito da pretensão. E este o resultado inexorável de acordo com o que dispõe
o artigo 111.°, alínea c), do RJUE. Haveremos de analisar, mais tarde, os efeitos do silêncio
da Administração no âmbito dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas e, por
isso, voltaremos a este assunto. Adiantaremos, no entanto, que a formação do acto tácito
de deferimento não põe em causa a sua nulidade, designadamente com base na ocorrência
dos vícios de legalidade urbanística, condensados no artigo 68.° do RJUE, com as
consequências que analisaremos infra.
A deliberação expressa da câmara municipal pode ter um conteúdo positivo ou negativo,
ou seja, pode ser favorável ou desfavorável. Os n.os 2, 3 e 4 do artigo 16.° do RJUE impõem
um conjunto de exigências à deliberação que “aprovar a informação prévia”, umas vezes
independentemente de ela ser favorável ou desfavorável, outras vezes quando ela é
favorável e outras ainda quando a mesma é desfavorável. No primeiro caso, deve o
município notificar ao requerente, juntamente com “a informação prévia aprovada” pela
câmara municipal, dela fazendo parte integrante, os pareceres, autorizações ou aprovações
emitidos pelas entidades exteriores ao município (artigo 16.°, n.º 2). No segundo caso, deve
a câmara municipal indicar sempre, na informação favorável, o procedimento de controlo
prévio a que se encontra sujeita a realização da operação urbanística projectada (artigo
16.°, n.º 3). No terceiro caso, isto é, quando a informação seja desfavorável, deve desta
constar a indicação dos termos em que a mesma, sempre que possível, pode ser revista por
forma a serem cumpridas as prescrições urbanísticas aplicáveis, designadamente as cons-
tantes de plano municipal de ordenamento do território ou de operação de loteamento
(artigo 16.°, n.º 4).

Natureza e efeitos da informação prévia

A informação prévia prestada pela câmara municipal é, como sublinhámos no Volume I


deste Manual, um verdadeiro acto administrativo, que se pronuncia, de forma prévia ou
antecipada, sobre a viabilidade e os condicionamentos legais ou regulamentares de uma
determinada operação urbanística. Ela decide sobre a existência de certas condições para a
prática do acto administrativo, traduzido na licença ou na admissão da comunicação prévia,
de modo final e vinculante para a Administração, pelo que só poderá ser alterada ou
eliminada, durante o prazo em que vincula, através dos regimes da revogação ou da
anulação dos actos administrativos. Trata-se, porém de um acto prévio à licença ou à
admissão de comunicação prévia, de carácter declarativo e sem natureza permissiva, na
medida em que com base nele não pode o particular realizar a operação urbanística objecto
do pedido de informação prévia.
A caracterização da informação prévia como acto prévio torna-se clara se a
perspectivarmos sob o ponto de vista funcional, isto é, atendendo às suas funcões de
garantia, informação e simplificação procedimental em relação a um hipotético ulterior
procedimento de controlo prévio da operação urbanística visada. Vista sob este prisma, a

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informação prévia afirma-se como acto prévio relativamente a um procedimento de
licenciamento ou de comunicação prévia.
Todavia, considerada em si mesma, a informação prévia não se esgota na figura de
acto prévio, antes possui uma autonomia prática e formal em face da categoria de actos
prévios. Por isso, fala-se numa especificidade intrínseca da informação prévia, como
decisão e acto final e definitivo de um procedimento próprio e autónomo, decorrente de um
pedido teleologicamente formulado para a sua emissão e que nesta se esgota, sem deixar
de assumir uma pretensão de projecção num eventual posterior procedimento de
licenciamento ou de comunicação prévia — especificidade que, se, por um lado, a identifica
com os actos prévios, por outro lado, a delimita relativamente aos mesmos, estritamente
considerados, atribuindo-lhe uma natureza dogmática própria, sui generis.
Configurando-se como acto administrativo ou como decisão, a informação prévia é um
acto administrativo em sentido processual e, por isso, impugnável, nos termos dos artigos
268.°, n.º 4, da Constituição e 51.°, n.º 1, do CPTA. Consideramos, assim, a informação
prévia, sem prejuízo das suas especificidades, como a decisão final de um procedimento
próprio e autónomo, geradora de efeitos externos para os particulares requerentes, na
medida da pretensão material formulada e dos efeitos que produz, é potencialmente lesiva
das posições jurídicas dos mesmos.
Quanto aos efeitos da informação prévia aprovada (expressão esta que nos aparece no n.º
2 do artigo 16.° e no n.º 1 do artigo 17.° do R.JUE, em contraponto às locuções informação
prévia favorável e informação prévia desfavorável), há que distinguir se a mesma tem um
conteúdo favorável ou um conteúdo desfavorável. No caso de informação prévia favorável,
a mesma vincula as “entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de
licenciamento ou apresentação de comunicação prévia da operação urbanística a que
respeita”, embora um tal efeito vinculativo apenas se verifique desde que o pedido de
licenciamento ou apresentação de comunicação prévia seja efectuado “no prazo de um ano
após a decisão favorável do pedido de informação prévia” (artigo 17.°, n.os 1 e 2, do RJUE),
prazo esse que pode ser acrescido de mais um ano, se o particular o requerer nos termos
do n.° 3 do artigo 17.° do RJUE. Significa isto que a não formulação do pedido de
licenciamento ou a não apresentação da comunicação prévia dentro daquele prazo tem
como consequência a caducidade da informação prévia favorável e o desaparecimento dos
seus efeitos vinculativos.
A informação prévia favorável é, além disso, constitutiva de direitos, não do direito a
concretizar a operação urbanística, mas do direito ao deferimento do pedido de
licenciamento ou à admissão da comunicação prévia de uma determinada operação
urbanística. Para que tal suceda, é, porém, necessário que:

a) O beneficiário da informação prévia favorável seja “titular de qualquer direito


que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística”, isto é, que ele tenha
legitimidade para requerer o licenciamento ou apresentar a comunicação prévia da
operação urbanística objecto de informação prévia favorável, ou que tenha adquirido
entretanto uma tal legitimidade;

b) A operação urbanística objecto do pedido de licenciamento ou da


apresentação da comunicação prévia corresponda, nos seus exactos termos, à que foi
apreciada no âmbito do procedimento de informação prévia. Neste caso, a segunda parte
do n.° 2 do artigo 17.° do RJUE determina que, nas situações em que a informação prévia
favorável seja proferida nos termos do artigo 14.°, n.° 2, do RJUE, já por várias vezes
referido —, a apresentação da comunicação prévia — que é a modalidade de controlo
prévio a que ficam sujeitas, naquelas situações, as operações urbanísticas - deve ser
acompanhada de declaração dos autores e coordenador dos projectos de que a operação
urbanística respeita os limites constantes da decisão da informação (declaração esta que
acresce ao “termo de responsabilidade” referido no artigo 10.° do RJUE);

c)E o pedido de licenciamento ou a apresentação da comunicação prévia sejam

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entregues no prazo de um ano a contar da decisão favorável do pedido de informação
prévia, se o interessado não requerer a prorrogação do prazo, nos termos do n.º 3 do artigo
17.° do RJUE, ou seja, se não requerer a “renovação” da informação prévia favorável. De
facto, de harmonia com o que dispõe esta norma, decorrido o prazo de um ano, o particular
tem a possibilidade de requerer ao presidente da câmara municipal uma declaração de que
se mantêm os pressupostos de facto e de direito que fundamentaram a anterior decisão
favorável, devendo aquele decidir no prazo de 20 dias, sob pena de deferimento tácito. Com
tal declaração expressa ou tácita, o particular tem mais um ano para requerer a licença ou
para apresentar a comunicação prévia.
A análise dos efeitos da informação prévia favorável impele-nos a abordar mais quatro
aspectos. O primeiro diz respeito à questão de saber se uma informação prévia favorável
obtida por alguém que não tinha legitimidade para requerer o licenciamento ou apresentar a
comunicação prévia de uma operação urbanística pode ser aproveitada ou utilizada pela
pessoa que detém esta mesma legitimidade. A questão apresenta alguma complexidade.
No entanto, o alargamento da legitimidade para apresentar o pedido de informação prévia,
operado pelo RJUE, bem como o carácter real da informação prévia (em termos
semelhantes ao que apontaremos um pouco adiante como característica dos actos de
controlo prévio das operações urbanísticas) fazem-nos inclinar para uma resposta afirmativa
àquele quesito.
O segundo aspecto tem a ver com a questão de saber se a informação prévia favorável
mantém o seu carácter vinculativo e, sendo caso disso, o seu carácter constitutivo de
direitos, se no período que medeia entre a data da deliberação sobre a informação prévia
favorável e a data da decisão sobre o pedido de licenciamento ou sobre a apresentação da
comunicação prévia entrarem em vigor normas urbanísticas designadamente normas de
planos municipais, que são incompatíveis com a realização da operação urbanística objecto
de informação prévia favorável. Esta questão não é nova, já que foi objecto da nossa
atenção no Volume I deste Manual.
Duas hipóteses são configuráveis. A primeira é aquela em que o novo plano dotado de
eficácia plurisubjectiva não considerou, nem ponderou a existência da informação prévia
favorável. Numa situação destas, verifica-se uma violação da “obrigação de ponderação”
por parte do plano, através de um défice de ponderação, já que não foi incluído na
ponderação um elemento (um interesse) relevante para a ponderação. Um tal vício de
ponderação, na modalidade indicada, gera a invalidade da norma do plano que afectou ou
pôs em causa a informação prévia favorável. Sublinhe-se que é com o objectivo de serem
devidamente ponderadas nos planos a elaborar, a alterar ou a rever as licenças, as admis-
sões de comunicações prévias e as informações prévias favoráveis que o n.° 1.°, alínea c),
da Portaria n.° 138/2005, de 2 de Fevereiro, prescreve que os planos municipais de
ordenamento do território devem ser acompanhados por “relatório e ou planta com
indicação das licenças ou autorizações de operações urbanísticas emitidas, bem como das
informações prévias favoráveis, substituível por declaração municipal comprovativa da
inexistência dos referidos compromissos urbanísticos na área do plano”. E é neste contexto
que, normalmente, os planos dotados de eficácia plurisubjectiva que consagram novas
regras urbanísticas respeitam ou mantêm as licenças, admissões de comunicações prévias
e informações prévias favoráveis preexistentes válidas e eficazes.
A segunda hipótese é aquela em que o novo plano ou o plano revisto ou alterado, tendo
considerado e ponderado devidamente a existência da informação prévia favorável,
intencionalmente põe em causa, revogando ou fazendo caducar, em homenagem a outros
interesses urbanísticos relevantes, a informação prévia favorável. Neste caso, as normas do
plano são válidas, porquanto resultaram de uma ponderação e de uma opção legítima do
plano em “expropriar” o “direito urbanístico” conferido pela informação prévia favorável
Todavia, como estamos perante disposições de um plano dotado de eficácia plurisubjectiva
que põem em causa ou afectam substancialmente os “direitos urbanísticos” conferidos por
actos administrativos válidos, configuram as mesmas uma “expropriação do plano”, que
exige uma indemnização. Uma tal indemnização encontra suporte legal no artigo 143.°, n.º
2, do RJIGT, nos termos do qual “são indemnizáveis as restrições singulares às

67
possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente
consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização de efeitos
equivalentes a uma expropriação”. E, como vincámos no Volume I deste Manual, estão
incluídas nesta disposição não apenas a situações em que o plano põe em causa,
revogando ou fazendo caducar, as licenças ou admissões de comunicações prévias de
operações urbanísticas, mas também as situações similares àquelas, nas quais o particular
beneficia de um acto administrativo prévio favorável, por exemplo, uma informação prévia
favorável sobre a viabilidade de realizar uma determinada operação urbanística e tendo
formulado, dentro do prazo em que ela é vinculativa, um pedido de licenciamento ou
apresentado uma comunicação prévia da operação urbanística a que respeita, a licença
não puder ser concedida ou a comunicação prévia não puder ser admitida, por ter,
entretanto, entrado em vigor um plano cujas disposições são incompatíveis com a
realização da operação urbanística objecto de informação prévia favorável.
O terceiro aspecto que queremos abordar, no âmbito dos efeitos da informação prévia
favorável, refere-se à não suspensão dos procedimentos de licenciamento ou comunicação
prévia requeridos ou apresentados com suporte em informação prévia nas áreas a abranger
por novas regras urbanísticas, constantes de plano municipal ou especial de ordenamento
do território ou sua revisão, a partir da data fixada para o inicio da discussão pública e até à
data da entrada em vigor daquele instrumento de planeamento. É este um efeito da
informação prévia favorável, condensado no n.º 4 do artigo 17.° do RJUE, que se traduz em
afastar ou substrair ao âmbito da medida cautelar de suspensão de procedimentos,
plasmada nos artigos 117.° do RJIGT e 12.°-A do RJUE, os procedimentos de
licenciamento ou de comunicação prévia requeridos ou apresentados com base numa
informação prévia favorável. A razão de ser da referida não suspensão dos procedimentos
encontra-se no facto de as novas regras urbanísticas constantes do novo plano especial ou
municipal de ordenamento do território ou da sua alteração ou revisão colocado em
discussão pública terem previamente tomado em consideração, ponderado e, normalmente,
respeitado a informação prévia favorável.
O quarto aspecto que consideramos útil referir, ainda no campo dos efeitos da
informação prévia favorável, diz respeito à situação em que o pedido de licenciamento foi
requerido ou a comunicação prévia foi apresentada, depois de passado o lapso temporal
em que a informação prévia favorável tinha carácter vinculativo para a câmara municipal e
era constitutiva de direitos para o particular. Será que a informação prévia favorável, apesar
de ter perdido aquelas características, se torna totalmente irrelevante, nos casos em que se
mantêm os pressupostos de facto e de direito que levaram à sua emissão?
Pensamos que a câmara municipal, na decisão que vier a adoptar quanto ao pedido de
licenciamento ou à apresentação da comunicação prévia, não poderá afastar-se, a não ser
com base em razões ponderosas supervenientes, e devidamente fundamentadas, da
informação prévia favorável, não obstante esta ter perdido o seu carácter vinculativo, se se
mantiverem os pressupostos de facto e de direito que justificaram a sua emissão. Para
chegarmos a esta conclusão, não podemos deixar de chamar à liça o artigo 7.°, n.° 2, do
CPA, nos termos do qual “a Administração Pública é responsável pelas informações
prestadas por escrito, ainda que não obrigatórias”.
A este propósito, sublinhe-se que o Acórdão da l. a Secção do Supremo Tribunal
Administrativo de 22 de Março de 2007, Proc. n.° 0390/06, decidiu no sentido do carácter
vinculativo da informação prévia favorável, mesmo após o decurso do prazo de um ano
desde a sua emissão, se não se tiverem alterado os pressupostos de facto e de direito que
levaram à decisão favorável, nos seguintes termos: “se a viabilidade era legal, isto é, se ela
traduzia a fidelização ao quadro jurídico vigente, por obedecer a todas as prescrições
imperativas da lei, então não podia a Câmara decidir de modo diferente no acto final do
procedimento, se entre aquela (informação prévia) e este (deferimento do licenciamento)
não tivesse havido modificação das circunstâncias de facto e de direito” .
Importa, por fim, analisar os efeitos da informação prévia desfavorável. Como referimos,
o artigo 16.º, n.º4, do RJUE prescreve que, “no caso de a informação ser desfavorável, dela
deve constar a indicação dos termos em que a mesma, sempre que possível, pode ser

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revista por forma a serem cumpridas as prescrições urbanísticas aplicáveis,
designadamente as constantes de plano municipal de ordenamento do território ou de
operação de loteamento”. Conjugando esta disposição legal com a norma do artigo 17.°, n.º
1, do R.JUE, que consigna que a informação prévia aprovada - não distinguindo os casos
em que a mesma é favorável ou desfavorável — “vincula as entidades competentes na
decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou apresentação de comunicação
prévia da operação urbanística a que respeita deve entender-se que o conteúdo da
informação prévia é vinculativo não apenas quando é favorável, mas também quando a
câmara municipal decide desfavoravelmente a mesma, indicando os termos precisos em
que esta poderá ser reformulada, isto é, os requisitos necessários para que o projecto se
conforme ao ordenamento jurídico urbanístico. Assim, no caso de ter sido emitida uma
informação prévia desfavorável, indicando os termos em que o projecto se conformaria com
a ordem jurídica, se o projecto posteriormente submetido a licenciamento ou apresentado
para comunicação prévia cumprir rigorosamente os termos da informação prestada, a
câmara municipal deverá licenciar ou admitir a comunicação prévia da operação
urbanística, sendo, por isso, aquela, na medida das informações fornecidas ao requerente,
vinculativa para a câmara municipal.
A conclusão a que vimos de chegar tem ainda um outro argumento de apoio: seria
manifestamente excessivo e, por isso, violador do princípio da proporcionalidade exigir que
o requerente apresentasse um novo pedido de informação prévia, onde fossem acolhidas
as informações prestadas pela câmara municipal, para só depois de emitida informação
prévia favorável poder o mesmo formular, com toda a segurança, um pedido de
licenciamento ou apresentar uma comunicação prévia da operação a que aquela respeita.
Não nos parece, assim, haver qualquer fundamento razoável para recusar a atribuição,
desde logo, de efeito vinculativo à informação prévia desfavorável, na parte em que ela
indica os precisos termos em que um determinado projecto urbanístico estará de acordo
com o ordenamento jurídico urbanístico e, consequentemente, deve ser licenciada ou
admitida a comunicação da operação urbanística que cumpra rigorosamente os termos
indicados pela câmara municipal.
Não foi, porém, esta a solução adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo no
Acórdão da l.a Secção de 7 de Dezembro de 2007, Proc. n.° 0415/07. Com efeito, neste
caso, decidiu-se, entre o mais, que a informação prévia favorável, apesar de incapaz de
fazer nascer imediatamente na esfera jurídica do requerente o direito à construção, atribui-
lhe, no entanto, o direito de exigir o deferimento do pedido de licenciamento se este se
contiver dentro dos limites da informação prestada, fazendo, concorrentemente, nascer na
esfera jurídica da câmara municipal a obrigação de deferimento do futuro pedido de
licenciamento, desde que este não exceda o conteúdo daquela informação; que a pronúncia
desfavorável sobre a pretensão do requerente não faz nascer na sua esfera jurídica
qualquer direito; e que, sendo essa pronúncia desfavorável, por um lado, não constitui a
última palavra da Administração e, por outro lado, não tem aptidão lesiva, sendo, por isso, a
mesma irrecorrível.
Se a primeira proposição do aresto não suscita críticas, já o mesmo não sucede com as
duas restantes. Na verdade, é incorrecto afirmar-se que a informação prévia desfavorável
não é constitutiva de direitos em circunstância alguma. Como vimos, ela é vinculativa da
decisão de licenciamento e de admissão da comunicação prévia da operação urbanística,
nos termos por nós assinalados, sendo, nessa medida, constitutiva de direitos para o
requerente.
É, de igual modo, errónea a afirmação de que a informação prévia desfavorável não
constitui a última palavra da Administração e não tem aptidão lesiva do requerente, sendo,
consequentemente, insusceptível de impugnação contenciosa. Ao invés, a informação
prévia desfavorável é um acto que põe termo a um procedimento administrativo,
precisamente o procedimento de informação prévia — e que corporiza uma decisão final e
definitiva sobre a pretensão apresentada, justamente a pretensão em ver certificada a
viabilidade da realização de uma determinada operação urbanística —, pelo que, no caso
de ser ilegal, tem aptidão lesiva, na medida em que se recusa a conferir um direito ao

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interessado, não o direito de realizar a operação urbanística, mas o direito de obter uma
decisão favorável sobre a viabilidade da operação urbanística e o consequente direito ao
deferimento da licença ou à admissão da comunicação prévia da operação urbanística
objecto de informação prévia favorável. Ora, sendo a mesma lesiva, não pode deixar de ser
considerada como susceptível de impugnaçao contenciosa.
Registamos, por isso, com agrado a inflexão jurisprudencial operada pelo Supremo
Tribunal Administrativo, no Acórdão do Pleno da l. a Secção de 10 de Dezembro de 2008,
Proc. n.º 0415/07, tirado em recurso por oposição de julgados. Nele se referiu, em determi-
nado trecho, o seguinte:
“A informação prévia fornecida pela câmara municipal é, pois, um acto administrativo
horizontal e verticalmente definitivo que, em procedimento conexo, mas distinto do ulterior
procedimento tendente ao respectivo licenciamento, aprecia e resolve antecipadamente
certos pontos concretos de uma dada operação urbanística. Quando favorável, é
constitutivo de direitos e durante um ano, a contar da respectiva notificação, consolida
juridicamente uma possibilidade objectiva de aproveitamento do solo, que, a um tempo,
protege o particular contra as mudanças de critérios de decisão dos órgãos administrativos
[...] e obriga a Administração a ponderar essa mesma situação jurídica, como interesse
relevante, em regulações urbanísticas supervenientes, podendo, inclusive, se por eles for
posta em causa, ser fonte de direito de indemnização [...].
É verdade que não é ainda o acto permissivo do exercício do direito de construir e que a
ele se seguirá, necessariamente, outro procedimento administrativo visando o
licenciamento. Mas define, desde logo, a situação jurídica do interessado quanto à
conformidade do projecto com as regras do direito do urbanismo, vinculando a
Administração, posto que temporariamente, a decidir o pedido de licenciamento de acordo
com os termos da informação prestada, colocando o particular numa posição jurídica de
vantagem. Como se diz no acórdão recorrido, «enriquece» a respectiva esfera jurídica. Na
verdade, se não lhe atribui o direito à construção, confere-lhe, com repercussão patrimonial
(pense-se na hipótese, muito comum, de o requerente apenas estar interessado na venda
do imóvel e não levar a cabo, ele próprio, a operação urbanística projectada), o direito de
aproveitamento do solo com o conteúdo da informação prévia aprovada.
Quando desfavorável, a informação consubstancia, também, uma inovação, um acto
administrativo definitivo, mas negativo. A Administração provocada a praticar um acto com
um determinado conteúdo, positivo, recusa-se a fazê-lo, sendo que, como ensina ROGÉRIO
Soares, «a negação é um acto com o conteúdo de não fazer ou não produzir os efeitos
pretendidos e, como tal, vai alterar as situações jurídicas dos pretendentes» [...]. E não há
dúvida que a informação negativa é imediatamente lesiva para o requerente, uma vez que
com tal acto administrativo verificativo definitivo se introduz na ordem jurídica, como efeito
jurídico novo, a recusa da possibilidade de aproveitamento do solo, nos termos requeridos.
Razão que determina a sua recorribilidade imediata à luz do disposto nos arts. 268.°/4 CRP
e 25.° LPTA. Deste modo, entendemos que o acórdão fundamento foi o que encontrou a
melhor solução para o problema jurídico de que nos ocupamos, enquanto considerou que
«uma coisa é o pedido de informação prévia e outra bem diferente é o pedido de licencia-
mento», «pedidos com vida e efeitos próprios» e que «tanto a deliberação sobre o pedido
de informação como a deliberação sobre o pedido de licenciamento são autonomamente
recorríveis».

A informação prévia e a aprovação do projecto de arquitectura

Depois de termos analisado, em páginas anteriores, o acto de aprovação do projecto de


arquitectura e, no actual número, a informação prévia, estamos em condições de
cotejarmos as principais características destes dois actos administrativos. A primeira nota
que queremos sublinhar é a ligação funcional e a potencial identidade de objecto entre
aqueles dois actos. De facto, sob o ponto de vista funcional, a informação prévia propõe-se
antecipar a apreciação dos elementos (ou de parte deles) que consubstanciam a aprovação
do projecto de arquitectura, atribuindo, no caso de ser favorável ao respectivo beneficiário,

70
o direito à aprovação do projecto de arquitectura (assumindo este, como vimos, o acto
central e funcionalmente autónomo do procedimento de licenciamento de obras de
edificação), desde que observados os pressupostos de conteúdo, de legitimidade e
temporais anteriormente assinalados.
Mas a referida aproximação entre aqueles dois actos não nos pode fazer esquecer
algumas características diferenciadoras entre elas. Assim, em primeiro lugar, a informação
prévia favorável é um acto administrativo de natureza verificativa, constitutivo de direitos,
que põe termo, de modo definitivo, a um procedimento próprio e autónomo em relação a um
ulterior procedimento de licenciamento ou de comunicação prévia de uma qualquer
operação urbanística ou conjunto de operações urbanísticas directamente relacionadas (e
não apenas de uma obra de edificação). Por seu lado, a aprovação do projecto de
arquitectura é, de igual modo, um acto administrativo não permissivo, constitutivo de direitos
para o particular requerente e definitivo e final no que respeita aos elementos que aprecia.
É, no entanto um acto que consubstancia uma sub-fase, dentro do complexo procedimento
de licenciamento de obras de edificação, um acto que tende, por isso, para o acto de
licenciamento, que, uma vez praticado, o consome.
Em segundo lugar, a legitimidade para apresentar o pedido de informação prévia é mais
alargada do que a legitimidade para formular o pedido de licenciamento da obra de
edificação, o qual conduz à aprovação do projecto de arquitectura. Na verdade, como foi
realçado, no primeiro caso, a legitimidade é reconhecida a “qualquer interessado”, ao passo
que, no segundo, a mesma é restringida a quem tiver a “qualidade de titular de qualquer
direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística”, in casu, a obra de
edificação.
Em terceiro lugar, ao pedido de licenciamento que desencadeia a aprovação do projecto
de arquitectura e a este mesmo acto não estão subjacentes a pretensão e a função de
informação que também orientam o pedido de informação prévia e caracterizam a informa-
ção prévia, mesmo desfavorável. E isto é assim, porquanto os primeiros tendem à
efectivação da operação urbanística, enquanto os segundos se dirigem e esgotam numa
pronúncia de viabilidade da operação urbanística, não se verificando uma comunhão
necessária de interesses entre os dois pedidos e os dois actos, mas apenas uma comunhão
tendencial ou eventual — só se verificando uma tal comunhão de interesses se ao pedido
de informação prévia e consequente informação prévia suceder um pedido de licenciamento
da obra de edificação sobre a qual incida aquele acto e com ele coincida o projecto de
arquitectura.
É esta diferenciação entre a informação prévia e a aprovação do projecto de
arquitectura que está na base da consideração daquela como um acto administrativo sui
generis, isto é, como um acto funcionalmente prévio, mas que preenche, igualmente, uma
função informativa, e da segunda como um acto que corresponde integralmente à categoria
dogmática de acto prévio (considerado em sentido estrito ou em sentido próprio), ou seja,
como acto que se pronuncia, de modo final e vinculativo, sobre uma parte da pretensão
formulada, encerrando uma sub-fase do procedimento complexo de licenciamento em que
se insere e consumindo-se no acto de licenciamento para que tende, sem prejuízo da
autonomia funcional que apresenta, por conter a decisão final acerca dos elementos sobre
que incide182.

Principais características dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas

O carácter real

Com esta expressão, quer significar-se que as licenças das operações urbanísticas são
conferidas em função das regras aplicáveis às parcelas de solo ou aos lotes e aos
projectos, abstraindo das circunstâncias pessoais do sujeito que as requer. O mesmo
sucede com as comunicações prévias, em que é totalmente desconsiderada a pessoa que
as apresenta. A consequência mais importante desta característica é a possibilidade da
transferência da licença da operação urbanística para um terceiro, juntamente com o

71
terreno, ou por sucessão ou por acto inter vivos, sem que seja necessária a atribuição de
uma nova licença. De modo idêntico, a admissão de uma comunicação prévia acompanha a
transmissão do bem, sem necessidade da apresentação de uma nova comunicação prévia
pelo adquirente do terreno.
Para que a transferência do acto de controlo prévio da operação urbanística acompanhe
a transferência do terreno, a lei apenas exige que, no caso de substituição do titular de
alvará de licença, o substituto disso faça prova junto do presidente da câmara, para que
este proceda ao respectivo averbamento no prazo de 15 dias a contar da data da
substituição (artigo 77.°, n.º 7, do RJUE). Idêntico dever impende sobre o adquirente do
terreno em relação ao qual foi admitida a comunicação prévia de uma operação urbanística.
Repare-se que, se a substituição do requerente ou comunicante ocorrer no decurso do
procedimento de licença ou do procedimento de comunicação prévia, deve a mesma ser
comunicada ao gestor do procedimento, para que este proceda ao respectivo averbamento
no prazo de 15 dias a contar da data da substituição (artigo 9.°, n.° 9, do RJUE). E, coe-
rentemente com estes deveres, o artigo 98.°, n.º 1, alínea o), do RJUE tipifica como contra-
ordenação, punível com coima, “a ausência de requerimento a solicitar à câmara municipal
o averbamento de substituição do requerente [...], bem como do titular do alvará de licença
ou apresentante da comunicação prévia”18 .
Sublinhe-se, por último, que o n.º 8 do artigo 77.° do RJUE, na redacção do Decreto-Lei
n.º 26/2010, de 30 de Março, veio também resolver quaisquer dúvidas que porventura
existissem sobre o carácter real da autorização de utilização, determinando que “a titulari-
dade do alvará de autorização de utilização de edifícios ou fracções autónomas é
transmitida automaticamente com a propriedade a que respeita”.

A submissão exclusiva a regras de direito do urbanismo

Com esta característica quer significar-se que o acto de controlo prévio limita-se a
apreciar a conformidade da operação urbanística com as normas jurídicas urbanísticas, em
particular com as disposições dos planos. Em face do requerimento de uma licença ou da
apresentação de uma comunicação prévia, os órgãos competentes devem ter em conta o
ordenamento urbanístico, integrado pela legislação, pelos planos e outras disposições
regulamentares, mas não outros sectores do ordenamento jurídico cuja aplicação é
estranha à competência municipal.
Os actos de controlo prévio das operações urbanísticas não são, assim, um instrumento
adequado para verificar o respeito de situações jurídico-privadas, cuja definição não cabe à
Administração Pública, mas sim aos tribunais.
Também, entre nós, se entende que, ao emitir as licenças de construção, as câmaras
municipais têm apenas de “assegurar os interesses gerais e prevenir os danos sociais,
especialmente os referentes à segurança, salubridade e estética das edificações e à
observância dos planos de urbanização”, não tendo que se preocupar com a presumível
violação dos interesses ou direitos de terceiros [Acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo (l.a Secção) de 11 de Dezembro de 1964].
É certo que o requerente do licenciamento e o apresentante da comunicação prévia de
uma operação urbanística devem juntar documento comprovativo da sua legitimidade, isto
é, “a qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a
operação urbanística” (artigo 9.°, n.º 1, do R.JUE), e que o presidente da câmara municipal
tem poderes para rejeitar liminarmente o requerimento de licenciamento e a apresentação
da comunicação prévia se o requerente e o comunicante não juntarem documento
comprovativo da legitimidade, após despacho de aperfeiçoamento proferido pelo presidente
da câmara municipal (artigo 11.°, n.os 1 a 4 do RJUE). Mas o controlo feito pelo presidente
da câmara municipal da legitimidade do requerente e do comunicante é de índole
meramente formal, sendo rejeitado liminarmente o pedido de licenciamento ou a
apresentação da comunicação prévia apenas quando não for apresentado documento
comprovativo daquela legitimidade ou quando for patente e manifesto que o requerente ou
comunicante não são titulares do direito que invocam. O presidente da câmara municipal

72
não formula, assim, qualquer juízo sobre a existência, pertinência ou solidez do direito
constante do documento apresentado, pelo que se este for objecto de controvérsia jurídica
não pode aquele rejeitar liminarmente, com tal fundamento, o pedido de licenciamento ou a
apresentação da comunicação prévia. E se o requerente da licença vier a obtê-la ou o
comunicante vier a ser beneficiado com a admissão da comunicação prévia não poderão
invocar estes actos de controlo prévio de operações urbanísticas como argumento ou como
fundamento da titularidade de um direito de propriedade ou de um direito real limitado sobre
o terreno, no caso de existir litígio jurídico sobre a pertinência ou solidez do mesmo.
A conclusão a extrair de tudo o que vem de ser exposto é, pois, a de que existe uma
independência entre os actos de controlo prévio de operações urbanísticas e as normas de
direito privado, não sendo as mesmas susceptíveis de criar ou modificar direitos ou
obrigações existentes nas relações entre os particulares, nem de assegurar o respeito por
aqueles direitos ou obrigações.

A natureza federadora, de concentração ou de síntese

O sentido desta característica é o de que o acto de controlo prévio da operação urbanística


desempenha uma função federadora ou de síntese de todas as autorizações e aprovações
exigidas por lei para cada uma das operações urbanísticas. E, neste contexto, que a lei
exige, no âmbito dos procedimentos de licença e de comunicação prévia das operações
urbanísticas, a consulta às entidades que, nos termos da lei, devam emitir parecer,
autorização ou aprovação sobre o pedido de licença ou sobre a comunicação prévia da
operação urbanística (artigo 13.° e 13.°-B e 36.°, n.° 2, do RJUE), cominando com a sanção
de nulidade as licenças e admissões de comunicações prévias que não tenham sido
precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam
legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses
pareceres, autorizações ou aprovações [artigo 68.°, alínea c), do RJUE]. Os pareceres,
autorizações ou aprovações são, como referimos, promovidos pelo município, de acordo
com o sistema do guichet único, em que o particular se relaciona com uma única entidade,
o município, que, por sua vez, age como interlocutor com as entidades externas
consultadas, mas podem ser promovidos directamente pelo particular interessado, nos
termos do artigo 13.°-B do RJUE. E, no que respeita aos pareceres, aprovações e
autorizações de entidades da Administração Central, directa ou indirecta, do sector
empresarial do Estado, bem como de entidades concessionárias que exerçam poderes de
autoridade, relativos à localização da operação urbanística, são os mesmos efectuados,
como dissemos, por uma única entidade coordenadora, a CCDR territorialmente compe-
tente, a qual emite uma decisão global e vinculativa de toda a Administração (artigo 13.°-A
do RJUE).
Por efeito da característica apontada, a licença e a admissão da comunicação prévia
concentram ou federam as opiniões de todas as entidades que devam pronunciar-se sobre
a realização de cada uma das operações urbanísticas.
Todavia como já dissemos, as alterações mais recentes aos regimes jurídicos relativos
àquelas actividades vão inequivocamente na linha da supressão do figurino da dupla
aprovação de projectos de operações urbanísticas, em sintonia com o princípio da
simplificação procedimental. É o que sucede com o Decreto-Lei n.° 141/2009, de 16 de
Junho, que sujeita a instalação e a modificação de instalações desportivas ao regime do
RJUE e determina que “a abertura e funcionamento das instalações desportivas só pode
ocorrer após emissão pela câmara municipal territorialmente competente do alvará de
utilização do prédio ou fracção onde pretendem instalar-se as instalações desportivas e
depende de prévia comunicação da entidade exploradora à câmara municipal” (artigo 10.°,
n.os 1 e 2). De acordo com aquele diploma legal, os projectos relativos a instalações des-
portivas são objecto de um único acto de controlo prévio, da competência dos órgãos
municipais (artigo 13.° do Decreto-Lei n.° 141/2009), cabendo ao Instituto do Desporto de
Portugal, I. P. (IDP I. P.), emitir parecer, nos termos do RJUE, sobre alguns projectos de
instalações desportivas, o qual tem carácter vinculativo quando desfavorável ou sujeito a

73
condição (artigos 11.° e 12.° do Decreto-Lei n.° 141/2009).
196
Cfr. o Decreto-Lei n.° 96/2007, de 29 de Março, que aprova a orgâ nica do Instituto
de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P- (IGESPAR, I. P.), cujo artigo 3.°, n.° 4,
alínea a), indica como suas atribuições, inter alia, autorizar e acompanhar a execução de
intervenções em bens imóveis classificados ou em vias de classificação e respectivas zonas de
protecção, bem como emitir directivas vinculativas neste domínio. Cfr. também o artigo 5.°, n.° 1, alí-
nea b), do mesmo diploma legal (competências do Director do IGESPAR, I. P-)> bem como o artigo
4.°, n.° 1, alínea f), da Portaria n.° 376/2007, de 30 de Março (competências do departamento de
projectos e obras daquele Instituto). Cfr., ainda, o Decreto-Lei n.° 140/2009, de 15 de Junho, que
estabelece o regime jurídico dos estudos, projectos, relatórios, obras ou intervenções sobre bens
culturais classificados, ou em vias de classificação, de interesse nacional, de interesse público ou de
interesse municipal, e o Decreto-Lei n.° 309/2009, de 23 de Outubro, que regula o procedimento de
classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime jurídico das zonas de
protecção e do plano de pormenor de salvaguarda.

A revogabilidade limitada

A licença e a admissão de comunicação prévia (e o mesmo se diga das autorizações de


utilização) só podem ser revogadas nos termos estabelecidos na lei para os actos
constitutivos de direitos.É o que resulta do artigo 73.°, n.° 1, do RJUE — norma esta que,
excepcionando o caso particular referido no n.° 2 do mesmo artigo, se limita a remeter o
regime de revogação daqueles actos de controlo prévio das operações urbanísticas para as
pertinentes normas do CPA.
Ora, de acordo com este Código, os actos constitutivos de direitos ou interesses
legalmente protegidos que sejam válidos são irrevogáveis [artigo 140.°, n.° 1, alínea b)] e,
no caso de enfermarem de invalidade [tratando-se de anulabilidade, e não já de nulidade ou
de inexistência, pois, não tendo os actos nulos ou inexistentes produzido quaisquer efeitos
jurídicos, são eles insusceptíveis de revogação - artigo 139.°, n.° 1, alínea a), do CPA], só
podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo
recurso contencioso (o prazo mais longo da acção especial de impugnação do acto, que é
de um ano para o Ministério Público) ou até à resposta da entidade recorrida (artigo 141.°
do CPA). As licenças e as admissões de comunicações prévias estão, assim, como actos
constitutivos de direitos, submetidos a um regime de revogabilidade limitada.
Este regime vem suscitando, no entanto, várias questões. A primeira refere-se ao facto
de o artigo 73.°, n.° 1, do RJUE, ao remeter a disciplina da revogação da licença e da
admissão da comunicação prévia para o regime de revogação dos actos constitutivos de
direitos, ser totalmente indiferente à natureza dos vícios que provocam a invalidade
daqueles actos de controlo prévio das operações urbanísticas e desconsiderar
incompreensivelmente a boa fé dos destinata- rios destes actos administrativos de gestão
urbanística. Ora, se a ilegalidade do acto de controlo prévio da operação urbanística for de
natureza meramente procedimental, formal ou orgânica e não afectar regras ou princípios
essenciais do direito do urbanismo e, além disso, for exclusivamente imputável ao autor do
acto, estando o particular de boa fé, é legítimo defender limitações ao poder de revogação
dos actos inválidos de controlo prévio das operações urbanísticas em homenagem aos
princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça 199
A segunda questão relaciona-se com o facto de saber se é admissível a revogação dos
actos constitutivos de direitos, que sejam válidos, com fundamento em razões de interesse
público. Ou, aplicando este nódulo problemático aos actos de controlo prévio das operações
urbanísticas, se é juridicamente possível revogar uma licença ou uma admissão de
comunicação prévia, com fundamento no interesse público, não obstante a sua validade.
Esta questão tem sido analisada pela doutrina do direito administrativo geral, em relação a
todos os actos administrativos constitutivos de direitos. E a posição dessa doutrina tem sido
unânime: a de que a irrevogabilidade dos actos constitutivos de direitos, plasmada no artigo
140.°, n.° 1, alínea b), do CPA — e que constitui uma excepção ao princípio da livre
revogabilidade dos actos administrativos que sejam válidos, condensado no proémio do n.°
1 daquele artigo 140.° —, encontra o seu fundamento no princípio da protecção da

74
confiança (e também nos princípios da boa fé e da segurança jurídica).É, de facto, aquele
princípio que está na base da redacção da alínea b) do n.° 1 do artigo 140.° do CPA, como
decorre da previsão contida no n.° 2 do mesmo artigo e que constitui excepção àquela
alínea b). Ora, se a razão de ser da irrevogabilidade dos actos constitutivos de direitos (ou
de interesses legalmente protegidos) está localizada na confiança que os particulares
depositaram na estabilidade dos efeitos jurídicos dos mesmos, então essa estabilidade só
tem de ser garantida até onde vá essa confiança e na medida em que esta mereça ser
protegida. Daí que, nos casos em que essa confiança não existe, deva admitir-se a
revogabilidade dos actos constitutivos de direitos, que sejam válidos, por razões de
oportunidade, sem- pre que a mesma seja exigida pelo interesse público.
199
Cfr. LICÍNIO LOPES MARTINS, Alguns Aspectos Fundamentais do Regime Material das
Operações Urbanísticas, cit., p. 136-138. Este autor considera que o artigo 73.° do RJUE,
interpretado com o sentido de admitir, em toda a latitude, a revogação com fundamento em
ilegalidade dos actos urbanísticos, independentemente da natureza dos vícios que a provocam,
choca com os princípios constitucionais do direito administrativo, designadamente os princípios da
proporcionalidade e da justiça, pelo que suscita legítimas interrogações sobre a sua conformidade
com a Constituição.

Como sublinha FlLIPA URBANO Calvão, “[...] é necessário interpretar restritivamente o


conceito de actos constitutivos de direitos e interesses legalmente protegidos, precisamente
para deixar de fora aquelas situações em que não existe confiança a proteger ou em que a
mesma não merece ser protegida. Além disso, casos há em que o interesse público se faz
sentir com tal intensidade e premência que a Administração não pode deixar de pôr fim à
posição jurídica vantajosa do particular colidente com aquele interesse. Porque se alterou a
situação de facto ou em virtude de a Administração ter modificado as suas concepções
sobre o interesse público. Desde logo quando, por força de uma alteração da situação de
facto, se deixe de verificar algum dos pressupostos legais em que assentou a emissão do
acto: não se podendo dizer que o acto é inválido ab origine, uma vez que não o era no
momento da sua emissão, e não prevendo o nosso Código a anulação (ou revogação) por
invalidade superveniente, a alteração das circunstâncias sobre que assentou a prática do
acto tem de ser suficiente para a revogação (ainda que, eventualmente, com indemniza-
ção). E para que nestas situações não fique excluído um poder que é imprescindível — o de
revogar —, a al. b) do n.° 1 do art. 140.° tem de ser interpretada restritivamente”.
Retornando aos actos de controlo prévio das operações urbanísticas, propendemos a
aceitar que, com fundamento em especiais exigências do interesse público urbanístico,
possa ser revogada uma licença ou uma admissão de comunicação prévia de uma
operação urbanística, ainda que válida. Isso pode ocorrer, desde logo, por efeito da entrada
em vigor de um novo plano especial ou de um novo plano municipal de ordenamento do
território (ou por efeito da revisão ou da alteração do anterior plano). Todavia, tal revogação
configura um acto substancialmente expropriativo ou um acto equivalente a uma expro-
priação (expropriação de sacrifício ou expropriação em sentido substancial), pelo que deve
ser acompanhada de indemnização. É o que resulta, desde logo, como já sabemos, do
artigo 143.° do RJIGT, no que respeita às expropriações do plano.

O carácter vinculado ou regulado

No que respeita ao nosso ordenamento jurídico urbanístico, a licença de construção” é


considerada por alguns autores como uma autorização vinculada, em relação à qual a
Administração não goza de poderes discricionários, sendo obrigada a emitir a licença se o
projecto estiver conforme à lei.
A nossa opinião é a de que o carácter vinculado ou regulado dos actos de controlo
prévio das operações urbanísticas deve ser entendido em termos mais limitados do que os
acima expostos. Ele significa apenas que os órgãos administrativos competentes estão
vinculados aos fundamentos de indeferimento do pedido de licenciamento e aos
fundamentos de rejeição da comunicação prévia enumerados na lei (princípio da

75
taxatividade dos fundamentos de indeferimento e de rejeição), estando-lhes vedado
indeferir um pedido de licenciamento ou rejeitar uma comunicação prévia por fundamentos
diversos dos dela constantes (artigos 24.° e 36.° do RJUE), e não a exclusão de toda a mar-
gem de discricionaridade por parte daqueles órgãos. Como tivemos ensejo de referir supra,
o reconhecimento de um espaço de discricionaridade deve ser reconhecido nos casos em
que a lei utiliza o conceito de “pode” (artigos 24.°, n.os 2 e 4, e 25.°, n.° 1, do RJUE) e, bem
assim, naqueles em que recorre a “conceitos imprecisos-tipo” (programação legal fraca),
como sucede na alínea a) do n.° 2 e no n.° 4 do artigo 24.° do RJUE.
Assinale-se, por último, que a margem de discricionaridade detida pelos órgãos
competentes no momento da aprovação dos projectos de obras e da prática dos actos de
controlo prévio das operações urbanísticas é maior nos casos em que inexista qualquer
plano municipal de ordenamento do território, reduzindo-se progressivamente conforme a
área ocupar com a operação urbanística esteja coberta por um plano director municipal,
plano de urbanização e plano de pormenor ou alvará de loteamento. Na verdade, não se
pode olvidar que os actos de controlo prévio das operações urbanísticas devem ser en-
quadrados no âmbito do procedimento de planificação do território, do qual constituem o
acto terminal, e que, à medida que se desce na escala hierárquica dos planos urbanísticos,
mais concretas se apresentam as opções adoptadas pelos municípios quanto ã ocupação,
uso e transformação do solo, pelo que, correlativamente, cada vez mais restritos se
apresentam os poderes de apreciação do órgão que pratica os actos de controlo prévio das
operações urbanísticas .

76
Deveres e ónus jurídicos associados aos actos de controlo prévio das operações
urbanísticas

O RJUE fixa um núcleo de condutas a cargo do requerente e do beneficiário da licença,


bem como do apresentante e do beneficiário da admissão da comunicação prévia de
operações urbanísticas, revestindo umas a natureza de deveres jurídicos e outras de ónus
jurídicos. Os deveres ou obrigações são condutas impostas ao requerente e ao beneficiário
da licença, bem como ao apresentante e ao beneficiário da admissão da comunicação
prévia de operações urbanísticas para tutela do interesse público urbanístico cujo
incumprimento é um facto ilícito, punível, em regra, como contra-ordenação. Por sua vez, os
ónus jurídicos caracterizam-se pela necessidade de o particular que se encontra naquelas
situações adoptar certo comportamento para “a aquisição ou conservação dum direito ou
duma vantagem jurídica”, isto é, para a satisfação de um “interesse próprio”, e cuja inob-
servância tem apenas como sanção “não se ter por verificada a situação que se produziria
se o ónus fosse cumprido”.
O ónus jurídico consiste, assim, “na necessidade de observância de certo comportamento,
não por imposição da lei, mas como meio de obtenção ou de manutenção de uma
vantagem para o onerado”. São duas, por conseguinte, as notas típicas do ónus jurídico:
por um lado, o acto a que o ónus se refere não é imposto como um dever, apresentando-se
o ónus, antes, como alguns autores sugestivamente afirmam, como um dever livre; por
outro lado, o acto não visa satisfazer o interesse de outrem, mas, ao invés, o interesse
exclusivo ou também o interesse do próprio onerado, sendo, por isso, um meio de se alcan-
çar uma vantagem ou, pelo menos, se evitar uma desvantagem.
Vejamos, então, quais são os principais deveres e ónus jurídicos estabelecidos no
RJUE no âmbito dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas.

Deveres jurídicos

No elenco dos deveres jurídicos, surgem-nos, em primeiro lugar, os deveres de


publicidade. Abrangem estes o dever de publicitação do pedido de licenciamento e da
apresentação da comunicação prévia, sob a forma de aviso, segundo o modelo aprovado
pela Portaria n.° 216-C/2008, de 3 de Março, a colocar no local de execução da operação
urbanística de forma visível da via pública, no prazo de 10 dias a contar da apresentação do
requerimento inicial ou comunicação (artigo 12.° do RJUE), bem como o dever de afixação
por parte do titular do alvará de licenciamento de operações urbanísticas, no prazo de 10
dias após a emissão do mesmo, no prédio objecto da operação urbanística de um aviso, de
acordo com o modelo aprovado pela Portaria n.° 216-F/2008, de 3 de Março, o qual deve
ser visível do exterior e deve aí permanecer até conclusão das obras (artigo 78.°, n. os 1, 3 e
4, do RJUE), e o dever de afixação por parte do beneficiário da admissão da comunicação
prévia de um aviso, em termos semelhantes aos anteriormente referidos, também segundo
o modelo aprovado pela Portaria n.° 216-F/2008 (artigo 78.°, n.° 5, do RJUE).
A qualificação destas condutas impostas ao requerente e ao beneficiário da licença,
bem como ao apresentante e ao beneficiário da admissão da comunicação prévia de
operações urbanísticas como deveres jurídicos resulta claramente das alíneas i) e j) do n.°
1 do artigo 98.° do RJUE, que tipificam como ilícitos de mera ordenação social, puníveis
como contra-ordenação, as violações ou os incumprimentos de tais obrigações.
A imposição do dever de publicitação do pedido de licenciamento e da apresentação da
comunicação prévia tem como finalidade possibilitar a qualquer interessado participar no
procedimento de licença e de comunicação prévia, solicitando informações e formulando
observações e reclamações, com vista à tutela dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos. E a obrigação de publicitação do alvará e da admissão da comunicação prévia
tem como objectivo dar a conhecer a todos os interessados a existência de um acto de
controlo prévio de uma operação urbanística para que estes possam, se for caso disso, de-
sencadear os meios administrativos e jurisdicionais de defesa dos seus direitos ou
interesses legalmente protegidos.

77
Integra o núcleo de deveres jurídicos, em segundo lugar, o dever de identificação do
director de obra. De facto, o titular da licença de construção e o apresentante da
comunicação prévia estão obrigados a afixar numa placa em material imperecível no
exterior da edificação ou a gravar num dos seus elementos exteriores a identificação do
director de obra (artigo 61.° do RJUE).
Em terceiro lugar, o dever de até cinco dias antes do início dos trabalhos o promotor
informar a câmara municipal dessa intenção, comunicando também a identidade da pessoa,
singular ou colectiva, encarregada da execução dos mesmos — pessoa essa que está obri-
gada à execução exacta dos projectos e ao respeito pelas condições do licenciamento ou
comunicação prévia (artigo 80.°-A do RJUE).
Em quarto lugar, o dever de urbanização, isto é, o dever de realização das obras de
urbanização, nos casos de operações de loteamento que delas careçam, de acordo com as
condições fixadas a observar na execução das mesmas, onde se inclui o cumprimento do
disposto no regime da gestão de resíduos de construção e demolição nelas produzidos, e
dentro do prazo fixado para a sua conclusão (artigo 53.° do RJUE).
Em quinto lugar, o dever de realização de quaisquer operações urbanísticas em
conformidade com o respectivo projecto e com as condições do licenciamento ou da
admissão da comunicação prévia (artigos 57.°, 58.° e 59.° do RJUE). O artigo 98.°, n.° 1,
alíneas b) e c), considera punível como contra-ordenação a realização de quaisquer
operações urbanísticas ou a execução de trabalhos em desconformidade com o respectivo
projecto ou com as condições do licenciamento ou da admissão de comunicação prévia.
Sublinhe-se que a conclusão das obras e dos trabalhos dentro do prazo fixado na licença ou
comunicação prévia ou suas prorrogações, que assumia a natureza de um dever jurídico,
passou, por força do artigo 71.°, n.° 3, alínea d), da versão actual do RJUE, a constituir um
ónus jurídico a cargo titular da licença ou da admissão de comunicação prévia, cuja
inobservância acarreta a caducidade destes actos de controlo prévio de operações
urbanísticas.
Compõem, em sexto lugar, o conjunto de deveres jurídicos: o dever de colocação de um
livro de obra em todas as obras licenciadas ou objecto de comunicação prévia, a conservar
no local de execução, e onde devem ser registados pelo director da obra todos os factos
relevantes relativos à execução da mesma, para consulta pelos funcionários municipais
responsáveis pela fiscalização das obras — livro de obra esse cujo modelo, conteúdo e
características foram definidos pela Portaria n.° 1268/2008, de 6 de Novembro (artigo 97.°
do RJUE); e o dever de limpeza da área e reparação de estragos por parte do dono da
obra, uma vez concluída a mesma, ficando aquele obrigado a proceder ao levantamento do
estaleiro, à limpeza da área, de acordo com o regime de gestão de resíduos de construção
e demolição nela produzidos, e à reparação de quaisquer estragos ou deteriorações que
tenha causado em infra-estruturas públicas - dever esse cujo cumprimento é condição de
emissão do alvará de utilização ou de recepção provisória das obras de urbanização, salvo
quando tenha sido prestada caução para garantia de execução das operações
corporizadoras daquele dever (artigo 86.° do RJUE). Atestam a caracterização destes
comportamentos como deveres jurídicos as alíneas l), m) e n) do n.° 1 do artigo 98.° do
RJUE, que tipificam como ilícitos de mera ordenação social, puníveis como contra-
ordenações, a falta de livro de obra no local onde se realizam as obras, a falta dos registos
do estado de execução das obras no livro de obra e a não remoção dos entulhos e demais
detritos resultantes da obra, nos termos do artigo 86.° do RJUE.
Fazem parte, por último, do naipe de deveres jurídicos associados aos actos de controlo
prévio das operações urbanísticas: o dever de solicitação por parte do interessado à câmara
municipal do averbamento de substituição do requerente ou comunicante, do responsável
por qualquer dos projectos apresentados, do director de obra ou do director de fiscalização
de obra, do titular do alvará de construção ou do título de registo emitido pelo Instituto da
Construção e do Imobiliário (InCI, I. P.), bem como do titular do alvará de licença ou do
titular da admissão da comunicação prévia (artigos 9.°, n.° 9, e 77.°, n.° 7, do RJUE); e o
dever de mencionação no anúncios ou em quaisquer outras formas de publicidade à
alienação de lotes de terreno, de edifícios ou fracções autónomas neles construídos, em

78
construção ou a construir, do número do alvará ou da comunicação prévia e da data da sua
emissão ou admissão pela câmara municipal, bem como do respectivo prazo de validade
(artigo 52.° do RJUE). As alíneas o) e p) do n.° 1 do artigo 98.° do RJUE punem como
contra-ordenação a violação destes deveres.

Ónus jurídicos

a) Assume a natureza de ónus jurídico, em primeiro lugar, a prestação de caução


destinada a assegurar a boa e regular execução das obras de urbanização no caso de
licenciamento de obras de urbanização [artigos 53.°, n.° 1, alínea b), e 54.° do RJUE]. A
caracterização desta conduta a cargo do beneficiário deste acto resulta da circunstância de
a prestação de caução surgir como condição da emissão do alvará que titula a operação de
obras de urbanização (ou o alvará único no caso de operação de loteamento que exija a
realização de obras de urbanização), o qual é condição de eficácia da licença (artigos 74.°
n.° 1, 75.° e 76.° do RJUE).

b) Constituem, em segundo lugar, ónus jurídicos as cedências gratuitas para


implantação de espaços verdes públicos, equipamentos de utilização colectiva e infra-
estruturas que, de acordo com a lei e a licença ou comunicação prévia, devam integrar o
domínio municipal, a cargo do proprietário e dos demais titulares de direitos reais sobre o
prédio a lotear, previstas nos artigos 44.° e seguintes do RJUE. A configuração das
cedências de parcelas de terreno como ónus jurídico deriva do facto de as mesmas se
apresentarem como pressuposto da obtenção por parte do requerente do acto de controlo
prévio da operação de loteamento do “direito” à realização desta operação urbanística.
Esta matéria reclama alguns desenvolvimentos, os quais não podem deixar de partir de
uma análise conjugada dos artigos 43.° e 44.° do RJUE. O artigo 43.°, n.° 1, deste diploma
legal estabelece que os projectos de loteamento devem prever áreas destinadas à implanta-
ção de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos. A
razão de ser deste preceito — e também do artigo 44.°, n.° 1, respeitante às cedências —
encontra-se na necessidade de garantir que o desenvolvimento urbanístico da área a lotear
seja pautado pela observância dos imperativos da qualidade de vida ou do ambiente
urbano, bem como a existência de um conjunto de equipamentos sociais, destinados a
servir os residentes da zona em causa. De acordo com o n.° 2 do artigo 43.° do RJUE, os
parâmetros para o dimensionamento daquelas áreas são definidos em plano municipal de
ordenamento do território. Mas, como já sabemos, segundo o artigo 6.°, n.° 3, da Lei n.°
60/2007, de 4 de Setembro, “até ao estabelecimento, nos termos do n.° 2 do artigo 43.°, dos
parâmetros para o dimensionamento das áreas referidas no n.° 1 do mesmo artigo,
continuam os mesmos a ser fixados por portaria do membro do Governo responsável pelo
ordenamento do território”. Tais parâmetros foram fixados pela Portaria n.° 216-B/2008, de
3 de Março, rectificada pela Declaração de Rectificação n.° 24/2008, de 2 de Maio.
Não obstante a utilidade pública subjacente às áreas que vimos referindo, o legislador
não impôs que as mesmas se encontrem sempre na titularidade do município. Isso apenas
sucederá se se impuser a sua abertura ou utilização pelo público em geral (e, por isso, não
circunscrita à utilização exclusiva dos proprietários ou titulares de direitos reais sobre os
lotes e às pessoas por estes autorizadas ou toleradas). Pelo contrário, resulta dos n.os 3 e 4
do artigo 43.° do RJUE que aquelas áreas podem revestir natureza privada, constituindo,
nesse caso, partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios
que neles venham a ser construídos, e regendo-se pelo disposto nos artigos 1420.° a
1438.°-A do Código Civil. E para efeitos de verificação do cumprimento dos parâmetros de
dimensionamento dessas áreas, são contabilizadas também as parcelas de natureza
privada (artigo 43.°, n.os 2, 3 e 4, do RJUE).
No que respeita às cedências para o domínio municipal, contempladas no artigo 44.° do
RJUE, importa sublinhar a superação da ideia, tradicional na nossa legislação urbanística
até à alteração do RJUE pela Lei n.° 60/2007, de 4 de Setembro, de que as parcelas de
terreno cedidas tinham de integrar sempre o domínio público municipal. Com efeito, o artigo

79
44.°, n.os 1 e 3, do RJUE, na versão da Lei n.° 60/2007, veio prescrever a integração dos
terrenos cedidos genericamente no domínio municipal, cabendo ao município determinar a
sua inclusão no domínio público ou no domínio privado, em função da utilidade pública que
lhes atribuir - solução esta que se apresenta virtuosa, desde logo porque permite uma maior
flexibilidade na utilização dos terrenos objecto de cedência, no quadro da gestão urbanística
desenvolvida pelo município.
De harmonia com o que preceitua o n.° 3 do artigo 44.° do RJUE, o título que opera a
transferência da propriedade para o município é o alvará, nos casos em que a operação de
loteamento está sujeita a licença, ou o instrumento próprio a realizar pelo notário privativo
da câmara municipal, nas hipóteses em que o loteamento esteja submetido a comunicação
prévia224. Em qualquer dos casos, constam dos referidos títulos de aquisição da propriedade
as finalidades a que as parcelas de terreno cedidas ficarão adstritas. De facto, como
determina a parte final do n.° 3 do artigo 44.° do RJUE, a câmara municipal deve “definir no
momento da recepção as parcelas afectas aos domínios públicos e privado do município”.
Todavia, não basta para que as parcelas de terreno adquiram o estatuto de bens do
domínio público ou de bens do domínio privado do município a definição no título translativo
da propriedade da função que esses bens vão desempenhar, é necessário ainda o efectivo
(factual) exercício da função a que o bem ficou adstrito por força da adaptação (a “entrada
ao serviço”), o qual constitui uma condição de eficácia daquele estatuto.
Tendo em conta a ratio das normas dos artigos 43.° e 44.° do RJUE, anteriormente
apontada, não surpreende que o legislador tenha estendido a aplicação das mesmas a
outras operações urbanísticas que, respeitando a edifícios contíguos e funcionalmente
ligados entre si, determinem, em termos urbanísticos, impactes semelhantes a uma
operação de loteamento, nos termos a definir por regulamento municipal (artigo 57.°, n.° 5,
do RJUE). Ou ainda a qualquer operação urbanística que, nos termos de regulamento
municipal, seja considerada de impacte relevante (artigo 44.°, n.° 5, do RJUE). De facto,
esta norma, ao determinar que “o proprietário e demais titulares de direitos reais sobre
prédio a sujeitar a qualquer operação urbanística que nos termos de regulamento municipal
seja considerada como de impacte relevante ficam também sujeitos às cedências e
compensações previstas para as operações de loteamento”, subentende que, também
nestas hipóteses, devem ser previstas áreas destinadas à implantação de espaços verdes e
de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos, e haver lugar a cedências de
parcelas de terreno para o domínio municipal ou a compensações, em numerário ou
espécie, nas condições que vamos referir de seguida.
Se ocorrer qualquer das situações previstas no n.° 4 do artigo 44.° do RJUE, não há
lugar a cedências de parcelas de terreno. Tais situações são as seguintes: quando o prédio
a lotear já estiver servido de infra-estruturas destinadas a servir directamente os espaços
urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos viárias e pedonais, e redes de
esgotos e de abastecimento de água, electricidade, gás e telecomunicações; ou quando
não se justificar a localização de qualquer equipamento público ou espaço verde público,
designadamente porque a zona onde o loteamento se situa já dispõe de espaços e
equipamentos suficientes para ocorrer às necessidades das populações; ou quando os
espaços verdes e de utilização colectiva, as infra-estruturas viárias e os equipamentos de
natureza privada previstos no loteamento (mencionados no n.° 4 do artigo 43.° do RJUE),
isoladamente ou em conjunto com os de natureza pública já existentes, respondem
satisfatoriamente às necessidades das populações, em especial às dos futuros residentes
da área a lotear 7. Em tais casos de inexistência de cedências, o proprietário do terreno a
lotear deve pagar uma compensação ao município, em numerário ou espécie, nos termos
definidos em regulamento municipal.
Esta compensação — que a doutrina vem configurando materialmente como uma taxa
urbanística e, como tal, vinculada à observância do princípio da proporcionalidade—
encontra o seu fundamento na perequação ou na garantia do princípio da igualdade, de
modo a que o particular, isento do ónus jurídico de ceder áreas para o domínio municipal,
não saia beneficiado face aos demais proprietários e promotores imobiliários, em
consequência de a área a lotear dispor, a priori, dos equipamentos ou infra-estruturas em

80
causa (quer por o município os haver construído em terrenos próprios, quer por resultarem
de cedências ocorridas no âmbito de outras operações urbanísticas). Mas, sendo aquele o
fundamento da compensação, então não deve esta ser exigida, sob pena de violação dos
princípios da proporcionalidade e da igualdade, nas hipóteses em que o proprietário ou o
promotor já destinou parcelas (privadas) para a prossecução das funções a que as áreas
municipais iriam ficar adstritas. Daí que se deva advogar uma interpretação restritiva da
norma do n.° 4 do artigo 44.° do RJUE.
Como nota final sobre o regime das cedências de parcelas de terreno para o domínio
municipal, no âmbito dos loteamentos urbanos, importa referir que o mesmo se situa entre a
lei e o regulamento. De facto, as normas do RJUE relativas ao regime jurídico das
cedências remetem a respectiva conformação, em larga medida, para as normas
regulamentares a cargo do município. E o que sucede, desde logo, com as múltiplas
remissões para as disposições dos planos - quanto à definição de áreas de cedência média
(artigo 141.° do RJIGT), aos parâmetros de dimensionamento das áreas para espaços
verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos (artigo 43.°, n.° 2,
do RJUE) e à identificação de áreas a ceder [artigo 92.°, n.° 3, alínea e), do RJIGT] — ou
para regulamentos municipais - aos quais está cometida, inter alia, a densificação dos
conceitos de operação urbanística de “impacte relevante” (artigo 44.°, n.° 5, do RJUE) ou
com “impactes semelhantes a uma operação de loteamento” (artigo 57.°, n.° 5, do RJUE) e
a definição das compensações por não cedência de parcelas de terreno ao município
(artigo 44.°, n.° 4, do RJUE). Apesar de a matéria de cedências contender com o direito de
propriedade privada (direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias),
cremos que dúvidas inexistem sobre a legitimidade constitucional da referida normação
infra-legal, ou porque a mesma se encontra na própria legitimidade constitucional dos
planos urbanísticos (sediada no artigo 65.°, n.° 4, da Constituição), ou porque ela entronca
na concordância prática entre o princípio da reserva de lei, plasmado no artigo 165.°, n.° 1,
alínea b), da Constituição, e o princípio da autonomia normativa-regulamentar das
autarquias locais condensado no artigo 241.° da Lei Fundamental. De qualquer modo,
quanto ao princípio da reserva de lei no domínio dos direitos análogos aos direitos,
liberdades e garantias, este, de harmonia com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.°
373/91, apenas abrange “as intervenções legislativas que contendam com o núcleo
essencial dos «direitos análogos», por aí se verificarem as mesmas razões de ordem
material que justificam a actuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades
e garantias”.

c) Integra-se, em terceiro lugar, na categoria de ónus jurídicos o pagamento das


taxas correspondentes ã emissão dos alvarás de licença (e de autorização de utilização) e à
admissão de comunicação prévia, previstas no n.° 1 do artigo 116.° do RJUE e no artigo 6.°,
alínea b), da Lei n.° 53-6/2006, de 29 de Janeiro, alterada pela Lei n.° 117/2009, de 29 de
Dezembro (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais), bem como o pagamento da
taxa pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas correspondente
à emissão do alvará de licença e à admissão de comunicação prévia de loteamento e à
emissão do alvará de licença e à admissão de comunicação prévia de obras de construção
ou ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou alvará de obras de
urbanização, nos termos dos n. os 2 e 3 do artigo 116.° do RJUE, taxa referida na alínea a)
do n.° 1 do artigo 6.° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais e cuja criação é
legitimada pelo artigo 15.° da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.° 2/2007, de 15
de Janeiro.
A caracterização da referida conduta como ónus jurídico resulta inequivocamente de
várias disposições do RJUE, que fazem depender do pagamento daquelas taxas a emissão
do alvará, o qual é, por seu turno, condição de eficácia da licença (ou da autorização de
utilização dos edifícios), ou o início das obras, no caso de admissão de comunicação prévia
(artigos 36.°-A, n.° 2, e 76.°, n.os 4 e 5, do RJUE). A liquidação das referidas taxas compete,
no caso de licença, ao presidente da câmara municipal, em conformidade com o
regulamento aprovado pela assembleia municipal (artigo 117.°, n.° 1, do RJUE) e, no caso

81
de admissão de comunicação prévia, ao beneficiário desta (autoliquidação) (artigo 36.°-A,
n.° 2, do RJUE).
As taxas referenciadas em primeiro lugar são a contrapartida das actividades de
controlo da actividade urbanística dos particulares (são o “preço” a pagar por serviços
prestados pela Administração Pública de controlo). Elas têm como contrapartida a remoção
de uma proibição a uma forma de ocupação do solo e a prestação de um serviço por parte
da Administração, serviço esse que corresponde à apreciação dos projectos e ã emissão
das respectivas licenças e alvarás e à admissão de comunicações prévias. As taxas a que
nos estamos a referir são, pois a contrapartida de um serviço burocrático prestado aos
particulares pelos órgãos municipais.
Quanto à taxa pela realização, manutenção e reforço das infra- -estruturas urbanísticas,
já lhe fizemos uma referência no Volume I deste Manual, tendo sublinhado o papel da
mesma no domínio da perequaçao dos benefícios e encargos resultantes dos planos e da
garantia do princípio da igualdade de tratamento entre os proprietários dos terrenos
abrangidos pelos planos. Importa, agora, referir, ainda que em linhas breves, uma questão
deixada intencionalmente em aberto naquele Volume I, que é justamente a questão da
natureza jurídica daquela taxa.
Tem sido muito debatida a questão da natureza jurídica da taxa pela realização,
manutenção e reforço das infra-estruturas urbanísticas, a qual foi criada pelo já revogado
Decreto-Lei n.° 98/84, de 29 de Março, em cujo exórdio se salientou “a criação de uma taxa
de urbanização que os municípios poderão lançar para cobrir os custos das infra-estruturas
que realizem”. Com efeito, quer a doutrina, quer a jurisprudência se dividem a este
propósito: de um lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e autores como
D. FREITAS DO AMARAL, D. LEITE CAMPOS, AFONSO MARCOS E NUNO SÁ GOMES pronunciam-
se no sentido da sua natureza de imposto; do outro lado, a jurisprudência do Tribunal
Constitucional e autores como E. PAZ FERREIRA E Aníbal Almeida têm vindo a pronunciar-se
pela sua natureza de taxa.
Pela nossa parte, entendemos que a taxa de que nos estamos a ocupar assume a
natureza de verdadeira taxa. Quando se trate de operações de loteamento, tendo em conta
que a infra-estrutura- ção da área que é objecto da operação é um encargo do promotor,
esta taxa surge como contrapartida para o município “pela realização de novas infra-
estruturas ou alteração das existentes em consequência da sobrecarga derivada da nova
ocupação” (preâmbulo do já revogado Decreto-Lei n.° 400/84, de 31 de Dezembro), no
exterior da área loteada. Esta taxa não visa, pois, cobrir os custos das obras de urbanização
exigidas pela operação de loteamento, uma vez que estas são realizadas pelo titular do
alvará do loteamento, mas compensar o município pela realização de novas infra-estruturas
urbanísticas fora da área a lotear, ou pela alteração das existentes, em consequência do
acréscimo de utilização decorrente da nova ocupação do solo, isto é, pela alteração das
denominadas infra-estruturas gerais, tais como o reforço da captação de água, o
alargamento das condutas de esgotos, etc.
Esta taxa é, num plano formal, um dos mais importantes instrumentos financeiros que
estão à disposição dos municípios, consistindo numa das (poucas) formas de fazer os
particulares participar na construção, reforço ou remodelação dos sistemas gerais de
urbanização do território. Estamos, assim, perante uma fonte de receita local destinada a
cobrir os impactes das operações urbanísticas (loteamentos e construções) nos sistemas
gerais das infra-estruturas de competência municipal, servindo, portanto, para financiar o
investimento municipal em infra- -estruturas gerais.
Podemos, pois, afirmar que esta taxa é a contrapartida devida aos municípios pelas
utilidades prestadas aos particulares que se traduzem na disponibilização de infra-
estruturas principais, considerando-se aceitável que o produto da sua cobrança constitua
uma das principais fontes de financiamento municipal destas infra-estruturas, principalmente
nos períodos de maior pujança do sector imobiliário e da construção civil, quando é mais
visível o processo de expansão ou densificação urbanas.
Os sujeitos passivos desta taxa são os agentes produtores de lotes, na maioria dos
casos infra-estruturados pelos próprios, e ainda os agentes que promovem a construção em

82
parcelas de terrenos constituídas e com capacidades de edificabilidade atribuídas por
instrumentos de planeamento eficazes ou, na sua ausência, por regras definidas em legis-
lação aplicável.
d) São, em quarto lugar, ónus jurídicos as condutas a adoptar pelos particulares para
evitar uma desvantagem, traduzida na caducidade da licença ou admissão de comunicação
prévia, prevista no artigo 71.° do RJUE, e consequente cassação pelo presidente da
câmara municipal do alvará ou da admissão de comunicação prévia, nos termos do artigo
79.° do mesmo diploma legal.
De facto, nos termos do n.° 1, alíneas a) e b), do artigo 71.° do RJUE, a licença ou
admissão de comunicação prévia para a realização de operação de loteamento caduca se
não for apresentada a comunicação prévia para a realização das respectivas obras de
urbanização no prazo de um ano a contar da notificação do acto de licenciamento ou, na
hipótese de comunicação prévia, não for apresentada comunicação prévia para a realização
de obras de urbanização no prazo de um ano a contar da admissão daquela; ou se não for
requerido o alvará único a que se refere o n.° 3 do artigo 76.° do RJUE no prazo de um ano
a contar da admissão da comunicação prévia das ' respectivas obras de urbanização.
Segundo o n.° 2 do mesmo artigo do RJUE, a licença ou a admissão de comunicação
prévia para a realização de operação de loteamento que não exija a realização de obras de
urbanização, bem como a licença para a realização das operações urbanísticas previstas
nas alíneas b) a e) do n.° 2 e no n.° 3 do artigo 4.° do RJUE, caducam se, no prazo de um
ano a contar da notificação do acto de licenciamento, não for requerida a emissão do res-
pectivo alvará ou do pagamento das taxas, através de autoliquidação, na hipótese de
comunicação prévia.
E, de harmonia com o n.° 3 do citado artigo 71.° do RJUE, a licença ou a admissão de
comunicação prévia para a realização das operações urbanísticas referidas no n.° 2 do
mesmo artigo, bem como a licença ou a admissão de comunicação prévia para a realização
de operação de loteamento que exija a realização de obras de urbanização caducam ainda:
se as obras não forem iniciadas no prazo de nove meses a contar da data da emissão do
alvará ou do pagamento das taxas, através de autoliquidação no caso da falta de rejeição
da comunicação prévia, ou, nos casos previstos no artigo 113.°, da data do pagamento das
taxas, do seu depósito ou da garantia do seu pagamento [alínea a)]; se as obras estiverem
suspensas por período superior a seis meses, salvo se a suspensão decorrer de facto não
imputável ao titular da licença ou da admissão de comunicação prévia [alínea b)]; se as
obras estiverem abandonadas por período superior a seis meses [alínea c)]; e se as obras
não forem concluídas no prazo fixado na licença ou comunicação prévia ou suas
prorrogações, contado a partir da data da emissão do alvará ou do pagamento das taxas,
no caso da não rejeição da comunicação prévia [alínea d)]. Presumem-se abandonadas as
obras ou trabalhos sempre que se encontrem suspensos sem motivo justificativo registado
no respectivo livro de obra, decorram na ausência do técnico responsável pela respectiva
execução ou se desconheça o paradeiro do titular da licença ou comunicação prévia, sem
que este haja indicado à câmara municipal procurador bastante que o represente [artigo
71.°, n.° 4, alíneas a), b) e c), do RJUE].
Todas estas caducidades são declaradas pela câmara municipal, com audiência prévia
do interessado (artigo 71.°, n.° 5, do RJUE), donde resulta que as mesmas não se
enquadram na figura da caducidade preclusiva, mas na de caducidade-sanção. Mas à
questão da natureza jurídica das caducidades previstas no artigo 71.° do RJUE voltaremos
infra.

Direitos e garantias relacionados com os actos de controlo prévio das operações


urbanísticas
O RJUE estabelece também um acervo de direitos e garantias em benefício daqueles
que pretendam promover a realização de operações urbanísticas, sejam eles requerentes
ou titulares da licença ou apresentantes ou titulares da admissão da comunicação prévia ou
simplesmente interessados na solicitação de um acto de controlo prévio de uma operação
urbanística. Vamos referir os mais relevantes.

83
a) O direito genérico à informação pela câmara municipal sobre os instrumentos de
desenvolvimento e planeamento territorial em vigor para determinada área do município,
bem como sobre as demais condições gerais a que devem obedecer as operações
urbanísticas — informação que deve ser prestada independentemente de despacho e no
prazo de 15 dias [artigo 110.°, n.os 1, alínea a), e 2, do RJUE]. Este direito é extensivo a
quaisquer pessoas que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que
pretendem e ainda, para defesa de interesses difusos definidos na lei, a quaisquer cidadãos
no gozo dos seus direitos civis e políticos e às associações e fundações defensoras de tais
interesses (artigo 110.°, n.° 6, do RJUE). Para satisfação deste direito, deve a câmara
municipal fixar, no mínimo, um dia por semana para que os serviços municipais
competentes estejam especificadamente à disposição dos cidadãos para a apresentação de
eventuais pedidos de esclarecimento ou de informação ou reclamações (artigo 110.°, n.° 5,
do RJUE).

b) O direito à informação procedimental por parte da câmara municipal sobre o estado e


andamento dos processos administrativos que digam directamente respeito aos
interessados, com especificação dos actos já praticados e do respectivo conteúdo, e
daqueles que ainda devam sê-lo, bem como dos prazos aplicáveis a estes últimos - infor-
mação esta que deve ser prestada também independentemente de despacho e no prazo de
15 dias [artigo 110.°, n.os 1, alínea b), e 2, do RJUE]. De modo idêntico, este direito é
extensivo a qualquer pessoa que prove ter interesse legítimo no conhecimento dos
elementos que pretende e ainda, para defesa de interesses difusos definidos na lei, a
quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e às associações e fundações
defensoras de tais interesses (artigo 110.°, n.° 6, do RJUE). Também para facilitar a
satisfação deste direito, deve a câmara municipal fixar, no mínimo, um dia por semana para
que os serviços municipais competentes estejam especificadamente à disposição dos
cidadãos para a apresentação de eventuais pedidos de esclarecimento ou de informação ou
reclamações (artigo 110.°, n.° 5, do
RJUE).

c) O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, traduzido no direito que


assiste aos interessados de consultar os processos que lhes digam directamente respeito,
nomeadamente por via electrónica, e de obter as certidões ou reproduções autenticadas
dos documentos que os integram, mediante o pagamento das importâncias que forem
devidas (artigo 110.°, n.° 3, do RJUE). Este acesso aos processos e passagem de certidões
deve ser requerido por escrito, salvo consulta por via electrónica, e é facultado
independentemente de despacho e no prazo de 10 dias a contar da data da apresentação
do respectivo requerimento (artigo 110.°, n.° 4, do RJUE). Também este direito não é um
direito uti singuli, exclusivo da pessoa que tiver requerido uma licença ou apresentado uma
comunicação prévia de uma operação urbanística, antes é extensivo a qualquer pessoa que
prove ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretende e ainda para
defesa de interesses difusos definidos na lei, a quaisquer cidadãos no gozo dos seus
direitos civis e políticos e às associações e fundações defensoras de tais interesses (artigo
110.°, n.° 6, do RJUE). Para promover a satisfação deste direito, deve igualmente a câmara
municipal fixar, no mínimo, um dia por semana para que os serviços municipais
competentes estejam especificadamente à disposição dos cidadãos para a apresentação de
eventuais pedidos de esclarecimento ou de informação ou reclamações (artigo 110.°, n.° 5,
do RJUE).

d) O direito à obtenção de informação prévia, nos termos anteriormente


expostos, a qual, no caso de ser favorável, e nas condições supra identificadas, configura
um acto constitutivo de direitos (artigos 14.° a 17.° do RJUE).

e) Afixação de prazos para as entidades externas ao município emitirem

84
parecer, autorização ou aprovação sobre a operação urbanística (artigo 13.°, n.° 4, do
RJUE) e sobre a localização da mesma (artigo 13.°-A, n. os 3 e 4, do RJUE), para a câmara
municipal deliberar sobre o projecto de arquitectura (artigo 20.°, n.° 3, do RJUE) e para
adopção da decisão sobre o pedido de licenciamento da operação urbanistica pela câmara
municipal (artigo 23.° do RJUE) e para a rejeição pelo presidente da câmara municipal da
comunicação prévia da operação urbanística (artigo 36.°, n.os 1 e 2, do RJUE). A
consequência da ultrapassagem dos prazos para a emissão de parecer, autorização ou
aprovação sobre o pedido por parte das entidades externas ao município é a consideração
da concordância destas entidades com a pretensão formulada (artigo 13.°, n.° 5, do RJUE).

j) A enumeração taxativa dos fundamentos de indeferimento do pedido de licenciamento


(artigos 24.° e 25.°) e de rejeição da comunicação prévia (artigo 36.°, n.° 1, do RJUE), com
o sentido anteriormente assinalado 244.

g) O direito de o interessado na consulta a entidades externas ao município


entregar os pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos juntamente com o
requerimento inicial ou com a comunicação prévia (artigo 13.°-B, n.° 1), de solicitar, no
termo do prazo fixado para a promoção das consultas, a passagem de certidão dessa
promoção, a qual deve ser emitida pela câmara municipal ou pela CCDR no prazo de oito
dias (artigo 13.°-B, n.° 4), e, se a certidão for negativa, de promover directamente as
consultas que não hajam sido realizadas ou de pedir ao tribunal administrativo que intime a
câmara municipal ou a CCDR a fazê-lo, nos termos do artigo 112.° do RJUE (artigo 13.°-B,
n.° 5, do RJUE) — tudo isto com o fito de evitar a nulidade da licença ou da admissão da
comunicação prévia, que o artigo 68.°, n.° 1, alínea c), do RJUE estabelece como
consequência do vício de procedimento, traduzido na omissão de consulta das entidades
cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis.
244
De modo similar, também se pode falar de enumeração taxativa dos fundamentos de
apreciação do projecto de arquitectura (artigo 20.°, n. os 1 e 2 do RJUE) e dos projectos de
loteamento, de obras de urbanização e trabalhos de remodelação de terrenos (artigo 21.° do RJUE)
e, consequentemente, dos fundamentos de recusa e aprovação daqueles projectos.

h) O direito à notificação dos actos administrativos no âmbito do controlo prévio


das operações urbanísticas e o direito à fundamentação expressa e acessível dos mesmos
actos quando afectem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos - direitos estes
contemplados no artigo 268.°, n.° 3, da Lei Fundamental e nos artigos 2.°, n.° 7, 66.° e 124.°
do CPA, e a que nos referimos no Volume I deste Manual.

í) O direito de reversão do cedente sobre as parcelas cedidas, no âmbito da operação


de loteamento, ao município para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos
de utilização colectiva e para as infra-estruturas que, de acordo com a lei e a licença ou
comunicação prévia, devam integrar o domínio municipal, sempre que elas sejam afectas a
fins diversos daqueles para que hajam sido cedidas, isto é, sempre que o município tenha
violado a autovincula- ção na disponibilização dos bens para as finalidades a que, nos
termos plasmados na licença e alvará ou no acto notarial, foram adstritos 45, ou, em
alternativa, o direito a uma indemnização (artigo 45.° do RJUE). O exercício do direito de
reversão rege-se, com as necessárias adaptações, pelo disposto no Código das
Expropriações (artigo 45.°, n.° 2, do RJUE). Também a de indemnização, que o cedente
pode exigir ao município, em alternativa ao exercício do direito de reversão, é determinada
nos termos estabelecidos no Código das Expropriações com referência ao fim a que se
encontre afecta a parcela, sendo calculada à data em que pudesse haver lugar à reversão
(artigo 45.°, n.° 3, do RJUE).
Não haverá, contudo, reversão, mas tão-só indemnização, quando a alteração dos fins
decorra da modificação das condições da licença ou comunicação prévia da operação de
loteamento por iniciativa da câmara municipal, desde que essa modificação seja necessária
à execução de plano municipal ou especial de ordenamento do território, área de

85
desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária ou área de reabilitação
urbana (artigos 45.°, n.os 3 e 9, e 48.°, n.° 1, do RJUE).
Registe-se, por último, que as parcelas que tenham revertido para o cedente não ficam
na disponibilidade deste, antes ficam sujeitas às mesmas finalidades a que deveriam estar
afectas aquando da cedência, salvo quando se trate de parcela a afectar a equipamento de
utilização colectiva, devendo nesse caso ser afecta a espaço verde, pro- cedendo-se ainda
ao averbamento desse facto no respectivo alvará e integração na admissão de
comunicação prévia (artigo 45.°, n.° 4, do RJUE).

86
j) O direito à impugnação administrativa autónoma dos pareceres expressos que sejam
emitidos por órgãos da Administração Central no âmbito dos procedimentos de licença e de
comunicação prévia (artigo 114.° do RJUE).

l) Os direitos em face do silêncio da Administração - tema este que desenvolveremos


infra —, traduzidos, no caso de acto que devesse ser praticado por qualquer órgão
municipal no âmbito do procedimento de licenciamento, na faculdade de o interessado pedir
ao tribunal administrativo de círculo da área da sede da autoridade requerida a intimação da
autoridade competente para proceder à prática do acto que se mostre devido [artigos 111.°,
alínea a), e 112.° do RJUE] e, no caso de qualquer outro acto, na consideração do
deferimento tácito da pretensão [artigos 111.°, alínea c), e 113.° do RJUE].

m) O direito de indemnização nos casos de expropriação do plano e de


responsabilidade civil extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, quer na
modalidade de responsabilidade da
por actos ilícitos (artigo 70.° do RJUE), quer na veste de responsabilidade da Administração
por actos ilícitos, prevista no artigo 48.° do RJUE (agora, na sequência do Novo Regime da
Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado
pela Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro, alterado pontualmente pela Lei n.° 31/2008, de 17
de Julho, “indemnização pelo sacrifício”) - tudo nos termos apontados, em linhas gerais, no
Volume I deste Manual.

n) E, por último, as garantias jurisdicionais, condensadas nos n.os 4 e 5 do artigo 268.°


da Constituição, as quais comungam do mesmo regime do contencioso administrativo ou da
justiça administrativa, mas que apresentam bastantes especificidades em relação ao
contencioso administrativo geral. Algumas dessas particularidades serão realçadas um
pouco mais adiante, embora o seu tratamento pormenorizado deva ter lugar num futuro
capítulo autónomo sobre o contencioso do urbanismo.

3. LICENÇA (ANDRÉ FOLQUE)

É o procedimento mais complexo e constitui a regra geral nas obras de edificação,


excepto para as obras de reconstrução (a que basta, em princípio, a autorização).
Com efeito, para as obras de construção, de alteração ou de ampliação, basta
pensarmos que a generalidade do solo urbano não se encontra abrangido nem por plano de
pormenor qualificado nem por operação de loteamento, para podermos asseverar o
princípio do licenciamento.

3.1. Primeira fase — Iniciativa e apreciação limiar

a) iniciativa

De acordo com o artigo 9.°, a perfeição da iniciativa importa a apresentação:

— do requerimento;
— dos elementos instrutórios (Portaria n.° 1110/2001, de 19 de Setembro);
— da indicação da legitimidade real;
— dos elementos previstos no artigo 37.°, n.° 2, se for caso disso.
O requerente pode também fazer juntar, desde logo, os pareceres, autorizações e
aprovações exteriores ao município, cujo teor, em princípio, é eficaz pelo prazo de um ano
(artigo 19.°, n.° 2) o que permite abreviar o tempo de instrução municipal.
Por seu turno, o artigo 10.° veio acrescentar a obrigatoriedade do termo de
responsabilidade. Este permite alijar parte do controlo municipal sobre o cumprimento das

87
regras técnicas de construção (estabilidade, estruturas resistentes, comportamento térmico,
isolamento acústico, qualidade dos materiais, v. g. do betão, do cimento).
Optou-se por um princípio de confiança/responsabilidade, o de que os profissionais
inscritos em associação pública (artigo 10.°, n.° 4) e demais técnicos credenciados (artigo
10.°, n.° 5) cumprirão as regras da experiência e do conhecimento da arte (leges artis) sob
pena de responderem civilmente, disciplinarmente e porventura criminalmente (prevendo-se
no artigo 277do Código Penal um crime de perigo comum relativo à infracção das regras de
boa construção).
A opção legislativa, para além de pretender diminuir a complexidade da actividade
administrativa e de comprometer activamente os profissionais qualificados e as suas
associações públicas e privadas, é essencialmente pragmática, se pensarmos na extrema
dificuldade em controlar os aspectos construtivos ao longo da obra. Um controlo efectivo
exigiria, não raro, a permanência a tempo integral de um ou de vários fiscais municipais no
local da obra, conferindo a qualidade e quantidade dos materiais e a observância prudente
e diligente das técnicas e métodos empregues.

b) apreciação liminar (saneamento)

De acordo com o disposto no artigo 11.°, o órgão a quem compete a direcção da


instrução (artigo 8.°, n.° 2, e artigo 86.° do CPA) vai começar por se pronunciar decidir
sobre questões que possam obstar a uma decisão final positiva (artigo 11.°, n.° 1),
importando distinguir:

— objecções dirimentes que levam à rejeição liminar (formais — n.° 2 e materiais — n.°
3);
— objecções impedientes por faltas que podem ser supridas — é suscitado o
aperfeiçoamento (n.° 5)

Não se trata porém de fazer precludir o alcance destes impedimentos em momento


ulterior do procedimento (artigo 11.°, n.° 6), apenas se presumindo nada haver a opor.
Trata-se aqui, verdadeiramente, de sanear os pedidos de licenciamento deficientemente
instruídos ou manifestamente insusceptíveis de deferimento.

c) informação prévia

Se esta é a apreciação liminar, há também facultativamente um subprocedimento


preliminar, através do qual, o interessado, sem ter de requerer o licenciamento, pode
conhecer da viabilidade da sua pretensão. Chama-se informação prévia (artigos 14.° e
segs.) e não se confunde com a informação simples, por via da qual o interessado se limita
a conhecer as disposições de planeamento urbano, servidões e restrições aplicáveis a um
dado local (artigos 110.°, n.° 1, alínea a)).
Ao contrário do que poderia parecer, a informação prévia, sendo positiva, não se
restringe a um efeito meramente declarativo. É constitutiva de direitos, vinculando a câmara
municipal e as autoridades externas consultadas, durante um ano (artigo 17.°, n.° 1),
mesmo no caso de revisão do plano (artigo 17.°, n.° 4).
Por outro lado, uma informação prévia favorável vai abreviar o ulterior procedimento de
licenciamento (artigo 17.°, n.° 2 e n.° 3).
Pode parecer demasiado prematura a impugnação contenciosa da informação prévia
por terceiros, embora, ao cabo e ao resto, a sua natureza seja mais protegida do que a
aprovação do projecto de arquitectura. Ê que com a informação prévia fica consolidado um
quadro de parâmetros urbanísticos que o interessado poderá aproveitar.

3.2. Segunda fase — Consultas externas

A licença tem uma natureza confederadora — pretende reunir e coordenar no mesmo

88
procedimento todos os actos permissivos necessários, mesmo que recaiam nas atribuições
de outras pessoas colectivas públicas, em razão do local, da matéria ou da natureza do
projecto.
São autorizações, aprovações, pareceres enxertados no procedimento administrativo,
não de natureza tutelar, pois não incidem sobre a decisão ou deliberação municipal, mas
expressão de interesses públicos diferenciados do conjunto das atribuições municipais, seja
em relação de superioridade ou de especialidade.
Tais consultas podem ser de iniciativa do requerente — a priori (artigo 19.°, n.° 2) ou a
posteriori (artigo 19.°, n.° 6), embora, neste caso, com necessária intervenção contenciosa
(n.° 7).

a) O princípio da especialidade

Vigora o princípio da especialidade das entidades consultadas (artigo 19.°, n.° 10), no
sentido de cada uma apenas poder pronunciar-se no âmbito das suas atribuições e de o
seu silêncio, ao fim de 20 dias, constituir uma presunção favorável — de não oposição ao
projecto (artigo 19.°, n.° 9).
De resto, o parecer negativo e a recusa de autorização ou de aprovação só vinculam, na
medida da especialidade. De outro modo são inoponíveis ao órgão coordenador.
Nada obsta porém a que a câmara municipal venha a indeferir com base em
disposições legais e regulamentares conferidas em pareceres, autorizações ou aprovações
externas, apesar do sentido favorável destas pronúncias. As mesmas servidões
administrativas, os mesmos instrumentos de gestão territorial são também parâmetro da
deliberação final | não pode entender-se que, por princípio, a sua interpretação e aplicação
compita exclusivamente à administração estadual ou regional, directa ou indirecta.
Presunção, é certo, pois, se o resultado das consultas sobrevier fora do prazo pode
ainda ser tomado em linha de conta pelo presidente da câmara municipal (artigo 19.°, n.°
11).
Sinal evidente da natureza confederadora da licença — ou, por outras palavras,
coordenadora — é a norma do artigo 37.°, de acordo com a qual, nem a licença municipal
substitui outros actos de controlo prévio da Administração Central ou Regional nem estes,
por seu turno, eximem o interessado do dever de requerer a licença municipal para a
operação urbanística.

c) consultas obrigatórias e vinculativas

As consultas obedecem a dois diferentes critérios:

— em razão do local (áreas sob servidão administrativa ou restrição de utilidade pública,


áreas desprovidas de instrumento de gestão territorial próprio — artigos 19.° e 39.°);
— em razão do projecto (natureza e destino da operação — artigo 37.°), como sucede com
as operações nos imóveis classificados ou em vias de classificação, com os
estabelecimentos industriais, com os empreendimentos turísticos ou com os recintos de
espectáculos e divertimentos. Estas, porém, obedecem a uma iniciativa particular e
representam um modelo de simples articulação entre dois procedimentos. O interessado
tem, ele próprio, de exibir às autoridades municipais o acto que exprime a anuência da
Administração Central.

E tomam uma de três formas:


— autorização;
— parecer; ou
— aprovação.

A terminologia é bastante inconstante e nem sempre o legislador usa do mesmo rigor. A


autorização deveria reservar-se a projectos ou propostas de decisões ou deliberações, ao

89
passo que a aprovação deveria incidir sobre actos já praticados. O parecer, por seu turno,
exprime uma intervenção intercalar que pode conter condições ou sugestões a tomar na
deliberação final, exprimindo um juízo de valor específico.
Não devem confundir-se com uma outra intervenção da Administração Central ou
regional, a título sucessivo, consubstanciada na licença de funcionamento (artigo 40.°),
como é o caso dos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo (Decreto-Lei n.°
533/80, de 21 de Novembro).
A preterição das consultas externas obrigatórias ou do seu sentido, quando vinculativas,
não pode ser vista como simples incumprimento de uma formalidade essencial. É o
conjunto de atribuições alheias, de' outra pessoa colectiva pública, que é atingido. Por
conseguinte, é de aplaudir a correcção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 177/2001, de 4 de
Junho, nesta matéria, no que se dispõe através do artigo 68.°, alínea c) — a nulidade por
incompetência absoluta.
Nestas consultas externas, há-de compreender-se a avaliação do r impacto ambiental
(Decreto-Lei n.° 69/2000, de 3 de Maio). Neste diploma, de resto, dispõe-se no artigo 18.°,
n.° 3, que «os prazos estabelecidos para o licenciamento ou autorização ficam suspensos
até à data em que ocorra a notificação da entidade licenciadora ou competente » para a
autorização» ou ocorra deferimento tácito (artigo 19.°).
O que acontece se as entidades externas não se pronunciarem no prazo que a lei lhes
concede? Ao cabo de 20 dias, é de presumir que as entidades externas nada têm a opor.
Mas o parecer negativo ou a recusa de aprovação ou autorização extemporâneos podem
ser tomados em conta pela câmara municipal no momento da deliberação final.
Em Acórdão de 5-02-2003, o STA (3.“ Sub.) considerou avisadamente que o órgão a
que compete a decisão final não pode desconsiderar o parecer vinculativo de uma área
protegida, enquanto este parecer não for revogado ou anulado contenciosamente.
Recorde-se, aliás, que estes pareceres externos podem ser impugnados
autonomamente (artigo 114.°, n.° 1) — por via graciosa ou contenciosa — sem necessidade
de o procedimento chegar ao seu termo, ou seja, antes da chamada definitividade horizontal
do acto. E do recurso hierárquico próprio ou impróprio, como da reclamação, não decididos
no prazo de 30 dias, resulta deferimento tácito (n.° 2).

d) articulação com regimes especiais

Como já se viu a propósito das consultas obrigatórias externas, o licenciamento condensa


ou congrega tantas intervenções quantas as atribuições directamente implicadas com a
operação urbanística. O deferimento da licença representa, não apenas uma deliberação
municipal, como também um conjunto maior ou menor de pareceres favoráveis da parte da
Administração estadual ou regional, directa ou indirecta, central ou desconcentrada.
Vale a pena retroceder um pouco para dissipar um possível equívoco. Tais pareceres
não têm a natureza de autorizações tutelares, muito embora produzam um efeito análogo.
Isto, porque tais pareceres não têm como objecto a deliberação camarária. Não exercem
controlo algum sobre o mérito ou sobre a legalidade da deliberação final. Condicionam-na, é
certo, mas não na esfera das atribuições municipais. Condicionam-na apenas no sentido de
a deliberação municipal favorável sem a anuência do órgão externo que se pronuncia ser
inútil. Não basta, pois não esgota o controlo jurídico administrativo da operação urbanística
em causa.
No entanto, a coordenação administrativa não se fica por aqui. Projectos há que, além
de sujeitos a consultas exteriores ao município, requerem particularidades na sua
apreciação, em nome de exigências específicas de segurança, salubridade, qualidade,
protecção de recursos naturais.

3.3. Terceira fase — Apreciação dos projectos de edificação (de arquitectura e das
especialidades)

Elemento central na instrução é o projecto de arquitectura, cujo parâmetro de

90
apreciação consta do artigo 20.°, n.° 1, e de onde resulta claramente um controlo
urbanístico e, formalmente, construtivo (este controlo, no remanescente, é devolvido ao
técnico responsável, por meio do termo que juntará). A aprovação do projecto de
arquitectura representa para o requerente uma autovinculação. Doravante, ele terá de
respeitar o projecto que apresentou e se a operação vier a ser licenciada, apenas serão
toleradas alterações não substanciais (artigos 83.° e 27.°). No mais, tudo o que extravasar o
projecto de arquitectura é considerado clandestinamente executado, sem prejuízo de
eventual legalização, e tudo o que ficar aquém do projecto de arquitectura representará
obra inacabada, para efeito do disposto no artigo 88.°
Os projectos de especialidades são os mais variados (abastecimento de água,
instalações eléctricas, estabilidade, isolamento acústico, ascensores, etc.) e dependerão em
número e características da localização da obra e sua destinação. Podem hoje ser
apresentados ao mesmo tempo que o projecto de arquitectura (artigo 20.°, n.° 4) ou ser
diferida a sua apresentação para um termo de seis meses após a aprovação do projecto de
arquitectura, prorrogável, a pedido do interessado (artigo 20.°, n.° 5). Envolvem, por vezes,
consultas externas para garantir a conformidade das suas soluções com as pertinentes
prescrições de ordem técnica (artigo 20.°, n.° 7), mas admite-se também a declaração de
responsabilidade (artigo 20.°, n.° 8).

Muito se tem discutido acerca da natureza do acto de aprovação do projecto de


arquitectura, nomeadamente, quanto a saber se é um acto constitutivo de direitos ou se,
pelo contrário, apenas constitui um interesse legalmente protegido na ulterior deliberação da
licença ou da autorização. De uma ou de outra natureza dependerão as regras atinentes à
sua revogação (artigos 140.c e 141.° do CPA ex vi do artigo 73.°, n.° 1, do JRJUE), no limite,
revogação por ilegalidade superveniente. Por outro lado, mas em paralelo, se é um acto
simplesmente preparatório ou se é definitivo (definitivamente lesivo).
Temos por melhor o entendimento que vê neste acto um simples acto preparatório, sem
prejuízo de a não aprovação poder ser objecto de impugnação administrativa e contenciosa,
na medida em que se revele como acto externo lesivo (artigo 51.°, n.° 1, do CPTA). O
requerente não tem interesse em agir para impugnar a aprovação do projecto de
arquitectura, a menos que este acto lhe imponha condições ou restrições que entenda
ilegalmente lesivas.
Os terceiros que se oponham ao projecto não são lesados directa nem imediatamente
pela deliberação que aprove o projecto de arquitectura. Sem prejuízo de poderem exercer o
direito de petição para alcançarem a revogação deste acto preparatório, deverão, isso sim,
aguardar pelo deferimento da licença e é desse acto que caberá impugnação contenciosa.
O que não faria sentido seria desqualificar a aprovação do projecto de arquitectura
perante o valor jurídico de uma informação prévia favorável . Nomeadamente, quanto ao
conjunto dos parâmetros legais e regulamentares a aplicar, estes ficarão definitivamente
estabelecidos com a aprovação do projecto de arquitectura. Ulteriores normas que entrem
em vigor só poderão aplicar-se a requerimento do interessado.
Ainda haverá lugar à apresentação de mais projectos? Sim, para algumas operações,
mas já depois de iniciados os trabalhos — trata-se dos projectos de execução (de
arquitectura e de especialidades) — de acordo com o artigo 80°, n.° 4. O cumprimento
deste dever pode, no entanto, ser dispensado por regulamento municipal. O critério é uma
vez mais, o da relevância urbanística.
Há trabalhos, contudo, que podem ter início antes de o requerente dispor da
licença/autorização e do respectivo alvará — condição incontornável para a generalidade da
operação poder ter início (artigo 80.°, n.° 1) — seja antes (se o requerente dispuser de
informação prévia favorável (artigo 81.°, n.° 1)), seja depois da aprovação do projecto de
arquitectura (caso das obras subordinadas a licença (artigo 81.°, n.° 2).
Em tais casos, é necessária a apresentação de projectos próprios — trabalhos
preliminares de demolição, de escavação (até ao piso de menor cota) e de contenção
periférica (artigo 81.°, n.° 3) e é indispensável a prestação de caução (artigo 81.°, n.° 1).
Outras obras podem antecipar-se ao deferimento — obras de estrutura, desde que já

91
aprovado o projecto de arquitectura, entregues os projectos de especialidades e prestada
caução que salvaguarde a eventual necessidade de demolição (artigo 23.°, n.° 6). Há, para
este efeito, emissão de uma licença parcial (artigo 23.°, n.° 7).
Até que sejam regulamentados os certificados de conformidade (verificação da
idoneidade e garantia de responsabilidade civil dos autores dos projectos) haverá ainda
apresentação de telas finais (as peças escritas e desenhadas que correspondem à obra
executada — artigo 128.°, n.° 3 e n.° 4).
Nesta fase, a câmara municipal tem de conferir o projecto com todas as disposições de
ordem pública aplicáveis e na sua esfera de competência, tem de conhecer da inserção
urbana e paisagística (não de um critério estético arbitrário, mas em resultado do existente
ou do previsto — artigo 121.° do RGEU), da adequação ao uso proposto e da
sustentabilidade em face das infra-estruturas existentes e outros equipamentos colectivos
de interesse geral.

3.4 Quarta fase — Deliberação ou decisão final

O prazo para a prática deste acto vem regulado no artigo 23.° e a sua importância não
se esgota no dever de zelo a que o órgão competente se subordina. Releva, acima de tudo,
para as garantias de que os interessados dispõem para ultrapassarem a inércia (artigos
112.° e 113.°).
Os prazos variam, como bem se compreende — em função das operações urbanísticas
em causa e da maior ou menor complexidade que a apreciação de cada categoria,
presumivelmente, comporta (artigo 23.°, n.° 1). A natureza da operação faz variar outrossim
o dies a quo do prazo (n.° 2 a n.° 5).
O poder de deliberar sobre o licenciamento é, no essencial, um poder vinculado. Quer isto
dizer que o indeferimento só pode ser deli-
RI — Extensão e intensidade do controlo administrativo prévio.
berado pelos motivos expressamente previstos na lei (artigo 24.°), lugar a audiência prévia
do interessado (artigos 100.° e segs. do CPA) e devendo ser fundamentadas as razões do
conteúdo negativo (ver CPA).
Isto vale, mutatis mutandis, para a licença de utilização (art n.° 6).
Os motivos que sustentam o indeferimento constam enunciados de modo taxativo na lei,
como já resultava do artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 166/70, de 15 de Abril, e do artigo 63.°
do regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro.
Deve aqui encontrar-se uma exigência decorrente da livre iniciativa económica privada
(artigo 61.°, n.° 1, da Constituição) e cooperativa (n.° 2). Se o jus aedificandi não é mais
corolário incindível do direito de propriedade privada ou, pelo menos do seu conteúdo
essencial, não pode ignorar-se com a ligeireza que se encontra em alguma jurisprudência
(*16) a esfera de protecção da liberdade de iniciativa económica e o regime restritivo a que
se sujeitam as suas restrições (artigo 18.°, n.° 2 e n.° 3) vista a natureza análoga que
apresenta em relação aos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.º). Se dúvidas houvesse
perante a extensão da iniciativa privada à liberdade de operações urbanísticas nos quadros
definidos pela lei e de acordo com o interesse geral vertido nos planos urbanísticos, em
outros instrumentos de gestão territorial e em outros regulamentos, elas teriam de dissipar-
se perante a protecção a conceder à iniciativa privada no fomento à habitação (artigo 65.°,
n.° 2, alínea c)).
É porventura um direito de menor extensão e com intensidade algo reduzida, pois o seu
âmbito é o que resultar dos «quadros definidos pela Constituição e pela lei» e o seu
exercício tem de satisfazer uma função social — o interesse geral. Ao contrário do que
sucede com os demais direitos da sua espécie, a livre iniciativa económica move-se nos
limites que a lei lhe deixar. Não é a lei a cingir-se aos espaços que o direito lhe permitir.
Isso, contudo, não | subtrai ao regime comum dos direitos fundamentais nem ao regime
específico dos direitos, liberdades e garantias. As restrições podem ser bastante incisivas.
As limitações ao exercício podem até provir de fonte regulamentar, mas têm de ser
expressas e revestir um mínimo de generalidade e de abstracção (artigo 18.°, n.° 3).

92
Mostrar-se-ia ostensivamente inconstitucional uma norma que permitisse indeferir pedidos
de licenciamento fora de ura quadro normativo precedente e sem, no mínimo, a
individualização dos fins, dos interesses públicos concretos a justificá-lo.
E o motivo para recusar o licenciamento há-de encontrar-se em normas urbanísticas
plenamente eficazes e não meramente preparatórias, como bem se apontou no Acórdão dó
STA, 1 .ª Sub., de 25-10-1990 (l19) \— estudos ou propostas de ordenamento
urbanístico. Se a publicação oficial é condição positiva da eficácia, a não caducidade e a
não revogação ou suspensão — expressas ou tácitas — são requisitos negativos dessa
mesma eficácia.
Trata-se, como enuncia o artigo 24,°, n.° 1, alínea a), de indeferir por violação de plano
municipal de ordenamento do território (artigo 32.° da Lei n.° 48/98, de 11 de Agosto) — o
plano director municipal, plano de urbanização ou plano de pormenor, aplicáveis
territorialmente e eficazes, assim como planos municipais aprovados ao abrigo de
anteriores tipologias (planos e anteplanos gerais de urbanização) que ainda se encontrem
em vigor (artigo 154.° do RGIT) ou tenham porventura sido repristinados. Depois, por
violação de medidas preventivas a que devem acrescer as normas provisórias que possam
ainda vigorar (artigo 157.°, n.° 5, do RGIT), e que encontram guarida na abertura da parte
final do preceito (outras normas legais ou regulamentares).
Ora, as medidas preventivas (artigo 107.°, n.° 3, do RGIT), que visam precaver o
interesse público na revisão e alteração dos planos municipais, assim como as servidões
administrativas e as impropriamente designadas restrições de utilidade pública podem
consistir em proibições ou limitações absolutas, constituindo impedimentos dirimentes,
absolutos ou relativos, mas podem também inculcar a sujeição a parecer vinculativo de
órgãos de outras pessoas colectivas públicas, designadamente do Estado ou das regiões
autónomas.
Assim sendo, em tais casos, o indeferimento deve estribar-se na alínea c) e não na
alínea a) do artigo 24.°, n.° 1, do RJUE. É na alínea c) que se enunciam as apreciações
heterónomas condicionantes da deliberação camarária: pareceres vinculativos, aprovações,
autorizações.
Em princípio, o parecer vinculante desfavorável, a falta de autorização ou aprovação
externas haveriam de ter já determinado a recusa de aprovacão do proiecto de arquitectura.
Julgamos que importa considerar o seguinte. Em primeiro lugar,£ resultado da consulta
externa pode ser extemporâneo. A câmara municipal terá ainda de conformar-se com o seu
teor, ou seja, para além dos 20 dias estipulados no artigo 19º/8, pois de outro modo,
perderia sentido útil a disposição do art. 24º/1 c).
O parecer é vinculativo apenas quando recebido dentro do prazo (artigo 19.°, n.° 11),
mas já no artigo 24.°, n.° 1, alínea c), são referidas as aprovações e autorizações. Quer isto
dizer que o que deixa de ser vinculativo é o conjunto de modulações, designadamente, de
condições que o parecer vinculativo possa impor. Fica então reduzido a uma simples
aprovação ou autorização.
Em segundo lugar, pode o interessado ter impugnado o parecer desfavorável (artigo
114.°, n.° 1). Assim, no momento da aprovação do projecto de arquitectura, a câmara
municipal pode não estar em condições de a recusar com este fundamento. Já depois de
confirmado, o momento próprio — e devido — para impedir a operação é o do indeferimento
do pedido de licença.
Nem se oponha que o particular fica a descoberto de qualquer protecção contra a
demora procedimental das entidades externas ou do próprio director da instrução do
procedimento, ao nível municipal.
O particular pode e deve lançar mão dos instrumentos que a lei especificamente lhe
concede para suprir a inércia das entidades externas (artigo 19.°, n.ºs 6 e 7).
Se as intervenções externas intempestivas não tivessem reflexo algum, estes meios não
teriam sentido. Bastaria ao interessado aguardar o esgotamento do prazo enunciado no
artigo 19.°, n.° 8.

Refiram-se ainda os planos especiais de ordenamento do território, cujas normas

93
vinculam directamente sujeitos públicos e particulares (artigo 3.°, n.° 2, do RGIT). Têm em
vista «a prossecução de objectivos de interesse nacional com repercussão espacial,
estabelecendo regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais e assegurando a per-
manência dos sistemas indispensáveis à utilização sustentável do território» (artigo 42.°, n.°
2, do RGIT). Se no RGIT (artigo 42.°, n.° 3) parece apontar-se para um rol fechado de
categorias destes instrumentos, o certo é que outros há, previstos em lei especial anterior
ou posterior e que, igualmente, constituem motivo de recusa das operações urbanísticas
desconformes. De resto, só o Decreto-Lei n.° 151/95, de 24 de Junho, foi expressamente
revogado (artigo 159.°), sendo que este diploma não abarcava todos os planos especiais.
Como tal, para além dos planos de ordenamento das áreas protegidas (Decreto-Lei n.°
19/93, de 23 de Janeiro), dos planos de ordenamento das albufeiras de águas públicas
(Decreto-Lei n.° 502/71, de 18 de Novembro) e dos planos de ordenamento da orla costeira
(Decreto-Lei n.° 302/90, de 26 de Setembro, e Decreto-Lei n.° 309/93, de 2 de Setembro),
haverá a considerar os planos de arranjo e expansão dos portos (Decreto-Lei n.° 38 842, de
11 de Janeiro de 1947) e os planos de pormenor atípicos de salvaguarda de monumentos,
conjuntos ou sítios classificados (obrigatórios) de par cora os planos integrados,
facultativamente elaborados para articulação com plano sectorial (artigo 53.° da Lei n.°
107/2001, de
8 de Setembro) e os planos de renovação urbana (Decreto-Lei n.° 8/73, de 8 de Janeiro).
Por seu turno, a Lei n.° 58/2005, de 29 de Dezembro, veio aditar ao artigo 42.° do RGIT os
planos de estuário.
Os citados planos de pormenor — depois de desenvolvida neste ponto a Lei de Bases
— virão reduzir a margem de livre apreciação da parte do Instituto Português do Património
Arquitectónico e dos governos regionais quando se trate de dar parecer sobre operações
urbanísticas em imóveis classificados, em vias de classificação e respectivas zonas de
protecção, antecipando-a para o plano que, para além das demais especificações comuns,
deverá conter, nos termos do artigo 53.°, n.° 3, as seguintes estipulações: a) ocupação e
usos prioritários; b) áreas a reabilitar; c) critérios de intervenção nos elementos construídos
e naturais; d) cartografia e recenseamento de todas as partes integrantes do conjunto; e)
normas específicas para proteger o património arqueológico existente; e f) linhas
estratégicas de intervenção, nos planos económico, social e de requalificação urbana e
paisagística.
No mais, prevêem-se as áreas de desenvolvimento urbano prioritário e as áreas de
construção prioritárias, figuras de raríssima difusão entre nós e que se encontram
disciplinadas, respectivamente, no Decreto-Lei n.° 152/82, de 3 de Maio, e no Decreto-Lei
n.° 210/83, de 23 de Maio.
Outro importante motivo de indeferimento é a precedência de declaração de utilidade
pública sobre o imóvel (artigo 24.°, n.° 1, alínea c)). De um lado, procura-se aqui proteger a
confiança do requerente ou evitar o seu abuso que o levaria posteriormente a reclamar a
reparação por despesas desaproveitadas. Por outro lado, procura-se desonerar o encargo
público no pagamento de uma indemnização expropriatória que, depois de executada a
operação urbanística, seria naturalmente agravada. Há-de tratar-se de declaração de
utilidade pública plenamente eficaz — não caducada e exequível por si mesma, o que não
sucede nos casos previstos no artigo 13.°, n.° 2, do Código das Expropriações,
especificando a necessidade de um acto concretizador das declarações de utilidade pública
genericamente contidas na lei ou em regulamento, como acontece com as áreas críticas de
recuperação e reconversão (artigo 42º, n.° 1, alínea a), da Lei dos Solos).
Na verdade, a declaração de utilidade pública, embora não invista a entidade
beneficiária nem a entidade expropriante no bem em causa, 0 certo é que retira ao
proprietário os poderes de disposição, ficando apenas admitida a sua administração
ordinária com o aproveitamento de frutos e as benfeitorias necessárias. Designadamente, o
bem a expropriar não pode ser tomado como garantia hipotecária.
Os motivos do indeferimento são, pois, taxativamente enunciados, como garantia
relevante dos direitos dos administrados, cumprindo à câmara municipal deliberar
favoravelmente a pretensão do requerente, desde que esta não colida com nenhuma das

94
categorias dos fundamentos legais.
Todavia, este poder, apenas no essencial, é vinculado, pois o órgão municipal
competente (câmara municipal, presidente ou vereador, por delegação) dispõe de dois
importantes filões no campo da margem de autonomia pública.
Por um lado, os motivos de indeferimento contêm numerosos conceitos vagos e
indeterminados na previsão: afectação negativa do património arqueológico, histórico,
cultural ou paisagístico, natural ou edificado (n.° 2, alínea a)), sobrecarga incomportável
para as infra-estruturas ou serviços gerais (alínea b)), afectação da estética das povoações,
da adequada inserção no ambiente urbano ou da beleza das paisagens (I31) (n.° 4, e artigo
121° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas).
Certamente que a margem de livre apreciação compreendida nestes conceitos é
reduzida na proporção inversa da densidade dos planos ou mesmo da sua falta.

(131) Este conceito é, hoje, menos indeterminado do que em anteriores regimes jurídicos, pois
estipulam-se, embora a título enunciativo, alguns parâmetros desta apreciação estética:
desconformidade com as cérceas dominantes ou volumetria excessiva. Há-de rêparar-se, porém, que
o próprio conceito de cércea dominante é, em si mesmo, algo impreciso. Confere larga autonomia na
escolha dos termos de comparação.

Na verdade, não se pode olvidar que o licenciamento municipal de obras deve ser
enquadrado no âmbito do procedimento de planificação do território, do qual a 'licença de
construção' constitui o acto terminal, e que, à medida que se desce na escala hierárquica
dos planos urbanísticos, mais concretas se apresentam as opções adoptadas pelos
municípios quanto à ocupação, uso e transformação do solo.
(Fernando Alves Correia, Estudos de Direito do Urbanismo, loc. cit., p. 71).

De todo o modo, vale a pena insistir em que a consideração estética do projecto e da


prognose do seu -resultado não traduzem uma valo- ração puramente intuitiva. Com efeito,
e como anotam ANTÓNIO DUARTE de Almeida «o legislador não confere à câmara municipal
uma prerrogativa de avaliação do 'bom gosto’ do projectista. Não se deve confundir a
estética urbana com a estética das edificações isoladamente consideradas».
É também nos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares que
podemos encontrar numerosos conceitos indeterminados, como seiam os de ‘envolvente’
ou de ‘altura dominante’, na medida em que importam a delimitação de um termo de
comparacão.
Não que se trate de conceitos técnicos. Essa é outra questão. O uso ou remissão para
conceitos técnicos ou para a leges artis da arquitectura ou da engenharia civil pode
representar o apelo a conceitos imprecisos ou a conceitos descritivos e classificatórios,
ainda quando careçam da intermediação de peritos — é o caso dos índices e coeficientes,
por exemplo, o coeficiente de ocupação do solo (COS).
De qualquer modo, o que nos parece de afastar é a insindicabilidade contenciosa da
designada discricionariedade técnica, equivocamente cruzada com a zona de incerteza dos
conceitos indeterminados, ao que é exemplo o Acórdão do STA, 2.ª Sub., de 5-05-1987.
Pode suscitar-se a questão de saber se a câmara municipal pode recusar o deferimento
de licença ou autorização por impactos ambientais negativos da obra ou dos trabalhos,
mesmo quando o ambiente não beneficia de protecção específica alguma. A jurisprudência
francesa inclina-se para não admitir senão a imposição de condições à licença, con-
siderando que outras limitações haveriam de resultar da lei, de regulamento ou de plano
urbanístico.
Entre nós, estamos em crer que nem faria sentido conceder uma apreciação autónoma
à câmara municipal para controlo dos efeitos no ambiente urbano (artigo 24.°, n.° 4) se não
pudesse indeferir com base nesta ordem de considerações. É que a protecção de bens
ambientais especificamente qualificados (Reserva Ecológica Nacional, áreas protegidas,
Rede Natura 2000) ou a protecção contra operações ponten- cialmente agressivas do
ambiente (avaliação do impacto ambiental) essa resulta da intervenção coordenada de

95
órgãos de outras pessoas colectivas públicas. O ambiente urbano é porventura aquele que
menor protecção específica recolhe, o que justifica um controlo municipal: concentração de
estabelecimentos abertos ao público à noite, alojamentos pecuários nas imediações de
edifícios residenciais, afluxo de tráfego, emissões de fumos e cheiros ou trepidações.
A discricionariedade surge, por seu tumo, no artigo 25.°, n.° 1, admitindo a revisão do
projecto de indeferimento — adquirindo sentido acrescido a audiência prévia do requerente
— mediante a aceitação de determinadas condições.
O promotor da operação assume determinados encargos, deposita caução e celebra um
contrato administrativo com o município. Um exemplo. Se a licença é recusada por se
encontrar a parcela demasiado longe da rede de abastecimento de água, mas se o
promotor assumir o encargo com a extensão desta, deixa de fazer sentido o impedimento
originário. O requerente poderá justamente vir a beneficiar, contanto que por regulamento
municipal se fixem critérios, de uma redução proporcional das taxas por realização de infra-
estruturas urbanísticas (artigo 25.°, n.° 3).
Podemos aqui falar, com alguma propriedade, de deferimento condicionado ou mesmo
de deferimento convencionado.

Importa ainda não esquecer que o deferimento de licenças ou autorizações de obras de


edificação não pode sujeitar-se a cedências nem a compensações (artigo 117.°, n.° 4),
salvo na excepção já tratada supra das obras a qualificar por regulamento municipal pelo
seu impacto (artigo 57.°, n.° 5).
Mesmo as imposições de alinhamento não podem obrigar a cedências, como se
entendeu no Acórdão do STA (1.a Sub.), de 9-03-1989.
É pertinente procurar saber da razão de ser desta fase específica no licenciamento,
quando o projecto de arquitectura já foi aprovado.
Há várias razões que devem ser apontadas:

— Em primeiro lugar, se o projecto de arquitectura não obtiver aprovação, escusa o


interessado de efectuar despesas com os projectos de especialidades se ainda os não
encomendou.

— Em segundo lugar, é no momento da deliberação final que a câmara municipal controla


condições e reservas que possa ter imposto ao projecto de arquitectura.

— Em terceiro lugar a deliberação do licenciamento permite reponderar a legalidade da


aprovação do projecto de arquitectura, seja oficiosamente, seja na sequência da oposição
de terceiros, por reclamação, petição ou outra forma de participação administrativa. Com
efeito, só depois de consultado o projecto de arquitectura aprovado podem os terceiros
formular as suas objecções, cuja tempestividade fica assegurada, dada a natureza precária
da aprovação do projecto de arquitectura.

— Em quarto lugar, a deliberação final poderá e deverá ainda considerar intervenções


externas ao município obtidas depois do prazo. Embora tenham perdido, em parte, o seu
carácter vinculativo, não deixa de estar em causa a conformidade com prescrições legais e
regulamentares que também ao município cumpre sindicar.

A aprovação do projecto de arquitectura prevalece contra normas substantivas


supervenientes
incompatíveis de sorte que a licença pode ser recusada por terem, entretanto, ocorrido
alterações
no direito aplicável?

Cremos que sim, como vimos, por maioria de razão com os efeitos previstos para a
informação prévia. Esta, é certo, não garante a aprovação do projecto de arquitectura, mas
fixa o bloco de legalidade aplicável à operação urbanística contra possíveis vicissitudes na

96
eficácia das normas aplicáveis. A sua função é a de proteger a confiança do interessado, ao
passo que a aprovação do projecto de arquitectura é á preparação da deliberação final, mas
o princípio da protecção da confiança sustenta as despesas e investimentos justificados
pela aprovação do projecto de arquitectura. Isto, naturalmente, sem prejuízo, da figura
análoga à das expropriações pelo sacrifício que pode recair sobre informações prévias
positivas, nos termos do artigo 143.° do RJ1GT, ao falar-se de possibilidades objectivas de
aproveitamento.
A licença, uma vez deferida, vai servir de fundamento e limite não só à actividade
edificatória, como também e sobretudo ao seu resultado.

Por fim, não se deve deixar passar em claro que o parâmetro de controlo vertido em
instrumentos de gestão territorial não esgota os interesses públicos relevantes. Assim, não
basta que determinada edificação projectada satisfaça a cércea do plano director municipal
se, em concreto, a câmara municipal, com objectividade e razoabilidade, considerar que se
compromete «pela localização, aparência ou proporções, o aspecto das povoações ou dos
conjuntos arquitectónicos, edifícios e locais de reconhecido interesse histórico ou artístico
ou de prejudicar a beleza das paisagens» (artigo 121.° do RGEU) .

3.5. Quinta fase — Integração da eficácia — pagamento de taxas e emissão do alvará

A deliberação final é o acto que defere a licença (artigo 26.º), mas este acto não é ainda
eficaz. A eficácia encontra-se condicionada pela emissão de um titulo que toma a
designação tradicional, no direito autárquico nacional, de alvará (artigo 74.°, n.° 1) e este,
por sua vez, pressupõe prova do pagamento das taxas (n.º 2).
Se for excedido certo termo, depois de deferida a licença e sem que haja lugar à
emissão de alvará, o acto caduca, deixa de poder vir a ser eficaz.
A partir do momento em que a licença ou a autorização se tomem eficazes, o
requerente tem, não só o direito como o dever de construir, colaborando assim na execução
dos instrumentos de gestão territorial, embora este dever seja imperfeito, na falta de sanção
contra o seu incumprimento. (FIM ANDRÉ FOLQUE)

5. LICENÇAS PARCIAIS (ANDRÉ FOLQUE)

Já pontualmente nos referimos a este tipo de actos que permitem ao promotor ir


antecipando a execução de alguns trabalhos. Importa agora sistematizar tais referências.
A sua disciplina obedece a um equilíbrio difícil entre a protecção da confiança do
promotor e a garantia do interesse público, na eventualidade de a operação urbanística vir a
ser reprovada. Se é uma comodidade para o particular, é seguramente também um risco —
mas, ubi commoda ibi incommoda.

a) trabalhos preliminares de demolição, escavação e contenção periférica (artigo 81.°);


b) construção da estrutura do edifício (artigo 23.°, n.° 6);
c) conclusão de obras inacabadas (artigo 88.°);
d) uso privativo da via pública com estaleiros (artigo 57.°, n.° 2).

O deferimento destas licenças constitui um poder discricionário, pressupõe informação


prévia favorável e nunca antes de aprovado o projecto de arquitectura (artigo 81.°, n.° 2), a
menos que se trate de procedimento de autorização, podendo, então, ser concedidas logo
após o saneamento (artigo 11.°).
No caso da licença parcial para construção da estrutura (artigo 23.°, n.° 6), esta só pode
ainda ser deferida depois de apresentados os projectos das especialidades e prestada
caução para demolir a estrutura até ao piso de menor cota em caso de indeferimento. De
outro modo, teríamos no deferimento desta licença parcial um elemento de pressão para o
deferimento da licença da operação urbanística — restrita às operações previstas no artigo

97
4.°, n.° 2, alíneas c) e d).
O requerente terá de instruir 0 pedido destas licenças parciais com o plano de
demolição, com o projecto de estabilidade e com o projecto de escavação e contenção
periférica, acompanhados do termo de responsabilidade e depósito de caução.
Não é necessária a emissão de alvará. Os trabalhos podem começar logo que notificado
o requerente do seu deferimento (artigo 81.°, n.° 5). (FIM ANDRÉ FOLQUE)

Fiscalização, ilícitos e medidas de tutela da legalidade urbanística

Ora, todas estas operações urbanísticas, sujeitas ou não a controlo prévio, estão
subordinadas, de acordo com o que determina o artigo 93.°, n.° 1, do RJUE, a um controlo
sucessivo, traduzido na sua submissão a fiscalização administrativa. Um tal controlo
sucessivo — que, nalguns casos, se adiciona ao controlo prévio, enquanto noutros se
substitui a este tipo de controlo — destina-se, em conformidade com o que preceitua o
artigo 93.°, n.° 2, do RJUE, a “assegurar a conformidade daquelas operações com as
disposições legais e regulamentares aplicáveis e a prevenir os perigos que da sua
realização possam resultar para a saúde e segurança das pessoas”.
Na sequência da actividade de fiscalização das operações urbanísticas podem ser
detectados vários tipos de ilícitos urbanísticos e podem ser desencadeadas diversas
medidas de tutela da legalidade urbanística. A estreita ligação lógica entre a fiscalização
das operações urbanísticas, de um lado, e o quadro de ilícitos urbanísticos, bem como as
medidas de tutela da legalidade urbanística, do outro lado, justifica que analisemos,
conjuntamente, estes três aspectos do regime jurídico das operações urbanísticas.

Fiscalização
A competência para a fiscalização das operações urbanísticas pertence ao presidente
da câmara municipal, com a faculdade de delegação em qualquer dos vereadores (artigo
94.°, n.° 1, do RJUE). Uma tal competência — que se estende também à fiscalização das
operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública, previstas no artigo 7.° do
RJUE — é exercida, no entanto, “sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras
entidades” (artigo 94.°, n.° 1, primeira parte, do RJUE).
Cfr. artigo 94.°, n.os 2, 3 e 4, do RJUE.
A prática destes actos de segundo grau pela câmara municipal, tendo por objecto actos
administrativos anteriormente emitidos pelo presidente da câmara municipal, encontra o seu
fundamento na necessidade de respeitar o princípio do paralelismo das competências,
tendo em conta que os actos praticados pelo presidente da câmara municipal “afectam”
actos que são da competência da câmara municipal, e tanto pode ter como base uma
iniciativa de qualquer membro da câmara municipal, como ser despoletado por um recurso
hierárquico impróprio apresentado por um particular lesado nos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos pelo acto do presidente da câmara municipal, nos termos do artigo
176.° do Código do Procedimento Administrativo.
O artigo 94.°, n.° 5, do RJUE abre a possibilidade de a câmara municipal contratar com
empresas privadas habilitadas a efectuar fiscalização de obras a realização de inspecções
— que são uma das expressões que pode revestir a actividade de fiscalização —, bem
como das vistorias referidas no artigo 64.° do RJUE, ou seja, aquelas que têm lugar
aquando da concessão da autorização de utilização de edifícios ou suas fracções, sempre
que se verifique alguma das situações previstas no n.° 2 daquele artigo 64.°. Todavia, a
celebração destes contratos depende da observância das regras constantes de decreto
regulamentar (o qual ainda não foi aprovado), de onde devem constar o âmbito das
obrigações a assumir pelas empresas, o respectivo regime da responsabilidade e as
garantias a prestar (artigo 94.°, n.° 6, do RJUE). De qualquer modo, o artigo 94.°, n.° 5, do
RJUE configura o exercício privado de tarefas ou funções públicas (in casu, da tarefa ou

98
função pública da realização de inspecções e vistorias, no âmbito da fiscalização ou do
controlo sucessivo de operações urbanísticas).
A actividade de fiscalização das operações urbanísticas é concretizada
fundamentalmente através de duas espécies de actos instrumentais, isto é, de actos que
exercem uma função ancilar em relação aos actos administrativos que venham a ser
adoptados na sequência daquela actividade, como sejam os actos que aplicam sanções
administrativas e os actos de tutela da legalidade urbanística. São elas as inspecções e as
vistorias. Cfr. artigo 94.°, n.° 5, do RJUE. As inspecções apresentam-se como actos
instrumentais de conteúdo verificativo, de modo a obter-se uma manifestação de ciência
relativamente a certos factos.
Cfr. artigo 95.°, n.° 1 e nº2, em aplicação da norma do nº2 do art. 34º da CRP.
Cfr. artigo 95.°, n.° 3, do RJUE.

A segunda espécie de actos instrumentais concretizadores da actividade de fiscalização


das operações urbanísticas é constituída pelas vistorias aos imóveis em que estejam a ser
executadas as operações urbanísticas quando o exercício dos poderes de fiscalização
dependa da prova de factos que, pela sua natureza ou especial complexidade, impliquem
uma apreciação valorativa de carácter pericial (artigo 96.°, n.° 1, do RJUE). Enquanto as
inspecções revestem uma natureza verificativa, com vista à obtenção de uma ciência
relativamente a factos, as vistorias assumem um carácter avaliativo, ou seja, visam a
apreciação do “sentido” de uma certa situação de facto254.
As vistorias são ordenadas pelo presidente da câmara municipal, regem-se pelo
disposto no artigo 90.° do RJUE. Cfr. artigo 96.°, n.° 2, do RJUE.

Especial importância reveste o livro de obra no campo da fiscalização municipal das


operações urbanísticas, uma vez que dos factos relevantes nele registados podem extrair-
se indícios da violação de normas legais ou regulamentares a elas respeitantes. Como já
sabemos, todos os factos relevantes relativos à execução de obras licenciadas ou objecto
de comunicação prévia devem ser registados pelo director de obra, a conservar no local da
sua realização para consulta pelos funcionários municipais responsáveis pela fiscalização
de obras (artigo 97.°, n.° 1, do RJUE). A inexistência de um livro de obra no local onde se
realizam as obras, bem como a falta dos registos do estado de execução das obras no
mesmo constituem, como foi sublinhado, um ilícito de mera ordenação social,
consubstanciado numa contra-ordenação, punível com coima, nos termos do artigo 98.°,
n.os 1, alíneas l) e m), e 6, do RJUE.
Cfr. n.° 2 do artigo 97.° do RJUE.
74.2. Ilícitos relacionados com os actos de controlo prévio das operações
urbanísticas

Da actividade de fiscalização municipal de operações urbanísticas pode resultar o


conhecimento de ilícitos praticados pelos intervenientes nas operações urbanísticas.
Importa, por isso, analisar, ainda que em linhas breves, o quadro de ilícitos relacionados
com os actos de controlo prévio das operações urbanísticas instituído pelo RJUE 25. Esses
ilícitos são de quatro tipos: ilícito de mera ordenação social, ilícito criminal, ilícito disciplinar
e ilícito civil256.
a) O artigo 98.° do RJUE qualifica, no seu n.° 1, como ilícito de mera ordenação
social, punível como contra-ordenação, a violação de um conjunto de deveres jurídicos que
incidem ou sobre o requerente e o beneficiário da licença ou sobre o apresentante e o
beneficiário da comunicação prévia [alíneas a) a c) e h) a r)], ou sobre os autores e
coordenadores de projectos e sobre os directores de obras e os directores de fiscalização
de obras ou outros técnicos [alíneas e),f) r g)]) ou, ainda, sobre os proprietários de
edificações [alíneas s) e t)].
Note-se que a punição de uma conduta como contra-ordenação é independente da
aplicação de outras sanções, como resulta do corpo do n.° 1 do artigo 98.° do RJUE (“sem
prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, são puníveis como contra-

99
ordenação”). Neste sentido, o Acórdão da 1. a Secção do Supremo Tribunal Administrativo
de 18 de Fevereiro de 2004, Proc. n.° 1804/03, decidiu que, “quando a mesma conduta der
origem a duas diferentes sanções - de um lado a condenação no pagamento de uma coima,
de outro uma ordem de demolição — e de ambas for interposto recurso, um dirigido ao
Tribunal Judicial e outro ao Tribunal Administrativo, a apreciação e a valoração dessa
conduta, porque orientada para a salvaguarda de valores distintos, é independente em cada
uma dessas instâncias, não se formando caso julgado da decisão que transitar em primeiro
lugar”.

Vamos, por isso, limitar-nos, agora, a avançar umas breves notas sobre o tema do ilícito de
mera ordenação social no domínio do RJUE. A primeira refere-se ao facto de os n.os 2 a 8
do artigo 98.° do RJUE estabelecerem os montantes mínimos e máximos das coimas, os
quais variam conforme o infractor seja uma pessoa singular ou uma pessoa colectiva.

Cfr. n.° 8 do artigo 98.° do RJUE.


Significa isto que o ilícito contra-ordenacional numa operação urbanística sujeita a um
controlo administrativo mais fraco, em comparação com o da licença, implica um limite
máximo da coima mais elevado, como que a traduzir uma punição mais forte de quem
abusou da confiança dada pelo Cfr. n.os 10 e 11 do artigo 98.° do RJUE.

A quarta nota conexiona-se com as sanções acessórias das contra- ordenações, cfr.
artigo 99.° do RJUE.
Estas sanções acessórias podem ser mais gravosas do que a sanção principal, traduzida na
aplicação de uma coima, designadamente quando se traduzam na interdição do exercício
no município, até ao máximo de quatro anos (período este que anteriormente era apenas de
dois anos), da profissão ou actividade conexas com a infracção praticada. Adiante-se que
esta interdição de exercício de actividade, quando aplicada a pessoa colectiva, estende-se
a outras pessoas colectivas constituídas pelos mesmos sócios (artigo 99.°, n.° 4, do RJUE).
Cfr. artigos 98.° e 99.°; n.° 2 do artigo 99.° do RJUE e artigo 63.° do RJUE.
Cfr. artigo 101.°-A do RJUE, ver nº 1— preceito cujo âmbito de aplicação não se cir-
cunscreve aos ilícitos de mera ordenação social, antes abrange também os ilícitos criminais
e disciplinares.
Cfr. o n.° 2 do artigo 101.°.

b) Dois tipos de comportamentos assumem, no RJUE, pela sua especial gravidade e


censura ético-jurídica, dignidade penal. São eles, por um lado, o desrespeito dos actos
administrativos que determinem qualquer das medidas de tutela da legalidade urbanística
previstas no RJUE. Cfr. artigo 100.°, n.° 1 e nº 2 do RJUE). Quanto à legitimidade para a
denúncia dos crimes relacionados com as operações urbanísticas, rege o artigo 101.°-A do
RJUE, já referido em linhas anteriores.

c) O RJUE não inclui qualquer norma semelhante à do artigo 70.°, n.° 1, do Decreto-Lei
n.° 445/91, pelo que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros na realização
de operações de loteamento, de obras de urbanização ou de edificação ou de quaisquer
outras operações urbanísticas é regulada pelos artigos 483.° e seguintes do Código Civil (e
pelo artigo 492.° do mesmo Código, após a conclusão da obra).

d) O ilícito disciplinar conexionado com o regime jurídico dos actos de controlo prévio
das operações urbanísticas está previsto no artigo 101.° do RJUE.
O que caracteriza o ilícito disciplinar é a violação, por acção ou por omissão, de deveres
gerais ou especiais inerentes à função desempenhada pelo trabalhador. Trata-se sempre,
como refere ROGÉRIO SOARES, da violação de deveres de diversa natureza, mas todos rela-
cionados com o funcionamento de um serviço ou a boa ordem de uma instituição.

74.3. Medidas de tutela da legalidade urbanística

100
Especificamente no que respeita aos respectivos objectivos, as sanções administrativas,
puníveis como contra-ordenação, visam essencialmente a punição de um facto ilícito, tendo,
por isso, um “intuito predominantemente aflitivo , ao passo que as medidas de tutela da
legalidade urbanística têm como objectivo precípuo a reintegração da ordem jurídico-
urbanística violada, bem como a remoção dos efeitos danosos que resultam da actuação
ilegal dos particulares para o interesse público urbanístico e para o interesse público da
prevenção de perigos para a saúde e segurança das pessoas.
As medidas de tutela da legalidade urbanística, previstas no RJUE, são essencialmente
as seguintes: o embargo administrativo; a denominada legalização da operação urbanística,
a qual coenvolve uma variedade de actos e de procedimentos; a demolição da obra e
reposição do terreno; e a cessação da utilização. Analisemos, em termos sintéticos, cada
um destes tipos de medidas de tutela da legalidade urbanística.

a) O embargo administrativo

O embargo é um acto administrativo por meio do qual se impõe uma obrigação de


suspensão ou de paralisação, no todo ou em parte, de obras de urbanização, de edificação
ou de demolição, bem como de quaisquer trabalhos de remodelação de terrenos que
estejam a ser executados em violação de normas de direito do urbanismo, com a finalidade
de evitar a consolidação de situações de facto lesivas dos interesses públicos tutelados por
essas normas271. Trata-se de um jvoder- -dever ou de um poder-funcional, que o órgão
administrativo tem de exercer sempre que o postule o fim público para cuja prossecução ou
defesa a lei o conferiu, sendo, por isso, irrenunciável o seu exercício (artigo 29.°, n.° 1, do
CPA). E sendo o poder-dever de embargar operações urbanísticas uma expressão de uma
autotutela simultaneamente declarativa e executiva, não está igualmente na disponibilidade
do órgão administrativo competente a opção entre a via judicial e a via administrativa para
impor o embargo
A competência para ordenar o embargo pertence ao presidente da câmara municipal,
mas sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades (artigo 102.°, n.°
1, do RJUE). No domínio da competência para ordenar o embargo de operações
urbanísticas - e, bem assim, outras medidas de tutela da legalidade urbanística deve
chamar-se também à colação o artigo 108.°-A do RJUE, que atribui ao presidente da CCDR
territorialmente competente o poder de “determinar o embargo, a introdução de alterações,
a demolição do edificado ou a reposição do terreno em quaisquer operações urbanísticas
desconformes com o disposto em plano municipal ou plano especial de ordenamento do
território, sempre que não se mostre assegurada pelo município a adopção das referidas
medidas de tutela da legalidade urbanística, aplicando-se, com as necessárias adaptações,
o disposto nos artigos 94.° a 96.° e 102.° a 108.°” do RJUE. Já tivemos oportunidade de nos
referir a esta norma no Volume I deste Manual e de defender que ela não configura uma
tutela substitutiva, não coberta pelo artigo 242.°, n.° 1, da Constituição, não sendo, por isso,
feridora da Lei Fundamental.
O objecto do embargo é constituído, como resulta do corpo do n.° 1 do artigo 102.° do
RJUE, por obras de urbanização, de edificação ou de demolição, bem como quaisquer
trabalhos de remodelação de terrenos. Tais obras e trabalhos têm de estar a ser
executados, não sendo, por isso, abrangidos pelo embargo obras ou trabalhos já concluídos
ou executados, nem obras ou trabalhos ainda não iniciados.
Os pressupostos do embargo são, em primeiro lugar, a inexistência de licença ou
admissão de comunicação prévia, quando legalmente exigíveis. Estão também abrangidas
por este pressuposto as hipóteses em que a licença ou comunicação prévia tenha existido,
mas caducou ou foi revogada, anulada ou declarada nula, bem como as situações em que
aquele acto de controlo prévio não é eficaz (por exemplo, não foi emitido o alvará que titula
a licença). Em segundo lugar, a desconformidade com o respectivo projecto ou com as con-
dições do licenciamento ou comunicação prévia admitida, salvo tra- tando-se de alterações
durante a execução da obra abrangidas pelo regime excepcional consagrado no artigo 83.°

101
do RJUE. E, em terceiro lugar, a violação das normas legais e regulamentares [artigo 102.°,
n.° 1, alíneas a), b) e c), do RJUE].
O embargo é, como veremos um pouco mais abaixo, um acto administrativo cautelar e
urgente, pelo que está submetido a um procedimento muito ligeiro e célere. Daí que, por
natureza e determinação legal, não haja lugar a audiência prévia dos interessados, nos
termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 103.° do CPA. Depois de praticado aquele acto, é o
mesmo notificado ao responsável pela direcção técnica da obra, bem como ao titular do
alvará de licença ou apresentante da comunicação prévia e, quando possível, ao
proprietário do imóvel no qual estejam a ser executadas as obras ou seu representante,
sendo suficiente para obrigar à suspensão dos trabalhos qualquer dessas notificações ou a
de quem se encontre a executar a obra no local (artigo 102.°, n.° 2, do RJUE). A notificação
do embargo, nos termos que vêm de ser referidos, constitui um elemento essencial para a
produção dos efeitos principais do embargo, que são a suspensão imediata, no todo ou em
parte, dos trabalhos de execução da obra. Tendo em conta que, nos termos do artigo 103.°,
n.° 3, do RJUE, o embargo também produz o efeito de interdição do fornecimento de
energia eléctrica, gás e água às obras embargadas, deve também ser notificado o acto de
embargo às entidades responsáveis pelos referidos fornecimentos.
Após o embargo, é imediatamente lavrado o respectivo auto, que contém, obrigatória e
expressamente, a identificação do funcionário municipal responsável pela fiscalização de
obras, das testemunhas e do notificado, a data, a hora e o local da diligência e as razões de
facto e de direito que a justificam, o estado da obra e a indicação da ordem de suspensão e
proibição de prosseguir a obra e do respectivo prazo, bem como as cominações legais do
seu incumprimento. O auto de embargo — que é redigido em duplicado e assinado pelo
funcionário e pelo notificado, ficando o duplicado na posse deste — é notificado às pessoas
acima referidas (e que são as indicadas no n.° 2 do artigo 102.° do RJUE). Mas no caso de
as obras estarem a ser executadas por pessoa colectiva, o embargo e o respectivo auto são
também comunicados para a respectiva sede social ou representação em território nacional
(artigo 102.°, n.os 3, 4, 6 e 7, do RJUE).
O embargo, assim como a sua cessação ou caducidade, é objecto de registo na
conservatória do registo predial, mediante comunicação do despacho que o determinou,
procedendo-se aos necessários averbamentos (artigo 102.°, n.° 8, do RJUE). O registo do
embargo na conservatória do registo predial visa, como é próprio do instituto do registo, a
publicidade daquela medida e a consequente protecção do comércio jurídico e de terceiros,
sobretudo dos potenciais adquirentes de edifícios ou de fracções autónomas destes e das
entidades financiadoras das operações urbanísticas.
Quanto ao âmbito do embargo, este pode ser total ou parcial, conforme abranja toda ou
apenas parte da operação urbanística. É o que resulta dos artigos 102.°, n.° 5, e 103.°, n.°*
1 e 4, do RJUE. O princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou da proibição do
excesso impõe que o embargo seja limitado ao estritamente necessário para a satisfação
do interesse público. Se este for alcançado com o embargo meramente parcial de uma
obra, não pode ser decretado o embargo total da mesma.
Todavia, apenas é possível o embargo parcial de uma obra, se a parte embargada
possuir autonomia funcional relativa à parte restante. Nesta ordem de ideias, a norma do n.°
5 do artigo 102.° do RJUE determina que, no caso de a ordem de embargo incidir apenas
sobre parte da obra, o respectivo auto fará expressa menção de que o embargo é parcial e
identificará claramente qual é a parte da obra que se encontra embargada. E, no mesmo
sentido, o Acórdão da 1.a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Outubro de
2004, Proc. n.° 498/03, decidiu, inter alia, que o “embargo de parte de obra supõe que nas
circunstâncias da determinação daquela medida é logo possível identificar, com clareza, os
sectores autónomos ilegais, destacáveis do todo” e, bem assim, que “não há violação do
princípio da proporcionalidade se o embargo de obra realizada com desrespeito do
respectivo licenciamento abrange toda a obra, quando nas circunstâncias da determinação
não é possível proceder àquela identificação”.
No que respeita aos efeitos do embargo — assunto já tocado ao de leve em linhas
anteriores —, estão os mesmos condensados no artigo

102
103.° do RJUE. São essencialmente quatro: a obrigação da suspensão ou paralisação
imediata, no todo ou em parte, da execução das obras ou trabalhos (artigo 103.°, n.° 1);
tratando-se de obras licenciadas ou objecto de comunicação prévia, a suspensão da
eficácia da respectiva licença ou admissão da comunicação prévia, bem como, no caso de
obras de urbanização, da licença ou comunicação prévia de loteamento urbano a que as
mesmas respeitam (artigo 103.°, n.° 2); a interdição do fornecimento de energia eléctrica,
gás e água às obras embargadas (artigo 103.°, n.° 3); e a suspensão, ainda que o embargo
seja parcial, do prazo que estiver fixado para a execução das obras no respectivo alvará de
licença e estabelecido para a admissão de comunicação prévia - suspensão esta que é uma
consequência da suspensão da eficácia da licença ou admissão da comunicação prévia
(artigo 103.°, n.° 4).
Resulta do exposto que o embargo apresenta uma dupla vantagem, no quadro das
finalidades das medidas de tutela da legalidade urbanística: para além de prevenir, ao
menos em parte, o prejuízo causado ao interesse público pela execução da obra ilegal,
evita a necessidade de uma posterior ordem de demolição ou, no caso em que esta se
apresente indispensável, impede que o seu cumprimento se torne mais difícil e mais
oneroso para o dono da obra.
Finalmente, no tocante à natureza do embargo, é seguro que se trata de um acto
administrativo, contenciosamente impugnável, não tendo qualquer natureza instrumental ou
preparatória em relação a quaisquer outros actos, designadamente a demolição. E, porém,
um acto cautelar e provisório. Cautelar, porque visa apenas paralisar imediatamente, no
todo ou em parte, uma operação urbanística em curso de execução, sem fornecer uma
solução definitiva para a ilegalidade detectada — a qual, resultará apenas do denominado
instituto da “legalização” das obras ou da demolição das mesmas ou da reposição do
terreno. Provisório, porque tem um carácter temporalmente delimitado de vigência.
A natureza cautelar e provisória do embargo é assumida claramente pelos artigos 103.°,
n.° 1, e 104.° do RJUE. Relevo especial apresenta este último, com a epígrafe caducidade
do embargo, na medida em que determina que a ordem de embargo caduca (caducidade
que opera ope legis, tendo, por isso, uma natureza preclusiva) logo que for proferida uma
decisão que defina a situação jurídica da obra com carácter definitivo ou no termo do prazo
que tiver sido fixado para o efeito (artigo 104.°, n.° 1). Na falta de fixação de prazo para o
efeito, a ordem de embargo caduca se não for proferida uma decisão definitiva no prazo de
seis meses, prorrogável uma única vez por igual período (artigo 104.°, n.° 2).
Do carácter provisório do embargo resulta que não são mais possíveis ordens de
embargo de obras por tempo indeterminado, com as evidentes consequências negativas
que lhes andavam associadas para o interesse público urbanístico e para o interesse
público da segurança e da saúde das pessoas.

b) A legalização da operação urbanística

Da natureza cautelar e provisória da ordem de embargo resulta que a este acto


administrativo devem seguir-se necessariamente outros actos tendentes a definir “a
situação jurídica da obra com carácter definitivo”. Ora, um dos modos de definir a situação
jurídica da obra ilegal em curso de execução com carácter definitivo é a legalização da
mesma, isto é, a adopção de um conjunto de actos e procedimentos que confiram às obras
ou aos trabalhos ilegais o estatuto de “legalidade” ou de conformidade com o direito do
urbanismo280. Os actos de legalização da obra devem ser preferidos em relação à
demolição, uma vez que esta é configurada pelos artigos 106.°, n.° 2, e 115.°, n.° 1, do
RJUE como a ultima ratio, ou seja, “só deve ser ordenada se não for possível a legalização,
com ou sem a realização de trabalhos de correcção ou de alteração”.
Podem, em primeiro lugar, traduzir-se no desencadeamento de um procedimento de
licença ou de comunicação prévia de legalização da operação urbanística que esteja a ser
executada sem a necessária licença ou admissão de comunicação prévia. Podem, em
segundo lugar, consistir na apresentação de um pedido de alteração à licença ou
comunicação prévia, nos termos, respectivamente, dos artigos 27.° e 35.° do RJUE, como

103
admite expressamente o artigo 105.°, n.° 5, deste diploma legal, de modo a adequar a obra
em execução àquele acto de controlo prévio da operação urbanística. E podem, em terceiro
lugar, traduzir-se na realização de trabalhos de correcção ou de alteração da obra, de modo
a que sejam corrigidos os erros de execução apurados (alterando o que foi construído) ou
sejam preenchidas as “lacunas” existentes (executando o que não foi realizado) 282. Tais
trabalhos de correcção ou de alteração da obra não resultam da realização de alterações ao
projecto durante a execução da obra, previstos no artigo 83.° do RJUE, que são
perfeitamente legítimas, antes estão relacionados com ilegalidades detectadas ne execução
da obra, espelhadas ou na desconformidade da execução da obra com o respectivo
projecto ou com as condições do licenciamento ou comunicação prévia ou na violação pela
mesma das normas legais e regulamentares aplicáveis.
E no artigo 105.° do RJUE que encontramos o regime dos trabalhos de correcção ou
alteração de obras que estejam a ser executadas em desconformidade com o respectivo
projecto ou com as condições do licenciamento ou comunicação prévia ou em violação das
normas legais e regulamentares aplicáveis. Aqueles são ordenados pelo presidente da
câmara municipal, dentro do prazo fixado para o efeito, tendo em conta a natureza e o grau
de complexidade dos mesmos (artigo 105.°, n.° 1). Para que o particular possa cumprir a
ordem emanada, sem oneração excessiva, determina o n.° 4 do artigo 105.° do RJUE que a
ordem de realização de trabalhos de correcção ou alteração suspende o prazo que estiver
fixado no respectivo alvará de licença ou estabelecido na comunicação prévia pelo período
fixado naquele acto administrativo.
Todavia, se o interessado apresentar um pedido de alteração à licença ou comunicação
prévia, o prazo fixado pelo presidente da câmara municipal para a realização de trabalhos
de correcção ou alteração da obra interrompe-se (artigo 105.°, n.° 5). Se aquele pedido
obtiver deferimento ou se a comunicação prévia for admitida, e pressupondo que a
alteração à licença ou comunicação prévia visa adequar estes actos de controlo prévio da
operação urbanística à obra em execução, fica sanada a ilegalidade e, consequentemente,
perde utilidade o procedimento paralelo de realização de trabalhos de correcção ou
alteração. Mas se o pedido de alteração da licença for indeferido ou se for rejeitada a
apresentação da alteração da comunicação prévia, mantém-se integralmente válida a
anterior decisão do presidente da câmara municipal para a realização dos trabalhos de
correcção ou alteração da obra, reiniciando-se, a partir da data do indeferimento ou da
rejeição, a contagem do prazo para a sua execução.
Caso o interessado não realize integralmente os trabalhos de correcção ou alteração
dentro do prazo fixado, a obra permanece embargada até ser proferida uma decisão que
defina a sua situação jurídica com carácter definitivo (artigo 105.°, n.° 2), ficando
franqueada a porta para a demolição da obra, já que o interessado não aproveitou a
possibilidade que lhe foi dada de promover a adequação de obra ao ordenamento jurídico
urbanístico vigente. Apesar de o n.° 2 do artigo 105.° do RJUE guardar silêncio sobre o
prazo de duração do embargo, cremos que este não pode prolongar-se para além do prazo
fixado no n.° 2 do artigo 104.° (seis meses, prorrogáveis uma única vez por igual período),
contado a partir do termo do prazo fixado para a realização dos trabalhos de correcção ou
alteração da obra.
A responsabilidade pela realização dos trabalhos de correcção ou alteração é do titular
da licença ou do apresentante da comunicação prévia, nos termos fixados pelo presidente
da câmara municipal, em consonância com o resultado da fiscalização administrativa. No
entanto, o n.° 3 do artigo 105.° do RJUE admite a possibilidade de a câmara municipal
promover directamente a realização dos trabalhos de correcção ou alteração, por conta do
titular da licença ou do apresentante da comunicação prévia, nos casos de obras de urba-
nização ou de outras obras indispensáveis para assegurar a protecção de interesses de
terceiros ou o correcto ordenamento urbano. Uma tal possibilidade é admitida apenas a
título supletivo, isto é, quando o titular da licença ou o apresentante da comunicação prévia
não cumprir a ordem de realização daqueles trabalhos, e apenas quando estejam em causa
interesses públicos relevantes, ou seja, nos casos “de obras de urbanização ou de outras
obras indispensáveis para assegurar a protecção de interesses de terceiros ou o correcto

104
ordenamento urbano” . Aos trabalhos de correcção ou alteração executados pela câmara
municipal ao abrigo do artigo 105.°, n.° 3, do RJUE aplicam-se as normas constantes dos
artigos 107.° e 108.° deste diploma legal. Significa isto que assiste à câmara municipal a
faculdade de tomar posse administrativa do imóvel em causa e de obter o reembolso das
despesas realizadas com a execução daqueles trabalhos, através do processo de execução
fiscal, caso não ocorra o pagamento voluntário das mesmas por parte do infractor.
Assinale-se, ainda, que, de harmonia com o artigo 108.°-A do RJUE, o presidente da
CCDR territorialmente competente pode também determinar a introdução de alterações em
quaisquer operações urbanísticas desconformes com o disposto em plano municipal ou
especial de ordenamento do território, sempre que não se mostre assegurada pelo
município a adopção daquela medida de tutela da legalidade urbanística, aplicando-se, com
as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 102.° a 108.° do RJUE.
Uma última questão relacionada com a legalização da operação urbanística que importa
referir, embora em termos sintéticos, é a de saber se a Administração goza de um poder
discricionário na escolha entre a legalização e a demolição de uma obra que esteja a ser
executada ilegalmente.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo começou por defender que a
legalização de obras era uma faculdade discricionária da Administração, que podia
livremente optar entre autorizar a manutenção da construção ou ordenar a sua demolição.
Exemplo típico desta orientação é o Acórdão da 1.a Secção do Supremo Tribunal
Administrativo de 25 de Outubro de 1973, nos termos do qual “a faculdade reconhecida às
câmaras municipais pelo artigo 167.° do RGEU, de ser evitada a demolição ordenada nos
termos do artigo 165.° [...] é para ser exercida discricionariamente no que se refere à
formação do juízo de susceptibilidade de obras clandestinas virem a satisfazer os requisitos
legais e regulamentares de urbanização, estética, segurança e salubridade”.
Entretanto, este entendimento sofreu uma evolução no sentido de uma drástica
circunscrição da amplitude da discricionaridade na escolha entre a demolição e a
legalização de obras ilegais. Do vasto elenco de arestos do Supremo Tribunal
Administrativo que sufragam esta corrente jurisprudencial, podemos mencionar o Acórdão
da l.a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Maio de 1998, Proc. 43 433.
Nele se consignou que “o poder de escolha entre a demolição e a legalização de obras
levadas a cabo sem o necessário licenciamento prévio, por parte da Câmara Municipal ou
do seu Presidente, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 165.° e 167.° do RGEU
(aprovado pelo DL n.° 38382, de 7/8/51), é discricionário quanto ao tempo da decisão, pois
que a mesma pode em tal matéria ser tomada a todo o tempo”, mas “o apontado poder de
escolha fanciona [...] na base de um pressuposto vinculado, já que a demolição só pode ter
lugar se a autoridade houver previamente concluído pela inviabilidade da legalização das
obras, por estas não poderem satisfazer os requisitos legais e regulamentares de
urbanização, de estética, de segurança e de salubridade”.
Finalmente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo inverteu totalmente a
sua orientação, passando a negar qualquer discricionaridade ne escolha entre a legalização
e a demolição de obras ilegais.

Qual o sentido da norma do vigente RJUE no contexto do problema acima enunciado?


Segundo cremos, o seu sentido é o de que não goza a Administração de qualquer
discricionaridade na escolha do procedimento a adoptar: de legalização ou de demolição.
O procedimento que a Administração deverá instaurar é o da legalização, em observância
do princípio da proporcionalidade, na lógica do menor sacrifício exigível aos particulares. Na
verdade, como sublinhámos mais acima, a demolição da obra ilegal deve ser encarada pela
Administração como ultima ratio, ou seja, só deve ser decretada se a obra não for
susceptível de ser licenciada ou objecto de comunicação prévia ou se não for possível
assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são
aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração. Para evitar a
demolição, deve a Administração lançar um repto aos interessados para desencadear os
procedimentos tendentes à legalização das operações urbanísticas ilegais, podendo, no

105
entanto, eles próprios fazê-lo, sponte sua 289 .
289
A norma do artigo 106.°, n.° 2, do RJUE pode ser interpretada também como
consagrando um ónus jurídico para o interessado de actuar e de actualizar as suas pretensões no
prazo razoável que, para tal, lhe seja dado pela Administração, quer seja um prazo para a relalização
de trabalhos de correcção ou de alteração que permitam a conformação das obras com a licença ou
a admissão da comunicação prévia ou com as disposições legais e regulamentares que estão a ser
infringidas, quer seja um prazo para apresentar os projectos necessários ao licenciamento ou à
admissão da comunicação prévia. Cfr. DULCE LOPES, Medidas de Tutela da Legalidade Urbanística,
cit., p. 66 e 67. Todavia, um tal ónus jurídico — cujo incumprimento tem como consequência a
demolição da obra ilegal — deve ser compreendido no contexto da obrigação de a Administração
desencadear o procedimento de legalização da obra ilegal.

O sentido que vimos de extrair da vigente norma do artigo 106.°, n.° 2, do RJUE não é
perturbado pela alteração da redacção inicial, através da substituição da expressão “a
demolição não pode ser ordenada” pela locução “a demolição pode ser evitada”, porquanto
aquele sentido não é mais do que uma consequência da aplicação do princípio da
proporcionalidade, que tem o seu campo especial de aplicação no domínio das medidas
impositivas de sacrifícios aos particulares, como sucede com a ordem de demolição de
obras ilegais — princípio esse expressamente referido no artigo 266.°, n.° 2, da
Constituição, e que constitui uma decorrência do princípio do Estado de direito, condensado
nos artigos 2.° e 9.°, alínea b), da Lei Fundamental. Acresce que a interpretação acabada
de referir da norma do artigo 106.°, n.° 2, do RJUE foi vincada pelo Acórdão da 1. a Secção
do Tribunal Central Administrativo Sul de 5 de Março de 2009, Proc. n.° 1582/ /06. E a
seguinte a doutrina que emana deste aresto:
1. Do preceituado nos artigos 106.°, n.° 2, e 115.°, n.° 1, do RJUE — disposição esta que
determina que a acção administrativa especial dos actos de demolição da obra e reposição
do terreno tem efeito suspensivo - conclui-se que vigora em matéria de demolição de
construções ilegais a regra de que a demolição só deve ser ordenada se não for possível a
legalização, com ou sem a realização de trabalhos de correcção ou de alteração.
2. Tal regra é um afloramento do princípio constitucional da proporcionalidade (artigo 18.°,
n.° 2, da Lei Fundamental), que impõe que não sejam infligidos sacrifícios aos cidadãos
quando não existam razões de interesse público que os possam justificar.
3. Assim, se as obras, apesar de ilegalmente efectuadas, podem vir a satisfazer os
requisitos legais e regulamentares de urbanização, não devem, sem mais, ser demolidas.
4. E tal apreciação da possibilidade de satisfação dos requisitos de licenciamento deve
anteceder a ordem de demolição prevista no n.° 1 do artigo 106.° do RJUE.
Não dispondo, como vem de ser referido, a Administração de qualquer poder
discricionário na escolha entre o procedimento de legalização e de demolição de uma obra
ilegal, cabe, agora, questionar se, uma vez desencadeado o procedimento de legalização,
goza aquela de alguma margem de discricionaridade na opção entre legalizar ou demolir.
Cremos que, se se pode falar, findo o procedimento de legalização, de alguma margem de
discricionaridade, esta não poderá deixar de ser idêntica àquela de que dispõe a
Administração no licenciamento e na comunicação prévia de operações urbanísticas (e que
referimos supra), uma vez que os parâmetros para a decisão são os mesmos291.
291
Negando que, neste caso, a Administração goze de uma verdadeira discricionaridade,
já que a mesma apenas poderá adoptar “uma decisão administrativa apoiada em normas
técnicas”, no sentido de que “ou a obra pode subsistir (com ou sem alterações ditadas em
função da avaliação técnica das condições de segurança e salubridade), ou deve ser
demolida”, cfr. CARLA AMADO GOMES.

c) A demolição da obra e reposição do terreno

Nos casos em que não seja possível a legalização, com ou sem a realização de

106
trabalhos de correcção ou de alteração, deve ser ordenada a demolição total ou parcial da
obra e ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data do
início das obras ou trabalhos. A competência para ordenar a demolição e ou a reposição do
terreno pertence ao presidente da câmara municipal, devendo fixar um prazo para o efeito
(artigo 106.°, n.° 1, do RJUE).
Cfr. artigo 108.°-A do RJUE.

Entende-se por ordem de demolição, enquanto medida de tutela da legalidade


urbanística292, o acto administrativo por meio do qual é imposta a obrigação de destruir
materialmente, no todo ou em parte, obras construídas em violação de normas jurídicas
urbanísticas ou cuja subsistência seja incompatível com o interesse público, com o fim de
tutelar os interesses materiais protegidos pela ordem jurídica urbanística vigente 293. E por
reposição do terreno o acto administrativo através do qual é imposto o dever de restauração
ou de restituição do terreno à situação anterior à actuação ilegal. Trata-se de conceitos
distintos, podendo ser ordenados conjuntamente, como sucede nos casos em que tenham
sido erigidas edificações em solos insusceptíveis de aproveitamento urbanístico, recaindo,
em tais situações, sobre o destinatário a obrigação não só de eliminação das obras, mas
também de realização de outros trabalhos necessários à reconstituição da situação de facto
anterior, designadamente trabalhos de remoção de entulhos ou materiais de construção,
terraplanagens ou revestimento do coberto vegetal destruído, ou separadamente (nas
hipóteses de operações urbanísticas que não envolvam obras de edificação, como sucede
com a realização de obras de urbanização ou de trabalhos de remodelação de terrenos).

Tal como sucede com o embargo, também a demolição da obra ilegal pode ser total ou
parcial. O princípio da proporcionalidade impõe que se deva dar prevalência à demolição
parcial da obra, quando esta seja suficiente para promover a reposição da legalidade
(princípio da menor demolição).
No que concerne à natureza da ordem de demolição, é ela um acto administrativo
lesivo, dotado de autonomia em relação à ordem de embargo e em relação ao acto que
indeferiu o pedido de legalização da obra. Deve, assim, ser rejeitada a tese que considera a
demolição como um acto confirmativo da ordem de embargo ou do acto que indeferiu o
pedido de legalização da obra ilegal. E é um acto de carácter real (tal como sucede com a
ordem de embargo), uma vez que produz os seus efeitos independentemente da
consideração do proprietário da obra a demolir, operando, por isso, mesmo face a terceiros
estranhos à criação da situação de ilegalidade que a fundamenta.
Tendo em conta os efeitos fortemente gravosos para o destinatário das ordens de
demolição e ou de reposição do terreno, a lei impõe que as mesmas sejam antecedidas de
audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se
pronunciar sobre o respectivo conteúdo (artigo 106.°, n.° 3, do RJUE). E, por essa mesma
razão, o artigo 115.°, n.° 1, do RJUE consagrou uma especialidade do regime de
impugnação contenciosa das ordens de demolição e ou de reposição do terreno, traduzida
na atribuição de efeito suspensivo à impugnação contenciosa destes actos (a qual segue a
forma de acção administrativa especial), ao arrepio da regra geral de não atribuição de
efeitos suspensivos à impugnação jurisdicional dos actos administrativos, constante do
artigo 50.°, n.° 2, do CPTA.
Vale a pena citar, a propósito da problemática enunciada, o Acórdão da 1. a Secção do
Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Maio de 2004, Proc. n.° 0177/2004. Nele se
decidiu, por um lado, que, nos termos do artigo 115.°, n.° 1, do RJUE, os recursos
contenciosos interpostos de actos administrativos que ordenem a demolição de obras têm
efeito suspensivo automático, a ponto de, com a citação da petição de recurso, sobre a
autoridade administrativa recair o “dever” de impedir, “com urgência”, o início ou a pros-
secução da execução do acto recorrido, caso a execução se encontre a decorrer (n.° 2 do
artigo 115.°), apenas podendo iniciar ou prosseguir com a execução, caso o juiz venha
posteriormente a atribuir efeito meramente devolutivo ao recurso, nos termos do
estabelecido no n.° 3 da mesma disposição; e, por outro lado, que, de harmonia com o que

107
dispõe o artigo 106.°, n.° 2, do RJUE, a demolição de obras construídas sem licença só
deve ser ordenada se não for possível a sua legalização, pelo que e em princípio deve ser
indeferido o pedido de atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso contencioso de
anulação interposto de despacho que ordenou a demolição de uma casa de habitação
construída sem a devida licença, mantendo-se, assim, e enquanto persistir uma situação de
dúvida sobre a possibilidade de legalização da obra, a impossibilidade de aquele despacho
ser imediatamente executado.
O n.° 4 do artigo 106.° do RJUE estabelece que, decorrido o prazo fixado pelo
presidente da câmara municipal para o cumprimento das ordens de demolição e ou de
reposição do terreno, o mesmo determina a demolição da obra e ou a reposição do terreno
por conta do infractor. O sentido desta norma é o de que o presidente da câmara municipal
deverá determinar, naquela situação, a prática dos actos materiais necessários à execução
coerciva dos actos proferidos, não tendo que emitir qualquer novo acto administrativo nesse
sentido. A aludida norma constitui, aliás, uma expressão do princípio da executoriedade da
ordem de demolição e ou de reposição do terreno - princípio esse que se traduz no “poder
de que goza a Administração Pública de proceder à execução, com recurso aos seus pró-
prios meios e se necessário coercivamente, dos actos administrativos criadores de deveres
para os particulares, no caso do seu cumprimento esbarrar numa resistência activa ou
passiva destes, sem necessidade de recorrer aos tribunais”.
Todavia, a posse administrativa do imóvel (prédio rústico, urbano ou terreno para
construção) não está prevista apenas para permitir a execução coerciva das ordens de
demolição e ou de reposição do terreno. De acordo com a norma do n.° 1 do artigo 107.° do
RJUE, a posse administrativa do imóvel onde está a ser realizada a obra pode ser
determinada pelo presidente da câmara municipal para permitir a execução coerciva de
qualquer das medidas de tutela da legalidade urbanística, desde que as mesmas não sejam
cumpridas pelos destinatários (para além das ordens de demolição e ou de reposição do
terreno, também a ordem de embargo, bem como a ordem de realização de trabalhos de
correcção ou de alteração, nos termos referidos no artigo 105.°, n.° 3, do RJUE, indicados
um pouco mais acima). A posse administrativa, devido a seu carácter fortemente
desfavorável para o seu destinatário, traduzido no desapossamento do imóvel, não pode
deixar de estar subordinada ao princípio da proporcionalidade, num tríplice sentido: só pode
ser adoptada em caso de não cumprimento voluntário das medidas de tutela da legalidade
urbanística, o que significa que a posse administrativa há-de ter um carácter residual; não
pode ser decretada se o município puder executar directamente as medidas de tutela da
legalidade urbanística sem necessidade de tomar posse administrativa do imóvel; e só pode
manter-se pelo período estritamente necessário à execução coerciva da medida de tutela
da legalidade urbanística, caducando (caducidade ope legis) no termo do prazo fixado para
a mesma (artigo 107.°, n.° 7, do RJUE).
A lei prevê um conjunto de requisitos para a tomada da posse administrativa do imóvel.
São eles essencialmente os seguintes:
1. A prática de um acto administrativo expresso que determine a transferência da posse
do imóvel a favor do município, o qual deve obedecer a todas as formalidades e requisitos
previstos no CPA, designadamente a audiência prévia dos interessados (embora esta possa
ser dispensada nas hipóteses em que, aquando da ordem de demolição, o presidente da
câmara municipal tenha indicado que, caso a mesma não fosse voluntariamente cumprida,
a posse administrativa teria lugar numa data determinada, pois o interessado já teve
oportunidade de se pronunciar na audição que antecedeu a ordem de demolição).
2. A notificação do acto administrativo que tiver determinado a posse administrativa, por
carta registada com aviso de recepção, ao dono da obra e aos demais titulares de direitos
reais sobre o imóvel (artigo 107.°, n.° 2, do RJUE).
3. A realização da posse administrativa pelos funcionários municipais responsáveis pela
fiscalização de obras, mediante a elaboração de um auto de onde conste: a identificação do
acto administrativo que tiver decretado a posse administrativa; e a especificação do estado
em que se encontra o terreno, a obra e as demais construções existentes no local, bem
como a identificação dos equipamentos que aí se encontrarem (artigo 107.°, n.° 3).

108
4. A adopção de um conjunto de actos materiais, em função da medida de tutela da
legalidade urbanística que é objecto de execução coerciva, tais como: tratando-se da
execução coerciva de uma ordem de embargo, a selagem do estaleiro da obra e dos
respectivos equipamentos pelos funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de
obras (artigo 107.°, n.° 4, do RJUE); e a possibilidade de transferência ou retirada dos
equipamentos do local da realização da obra, a qual é autorizada pelo presidente da
câmara municipal em casos devidamente justificados, por sua iniciativa ou a requerimento
do dono da obra ou do seu empreiteiro (artigo 107.°, n.° 5, do RJUE), devendo estes ser
notificados sempre que os equipamentos sejam depositados noutro local (artigo 107.°, n.° 6,
do RJUE).
5. E a fixação de prazos de duração da posse administrativa. Assim, a posse
administrativa do terreno e dos equipamentos mantém-se pelo período necessário à
execução coerciva da respectiva medida de tutela da legalidade urbanística, caducando no
termo do prazo fixado para a mesma (artigo 107.°, n.° 7, do RJUE). Tratando- -se de
execução coerciva de uma ordem de demolição ou de trabalhos de correcção ou alteração
de obras, estas devem ser executadas no mesmo prazo que havia sido concedido para o
efeito ao seu destinatário, contando-se aquele prazo a partir da data de início da posse
administrativa (artigo 107.°, n.° 8, do RJUE).
O acto que determina a posse administrativa, embora funciona- lizado à execução
coerciva das medidas de tutela da legalidade urbanística (o artigo 107.°, n.° 1, do RJUE
refere expressamente que aquela pode ser decretada “por forma a permitir a execução
coerciva de tais medidas”), é um verdadeiro acto administrativo e não um acto material de
execução das obras de embargo, de demolição e ou de reposição do terreno e de
realização de trabalhos de correcção ou de alteração. Ele é, por isso, susceptível de
impugnação contenciosa autónoma em relação a estes actos administrativos, desde que
enferme de vícios de ilegalidade próprios. E com este sentido que deve ser interpretada a
jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
As quantias relativas às despesas realizadas pelo município em virtude da execução
coerciva de qualquer das medidas de tutela da legalidade urbanística, incluindo quaisquer
indemnizações ou sanções pecuniárias que o mesmo tenha de suportar para o efeito, são
de conta do infractor (artigo 108.°, n.° 1, do RJUE). Este deve proceder ao pagamento das
mesmas, na câmara municipal, no prazo de 20 dias a contar da notificação para o efeito
(artigo 108.°, n.° 2, do RJUE).
Cfr. artigo 108.°, n.° 2, do RJUE.

d) A cessação da utilização

A última medida de tutela da legalidade urbanística disciplinada no RJUE é a cessação


de utilização de edifícios ou de suas fracções autónomas quando sejam ocupados sem
necessária autorização de utilização ou quando estejam a ser afectos a fim diverso do
previsto no respectivo alvará. A competência para ordenar e fixar prazo para a cessação da
utilização é do presidente da câmara municipal (artigo 109.°, n.° 1, do RJUE). Todavia, esta
competência é exercida, nos termos do artigo 109.°, n.° 1, do RJUE.
No caso de os ocupantes dos edifícios ou suas fracções não cessarem a utilização
indevida no prazo fixado pelo presidente da câmara municipal, pode a câmara municipal
determinar o despejo administrativo, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o
disposto no artigo 92.° do RJUE (artigo 109.°, n.° 2, deste diploma legal). Significa isto que
a deliberação da câmara municipal é eficaz a partir da sua notificação aos ocupantes do
imóvel, dispondo estes do prazo de 45 dias para desocupar o edifício ou sua fracção
autónoma.
Relevo especial assume a disciplina jurídica constante dos n. os 3 e 4 do artigo 109.° do
RJUE. Cifra-se a mesma no facto de, em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa
humana (artigo 1.° da Constituição) e ao respeito do direito fundamental à vida (artigo 24.°
da Lei Fundamental), o despejo administrativo dever ser sobrestado quando, tratando-se de
edifício ou sua fracção que estejam a ser utilizados para habitação, o ocupante mostre, por

109
atestado médico, que a execução do mesmo põe em risco de vida, por razão de doença
aguda, a pessoa que se encontre no local, não podendo aquele prosseguir enquanto a
câmara municipal não providenciar pelo realojamento da pessoa em questão, a expensas
do responsável pela utilização indevida.
Saliente-se, por último, que a ordem de cessação da utilização de edifícios ou de suas
fracções autónomas surge, múltiplas vezes, como uma medida cautelar e provisória (à
semelhança do embargo), devendo ser seguida de um procedimento de legalização da
utilização concretizada, ou através do desencadeamento de um procedimento de au-
torização de utilização, nos casos em que inexista este acto de controlo prévio, ou mediante
o despoletamento de um procedimento de alteração da autorização de utilização, se tal for
admissível à luz do ordenamento jurídico urbanístico. Outras vezes, a referida ordem de
cessação da utilização apresenta-se como uma medida de tutela da legalidade urbanística
de cariz definitivo, precisamente naquelas situações em que é de todo impossível adequar a
utilização efectivada ao ordenamento jurídico. Em tais hipóteses, àquela ordem deve seguir-
se inexoravelmente uma ordem de despejo administrativo do prédio ou de sua fracção
autónoma utilizado indevidamente.

7. OBRAS DE DEMOLIÇÃO (André Folque)

No artigo 2.°, alínea g), as obras de demolição são definidas a partir da actividade
desenvolvida e do seu resultado: a destruição, no todo ou em parte, de uma edificação.
Sujeitam-se a licença se a edificação se encontrar classificada, em vias de classificação, em
zona de protecção de imóvel classificado ou em outra área sob servidão administrativa ou
restrição de interesse público (artigo 4.°, n.° 2, alínea d)). No mais, apenas a autorização
(n.° 3, alínea ej).
Note-se, contudo, que para as obras de reconstrução não tem o interessado de requerer
duas licenças ou autorizações: a autorização ou licença de obras de reconstrução contém a
permissão para demolir, a menos que o perecimento tenha ocorrido por facto imputado a
terceiro ou por acidente natural.
De resto, os trabalhos de demolição poderão ser iniciados, em face de alguns
pressupostos e requisitos (artigo 81.°, n.° 1), antes mesmo de se encontrar deferida a
licença de construção ou de reconstrução, contanto que o projecto de arquitectura tenha
sido aprovado (n.° 2).
O direito anterior, relativo a obras particulares, consagrava no artigo 50.°-A, introduzido
pela revisão operada com o Decreto-Lei n.° 250/94, de 15 de Outubro, a licença de
demolição com instrução mais abreviada (n.° 2). Ia porém mais longe, ao permitir o início
dos trabalhos de demolição, logo após o saneamento e apreciação liminar do pedido de
licença de construção (n.° 3). (Fim André Folque)

75. Vicissitudes da licença e da admissão de comunicação prévia

A vida da licença e da admissão da comunicação prévia de operações urbanísticas


pode passar por diversas vicissitudes. Assim, as mesmas podem ser objecto de alteração,
caducidade, revogação e anulação ou declaração de nulidade.

75.1. A alteração

Uma vez emitida a licença de operações urbanísticas, pode ela ser alterada. O mesmo
se diga a propósito da admissão da comunicação prévia, embora não encontremos no
RJUE uma disciplina jurídica detalhada da alteração daquele acto de controlo prévio,
quando ela tem lugar a requerimento do interessado.
A alteração àqueles dois tipos de actos de controlo prévio das operações urbanísticas
pode ocorrer por iniciativa pública ou por iniciativa particular. A primeira tem lugar nos
termos do artigo 48.° do RJUE. Cfr. artigo 48.°, n.°s 1, 2, 3 e 4 do RJUE).

110
A segunda verifica-se a requerimento do interessado e abrange quer as alterações aos
termos e condições da licença da operação urbanística antes do início das obras ou
trabalhos (artigo 27°, n.° 1, do RJUE), quer as alterações à licença ou comunicação prévia
de obras de ampliação ou de alterações à implantação das edificações durante a execução
da obra (artigo 83.°, n.° 3, do RJUE).
Cfr. 27.° do RJUE. Cfr. artigos 53.°, 54.° e 58.° do RJUE.

A disciplina jurídica daquelas alterações aos termos e condições da licença pode ser
epitomada nas seguintes ideias:

a) A alteração obedece ao procedimento de licenciamento, em tudo quanto não estiver


especialmente previsto no artigo 27.° (v.g., tramitação, prazos, fundamentos de
indeferimento de pedido, etc.), tal como estabelece o n.° 4 do artigo 27.° do RJUE.

b) E dispensada a consulta às entidades exteriores ao município, desde que o pedido de


alteração se conforme com os pressupostos de facto e de direito dos pareceres,
autorizações ou aprovações que hajam sido emitidos no procedimento de licenciamento
(artigo 27.°, n.° 5). Ademais, em homenagem ao princípio geral do procedimento
administrativo do aproveitamento dos actos, devem ser utilizados os documentos
constantes do procedimento de licenciamento que se mantenham válidos e adequados,
incidindo sobre a câmara municipal a obrigação de, quando necessário, promover a
actualização dos mesmos (artigo 27.°, n.° 6, do RJUE).

c) A alteração da licença dá lugar a aditamento ao alvará (e não à emissão de um novo


alvará), o qual, no caso de operação de lotea- mento, deve ser comunicado oficiosamente à
conservatória do registo predial competente para efeitos de averbamento, contendo a
comunicação os elementos em que se traduz a alteração (artigo 27.°, n.° 7). Todavia, a
alteração da licença “dá lugar a uma nova apreciação e reponderação” da solução
urbanística, pelo que a deliberação que defere o pedido de alteração da licença “não é acto
sobre acto, mas um acto sucessivo que veio tomar o lugar do primeiro” °5. Por isso, o acto
que defere o pedido de alteração da licença autonomiza-se em relação ao acto de
licenciamento, quer em termos lógico-jurídicos, quer porque deve subordinar-se às normas
legais e regulamentares em vigor no momento em que é emitido.

d) Tratando-se de alteração da licença de loteamento, é, ainda, necessário obedecer


aos seguintes requisitos:

1. Cfr. artigo 27.°, n.° 2, do RJUE.


2. A alteração da licença da operação de loteamento não pode ser aprovada — a não
ser quando a mesma ocorra por iniciativa da câmara municipal, nos termos do artigo 48.° do
RJUE. Cfr. artigo 27.°, n.° 3, do RJUE.
3. Cfr. artigo 27.°, n.° 8, do RJUE.

No que toca às alterações ao projecto durante a execução da obra, algumas delas —


precisamente as indicadas no artigo 83.°, n.° 3, do RJUE, ou seja, “as alterações em obra
ao projecto inicialmente aprovado ou apresentado que envolvam a realização de obras de
ampliação ou de alterações à implantação das edificações” — estão sujeitas “ao
procedimento previsto nos artigos 27.° ou 35.°, consoante os casos”, isto é, ao regime das
alterações à licença ou ao procedimento previsto para a comunicação prévia (artigo 83.°, n.°
3, do RJUE). Significa isto que as alterações em obra referidas anteriormente estão sujeitas
ao procedimento de alteração a licença, se o controlo prévio aplicado à operação
urbanística objecto de alteração tiver sido a licença, ou ao procedimento de (nova)
comunicação prévia, se tiver sido este o tipo de controlo aplicado à operação urbanística
que se pretende alterar 307.
307
Sublinhe-se que nem todas as alterações durante a execução da obra seguem o regime

111
indicado no texto. Com efeito, de acordo com o n.° 1 do artigo 83.° do RJUE, a regra geral é a de que
as alterações durante a execução da obra ficam sujeitas ao procedimento de comunicação prévia.
Uma tal regra comporta, no entanto, duas excepções: uma correspondente à apontada no texto, e
que está plasmada no artigo 83.°, n.° 3, do RJUE; e outra traduzida na não sujeição a comunicação
prévia das alterações em obra que correspondam a obras que não careceriam, no momento da
apreciação do projecto inicial, de controlo prévio, isto é, todas as obras abrangidas pelos artigos 6.° e
6.°-A do RJUE — excepção que está condensada no artigo 83.°, n.° 2, do

75.2. A caducidade

Já tivemos ensejo de apontar supra os casos de caducidade da licença e da admissão


de comunicação prévia das operações urbanísticas, justamente a propósito da
caracterização dos ónus jurídicos associados àqueles actos de controlo prévio das
operações urbanísticas. Importa, agora, proceder a uma breve caracterização da
caducidade daqueles dois tipos de actos de controlo prévio.
A caducidade da licença e da admissão de comunicação prévia, prevista no artigo 71.°,
n.os 1 a 4, do RJUE, não é uma caducidade pre- clusiva, entendida como um instituto pelo
qual os direitos que, por força da lei ou de convenção, se devem exercer dentro de certo
prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo, e justificada por exigências
de certeza e segurança jurídicas, ditadas pelo interesse social (público) de definição das
situações a que respeita. E, antes, uma caducidade por incumprimento ou uma caducidade-
sanção, derivada do não cumprimento de certos ónus jurídicos, o qual provoca lesão no
interesse público, de tal modo que o ordenamento jurídico sanciona esse incumprimento
com a queda de um efeito jurídico favorável. Com efeito, se se atentar nos factos
originadores da caducidade da licença e da comunicação prévia, condensados nos n. os 1 a
4 do artigo 71.° do RJUE, facilmente se conclui que a produção de um efeito jurídico
desfavorável para o beneficiário da licença ou da comunicação prévia, traduzido na
caducidade destes actos, tem como objectivo obviar uma situação de inércia do particular,
feridora do interesse público urbanístico, quanto à conclusão do procedimento e, em última
análise, à realização efectiva da operação urbanística.
Debruçando-nos sobre o modo como opera a caducidade, deve, sublinhar-se, desde já,
que a mesma não opera ope legis, mas, pelo contrário, carece de uma actuação
administrativa nesse sentido: a declaração de caducidade. Nem poderia ser de outra
maneira, atendendo à natureza sancionatória do instituto, à necessidade de averiguar se
algum dos factos originadores da caducidade, não se ficou a dever a causas não imputáveis
ao particular [artigo 71.°, n.° 3, alínea b)] e à possibilidade, prevista em alguns casos [artigo
71.°, n.° 3, alínea d)], de prorrogação do prazo de conclusão das obras, prazo este que fun-
ciona como facto originador da caducidade.
A declaração de caducidade assume natureza constitutiva, concebendo- -se como um
verdadeiro acto administrativo, sem cuja prática a consequência jurídica (a caducidade da
licença ou da comunicação prévia) não se pode verificar. Nesse acto administrativo caberá
ao município avaliar não só se estão verificados os pressupostos da caducidade (o decurso
do prazo e a inexistência de causas não imputáveis ao particular), mas ainda se se revela
mais conveniente para o interesse público urbanístico a extinção da licença ou admissão de
comunicação prévia, com todas as consequências que tal implicará para a urbanização da
área afectada ou para os adquirentes dos lotes que haviam sido constituídos ao abrigo do
loteamento ou para o desenvolvimento urbanístico da zona.
E esta conclusão permanece inalterada mesmo quando se entenda — como alguma
doutrina — que, nos casos em que já decorreram os prazos máximos de realização das
obras de urbanização, a pronúncia administrativa possui eficácia meramente declarativa.
Ainda nestas hipóteses, cabe à Administração, pelo menos, a “força ou poder constitutivo”
da decisão (o “vir a ser” — venire in essere — do efeito jurídico), apenas se encontrando
subtraída ao decisor a “força ou poder determinante” do conteúdo, isto é, o “poder de
determinar de modo imodi- ficável o conteúdo do acto destinado a operar no mundo
externo”. Dizendo as coisas de outra forma, mesmo que constitua um acto de conteúdo

112
declarativo, a declaração de caducidade consubstancia uma decisão de autoridade que
regula directamente o caso concreto, com efeitos externos, configurando em termos
constitutivos uma relação jurídica externa, pelo menos enquanto factor de certeza
jurídica314.
Tratando-se de um acto administrativo, a declaração de caducidade terá de ser sempre
precedida de um procedimento administrativo, de harmonia com o princípio da
procedimentalização da actividade administrativa, já emergente do n.° 5 do artigo 267.° da
Constituição e claramente explicitado no n.° 6 do artigo 2.° do Código de Procedimento
Administrativo (CPA). No horizonte do direito administrativo, em geral, e do direito do
urbanismo, em especial, o procedimento administrativo representa a arena privilegiada,
onde, nas suas diversas fases, se confrontam os plúrimos interesses públicos em presença
e os interesses privados, no contexto de relações jurídicas hiper-comple- xas de carácter
poligonal. Como se compreende, e atentos, no mínimo, a natureza desfavorável ou, no
máximo, o carácter sanciona- tório imanentes ã declaração de caducidade, assume aqui
relevo decisivo a fase da audiência dos interessados, prevista nos artigos 100.° e seguintes
do CPA — é que, neste momento, o interessado, confrontado com um projecto de decisão
(maxime, quando este lhe seja desfavorável), tem ainda a possibilidade de aduzir
argumentos (de direito e de mérito) que, ponderados pelo órgão competente, podem levar à
realização de diligências complementares (cfr. o artigo 104.° do CPA) e mesmo à alteração
do sentido da decisão final.
Estas considerações estão hoje nitidamente clarificadas no n.° 5 do artigo 71.° do RJUE
(na redacção conferida pela Lei n.° 60/ /2007), nos termos do qual “as caducidades
previstas no presente artigo são declaradas pela câmara municipal, com audiência prévia
do interessado”. Repare-se, porém, que este preceito não introduziu qualquer inovação na
ordem jurídica, pois que a solução perfilhada corresponde à que decorria já dos princípios
gerais de direito administrativo e de direito do urbanismo; o legislador limitou-se (e bem) a
esclarecer um nódulo do regime jurídico, aperfeiçoando a redacção daquele preceito legal.

Declarada a caducidade da licença ou da admissão da comunicação prévia, deverá o


titular da licença requerer nova licença ou apresentar nova comunicação prévia, se
pretender realizar a operação urbanística em causa. E isto é assim, porquanto a caducidade
de que estamos a falar é uma caducidade por incumprimento ou uma caducidade-sanção,
que produz a extinção dos efeitos do acto, e não a extinção do direito, como su- cede na
caducidade preclusiva. E justamente por não estarmos face a um caso de extinção do
direito que o artigo 72.°, n.° 1, do RJUE determina que “o titular da licença ou comunicação
prévia que haja caducado pode requerer nova licença ou apresentar nova comunicação
prévia”.
O artigo 72.° do RJUE tem como epígrafe “renovação” da licença ou da comunicação
prévia, mas não estamos aqui perante uma renovação do acto de controlo prévio
anteriormente emitido, mas em face de uma nova licença ou de uma nova comunicação
prévia, submetida às novas regras urbanísticas que entretanto tenham entrado em vigor,
designadamente novos planos especiais ou municipais de ordenamento do território, de
acordo com a regra tempus regit actum.
cidade prevista nos diferentes números e alíneas daquele artigo opera, ou não, auto-
maticamente.
No primeiro sentido decidiu o Acórdão da 1. a Secção do Supremo Tribunal
Administrativo de 18 de Junho de 2009, Proc. n.° 0483/09, e no segundo sentido decidiu o
Acórdão da 1.* Secção do Tribunal Central Administrativo Sul, da mesma data, Proc. n.°
03137/07. De facto, o primeiro aresto consignou que a caducidade do alvará de loteamento
que exija a realização de obras de urbanização, com fundamento na não conclusão das
obras de urbanização no prazo de 18 meses, fixado no mesmo, opera por si, sendo
desnecessário um acto expresso a declará-la. Ao invés, o segundo aresto ditou que a
caducidade de um alvará não opera automaticamente, sendo necessária a intervenção da
Administração no sentido de valorizar eventuais causas de incumprimento e sendo
indispensável em tal valoração a participação dos interessados em sede de audiência

113
prévia. Não basta, por isso, uma mera verificação de um dos eventos de que a lei faz
depender a caducidade do alvará, sendo ainda necessária uma declaração formal da
entidade competente.
O n.° 2 daquele artigo prescreve, no entanto, em homenagem aos princípios da
simplificação e da desburocratização administrativas, a utilização no novo procedimento de
licença ou de comunicação prévia dos elementos que instruíram o procedimento anterior
(v.g., pareceres, autorizações ou aprovações emitidos por entidades exteriores ao
município, projectos de arquitectura e das especialidades, etc.), “desde que o novo
requerimento seja apresentado no prazo de 18 meses a contar da data da caducidade ou,
se este prazo estiver esgotado, não existirem alterações de facto e de direito que
justifiquem nova apresentação”. A redacção desta norma poderia levar-nos a concluir que,
se o novo requerimento for apresentado no prazo de 18 meses a contar da data da
caducidade, não é necessário apresentar novos elementos instrutórios, designadamente
novos pareceres, autorizações ou aprovações ou novos projectos, mesmo que tenham
ocorrido alterações de facto e de direito. Uma tal interpretação é, contudo, errónea, já que,
em tais situações, tem lugar uma reapreciação do pedido, justamente à luz das novas
circunstâncias de facto e de direito.

75.3. A revogação

A norma do n.° 1 do artigo 73.° do RJUE determina que “a licença, a admissão de


comunicação prévia ou as autorizações de utilização só podem ser revogadas nos termos
estabelecidos na lei para os actos constitutivos de direitos”. Já tivemos oportunidade de
abordar as mais relevantes questões suscitadas pelo regime da revogabilidade dos actos de
controlo prévio das operações urbanísticas, precisamente no ponto dedicado à análise das
principais características destes actos de gestão urbanística. Importa, por isso, agora,
acrescentar tão-só duas notas ao que nesse local foi referido.
A primeira diz respeito ao facto de a norma do n.° 2 do artigo 73.° do RJUE consagrar
uma excepção ao regime de revogabilidade das licenças e admissões de comunicações
prévias, enquanto actos constitutivos de direitos. Com efeito, nela se prevê a possibilidade
de a câmara municipal revogar a licença ou a admissão de comunicação prévia como
sanção pela não realização dos trabalhos de correcção ou de alteração da obra embargada,
com fundamento na desconformidade da mesma com o respectivo projecto ou com as
condições do licenciamento ou comunicação prévia admitida ou em violação das normas
legais e regulamentares aplicáveis, decorridos que estejam seis meses sobre o termo do
prazo estabelecido pelo presidente da câmara municipal para a execução daqueles
trabalhos. Esta modalidade de revogação suscita, porém, angustiosas dificuldades de
articulação com a ordem de demolição, total ou parcial, da obra, prevista no artigo 106.° do
RJUE, que é, como sabemos, a medida de tutela da legalidade urbanística que deve ser
adoptada no caso de recusa ou de não realização, dentro do prazo assinalado pelo
presidente da câmara municipal, de trabalhos de correcção ou de alteração da obra ilegal,
tanto mais que, tendo em conta a redacção da norma do n.° 2 do artigo 73.° do RJUE, não
parece que o legislador tenha pretendido fazer da revogação da licença, naquelas
condições, um pressuposto da ordem de demolição.
A segunda nota tem a ver com a consequência da revogação (e o mesmo vale para a
declaração de caducidade, para a anulação e para a declaração de nulidade) da licença ou
da admissão de comunicação prévia. Essa consequência é a obrigação de o presidente da
câmara municipal cassar o alvará ou a admissão de comunicação prévia (artigo 79.°, n.° 1,
do RJUE). Tratando-se de alvará de licença, o presidente da câmara municipal deve
ordenar aos serviços municipais a apreensão do mesmo, após a notificação do respectivo
titular para que este efectue voluntariamente a sua entrega (artigo 79.°, n.° 4, do RJUE). No
caso da admissão de comunicação prévia, a cassação é efectuada através do averbamento
desta à informação disponibilizada no sistema informático relativa à sua não rejeição,
prevista no artigo 36.°-A, n.° 1, do RJUE (artigo 79.°, n.° 5, deste diploma legal).
No caso de cassação do alvará ou da admissão de comunicação prévia de loteamento,

114
os n.os 2 e 3 do artigo 79.° do RJUE consagram um regime próprio, que atende à especial
eficácia jurídica perante terceiros deste tipo de operação urbanística. Consiste ele, por um
lado, no dever de o presidente da câmara municipal comunicar à conservatória do registo
predial competente a referida cassação, para efeitos de anotação ã descrição e de
cancelamento do registo do alvará e comunicação prévia. E, por outro lado, no dever de o
presidente da câmara municipal, com tal comunicação, dar conhecimento à conservatória
do registo predial dos lotes que se encontrem na situação referida no n.° 7 do artigo 71.° do
RJUE — ou seja, dos lotes para os quais já haja sido aprovado pedido de licenciamento
para obras de edificação ou já tenha sido apresentada comunicação prévia da realização
dessas obras, e que ficam intocados pela declaração de caducidade pelos motivos previstos
nos n.os 3 e 4 do artigo 71.° do RJUE —, de solicitar o cancelamento parcial do registo do
alvará ou da admissão de comunicação prévia, nos termos da alínea Jj do n.° 2 do artigo
101.° do Código do Registo Predial, e de indicar as descrições a manter.

75.4. A invalidade

A possibilidade da anulação ou da declaração de nulidade das licenças e admissões de


comunicações prévias (e também das autorizações de utilização) transporta-nos para a
questão da validade destes actos de controlo prévio das operações urbanísticas. E o artigo
67.° do RJUE que estabelece o pressuposto de validade dos referidos actos de gestão
urbanística, que é a “sua conformidade com as normas legais e regulamentares em vigor à
data da sua prática [...]”. Consagra este preceito o conhecido princípio (<tempus regit actum
” — que vai ínsito no princípio da legalidade da Administração —, nos termos do qual os
actos administrativos regem-se pela lei existente na data da sua prática, sendo, por isso,
inválidos os actos administrativos que infrinjam as normas legais e regulamentares vigentes
no momento da sua emissão. O referido princípio comporta, no entanto, desvios,
designadamente os relacionados com a “garantia da existência”, consagrada no artigo 60.°
do RJUE.
Tal como no direito administrativo geral, também no âmbito do direito do urbanismo as
formas típicas de invalidade dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas são a
anulabilidade e a nulidade . Estas formas de invalidade dependem da gravidade do vício de
que enfermam aqueles actos, sendo a anulabilidade, como é sabido, a forma de invalidade-
regra dos actos administrativos de gestão urbanística que enfermem de ilegalidade (artigo
135.° do CPA).
A nulidade dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas está reservada para
os vícios de ilegalidade mais graves (nulidade por natureza) e para os vícios aos quais a lei
faça corresponder uma tal consequência (nulidade por determinação da lei). Relativamente
aos actos administrativos que estamos a considerar neste momento, podemos distinguir
entre vícios de natureza urbanística e vícios de natureza geral originadores da nulidade.
Estes últimos são constituídos por aqueles que se traduzem na ausência de qualquer dos
seus “elementos essenciais” (artigo 133.°, n.° 1, do CPA), bem como por aqueles que caem
no elenco (casuístico) condensado no artigo 133.°, n.° 2, do mesmo Código (veja-se, a este
propósito, o artigo 122.° do RJUE, que manda aplicar subsidiariamente o CPA).
No que concerne aos vícios de natureza urbanística geradores da nulidade dos actos de
controlo prévio das operações urbanísticas, o artigo 68.° do RJUE enumera os seguintes: a
violação do disposto em plano municipal de ordenamento do território, plano especial de
ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou comunicação prévia de
loteamento em vigor (veja-se também o artigo 103.° do RJIGT, nos termos do qual “são
nulos os actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicá-
vel”); e a ausência de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações
sejam legalmente exigíveis, bem como a desconformidade com esses pareceres,
autorizações ou aprovações.
Apesar de o artigo 68.° do RJUE se referir apenas às licenças, admissões de comunicações
prévias e autorizações de utilização, cremos que o regime de nulidade nele fixado vale
também para a generalidade dos actos administrativos praticados no âmbito do RJUE,

115
designadamente para a aprovação da informação prévia e do projecto de arquitectura.

Os traços característicos da nulidade e da anulabilidade dos actos de controlo prévio das


operações urbanísticas são, em linhas gerais, idênticos aos da nulidade e da anulabilidade
dos restantes actos administrativos. O RJUE não deixou, no entanto, de fixar um conjunto
de especificidades no que respeita ao regime de impugnação contenciosa dos actos de
controlo prévio das operações urbanísticas, e a que nos iremos referir de seguida. Assim,
no que respeita à nulidade, o acto nulo é totalmente ineficaz desde o início, não produz
qualquer efeito (artigo 134.°, n.° 1, do CPA); a nulidade é insanável, quer pelo decurso do
tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão (artigo 137.°, n.° 1, do CPA) — o que não
significa que, por força do decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais de
direito, não se possam atribuir efeitos jurídicos a situações de facto resultantes de actos
nulos (artigo 134.°, n.° 3, do CPA); o acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo, isto é, a
sua impugnação jurisdicional não está sujeita a prazo (artigo 134.°, n.° 2, do CPA); o pedido
de reconhecimento da existência da nulidade de um acto administrativo (e da sua
desaplicação) pode ser feito junto de qualquer tribunal, e não apenas perante os tribunais
administrativos (artigo 134.°, n.° 2, do CPA); a nulidade pode também ser conhecida a todo
o tempo por qualquer órgão administrativo, isto é, qualquer órgão administrativo pode, em
qualquer momento, tomar conhecimento da nulidade do acto e não o aplicar (artigo 134.°,
n.° 2, do CPA); e, finalmente, o reconhecimento judicial da existência de uma nulidade toma
a forma de declaração de nulidade e tem natureza meramente declarativa.

Face ao número elevado de casos geradores de nulidade dos actos administrativos de índole
urbanística, poderemos questionar, com LICÍNIO LOPES MARTINS, se ao invés do que sucede no direito
administrativo geral, em que a nulidade dos actos é a excepção e a mera anulabilidade a regra, no
direito do urbanismo, não vigorará a regra a inversa.

Alguma doutrina vem, porém, rejeitando este regime puro e radical da nulidade,
defendendo a moderação do mesmo. Moderação que resulta, desde logo, da lei processual
administrativa, a qual reconhece, por razões de tradição e de protecção dos direitos dos
particulares, os denominados “efeitos formais” do acto nulo, decorrentes da sua aptidão
para encerrar o procedimento, ao prever a impugnação judicial e a suspensão da eficácia
de actos nulos, apesar de a sentença ter efeitos meramente declarativos, e, bem assim, da
lei substantiva, ao limitar a nulidade de actos consequentes perante interesses legítimos de
contra-interessados e ao reconhecer a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a
situações de facto duradouras criadas por actos nulos, por consideração de princípios
jurídicos fundamentais e de direitos dos particulares [artigos 133.°, n.° 2, alínea i), in fine, e
134.°, n.° 3, do CPA].
Mas que deriva, ainda, da admissão directa da atribuição de efeitos putativos a actos
nulos, baseada nos princípios da protecção da confiança, da boa fé e da proporcionalidade;
da defesa de uma interpretação restritiva ou de uma redução teleológica da norma do n.° 2
do artigo 134.° do CPA, na parte em que determina que a nulidade pode ser declarada a
todo o tempo por qualquer órgãos administrativo ou por qualquer tribunal, em termos de,
embora se admitir, em princípio, a competência de qualquer órgão ou de qualquer tribunal
para o conhecimento da nulidade (e consequente desaplicação do acto), apenas aos
órgãos administrativos competentes para a decisão ou aos tribunais administrativos ser
reconhecido o poder para declarar a nulidade de um acto administrativo; da proposta de
não admissão da declaração de nulidade a todo o tempo de actos favoráveis, mas tão-só
num prazo razoável, contado do conhecimento do vício, dentro de um limite
temporal máximo, medido em função da boa fé do particular beneficiado; e da sugestão da
limitação da invocação da nulidade a todo tempo por qualquer interessado aos casos mais
graves de nulidade- -inexistência, precisamente quando seja evidente para um cidadão mé-
dio a ofensa insuportável de valores básicos de legalidade.
Por seu lado, no tocante à anulabilidade, o acto anulável, embora inválido, é

116
juridicamente eficaz até ao momento em que vier a ser anulado (artigo 127.°, n.° 2, do CPA,
a contrario); a anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação,
reforma ou conversão, donde resulta que o acto anulável, se não for objecto de revogação
oficiosa pela Administração ou de impugnação pelo interessado dentro de certo prazo
(artigos 136.°, n.° 1, e 141.°, n.° 1, do CPA), transforma-se num acto inatacável; o acto
anulável só pode ser impugnado dentro de um prazo estabelecido na lei, o qual é de um
ano, se a impugnação for promovida pelo Ministério Público, e de três meses, nos restantes
casos (artigos 136.°, n.° 2, do CPA e 58.°, n. os 1 e 2, do CPTA); o pedido de anulação só
pode ser apresentado perante um tribunal administrativo, não pode ser feito perante qual-
quer outro tribunal; e, por fim, o reconhecimento de que o acto é anulável por parte do
tribunal determina a sua anulação, sendo a sentença proferida sobre um acto anulável uma
sentença de anulação, a qual assume natureza constitutiva (ao contrário da sentença
proferida sobre um acto nulo, que é uma declaração de nulidade e reveste uma natureza
meramente declarativa).
Têm legitimidade para impugnar os actos de controlo prévio das operações urbanísticas:
quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido
lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, como sucede com o
vizinho, definido em termos jurídico-urbanísticos (no caso de invalidade da licença ou da
admissão de comunicação prévia da operação urbanística), o qual abrange não apenas o
proprietário, usufrutuário, locatário, titular do direito de uso e habitação ou superficiário de
um prédio contíguo, mas também “todos aqueles que, em virtude da ligação espacial,
temporal e pessoal com o «local» individualizado na licença de construção, podem vir a
tornar-se vítimas de uma «lesão ou afectação qualificada» dos seus direitos de habitação,
propriedade, ambiente e qualidade de vida”; o Ministério Público; pessoas colectivas
públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender; órgãos
administrativos, relativamente a actos praticados por outros órgãos da mesma pessoa
colectiva; presidentes dos órgãos colegiais, em relação a actos praticados pelo respectivo
órgão, bem como outras autoridades, em defesa da legalidade administrativa, nos casos
previstos na lei; e as pessoas e entidades mencionadas no artigo 9.°, n.° 2, do CPTA, isto é,
independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as
associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o
Ministério Público, para a defesa dos valores e bens constitucionalmente protegidos do
urbanismo, ordenamento do território, ambiente e qualidade de vida (artigo 55.°, n.° 1, do
CPTA).
Como dissemos há pouco, o RJUE encerra um acervo de espe- cificidades no domínio
da impugnação contenciosa das licenças, admissões de comunicações prévias e
autorizações de utilização. Tais particularidades dizem respeito à participação dos factos
geradores da nulidade ou da anulabilidade daqueles actos de controlo prévio das operações
urbanísticas, aos efeitos da citação ao titular da licença, comunicação prévia ou autorização
de utilização da acção administrativa especial proposta pelo Ministério Público, ao
estabelecimento de um prazo de caducidade para a declaração de nulidade pelo órgão que
emitiu o acto e para a propositura da acção administrativa especial pelo Ministério Público e
à atribuição de efeito suspensivo à acção administrativa especial de impugnação dos actos
que ordenem a demolição, total ou parcial, da obra ou a reposição do terreno nas condições
em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos. As duas primeiras
especificidades indicadas estão condensadas nos n.os 1 a 3 do artigo 69.°, a terceira está
plasmada no n.° 4 do artigo 69.° e a quarta está vertida no artigo 115.°, todos estes artigos
do RJUE.
Reportando-nos às duas primeiras singularidades do contencioso dos actos de controlo
prévio das operações urbanísticas, resulta dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 69.° do RJUE o
seguinte: que os factos geradores de nulidade ou de anulabilidade daqueles actos de
controlo prévio das operações urbanísticas devem ser participados, por quem deles tenha
conhecimento, ao Ministério Público, para efeitos de propositura de acção administrativa
especial de impugnação e de solicitação de adopção das providências cautelares
adequadas; que, proposta a acção de impugnação, com fundamento num dos vícios

117
geradores de nulidade dos actos de controlo prévio das operações urbanísticas, previstos
no artigo 68.° do RJUE, o Ministério Público fica dispensado de obter uma decisão
jurisdicional de suspensão da eficácia da licença ou da admissão de comunicação prévia e
consequente suspensão imediata dos trabalhos, dado que este efeito resulta directamente
da citação do titular daqueles actos de controlo prévio das operações urbanísticas para
contestar a acção de impugnação (refere, com efeito, o artigo 69.°, n.° 2, do RJUE que
aquela citação “tem os efeitos previstos no artigo 103.° para o embargo”); e, por último, que,
proposta a acção de impugnação com fundamento num dos referidos vícios geradores de
nulidade da licença ou da admissão de comunicação prévia da operação urbanística,
segue-se, desde logo, a citação do interessado e consequente suspensão imediata dos
trabalhos de execução da obra licenciada ou cuja comunicação prévia foi admitida, sem
prejuízo da possibilidade de o tribunal administrativo, oficiosamente ou a requerimento do
interessado, poder autorizar o prosseguimento dos trabalhos, se houver indícios da
ilegalidade da propositura da acção de impugnação ou da sua improcedência .
No que respeita à limitação temporal de 10 anos para a declaração administrativa da
nulidade pelo órgão que emitiu o acto ou deliberação e para a propositura da acção
administrativa especial pelo Ministério Público, já tivemos oportunidade de lhe fazer uma
breve referência no Volume I deste Manual. Aí dissemos que o artigo 69.°, n.° 4, do RJUE
criou um regime de invalidade mista, devido ao relevo que o legislador veio reconhecer, no
âmbito do direito do urbanismo, aos efeitos de facto consolidados, resultantes de actos
administrativos de controlo prévio de operações urbanísticas nulos, os quais, em
homenagem a outros interesses, públicos ou privados, devem prevalecer sobre o interesse
público da legalidade subjacente ao regime especialmente gravoso da nulidade. E referimos
que aquele regime da invalidade mista devia aplicar-se não só às acções interpostas pelo
Ministério Público, mas também às acções administrativas especiais apresentadas por
qualquer interessado ou qualquer pessoa ou entidade referida no artigo 9.°, n.° 2, do CPTA,
com o argumento de que esta interpretação é a que melhor se adequa ao sentido
teleológico da norma do artigo 69.°, n.° 4, do RJUE.
Todavia, debruçando-nos novamente sobre a norma do artigo 69.°, n.° 4, do RJUE —
uma norma aditada pela Lei n.° 60/2007, de 4 de Setembro —, somos assolados por
angustiosas dúvidas sobre ela comporta uma invalidade mista, em toda a extensão, com o
intuito de estabilizar os efeitos de facto que se tenham produzido à sombra do acto de
controlo prévio das operações urbanísticas nulo, em termos de a limitação temporal nela
estabelecida constituir uma excepção a todo o artigo 134.°, n.° 2, do CPA, ou se, ao invés, a
mesma apenas consagra um prazo de caducidade para os casos específicos nela
expressamente estabelecidos. De facto, de acordo com o enunciado linguístico da norma do
artigo 69.°, n.° 4, do RJUE, parece que o prazo de caducidade de 10 anos para declarar a
nulidade apenas abrange o órgão que emitiu o acto ou deliberação, deixando de fora os
demais órgãos administrativos (“qualquer órgão administrativo”) e, quanto ao direito de
propor a acção administrativa especial, parece que somente é abrangido o Ministério
Público, e se os factos que determinaram a nulidade não lhe forem comunicados naquele
prazo, deixando de parte todas as outras situações, incluindo a acção administrativa
especial apresentada pelo interessado e a declaração de nulidade por um tribunal que não
o administrativo (“por qualquer outro tribunal”).
De qualquer modo, como resulta da norma do n.° 4 do artigo 69.° do RJUE, in fine, o
referido limite temporal é excluído nos casos de nulidade de actos de controlo prévio de
operações urbanísticas “relativamente a monumentos nacionais e respectiva zona de
protecção” .

Relativamente à última das particularidades citadas, o artigo 115.°, n.° 1, do RJUE


estabelece, como regra geral, que as acções administrativas especiais de impugnação das
ordens de demolição, total ou parcial, da obra ou de reposição do terreno nas condições em
que inicialmente se encontrava têm, em razão do carácter extremamente gravoso daqueles
actos, como consequência a suspensão dos efeitos do acto objecto de impugnação. Trata-
se de uma regra oposta à que vigora para as acções administrativas especiais de

118
impugnação dos restantes actos administrativos, constante do artigo 50.°, n.° 2, do CPTA.
Consequentemente, com a citação da acção, tem a autoridade administrativa o dever de
impedir, com urgência, o início ou a prossecução da execução do acto recorrido (artigo
115.°, n.° 2, do RJUE). Não necessita, por isso, o lesado de lançar mão da providência
cautelar de suspensão da eficácia do acto impugnado para impedir a execução material do
mesmo.
A norma do n.° 2 do artigo 115.° do RJUE assemelha-se à norma do artigo 128.° do
CPTA, que determina a proibição de execução do acto quando a autoridade administrativa
seja notificada da interposição da providência cautelar de suspensão de eficácia. No en-
tanto, se da interposição da acção administrativa especial referida no n.° 1 do artigo 115.°
do RJUE resultarem indícios da ilegalidade da sua interposição ou da sua improcedência, o
juiz poderá, a todo o tempo e até à decisão em primeira instância, oficiosamente ou a re-
querimento do recorrido ou do Ministério Público, conceder efeito meramente devolutivo à
acção (artigo 115.°, n.° 3, do RJUE). Ocorrendo uma situação destas, tudo se passa, a
partir daí, de acordo com o regime geral da acção administrativa especial previsto no CPTA.
Importa, finalmente, referir uma consequência associada à anulação ou declaração de
nulidade das licenças, admissões de comunicações prévias e autorizações de utilização
(bem como à revogação destes actos), condensada no artigo 70.° do RJUE . Consiste ela
na responsabilidade civil do município pelos prejuízos causados em caso de revogação,
anulação ou declaração de nulidade daqueles actos de controlo prévio de operações
urbanísticas, sempre que a causa da revogação, anulação ou declaração de nulidade
resulte de uma conduta ilícita dos titulares dos seus órgãos ou dos seus funcionários (artigo
70.°, n.° 1, do RJUE). Estamos aqui perante a responsabilidade administrativa por facto
ilícito — a qual pressupõe a verificação no caso concreto da ilicitude (ilicitude da conduta e
do resultado), da culpa, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O regime de responsabilidade civil da Administração plasmado no artigo 70.° do RJUE é
um regime “previsto em lei especial”, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, in fine, do Regime da
Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado
pela Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro, alterado pela Lei n.° 31/2008, de 17 de Julho,
pelo que a disciplina jurídica constante daquele artigo 70.° do RJUE prevalece sobre a do
apontado regime geral de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da
função administrativa. Mas uma tal prevalência só vale para os pontos contemplados
naquele artigo 70.°, pelo que este preceito não pode ser interpretado com o sentido de
restringir ou limitar a responsabilidade civil do município ou dos titulares dos respectivos
órgãos, seus funcionários e agentes, contemplada nos artigos 7.° a 10.° daquele Regime da
Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas .
De acordo com o n.° 2 do artigo 70.° do RJUE, os titulares dos órgãos do município e os
seus funcionários e agentes respondem solidariamente com aquele quando tenham
dolosamente dado causa à ilegalidade que fundamenta a anulação ou declaração de
nulidade (ou revogação). De registar que esta norma circunscreve a responsabilidade
solidária do município e dos titulares dos respectivos órgãos, funcionário e agentes aos
casos de dolo, ao passo que o artigo 8.°, n. os 1 e 2, do mencionado Regime da
Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas prevê
aquele tipo de responsabilidade nos casos de dolo e culpa grave (ou grosseira). Significa
isto que, nos casos de culpa grave e de culpa leve, é o município exclusivamente
responsável pelos prejuízos causados nos casos de revogação, anulação ou declaração de
nulidade de actos de controlo prévio de operações urbanísticas resultante de uma conduta
ilícita dos seus órgãos ou dos seus funcionários e agentes.
O n.° 3 do artigo 70.° do RJUE prevê outro caso de responsabilidade solidária,
estatuindo que, quando a ilegalidade que fundamenta a revogação, anulação ou declaração
de nulidade dos actos de controlo prévio de operações urbanísticas resulte de parecer
vinculativo, autorização ou aprovação legalmente exigível, a entidade que o emitiu responde
solidariamente com o município, que tem sobre aquela direito de regresso. Por fim, há que
assinalar que o n.° 4 do artigo 70.° do RJUE preceitua que “o disposto no presente artigo
em matéria de responsabilidade solidária não prejudica o direito de regresso que ao caso

119
couber, nos termos gerais de direito”. Esta norma remete o regime do direito de regresso,
nos casos de responsabilidade solidária, para “os termos gerais de direito”, pelo que ela
encerra uma remissão material para a disciplina do direito de regresso que estiver consa-
grado em cada momento no regime geral da responsabilidade civil extracontratual da
Administração Pública. Assim sendo, parece-nos que aquele direito de regresso não é,
actualmente, nos casos de direito de regresso do município em relação aos titulares dos
seus órgãos e aos seus fincionários e agentes, uma faculdade, mas um dever, estando sub-
metido ao direito de regresso obrigatório ou ao dever de regresso, plasmado no
superveniente artigo 6.°, n.° 1, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do
Estado e Demais Entidades Públicas.
Todavia, nas hipóteses de direito de regresso do município em relação à entidade que
emitiu o parecer vinculativo, autorização ou aprovação legalmente exigível (normalmente,
uma entidade pública), nos termos do n.° 3 do artigo 70.° do RJUE, parece-nos que o
mesmo não tem um carácter obrigatório, desde logo porque não está abrangido pelo artigo
6.°, n.° 1, daquele Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais
Entidades Públicas — o qual limita o exercício obrigatório do direito de regresso aos casos
em que se encontra previsto naquele Regime.

76. Os actos de controlo prévio das operações urbanísticas e o silêncio da


Administração

76.2. O significado da inércia administrativa no âmbito do RJUE

76.2.3. A fase da diminuição drástica do sentido positivo do silêncio

Podemos, então, resumir o regime jurídico do silêncio da Administração no actual RJUE,


nos seguintes termos:

a) A disciplina específica do silêncio da Administração tem o seu perímetro de aplicação


restringido aos actos especialmente regulados no RJUE, pelo que, nos demais casos, como
sucede nos procedimentos especiais, o silêncio da Administração tem o valor que for fixado
nos diplomas legais que regulam tais procedimentos (veja-se, a este propósito, o corpo do
artigo 111.° do RJUE).

b) O valor do silêncio da Administração é diferente consoante o acto que devesse ser


praticado “por qualquer órgão municipal” se insira num procedimento de licenciamento ou
em qualquer outro tipo de procedimento. No primeiro caso, o incumprimento, no prazo legal,
do dever de decidir por parte daquele é considerado pelos artigos 111.°, alínea a), e 112.°
do RJUE como uma omissão pura e simples ou como um “Jacto incolor”, isto é, como um
mero facto constitutivo do interesse em agir em juízo para obter uma decisão judicial de
condenação à prática do acto ilegalmente omitido. Refere, com efeito, o n.° 1 do artigo 112.°
do RJUE que, naquele caso, pode o interessado pedir ao tribunal administrativo de círculo
da área da sede da autoridade requerida a intimação da autoridade competente para
proceder à prática do acto que se mostre devido. Estão abrangidos por este regime todos
os actos que devessem ser praticados no âmbito do procedimento de licenciamento (de que
demos exemplos um pouco mais acima e aos quais podemos acrescentar, nos termos do
artigo 13.°-B, n.° 5, do RJUE, a intimação da câmara municipal ou da CCDR para promover
as consultas às entidades exteriores ao município), bem como, quer-nos parecer, por
identidade de razões materiais, os que devessem ser praticados no âmbito do procedimento
de alteração à licença.
No segundo caso, ou seja, tratando-se de qualquer outro acto que devesse ser
praticado no âmbito de outro tipo de procedimento (que não o de licenciamento), o RJUE
atribui valor positivo ao silêncio, fazendo-o equivaler ao deferimento da pretensão
formulada. De facto, a alínea c) do artigo 111.° do RJUE estabelece que, “tratando-se de
qualquer outro acto, considera-se tacitamente deferida a pretensão, com as consequências

120
gerais”. E esta consequência de deferimento tácito que está associada à ausência de
decisão expressa no âmbito dos procedimentos de informação prévia e de autorização de
utilização, decorridos os prazos referidos nos artigos 16.°, n.° 1, e 64.°, n.° 1, do RJUE.

c) No que respeita à comunicação prévia, o artigo 36.°-A, n.° 2, do RJUE consagra,


como já sabemos, uma solução específica para a falta de rejeição da mesma, determinando
que, nesse caso, pode o interessado dar início às obras, desde que efectue previamente o
pagamento das taxas devidas através de autoliquidação, considerando, por isso, admitida a
comunicação prévia.

d) A ausência de pareceres, autorizações ou aprovações de entidades exteriores ao


município, quando solicitados, dentro do prazo legalmente fixado, está sujeita a um regime
especial, que é a consideração de que há concordância da entidade consultada com a pre-
tensão formulada, atribuindo, assim, a lei, no domínio das relações inter-administrativas, um
valor positivo ao silêncio (artigo 13.°, n.° 5, do RJUE).

e) A falta de decisão, no prazo de 30 dias, no contexto da impugnação administrativa,


revista ela a natureza de reclamação ou recurso hierárquico, de quaisquer actos praticados
ou pareceres emitidos no âmbito do RJUE tem como consequência o deferimento tácito
daquela impugnação (artigo 114.°, n.° 2, do RJUE) .

Antes de avançarmos para a análise dos meios de protecção do particular perante a


inércia ou omissão da autoridade administrativa no domínio do procedimento de
licenciamento de operações urbanísticas, é importante fazer duas observações. A primeira
diz respeito ã revogação pela Lei n.° 60/2007, de 4 de Setembro, da alínea b) do artigo
111.° do RJUE e às repercusões que esta supressão tem no silêncio da Administração em
face do requerimento de autorização de utilização ou de alteração de utilização de edifícios
ou suas fracções autónomas.
De facto, no âmbito do regime anterior à Lei n.° 60/2007, a ausência de decisão
expressa, uma vez decorrido o prazo fixado para a autorização de utilização ou para a
autorização de alteração de utilização, implicava o deferimento tácito do pedido [alínea b)
do artigo
111.° do RJUE], com a consequência referida nos n.os 1 e 2 do artigo 113.° do mesmo
diploma legal, isto é, a possibilidade de o interessado iniciar de imediato a utilização do
edifício, desde que pagasse previamente as taxas devidas. Tinha, assim, o particular
beneficiário de um deferimento tácito do pedido de autorização de utilização à sua
disposição um meio expedito de defesa do seu direito: iniciar de imediato a utilização do
edifício ou sua fracção autónoma, desde que previamente pagasse as taxas devidas, sem
necessidade de obter previamente o alvará de utilização. No regime decorrente da Lei n.°
60/2007, o silêncio da Administração no procedimento de autorização de utilização de
edifícios ou suas fracções autónomas tem como efeito o deferimento tácito do pedido, mas,
em face da nova redacção do n.° 1 do artigo 113.° do RJUE introduzida por aquela lei,
surgem dúvidas sobre se o requerente pode recorrer aos meios previstos no artigo 113.° do
RJUE. A este assunto voltaremos um pouco mais à frente.
A segunda observação tem a ver com a circunstância de o artigo 113.° do RJUE ter
como epígrafe deferimento tácito, parecendo consagrar uma segunda situação de silêncio
positivo, a acrescer à anteriormente referida, plasmada, como se disse, na alínea c) do
artigo 111.°: aquela em que, tratando-se de acto que devesse ser praticado por um órgão
do município no âmbito do procedimento de licenciamento, o interessado tenha pedido, nos
termos do artigo 112.° do RJUE, ao tribunal administrativo de círculo da sede da autoridade
requerida a intimação da autoridade competente para proceder à prática do acto que, no
caso, se mostre devido e, tendo obtido ganho de causa, tenha decorrido o prazo fixado pelo
tribunal sem que se mostre praticado o acto devido (artigos 112.°, n.° 9, e 113.°, n.° 1, do
RJUE). A consequência de um tal deferimento tácito é a possibilidade de o interessado
poder iniciar e prosseguir a execução dos trabalhos de acordo com o requerimento

121
apresentado nos termos do artigo 9.°, n.° 4, do RJUE, desde que pague previamente as
taxas devidas. No entanto, parece mais correcto considerar que as normas constantes do
artigo 113.° do RJUE, atendendo à nova formulação do n.° 1 do artigo 113.° do RJUE dada
pela Lei n.° 60/2007, têm a ver, sobretudo, com as consequências do incumprimento por
parte da Administração do prazo fixado pelo tribunal administrativo de círculo, ao abrigo do
artigo
112.° do RJUE, para efeitos da prática do acto devido.

76.3. Mecanismos de protecção dos particulares em face do silêncio da


Administração no procedimento de licenciamento
76.3.2. Os mecanismos de protecção no RJUE

Estando-se perante um acto que devesse ser praticado por qualquer órgão municipal no
âmbito do procedimento de licenciamento, o incumprimento, no prazo legal, do dever de
decidir por parte daquele é considerado pelo artigo 112.° do RJUE como uma omissão pura
e simples ou como um “facto incolor”, isto é, como um mero facto constitutivo do interesse
em agir em juízo para obter uma decisão judicial de condenação à prática do acto
ilegalmente omitido. Refere, com efeito, o n.° 1 daquele artigo que, naquele caso, pode o
interessado pedir ao tribunal administrativo de círculo da área da sede da autoridade
requerida a intimação da autoridade competente para proceder à prática do acto que se
mostre devido.
Este meio jurisdicional de protecção do particular perante a inércia ou omissão da
autoridade administrativa no domínio do procedimento de licenciamento de operações
urbanísticas surgiu na sequência do artigo 268.°, n.° 4, da Constituição, na versão da
Revisão Constitucional de 1997, que consagrou a garantia dos administrados à “tutela
jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos” e indicou,
exemplificativamente, entre os instrumentos processuais daquela garantia, a “determinação
da prática de actos administrativos legalmente devidos”. Ele constitui, ademais, a
expressão, a nível do direito do urbanismo, da “condenação à prática de acto legalmente
devido”, regulada, como forma de acção administrativa especial, nos artigos 66.° a 71.° do
CPTA.
O regime jurídico específico da intimação judicial para a prática de acto legalmente
devido no domínio dos procedimentos de licenciamento de operações urbanísticas está
condensado no artigo 112.° do RJUE. Outros aspectos da sua disciplina jurídica (como, por
exemplo, o prazo da propositura da acção e os poderes de pronúncia do tribunal) devem,
porém, ser procurados nas normas dos artigos 66.° a 71.° do CPTA, relativas à
“condenação à prática de acto devido”, quando esta tiver como pressuposto a omissão do
acto requerido no prazo legalmente estabelecido para a decisão [artigo 67.°, n.° 1, alínea a),
do CPTA].
O mencionado meio jurisdicional aplica-se somente à inércia da Administração em
procedimentos de licenciamento de operações urbanísticas de primeiro grau, dado que nos
procedimentos de segundo grau, isto é, no contexto da impugnação administrativa, revista
ela a natureza de reclamação ou recurso hierárquico, de quaisquer actos praticados ou
pareceres emitidos no âmbito do RJUE, a inércia da Admistração tem como consequência,
como referimos, o deferimento tácito daquela impugnação (artigo 114,°. n.° 2, do RJUE) .
Vejamos, então, quais são os traços essenciais do regime jurídico da intimação judicial
para a prática de acto legalmente devido no âmbito do procedimento de licenciamento de
operações urbanísticas .

a) O requerimento de intimação deve ser apresentado em duplicado e instruído com


cópia do requerimento para a prática do acto devido (artigo 112.°, n.° 2, do RJUE). Convém
sublinhar que o pedido de intimação para a prática de acto devido é dirigido contra a
autoridade competente, face à lei, para a prática do acto devido — que é a câmara
municipal, com faculdade de delegação no presidente e subdelegação deste nos
vereadores (artigo 5.°, n.° 1, do RJUE) - e não contra a pessoa colectiva de direito público

122
(in casu, o município). Significa isto que, no que respeita à legitimidade passiva
relativamente ao pedido de intimação para a prática de acto legalmente devido no âmbito
do procedimento de licenciamento de operações urbanísticas, ocorre um desvio ao regime
previsto no artigo 10.°, n.° 2, do CPTA, o qual estabelece que, “quando a acção tenha por
objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa
colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja
imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os
actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”.
A autoridade requerida tem um prazo de 14 dias para responder. Uma vez junta a
resposta ou decorrido o respectivo prazo, o processo de intimação vai com vista ao
Ministério Público, por 2 dias, e seguidamente é concluso ao juiz, para decidir no prazo de 5
dias (n.os 3 e 4 do artigo 112.° do RJUE). O n.° 5 do artigo 112.° do mencionado diploma
determina que, se não houver fundamento de rejeição do pedido363, aquele só será
indeferido quando a autoridade requerida fizer prova de prática do acto devido até ao termo
do prazo fixado para a resposta.
Pensamos que um tal indeferimento apenas terá lugar se a autoridade requerida fizer
prova de que praticou um acto expresso, dentro daquele prazo, que satisfaz integralmente a
pretensão do requerente.
Se isto não tiver acontecido, ou seja, se, na pendência do processo, o interessado for
notificado de um acto de indeferimento ou for proferido um acto administrativo que não
satisfaça integralmente a sua pretensão, cremos que se deverá aplicar o artigo 70.° do
CPTA, relativo à acção administrativa especial de “condenação à prática de acto devido”,
através da possibilidade, no primeiro caso, de o autor “alegar novos fundamentos e oferecer
diferentes meios de prova em favor da sua pretensão”, ou, na segunda hipótese, de
cumulação do pedido com o da anulação ou declaração de nulidade do acto sobrevindo
(devendo, neste segundo caso, o novo articulado ser apresentado no prazo de 30 dias).
363
Nos casos em que o meio processual previsto no artigo 112.° do RJUE tiver por objecto a
emissão de alvará de licença de operações urbanísticas que constituiria o acto devido, deve
entender-se que o não pagamento das taxas devidas constitui um fundamento para a sua rejeição,
nos termos das normas conjugadas dos artigos 72.°, n.° 2, 76.°, n.“ 4 e 5, e 112.°, n.° 5, do RJUE.
Cfr., neste sentido, o mencionado Acórdão da 1.* Secção do TCAS de 25 de Setembro de 2008,
Proc. n.° 04247/2008.

Veremos, um pouco mais adiante, que, nas hipóteses em que o requerente indicar, no
seu pedido de intimação judicial para a prática de acto legalmente devido, que, no caso
concreto, o acto devido é o licenciamento da operação urbanística, existem outros
fundamentos de indeferimento daquele pedido, para além do anteriormente referido.

b) O n.° 6 do artigo 112.° do RJUE estatui que, na decisão, o juiz estabelece prazo não
superior a 30 dias para que a autoridade requerida pratique o acto devido e fixa sanção
pecuniária compulsória (“astreinte”), nos termos dos artigos 3.°, n.° 2, e 169.° do CPTA, por
forma a assegurar a efectividade da sentença e garantir a sua integral execução. Por sua
vez, o n.° 7 do mesmo artigo manda aplicar ao pedido de intimação o disposto no CPTA
quanto aos processos urgentes (artigos 97.° a 111.°), o que significa que a sua tramitação é
especialmente célere, à semelhança do que sucede com os processos do contencioso
relativo à impugnação de actos praticados no âmbito de certos procedimentos pré-
contratuais (artigos 100.° a 103.°), de intimação para a prestação de informações, consulta
de processos ou passagem de certidões (artigos 104.° a 108.°) e de intimação para
protecção de direitos, liberdades e garantias (artigos 109.° a 111.0).
E o n.° 8 do mesmo artigo prescreve que o recurso da decisão jurisdi- cional sobre o pedido
de intimação para a prática de acto legalmente devido para a Secção de Contencioso
Administrativo do Tribunal Central Administrativo territorialmente competente [artigos 31.° e
37.°, alínea d), do ETAF] tem efeito meramente devolutivo.
Como referimos anteriormente, decorrido o prazo fixado pelo tribunal sem que se mostre

123
praticado o acto que seja devido no caso concreto, pode o interessado iniciar e prosseguir a
execução dos trabalhos de acordo com o requerimento apresentado, desde que pague
previamente as taxas devidas (artigos 112.°, n.° 9, e 113.°, n. os 1 e 2, do RJUE). Tratando-
se de uma decisão judicial que tenha intimado a autoridade competente a aprovar o
projecto de arquitectura, uma vez decorrido o prazo fixado pelo tribunal sem que o acto de
aprovação tenha sido praticado, não tem o interessado o direito de iniciar a execução dos
trabalhos, mas sim a possibilidade de juntar os projectos de especialidades e outros
estudos, para efeitos da sua aprovação pela autoridade competente, ou, caso já o tenha
feito no requerimento inicial, para efeitos do começo da contagem de prazo de 45 dias para
a sua aprovação [artigos 112.°, n.° 10, e 23.°, alínea c), do RJUE],
Verifica-se, assim, que o legislador flanqueou a decisão judicial de intimação para a
prática de acto legalmente devido no âmbito do procedimento de licenciamento de
operações urbanísticas com instrumentos particularmente incisivos destinados a garantir a
sua eficácia (os quais podem, segundo cremos, ser aplicados cumulativamente): de um
lado, a possibilidade de o juiz determinar um prazo para o cumprimento da decisão judicial e
de fixar uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na execução da mesma;
do outro lado, decorrido o prazo fixado pelo tribunal sem que se mostre praticado o acto
devido, a possibilidade de o interessado iniciar e prosseguir a execução dos trabalhos de
acordo com o requerimento apresentado nos termos do n.° 4 do artigo 9.° do RJUE, desde
que pague previamente as taxas devidas. Acresce que a determinação de que o recurso da
decisão jurisdicional que tenha intimado à prática de acto legalmente devido tem sempre
efeito meramente devolutivo assegura também uma particular eficácia à sentença e, por
essa via, uma protecção efectiva reforçada do direito por ela reconhecido, já que possibilita
a sua imediata execução, independentemente do recurso jurisdicional interposto e da
ponderação dos danos que essa imediata execução possa causar.

d) As considerações que vêm de ser apresentadas revestem-se de particular significado


para a caracterização dos poderes de pronúncia do tribunal no âmbito da intimação para a
prática de acto legalmente devido, regulada no artigo 112.° do RJUE. Com efeito, vigora,
como sabemos, no domínio do licenciamento das operações urbanísticas, o princípio da
taxatividade dos fundamentos de indeferimento, com o sentido de que a câmara municipal
está vinculada aos fundamentos de indeferimento enumerados no artigo 24.° do RJUE,
estando-lhe vedado rejeitar um pedido por fundamentos diversos dos dele constantes.
Fala-se, por isso, como também já sabemos, no denominado carácter vinculado ou
regulado da licença de operações urbanísticas. Mas tal não significa a exclusão de toda a
margem de discricionaridade por parte daquele órgão, pelo que, na nossa opinião, o
apontado carácter vinculado ou regulado tem um alcance limitado. O reconhecimento à
câmara municipal de um certo espaço de discricionaridade na apreciação dos pedidos de
licenciamento de operações urbanísticas deve, como dissemos, ser admitido nos casos de
fundamentos de indeferimento baseados em “conceitos imprecisos-tipo”, isto é, conceitos
elásticos, de natureza não descritiva, que não indicam uma classe de situações individuais,
antes expressam de modo difuso factos ou valores nos quais as situações concretas da
vida não se podem encaixar com rigor, como sucede, por exemplo, com os referidos na
alínea à) do n.° 2 e no n.° 4 do artigo 24.° do RJUE, e, bem assim, nas situações em que o
legislador utiliza o conceito de “pode”, como acontece nos n. os 2 e 4 do mesmo preceito e no
artigo 25.°, n.° 1, do RJUE. Nestes casos, o tribunal intima a câmara municipal a emitir o
acto de licenciamento, “explicitando as vinculações a observar pela Administração na
emissão do acto devido” (artigo 71.°, n.° 2, do CPTA).
Importa, por último, sublinhar que o pedido de intimação judicial para a prática de acto
legalmente devido é indeferido não apenas na situação referida no n.° 5 do artigo 112.° do
RJUE, mas também nos casos em que, se não tivesse ocorrido uma omissão ou silêncio da
câmara municipal, o acto expresso de deferimento seria nulo, por violação do disposto em
plano municipal ou especial de ordenamento do território ou medidas preventivas ou licença
ou comunicação prévia de loteamento em vigor e por ausência de consulta das entidades
cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis (consulta que

124
deve ser promovida pela câmara municipal ou pela CCDR, conforme os casos, podendo
também o interessado promover directamente as consultas que não hajam sido solicitadas
ou pedir ao tribunal administrativo que intime a câmara municipal ou a CCDR a fazê-lo -
artigo 13.°-B do RJUE) e por desconformidade com esses pareceres, autorizações ou
aprovações (artigos 103.° do RJIGT e 68.° do RJUE).
Noutros termos, quando o projecto de operação urbanística cujo licenciamento é
requerido enfermar de um vício de ilegalidade gerador da nulidade do acto expresso de
deferimento, não pode deixar de ser indeferido o pedido de intimação judicial para a prática
de acto legalmente devido. Não faria, de facto, sentido que o tribunal fosse deferir o pedido
de intimação e condenar a Administração a praticar um acto administrativo (in casu, o
deferimento do licenciamento) que fosse nulo, sabido que o acto nulo é inapto para produzir
quaisquer efeitos jurídicos.
Cremos, por isso, que o n.° 5 do artigo 112.° do RJUE deve ser integrado com a
doutrina que emana dos mencionados Acórdãos da l.a Secção do Supremo Tribunal
Administrativo de 27 de Fevereiro de 1987 (Proc. n.° 41 563), de 30 de Setembro de 1997
(Proc. n.° 42761) e de 17 de Fevereiro de 1998 (Proc. n.° 43384), relativa ao processo de
intimação para emissão de alvará de licença de construção, previsto no já revogado artigo
62.° do Decreto-Lei 445/91, na redacção do Decreto-Lei 250/94, nos termos da qual “cabe
na competência do tribunal apurar não apenas a existência e não caducidade do
licenciamento da construção e o pagamento ou garantia das taxas devidas (artigo 21.°, n.°
4, do mesmo diploma, na apontada redacção), mas também a não ocorrência de nulidade
do acto de licenciamento, expresso ou tácito, pois desta constatação depende o
deferimento do pedido”.

e) Como referimos supra, é o artigo 113.° do RJUE que define as consequências do não
cumprimento, dentro do prazo fixado pelo tribunal, da decisão de condenação à prática do
acto devido. Essa consequência é a atribuição ao interessado da possibilidade de iniciar e
prosseguir a execução dos trabalhos de acordo com o requerimento de licenciamento da
operação urbanística (ou, talvez mais rigorosamente, de acordo com os termos definidos na
sentença judicial condenatória).

No entanto, o artigo 113.° suscita algumas perplexidades. Primo, porque tem como
epígrafe deferimento tácito, quando, no rigor das coisas, ele indica o caminho a seguir no
caso de não cumprimento pela Administração da decisão de condenação à prática do acto
ilegalmente omitido, o qual se traduz na dispensa do interessado em lançar mão do
processo judicial de execução da sentença do tribunal administrativo. Secundo, porque não
é claro o seu perímetro de aplicação. Na verdade, por força da alteração ao n.° 1 do artigo
113.° operada pela Lei n.° 60/2007, parece que o artigo 113.°, ao referir apenas “as
situações referidas no n.° 9 do artigo 112.°”, abrange somente os casos do silêncio da
Administração relativamente a actos que devessem ser praticados no âmbito do
procedimento de licenciamento. Mas, ao utilizar expressões como “dar de imediato
utilização à obra” (n.os 1 e 5), “início da utilização” (n.° 2), “intimação do município a emitir o
alvará da autorização de utilização” (n.° 5) e “intimação à emissão do alvará de autorização
de utilização” (n.° 7), parece, ao invés, abarcar também a autorização de utilização, a qual,
como foi sublinhado, está abrangida pelo regime do silêncio da Administração condensado
na alínea c) do artigo 111.° do RJUE.
Seja como for, de harmonia com o disposto no n.° 2 do artigo 113.° do RJUE, o início
dos trabalhos ou da utilização da obra depende do pagamento das taxas que se mostrem
devidas. Mas quando a câmara municipal se recuse a liquidar ou a receber as taxas
devidas, pode o interessado proceder ao depósito do respectivo montante em instituição de
crédito à ordem da câmara municipal, ou, quando não esteja efectuada a liquidação, provar
que se encontra garantido o seu pagamento mediante caução (artigo 113.°, n.° 3). Para
estes efeitos, deve a câmara municipal afixar nos seus serviços de tesouraria o número e a
instituição bancária em que a mesma tenha conta e onde seja possível efectuar o depósito
e indicar o regulamento municipal onde se encontram previstas as taxas (artigo 113.°, n.°

125
4).
Com o pagamento das taxas ou a prestação da caução, deve o interessado requerer a
emissão do alvará (de licença ou de autorização de utilização). Todavia, no caso de o
município não efectuar a liquidação da taxa devida, nem divulgar o número da conta e a
instituição bancária onde possa ser feito o depósito, nem indicar o regulamento municipal de
taxas, pode o interessado iniciar os trabalhos ou dar de imediato utilização à obra, dando
desse facto conhecimento à câmara municipal e requerendo ao tribunal administrativo de
círculo da área da sede da autarquia que intime esta a emitir o alvará de licença ou
autorização de utilização (artigo 113.°, n.° 5). Configura a norma do n.° 5 do artigo 113.° do
RJUE uma situação de execução de obras e de utilização de edifícios ou suas fracções sem
prévia obtenção do respectivo alvará.
A referida acção de intimação à emissão do alvará de licença ou autorização de
utilização apresenta-se como um meio processual especial e autónomo, que tem como
objecto a intimação para um comportamento da Administração, traduzido na emissão do
alvará, e ao qual se aplica o disposto no CPTA quanto aos processos urgentes (artigo
113.°, n.° 6).
A sentença judicial que haja intimado à emissão do alvará de licença ou autorização de
utilização é uma sentença condenatória, a qual deve ser cumprida pela Administração.
Todavia, no caso de a câmara municipal se recusar a emitir o alvará, não cumprindo a
sentença condenatória, a certidão da sentença transitada em julgado, substitui, para todos
os efeitos, o alvará não emitido (artigo 113.°, n.° 7). Por último, importa referir que, nas
situações abrangidas pelo artigo
113.°, nas quais, como se referiu, o interessado pode iniciar e prosseguir a execução dos
trabalhos, a obra não pode ser embargada por qualquer autoridade administrativa com
fundamento na falta de licença (artigo 113.°, n.° 8). A comunicação à câmara municipal do
início dos trabalhos, nos termos do n.° 5 do artigo 113.°, tem precisamente como objectivo
evitar que aquela embargue a obra com fundamento na falta de licença.

8. UTILIZAÇÃO DE EDIFÍCIOS OU SUAS FRACÇÕES (ANDRÉ FOLQUE)

8.1. Caracterização

Muito embora a utilização de solos e edifícios faça parte do con- / ceito normativo de
operações urbanísticas (artigo 2.°, alínea /)), na verdade, só encontraremos referência a
esta espécie a propósito dos modos de controlo — licença «da alteração da utilização de
edifícios ou suas fracções em área não abrangida por operação de loteamento ou plano
municipal de ordenamento do território, quando a mesma não tenha sido precedida da
realização de obras sujeitas a licença ou autorizações administrativas» (artigo 4.°, n.° 2,
alínea e)) ou autorização da utilização de edifícios ou suas fracções imediatamente sub-
sequente a obras de edificação ou nas demais alterações da utilização (a generalidade, a
bem dizer).
Interessa, antes de mais, descortinar a razão de ser do controlo administrativo dos
edifícios, depois de construídos, reconstruídos, ampliados ou alterados e até mesmo sem
intervenção edificatória alguma — a simples vicissitude no uso, por se destinar a fracção ou
o edifício a outra actividade. São duas as razões fundamentais.

Em primeiro lugar, por meio do controlo (deferindo ou recusando a utilização) o


município está a verificar se a edificação cumpriu escrupulosamente o projecto de
arquitectura, as condições impostas com a sua aprovação — ou ulteriormente, com o
deferimento — e as outras prescrições legais e regulamentares de ordem pública que o
promotor haja de observar.

126
É certo que, executada a operação, o promotor terá de apresentar as chamadas telas
finais (artigo 128.°, n.° 4), pelo menos, as relativas à arquitectura. O cumprimento deste
dever não garante, contudo, que o projecto não tenha sofrido alterações ao longo da sua
execução sem que o promotor tenha obtido da câmara municipal a alteração da licença ou
da autorização. Pode, por exemplo, ter ultrapassado a cércea definida ou, como não raro
sucede, ter destinado a armazém os locais que o projecto adstringira a estacionamento. É
precisamente a autorização de utilização que vai sindicar estes aspectos, confrontando o
resultado com a actividade edificatória licenciada ou autorizada.
Esta autorização, prevista no artigo 4.°, n.° 3, alínea b), compreende as primeiras
utilizações subsequentes a obras licenciadas ou autorizadas, assim como a larga maioria
das alterações ao uso sem obras ou precedidas por obras isentas ou dispensadas de
licença/autorização (artigo 62.°, n.° 3). A licença apenas contempla o caso, hoje raríssimo,
de alterações ao uso, sem obras, em local não abrangido por operação de loteamento ou
por plano municipal de ordenamento do território.
Em segundo lugar, o controlo da utilização permite saber da adequação do edifício ou
fracção a um fim novo ou diferente daquele para que originariamente fora previsto:
habitação, comércio, serviços ou utilizações consideradas como especiais. Estas últimas
são-no em função dos requisitos arquitectónicos a que devem submeter-se
especificamente, tanto para salvaguarda dos utentes, como também para protecção de
terceiros — turismo, restauração e bebidas, actividade industrial ou outras actividades
agravadamente incómodas para o ambiente urbano, como aquelas a que se referem o
Decreto-Lei n.° 370/99, de 18 de Setembro, e a Portaria n.° 33/2000, de 28 de Janeiro.
A licença ou autorização de construção, reconstrução, ampliação ou alteração tem em
vista um destino originário (artigo 77.°, n.° 4, alínea h)) e, por isso, são tidas em conta
exigências de segurança, salubridade, qualidade e estética conformes com esse fim.
Alterando-se porventura o uso, é preciso controlar a idoneidade da edificação ou de uma
sua fracção para o novo fim a que se destinará. É esta a razão de ser da licença de
utilização prevista no artigo 62.°, n.° 1, mas que, por desacerto com o enunciado do artigo
4.°, n.° 3, alínea b), se estende à autorização.
Não seria de estranhar que fosse aqui estipulado, por regra, o procedimento mais
qualificado — o da licença. Na verdade, executadas obras,
o controlo já foi exercido, em boa parte, a montante. Já se cuidou na aprovação do projecto
de arquitectura e na confirmação dos projectos das especialidades da idoneidade do local.
Quando, ao invés, é alterado o uso de todo o edifício ou de uma sua fracção, sem haver
lugar a obras, então, seria preciso exercer um controlo mais apertado, reclamando provavel-
mente pareceres, autorizações ou aprovações externas ao município. Porém, no artigo 4.°,
n.° 3, alínea e), acabaria por reduzir-se a esfera da licença às áreas sem plano municipal
algum ou sem operação de loteamento.
Fica na dúvida saber se a alteração ao uso com obras imediatamente antecedentes,
embora isentas ou dispensadas de licença, mas em área sem operação de loteamento e
sem plano municipal de ordenamento do território, deve subordinar-se a licença ou a
autorização. Tudo leva a crer que se trata da segunda hipótese, pois o âmbito material da
autorização é, por definição normativa, de carácter residual (artigo 4.°, n.° 3, alínea f)).
No artigo 63.° definem-se as regras sobre a instrução do pedido de licença ou
autorização de utilização, importando fazer notar que a vistoria, prevista no artigo 64.° nem
sempre é obrigatória. Tendo os trabalhos sido fiscalizados no seu decurso e faltando
indícios de ilegalidade por outra via (denúncia, reclamação por oposição) não haverá
vistoria (artigo 64.°, n.° 2, a contrario).
A ter lugar, a vistoria decorrerá em obediência às prescrições contidas no artigo 65.°, ou
seja, a ura conjunto de formalidades que visam garantir a boa administração (conhecimento
das regras da arte, zelo, prudência e diligência na execução da vistoria) e assegurar o con-
traditório, mediante a presença dos técnicos responsáveis e do requerente. Não deve
confundir-se esta vistoria com aqueloutra de que se trata no artigo 90.°, como pressuposto
das intimações para demolição, beneficiação ou simples conservação de imóveis.
E como se garantem os interesses públicos que justificam o controlo da utilização,

127
quando este não tenha tido lugar?
Em primeiro lugar, por via sancionatória, pois a utilização não licenciada nem autorizada
constitui infracção contra-ordenacional (artigo 98.°, n.° 1, alínea d)) a punir mediante a
aplicação de coima e das sanções acessórias ajustadas (artigo 99.°).
Depois — e talvez seja este o instrumento mais eficaz — por impedimentos à
celebração de negócios jurídicos translativos da propriedade ou de outros direitos reais,
seja das edificações, seja das fracções, obstando o notário a que tenha lugar a escritura
pública (Decreto-Lei n.° 281/99, de 26 de Julho, um pouco à imagem do que vimos ocorrer,
por via do artigo 49.°, para garantia do cumprimento dos deveres do loteador e da própria
necessidade de controlo administrativo das operações de loteamento.
Pretende garantir-se que, com a transmissão, não esteja o promotor/vendedor a eximir-
se ao cumprimento dos deveres resultantes da licença ou da autorização para construir,
reconstruir, ampliar ou alterar, transferindo para o adquirente o ónus da legalização, se as
desconformidades o permitirem.
É que, depois de adquirido por terceiro o imóvel ou sua fracção, é este que passa a ser
sujeito da relação jurídico-administrativa com o município. Esta relação jurídica tem uma
natureza real e não pessoal, o que bem resulta da possibilidade de substituição do titular do
alvará (por transmissão, sucessão, subrogação). Havendo alterações a legalizar ou
trabalhos a corrigir e a demolir é o adquirente quem responde administrativamente perante
a autoridade municipal, restando-lhe o direito de regresso sobre o promotor/vendedor que
ilícita e culposamente tenha agido (artigo 1223.° do Código Civil). No limite, haverá lugar à
anulação do negócio por erro na formação da vontade (artigo 252.°).

O que fazer, todavia, quando a licença de utilização não se encontre disponível por
motivo alheio ao interessado e este pretenda transmitir validamente o imóvel?
No artigo 2.°, do citado Decreto-Lei n.° 281/99, permite-se que exiba apenas o alvará da
licença de construção, mesmo que já caducada, contanto que:
— prove ter requerido a licença/autorização de utilização;
— assuma declaração com termo de responsabilidade civil (artigo 3,°) e contra-
ordenacional (artigo 5.°).

Para a subsequente transmissão de fracções autónomas, dispõe o artigo 2.°, n.° 2. A


título excepcional, vem facultar-se no artigo 2.°, n.° 4, a transmissão de edificações
inacabadas e, por conseguinte, sem licença de utilização, mas logo no n.° 5 se excluem
taxativamente as transmissões de fracção autónoma e de moradia unifamiliar.
Havendo dúvidas porém sobre a aplicação deste regime excepcional, veio a ser
proferido, em 16-06-2001, o parecer n.° 9/2000, do Conselho Consultivo da Procuradoria-
Geral da República (82), em que se concluiu ser ilegal a transmissão de fracções autónomas
e de moradias unifamiliares ainda em construção. A venda de coisa futura (artigo 880.° do
Código Civil), quando tenha por objecto estas categorias de bens imóveis, limitada que se
encontra por via deste regime, não afasta contudo a eventualidade de as partes celebrarem
contratos-promessa ou estipularem pactos de preferência.
Por fim, através das medidas de polícia administrativa das edificações, já que o
presidente da câmara municipal deve ordenar a cessação da utilização do edifício ou sua
fracção sem ou em contravenção à licença/autorização de utilização (artigo 109.°, n.° 1),
ordem essa que pode ser coactivamente executada, como despejo administrativo (artigo
109.°, n.° 2). Tais situações levam a presumir juris et de jure a inidoneidade do edifício ou
sua fracção autónoma para o uso em questão, por infringirem as pertinentes prescrições
legais e regulamentares de salubridade, segurança, conforto, ambiente urbano ou
qualidade.

8.5. Licença de utilização e licenças de abertura ou de funcionamento

O deferimento da licença ou da autorização de utilização não implica ipso facto o


deferimento da licença ou autorização de abertura, de labo- ração ou de funcionamento,

128
das quais dependam certos estabelecimentos ou actividades.
A primeira revela a aptidão para um certo fim, do ponto de vista arquitectónico e
urbanístico. A segunda dá por verificado o cumprimento de outros requisitos funcionais.
Claro está que nem todas as utilizações carecem de uma licença ou autorização deste
tipo e, por outro lado, assiste-se a um esforço legislativo e regulamentar para coordenar o
procedimento de controlo urbanístico para instruir, em concomitância, os controlos
administrativos da actividade a exercer ou praticar, por especiais razões de qualidade dos
serviços a prestar, de segurança dos bens depositados, de salubridade para os utentes.
Muitas vezes, a licença/autorização de utilização vem conjugar esta dupla função e
natureza: controlo do cumprimento do projecto de arquitectura, das condições acessórias
estipuladas ou idoneidade do edifício e controlo dos requisitos de abertura ao público ou de
funcionamento, os quais não têm expressão arquitectónica nem construtiva, na sua maioria,
mas nem por isso são menos importantes para garantia da higiene, da segurança, do
conforto e da qualidade, para regulação do horário da abertura e fecho de estabelecimentos
abertos ao público.
Assim, por exemplo, «a licença ou a autorização de utilização para serviços de
restauração e bebidas destina-se a comprovar, para além do disposto no artigo 62.° do
Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro, a observância das normas relativas às
condições sanitárias e à segurança contra riscos de incêndio» (artigo 11.°, n.° 2, do
Decreto-Lei n.° 168/97, de 4 de Julho).

Compreende-se, portanto, que a vistoria final, precedendo a licença ou autorização de


utilização (artigo 64.°, n.° 1, do RJUE) tenha obrigatoriamente lugar, no caso dos
estabelecimentos de restauração e bebidas (artigo 11.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 168/97, de
4 de Julho).
Para que um bar ou restaurante possa abrir as suas portas ao público,
o responsável pela exploração não terá de obter duas licenças ou autorizações. Basta-lhe
um único alvará de licença ou de autorização de utilização de serviços de restauração ou de
bebidas, «o qual constitui, relativamente a estes estabelecimentos, o alvará de licença ou
de autorização de utilização previsto nos artigos 62°e 74°do Decreto-Lei n.°555/99, de 16
de Dezembro» (artigo 14.°, n.° 1).
Alvará esse que cumulará às especificações urbanísticas comuns previstas no artigo
77.°, n.° 5, do RJUE, as particulares especificações relativas à actividade (artigo 15.°, n.° 1,
do Decreto-Lei n.° 168/97, de 4 de Julho): identificação da entidade exploradora, nome, tipo
(restauração ou bebidas com ou sem sala ou espaço de dança, com ou sem fabrico próprio
de pastelaria, panificação ou gelados) e capacidade máxima do estabelecimento.
Quando assim não aconteça, ou seja, quando o interessado tenha de obter
separadamente a licença de utilização e a licença de abertura ou de funcionamento, então,
ao menos, assiste-lhe o direito a que a vistoria necessária seja efectuada em conjunto
(artigo 40.°, n.° l, do RJUE).
Na certeza, porém, de que a licença de utilização constitui sempre pressuposto de
validade da licença de laboração ou de funcionamento (artigo 40“, n.° 3). Se, com efeito, a
edificação estiver fora da ordem pública urbanística, não poderá nela funcionar ou abrir ao
público estabelecimento nenhum. Ao invés, se lhe vê recusada a licença de funcionamento,
mas dispõe de licença municipal de utilização, poderá ser-lhe confiado um outro uso
compatível com esta última.

III. EXTENSÃO E INTENSIDADE DO CONTROLO ADMINISTRATIVO PRÉVIO DAS


OPERAÇÕES URBANÍSTICAS

1. ISENÇÃO E DISPENSA

Verdadeiramente isentas estão apenas as obras de conservação, ou seja, «as obras


destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção,
reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente y as obras de restauro, reparação e

129
limpeza» (artigo 2.°, alínea l)). Isenção em sentido próprio, uma vez que o recorte negativo
desta categoria se faz ope legis. Verificados na actividade os atributos próprios do conceito,
esta pode começar, sem mais, isto é, sem nenhuma intervenção municipal, embora haja de
conformar-se com as prescrições legais e regulamentares próprias, «designadamente as
constantes de plano municipal e plano especial de ordenamento do território e as normas
técnicas de construção» (artigo 6.°, n.° 8). Por conseguinte, estas obras encontram-se
sujeitas à fiscalização geral da actividade edificatória (artigo 93.°, n.° 1).

Depois, temos as situações previstas no artigo 6.°, n.° 1, alínea b),


i no n.° || Só impropriamente tem lugar uma isenção, pois no n.° 3 remete-se para o
regime da comunicação prévia.
O destaque, cuja natureza e regime já analisámos detidamente (supra), parece antes
configurar uma situação de dispensa — dispensa da operação de loteamento urbano. Isto,
porque a câmara municipal leva a cabo, para emitir a certidão para destaque, um controlo
sobre os pressupostos e requisitos específicos do destaque de prédio rústico (n.° 5) ou de
prédio urbano (n.° 4). Só a certidão permite a inscrição no registo predial (n.° 9) e sem esta
não podem validamente transmitir-se as parcelas destacadas nem as edificações e fracções
autónomas nelas existentes (artigo 49.°).
De resto, as obras de edificação a executar na parcela destacada — e cujo projecto de
arquitectura teve de obter prévia aprovação — até para saber da suficiência e adequação
das infra-estruturas — não se encontram isentas nem dispensadas de licença ou
autorização, havendo de cumprir as regras urbanísticas e construtivas materiais gerais e
especiais (artigo 6.°, n.° 8).
Temos, a seguir, no artigo 7°, as obras cuja isenção resulta de um critério subjectivo —
a qualidade do seu promotor e o interesse público que este prossegue. São as operações
urbanísticas de iniciativa pública, cujo âmbito é bem mais estrito do que o do regime
anterior, designadamente, ao estabelecerem-se requisitos funcionais, como o que
determina a articulação com as atribuições específicas das autoridades portuárias (Instituto
Português do Transporte Marítimo, APL — Administração do Porto de Lisboa, S.A., etc.),
aeroportuárias (ANA — Aeroportos de Portugal, S.A., e NAV — Navegação Aérea de
Portugal, E.P.E.) e ferroviárias (REFER, Rede Ferroviária Nacional, EP.E.), de acordo com
o n.° 1, alínea d), de par com exigência análoga para a promoção e gestão do parque
habitacional do Estado (alínea c)).
Ficam de fora, se repararmos bem, as operações urbanísticas de iniciativa das
associações públicas (v. g. ordens profissionais, associações de regantes e beneficiários
dos perímetros de rega, universidades públicas). Estranhamente, não constam do elenco as
Regiões Autónomas nem as suas administrações indirectas, mas deve obtemperar-se com
um argumento de maioria de razão, em face das autarquias locais, por se tratar de pessoas
colectivas públicas de população e território.

Bem se compreende que as operações urbanísticas a empreender pelo Estado e suas


concessionárias — a generalidade das obras públicas — não possa ficar dependente de
licença ou de autorização municipal, sob pena de completa subversão da separação vertical
de poderes. O município, por reduzida que fosse a margem de livre apreciação, não poderia
deixar de condicionar o interesse nacional ou regional por contingências e particularismos
locais.
As obras públicas têm de cumprir, é certo, as normas materiais urbanísticas e
construtivas (artigo 7.“, n.° 6), nomeadamente, o disposto nos instrumentos de gestão
territorial, a cujo teor se vincularam o Governo e os governos regionais por via da
ratificação, mas não ficam a depender da margem de livre apreciação dos órgãos autár-
quicos, vertida nos poderes discricionários e na interpretação de conceitos indeterminados
que o licenciamento e a autorização inculcariam: «... pode haver deferimento do pedido
desde que o requerente...» (artigo 25.°, n.° 1), «... sobrecarga incomportável para as infra-
estruturas ou serviços gerais...» (artigo 24.°, n.° 2, alínea b)), «... adequada inserção no
ambiente urbano...» (artigo 24.°, n.° 4).

130
É preciso ter presente que as autarquias locais se encontram adstritas à prossecução
de interesses próprios das suas circunscrições e não de interesses públicos alheios e
superiores à esfera das atribuições que detêm.
De todo o modo, há sempre lugar à audição da câmara municipal própria do concelho
onde se localiza a operação (artigo 7.°, n.° 2) — parecer obrigatório, mas não vinculativo, a
proferir no prazo de 20 dias.
O incumprimento desta formalidade pode comprometer a validade do acto de aprovação da
obra. Falta porém saber de que acto se trata, na falta de uma regulamentação comum dos
procedimentos de aprovação de obras públicas: o estudo prévio, o anteprojecto ou o
projecto de execução. Como faz notar CLÁUDIO MONTEIRO, não raro, assiste-se à oposição
por terceiros contra actos que apenas lateralmente reflectem a decisão: a declaração de
utilidade pública, a adjudicação da empreitada de obras públicas ou a publicação do aviso
de abertura do concurso.

Bem se compreende, por outro lado, que as operações urbanísticas de iniciativa


autárquica, embora isentas, devam obedecer a um mínimo de controlo prévio. De outro
modo, levantar-se-ia a vexata qaestio de quem vigia o polícia. No mais, são operações
urbanísticas que podem interferir com outros interesses públicos, no mesmo território, e que
importa salvaguardar.
Apesar de tudo, a isenção compreende um mínimo de procedimento, de sorte que
acaba por se aproximar da dispensa:

1) parecer obrigatório da câmara municipal (n.° 2);


2) autorização da assembleia municipal e parecer vinculativo da comissão de
coordenação e desenvolvimento regional (n.° 3);
3) autorização do Governo e parecer obrigatório da câmara municipal e da comissão de
coordenação e desenvolvimento regional (n.° 4);
4) discussão pública (n.° 5), a qual deve ser compatibilizada com as exigências próprias
ora da Lei n.° 83/95, de 31 de Agosto (acção procedimental), ora da avaliação do impacto
ambiental (Decreto-Lei n.° 69/2000, de 3 de Maio. (FIM ANDRÉ FOLQUE)

6. A LEGALIZAÇÃO DE OPERAÇÕES EXECUTADAS OU EM EXECUÇÃO (ANDRÉ


FOLQUE)

6.1. A legalização das obras de edificação

Diz-se clandestina a actividade urbanística que indevidamente haja sido prosseguida, no


todo ou em parte, à margem do controlo administrativo prévio. A actividade edificatória é
relativamente proibida e só a comunicação prévia, a licença ou a autorização permitem
exercer o direito ou constitui-lo.
Desde cedo, porém, imperativos de primazia da materialidade subjacente procuraram
salvaguardar operações urbanísticas que, embora formalmente ilegais, em nada lesassem o
interesse público nem os direitos e interesses legalmente protegidos na sua esfera.
Assim se compreende o disposto no artigo 167.° do RGEU quando impedia a demolição
de obras que, apesar de clandestinas, satisfizessem ou pudessem vir a satisfazer (mediante
alterações) os requisitos legais e regulamentares de urbanização, estética, salubridade e
segurança das edificações urbanas. E o RJUE, ao revogar aquela disposição, ela própria já
revogada, embora parcialmente, pelo artigo 58.° do precedente Regime Jurídico das Obras
Particulares (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro), vem claramente
conceder ao interessado o interesse legítimo em opor-se à demolição (artigo 106.°),
podendo à operação urbanística ser concedido licenciamento ou autorização a posteriori,
ainda que tenha de providenciar-se por trabalhos de alteração ou de correcção (artigo
105.°).
Naturalmente que a legalização não dissipa a ilicitude do comportamento, da actividade.

131
Por isso, a execução da operação urbanística não deixará de ser sancionada a título de
contra-ordenação.
O que já parece ultrapassar a margem de autonomia municipal é o agravamento das
taxas urbanísticas como instrumento repressivo e de prevenção especial contra operações
urbanísticas clandestinas susceptíveis de legalização. A taxa não pode desviar-se do seu
fim para prosseguir outro, de polícia administrativa. Neste sentido se pronunciou o Provedor
de Justiça contra normas regulamentares de Alenquer, Cascais, Gondomar, Loures, Silves
e Vila Franca de Xira, recomendando a sua revisão, o que encontrou acolhimento por parte
dos órgãos visados.
A legalização há-de obedecer — com as necessárias adaptações — ao procedimento
próprio a que a operação se subordinaria, caso tivesse em devido tempo sido requerido o
controlo municipal. O RJUE não previu normas específicas atinentes ao procedimento de
legalização, revogando todo o disposto no artigo 167.° do RGEU (artigo 129.°, alínea e)),
em cujo § 1.° se previa um acordo entre o proprietário e o município, vertido em escritura
pública, a fim de consignar m obrigação de fazer executar os trabalhos que se reputem
necessários, nos termos e condições que forem fixados, e de demolir ulteriormente a
edificação, sem direito de ser indemnizado — promovendo a inscrição predial deste ónus
—, sempre que as obras contrariem as disposições do plano ou aníeplano de urbanização
que vier a ser aprovado».
No plano substantivo, porque tempus regit actus, a operação urbanística era legalização
será confrontada com as prescrições legais e regulamentares vigentes ao tempo, não
podendo tirar partido de anteriores normas menos restritivas. É o que parece resultar do
artigo 60.º do RJUE, ao limitar — e bem — a protecção do existente a operações
licenciadas ou executadas em momento anterior ao da necessidade de controlo adminis-
trativo prévio.
O que nos deixa as maiores reservas é o procedimento de legalização de obras de
reconstrução, na impossibilidade de salvaguardar a identificação entre o resultado da
operação e as características da edificação demolida. E este problema é tão mais agudo
quanto, em certas áreas, nomeadamente no perímetro das áreas protegidas, apesar da
falta de levantamentos rigorosos do existente, são admitidas apenas obras de reconstrução.
A reconstrução pressupõe estrita conformidade com
o existente, antes da demolição, desde que se trate de edificação regularmente construída.
Construída ao abrigo de licença ou de autorização válida e eficaz ou construída antes da
instituição do controlo administrativo prévio das operações urbanísticas.
Por outro lado, a obra não legalizada é absolutamente inoponível a terceiros e à própria
autoridade municipal, nomeadamente como critério de afastamentos, cércea dominante,
paisagem urbana e outras condicionantes a que uma operação urbanística posterior tenha
de obedecer nas suas imediações.
Faz-se notar, por último, que a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que o
requerente da legalização não beneficia de valor positivo algum do silêncio do órgão
competente. A regra é aqui, por conseguinte, a do indeferimento tácito (artigo 109.° do
CPA), esgotado que se encontre o prazo para a prática de acto preparatório ou final. Neste
sentido, pronunciou-se o STA nos Acórdãos de 1-10-1992 (1ª Sub.), de 23-10-1997 (1.ª
Sub.), de 31-03-1998 (Pleno), de 13-01-1999 (3ª Sub.) e de 12-10-2004 (2ª Sub.).
Já «ao licenciamento de utilização de obras executadas sem licença,
L mas já legalizadas, aplica-se o regime do deferimento tácito», como se fez notar no
Acórdão do STA (2ª Sub.), de 11-02-2003.

EXECUÇÃO DAS OBRAS DE URBANIZAÇÃO E DE EDIFICAÇÃO

1. INÍCIO DOS TRABALHOS

Quando podem iniciar-se os trabalhos próprios de uma determinada operação


urbanística sujeita a controlo administrativo prévio?

132
Por regra, só depois de emitido o alvará da licença ou da autorização (artigo 80.°, n.° 1)
ou obtido contenciosamente um título de efeito equivalente — certidão da sentença
transitada em julgado que haja intimado à emissão do alvará (artigo 113.°, n.° 7), aplicável
também no licenciamento ex vi do artigo 112.°, n.° 9, ou mesmo antes disso» logo que
requerida a intimação (artigo 112.°, n.os 1 e 5).
Tratando-se de obra sujeita apenas a comunicação prévia, os trabalhos podem ter início
depois de 30 dias passados (artigo 35.°, n.° 1).
Isto, no entanto, implica o prévio pagamento das taxas (artigo 113.°, n.° 2). A recusa em
admitir a liquidação das taxas foi outrora um expediente comum para inviabilizar aos efeitos
positivos da demora na deliberação, mas o RJUE veio criar dispositivos de garantia para
contornar.
Excepcionalmente, como vimos, alguns trabalhos preliminares podem ter início —
demolição, escavação, contenção periférica (artigo 81.°).
No artigo 82.°, e de modo inovador, vem acautelar-se a ligação às redes públicas de
água, saneamento, gás, electricidade e telecomunicações, o que constitui um instrumento
muito eficaz na prevenção da edificação clandestina.

2. ALTERAÇÕES EM OBRA

Podem ser de três espécies:

a) aquelas que não constituem, em si, operações sujeitas a prévio licenciamento ou


autorização administrativa (artigo 83.°, n.° 2);
b) alterações ao projecto que importem obras de ampliação ou alterações à implantação
das edificações, (artigo 83.°, n.° 3, e artigos 27.° e 33.®);
c) as demais alterações que obedecem ao regime da comunicação prévia (artigos 34.° e
segs.).
Dificilmente se compreende a delimitação entre as primeiras e as terceiras.
Precisamente, as obras que não correspondam a prévio licenciamento ou autorização
são aquelas que, encontrando-se isentas ou dispensadas, estão sujeitas ao dever de
comunicação prévia (artigo 6.°, n.° 3).
Apenas as obras de conservação e aquelas que não possuem fins urbanísticos
parecem, afinal, recair na previsão do artigo 83.°, n.° 2.
A única interpretação que poderá salvar o conteúdo útil deste preceito é a de que as
alterações em obra — cujas características, a serem autónomas, importariam licença ou
autorização — estão, bem assim, dispensadas de comunicação prévia.
Ao invés, obedecem ao dever de comunicação prévia as obras que, não recaindo na
esteira do artigo 83.°, n.° 3, sempre implicariam licença ou autorização.

3. SUBSTITUIÇÃO E SUBROGAÇÃO NA EXECUÇÃO DOS TRABALHOS

No artigo 84.° vem admitir-se um poder genérico de substituição e que anteriormente se


limitava às obras de urbanização inacabadas. Trata-se de mais um sinal do legislador,
reconhecendo avisadamente que também as obras de edificação podem causar lesões
significativas ao interesse público, quando inacabadas. É o meio urbano que sai lesado, de
par com a segurança das edificações adjacentes e do espaço público, em geral.
Para que a substituição tenha lugar, basta o preenchimento de um dos pressupostos
enunciados no artigo 84.°, n.° 1.
Já o poder de subrogação — concedido à iniciativa privada — restringe-se às obras de
urbanização e é limitado aos adquirentes de lotes ou de fracções das edificações iniciadas
em lotes e da sua legitimidade (artigo 85.°).
Mas não se exclui, em absoluto, a extensão desta iniciativa a obras de edificação (artigo
88.°) só que com pressupostos mais apertados. Aqui trata-se de obras inacabadas cujo acto

133
permissivo caducou, entretanto, e que, por conseguinte, importam uma sua renovação.

4. CONCLUSÃO E RECEPÇÃO DOS TRABALHOS

O controlo deixou de cingir-se às obras de urbanização (artigos 86.° e segs.) tendo-se


alargado em extensão e em intensidade.
Assim, desde logo, vem consagrar-se um conjunto de deveres acessórios do promotor e
cujo cumprimento é sindicado no termo das obras — limpeza da área, remoção de
estaleiros (artigo 86.°, n.° 1) — o que condiciona o deferimento da licença de utilização (n.°
2) e a recepção provisória das obras de urbanização. Já no artigo 51.° do Decreto-Lei n.°
448/91, de 29 de Novembro, se previa o dever de remoção dos entulhos, mas as garantias
eram menores e limitadas às obras de urbanização.
Hoje, porém, vai-se mais longe especificando-se os seguintes devedores:

a) levantamento do estaleiro;
b) limpeza da área;
c) remoção de materiais, entulhos e outros detritos (deve incluir também o despejo de
águas residuais);
d) reparação de estragos ou deteriorações em infra-estruturas públicas.
Na versão originária do RJUE, acrescia ainda um dever de reparação de danos
patrimoniais privados, o que foi objecto de revisão, sob recomendação do Provedor de
Justiça, considerando a inconstitucionalidade por invasão da reserva de jurisdição dos
tribunais (artigo 202.°). O presidente da câmara municipal retiraria efeitos públicos de uma
decisão fora da função função administrativa e de natureza puramente privada.
Tal importaria que o presidente formulasse um juízo de imputação objectiva e subjectiva
entre o dano e o promotor.
Já em relação às infra-estruturas públicas vale o privilégio da decisão prévia ou
autotutela declarativa. Já não se trata de um conflito de natureza privada, mas da lesão de
um interesse público.
Há-de porém proceder-se a uma redução teleológica no sentido de cingir a aplicação a
infra-estruturas municipais, sob pena de intromissão em atribuições alheias, do Estado ou
das regiões autónomas, dispondo estes de meios próprios para fazerem valer a sua
posição.
A recepção das obras de urbanização representa um meio fundamental de salvaguarda
contra o incumprimento pelo loteador dos seus deveres. De resto, não será excessivo
admitir que a maior parte dos litígios que envolvem operações de loteamento dizem respeito
ao cumprimento defeituoso ou ao simples inacabamento das obras de urbanização pelo
promotor.
Importa, por conseguinte, rodear dos maiores cuidados o interesse público na
urbanização e salvaguardar adequadamente os direitos e interesses legítimos dos
adquirentes de lotes ou de parte das edificações neles executadas.
O interesse público parece-nos evidente: a concretização do ordenamento do território
previsto, o equilíbrio das infra-estruturas e equipamentos colectivos circundantes e a
garantia de qualidade de vida no novo núcleo populacional e nas imediações. Importa por
isso impedir que a utilização de novas edificações sem a prévia urbanização estar concluída
se apresente como um facto consumado, como tantas vezes veio a ocorrer num passado
próximo. Não é de estranhar que o município, pese embora o facto de não ser o dono da
obra, tenha aqui de usar da maior prudência e dispor dos meios ajustados a uma
intervenção o mais eficiente possível.
Muitas licenças outorgadas ao abrigo do Decreto-Lei n.° 289/73, ainda eficazes,
desprovidas de cauções ajustadas e sem outras fontes alternativas de garantia, continuam
a representar para os municípios e para os adquirentes de lotes um pesado fardo, o que,
aliás, o RJUE não deixa, de certo modo, de reconhecer (artigo 49.°, n.° 4).
Não é de estranhar que, neste ponto, nos aproximemos da terminologia própria dos
contratos de empreitada de obras públicas, designadamente com a recepção provisória e

134
definitiva. Neste sentido, remete-se no artigo 87.°, n.° 3, boa parte da disciplina das
recepções
— provisória e definitiva — das obras de urbanização, precedendo sempre vistoria por
comissão em que o município se faz representar maioritariamente (artigo 87.°, n.° 2).
Assistimos na evolução legislativa da disciplina dos loteamentos a uma crescente
procura de aperfeiçoamento dos meios de garantia.
Compreende-se, pois, que no artigo 57.°, n.° 4, se proíba terminantemente a emissão do
alvará de autorização para obras de construção (e por maioria de razão, para utilização)
sem ter ocorrido a recepção provisória ou, pelo menos, o depósito de caução bastante.
A primeira preocupação do legislador, no artigo 54.°, é justamente a de prover a que a
caução depositada seja suficiente, de modo a que o município possa bastar-se com o seu
valor para executar as obras de urbanização em falta ou defeituosamente executadas.
Assim, conquanto o valor orçado dos encargos pelo loteador constitua a base de cálculo,
ele pode ser corrigido unilateralmente pela câmara municipal (artigo 54.°, n.° 3) e pode
mesmo vir a ser obrigatoriamente reforçado (artigo 54.°, n.° 4, alínea a)). E se, contudo,
pode também ser reduzido (alínea b)) j há um limiar abaixo do qual não pode haver
contemplações (90% do montante inicial, de acordo com o artigo 54.°, n.° 5).
A faculdade de redução faz sentido na medida em que a câmara / municipal vá
verificando o andamento regular das obras de urbanização, I nomeadamente na recepção
provisória, já que a libertação plena só pode j ser deferida com a recepção definitiva (artigo
54.°, n.° 2).
A segunda preocupação é a da eficácia desta mesma garantia. Há-de tratar-se de
«garantia bancária autónoma à primeira solicitação, sobre bens imóveis propriedade do
requerente, depósito em dinheiro ou seguro-caução» (artigo 54°, n.° 2).
Não deve esta garantia ser confundida com três outras cauções a que a lei se refere.
Uma delas tem um alcance análogo. Trata-se da garantia da obrigação assumida pelo
requerente de licença para obras de edificação, condicionada pela sobrecarga
incomportável prevista para as infra-estruturas locais (artigo 25.°, n.° 3). A outra destina-se
a salvaguardar a eventual necessidade de reposição dos solos quando, antecipados os
trabalhos de demolição, escavação e contenção periférica (artigo 81.®, n.° 1). A terceira
respeita ao cumprimento dos deveres acessórios de levantamento do estaleiro e limpeza da
área e à imputação de danos em infra-estruturas públicas (artigo 86.°, n.° 2).
À semelhança do que já se previa no artigo 25.° do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de
Novembro, o RJUE admite no artigo 55.° a possibilidade de negociar, por contrato
administrativo de urbanização, os termos e condições, não só com o promotor, como
também com terceiros, mas em caso algum poderá este contrato afastar as exigências
imperativas contidas no artigo 54.° A vantagem destes contratos para o interesse público é
a de evitar a rarefacção do dever de cumprimento ou de reparação entre imputações
diversas ao loteador, às empresas prestadoras de serviços de interesse geral e a terceiros
(v. g. empreiteiros e subempreiteiros, mas também os adquirentes ou promitentes compra-
dores de lotes).

FISCALIZAÇÃO

A fiscalização no decurso da obra torna-se tão mais importante quanto, nos termos do
artigo 64.°, n.° 1, a licença e a autorização de utilização não dependem inexoravelmente de
prévia vistoria municipal.
Repare-se, aliás, que justamente, uma das excepções a esta premissa é a de a obra
não ter sido inspeccionada ou vistoriada antes do seu termo (artigo 64.°, n.° 2).
O âmbito da fiscalização não se limita a operações licenciadas ou autorizadas. A
principal finalidade é precisamente a de encontrar obras clandestinas, mas importa também
fiscalizar obras isentas, dispensadas ou fora da incidência das normas sobre controlo prévio
(artigo 93.°, n.° 1).
A fiscalização não obedece a um escopo jurídico, apenas, mas também vise prevenir
perigos que da execução possam resultar ou agravar-se para a segurança de pessoas e

135
bens e para a saúde pública (artigo 93.°, n.° 2).
No artigo 94.°, n.° 2, vem estabelecer-se uma curiosa relação entre actos do presidente
e actos da câmara municipal. O presidente pode suspender, declarar nulas e revogar
deliberações colegiais, assim como pode este órgão usar de poderes análogos sobre actos
do presidente.
Outros aspectos a destacar são:

a) a privatização possível dos serviços de fiscalização de obras, rea- * lização de


inspecções e vistorias (artigo 94.°, n.os 5 e 6);
b) a superação de um ponto controvertido que consistia em saber da necessidade de
mandado judicial para facultar o ingresso no domicílio. A resposta afirmativa dada no
artigo 95.°, n.° 2, deve estender-se à execução de medidas de polícia administrativa, por
maioria de razão (obras coercivas — artigos 91º e 105.° —, despejo sumário — artigo
92.° — e demolição — artigo 106.°).
Com efeito, vinham os tribunais, neste ponto, decidindo de forma muito pouco
harmoniosa. O entendimento maioritário era o de considerar que o requerimento ao tribunal
não deveria sequer ser apreciado por falta de interesse em agir, uma vez que o privilégio da
execução prévia constituía título bastante. Assim, a esfera da garantia constitucional do
artigo 34.° n.° 1 e n.° 2, cingir-se-ia ao domínio penal.
Todavia, já em 1974 Jorge Miranda se opunha a esta concepção, até por um argumento
de maioria de razão.
c) Permanece em aberto o problema da assistência das forças de segurança ao
cumprimento coercivo das decisões municipais. Na verdade, apenas se prevê que o
presidente possa solicitar a colaboração de outras autoridades administrativas e
policiais (artigo 94.°, n.° 4).
Se é certo que a criação de polícias municipais em alguns concelhos e a sua reforma,
em outros, permite dar passos significativos, não é menos verdade que, na maioria dos
municípios, subsiste o problema da recusa de colaboração. Aguarda-se homologação de
um parecer do Conselho Consultivo da Pro- curadoria-Geral da República.
Quais são os meios típicos de fiscalização, por iniciativa oficiosa ou por impulso externo
(denúncia, participação, queixa)?

a) inspecção;
b) vistoria técnica;
c) exame ao livro de obra.

O estatuto do livro de obra (artigo 97.°), como registo regular onde são descritas pelo
director técnico as principais vicissitudes dos trabalhos, diacronicamente, encontra raízes no
direito anterior (artigo 25.° do RJLMOP). Ali se previa contudo um dever de registo mensal e
ainda um dever de conservação do livro para além do termo da execução dos trabalhos (n.ºs
4 e 5).
À Portaria n.° 1109/2001, de 19 de Setembro, veio regulamentar as características do
livro de obra e o seu preenchimento, dando cumprimento ao disposto no artigo 97.°, n.° 3.
Como faz notar António Pereira da Costa o livro de obra constitui um importantíssimo
elemento para a fiscalização, nomeadamente, para o apuramento de responsabilidades e
para a ponderação de prorrogações. Todos os factos que importem a paragem ou
suspensão da actividade — intempéries, atraso no fornecimento de materiais, acidentes,
greves, embargos — e todas as alterações introduzidas — com ou sem necessidade de
controlo prévio — devem ser descritas no livro de obra (artigo 97.°, n.° 2) o qual deve
permanentemente encontrar-se no local dos trabalhos (artigo 97°, n.° 1), desde o início à
sua conclusão.
A falta do livro de obra constitui ilícito de mera ordenação social, punível, nos termos do
artigo 98.°, n.° 1, alínea l). O cumprimento i defeituoso do seu preenchimento vem previsto
também como contra-ordenação na alínea m) do mesmo preceito.

136
VALIDADE E EFICÁCIA DOS ACTOS DE LICENCIAMENTO E DE AUTORIZAÇÃO
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Validade e eficácia não se confundem. Enquanto a validade resulta da conformidade


com os pressupostos e requisitos do acto, contidos ou implícitos na lei, já a eficácia
representa a aptidão para produzir plena e incondicionadamente os efeitos jurídicos típicos
da sua categoria. Assim, a eficácia é concedida pelo cumprimento de uma condição exterior
ao acto (conhecimento pelo interessado por notificação ou por publicação oficial) e deixa de
a possuir quando um acto ou um facto de eficácia oposta se produz também ele
consequentemente — o decurso do tempo (caducidade) ou a prática de acto posterior
incompatível (revogação).
Declarada a invalidade, perde-se também a eficácia. O acto nulo, cujos efeitos
produzidos apenas poderão ser ressalvados, nos termos do artigo 134.°, n.° 3, do CPA,
tanto como o acto anulável — revogado por ilegalidade ou anulado contenciosamente —
por motivo da desconformidade com norma legal, regulamentar, convencional ou
constitucional, não mais podem ser invocados pelos interessados.
Na hipótese de inexistência — rara, é certo, perante o generoso elenco de motivos de
nulidade que encontramos no artigo 133.°, n.os 1 e 2, do CPA, a que acrescem as previsões
do artigo 68.° do RJUE — nem sequer é necessária a declaração.
Todo e qualquer opositor à operação pode resistir ao acto e ninguém deve obediência a
eventuais comandos jurídicos que o tenham como pressuposto. É o caso de uma licença de
construção deferida por um tribunal ou pela Assembleia da República, como é o caso de
uma autorização apócrifa, decidida por quem não possua a titularidade do cargo ou do
mandato no órgão competente.

Uma licença pode ser inválida, embora plenamente eficaz se, por exemplo, for defenda com
um determinado vício, mas, não obstante, der lugar à emissão do pertinente alvará. E o
contrário, como já se viu, pode acontecer. Basta não ser requerida a emissão do alvará.
A invalidade é, no direito administrativo nacional, por regra, qualificada como
anulabilidade (artigo 135.", n.° 1, do CPA), o que significa que as licenças e autorizações de
urbanização ou de edificação podem, por regra, ser revogadas, ratificadas, confirmadas ou
convertidas dentro do prazo maior que se encontrar previsto para a sua impugnação
contenciosa (um ano, de acordo com o artigo 59.°, n.° 2, alínea b), do CPTA). Exaurido este
prazo, a licença ou autorização, embora seja ilegal, convalida-se. É tratada pela ordem
jurídica como um acto válido.
Este facto não significa, porém, que os actos praticados ao abrigo dessa licença ou
autorização deixem de ser ilícitos, isto é, desconformes com normas orientadas para os
direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros e que, como tal, havendo culpa,
além do mais, deixem de poder constituir fonte do dever de indemnizar, a título de
responsabilidade civil, nos termos gerais, embora com a ressalva do disposto no artigo 7.°
do Decreto-Lei n.° 48.051, de 21 de Novembro de 1967.
Mas esta ressalva em nada afasta a imputação ao promotor ou ao proprietário do imóvel
onde foi executada a operação urbanística lesiva, primeiro e directo responsável, a menos
que a Administração Pública lhe tenha imposto a conduta lesiva ou alvitrado condições ou
objecções causal mente adequadas à lesão.
De resto, o órgão competente para autorizar ou licenciar uma operação urbanística não
pode ir além da estrita verificação da conformidade com as pertinentes disposições legais e
regulamentares de natureza pública. Já os tribunais judiciais, por seu turno, lançam mão de
outro parâmetro de ponderação, reportado a título directo e principal aos direitos de per-
sonalidade ou aos direitos reais de gozo. de terceiros vizinhos, dirimindo o litígio à luz do
disposto no artigo 335° do Código Civil.
A este propósito, parece elucidativo o teor da disposição contida no artigo 1347.°, n.° 2,
do mesmo Código, onde se prevê a possibilidade de o tribunal ordenar a inutilização de
instalações perigosas em prédio vizinho, ainda quando autorizadas por entidade pública
competente e mesmo que observando as condições especiais prescritas na lei. No entanto,

137
o tribunal tem de dar como provado um prejuízo efectivo e não apenas um risco ou perigo
abstracto, pois este encontra-se elidido pela licença.

2. NULIDADE E ANULABILIDADE DE ACTOS DE CONTROLO URBANÍSTICO

a) Generalidades

O âmbito da nulidade é, de todo o modo, bastante extenso, a tal ponto que parece o
valor jurídico negativo comum do acto urbanístico ilegal.
Tende-se, cada vez mais, a considerar que o acto nulo não pode produzir efeito algum.
Que é um não acto. Esta leitura é precipitada e não isenta de equívocos.
O acto nulo existe juridicamente. Preenche todos os pressupostos e requisitos de
qualificação, de sorte que não é uma simples aparência. E mais. Ele produz todos os efeitos
jurídicos típicos desde que e enquanto for eficaz.
É certo que o acto nulo não é susceptível de revogação, de acordo com o disposto no
artigo 139.°, n.° 1, alínea a), do CPA, como também não pode ser convertido, ratificado nem
reformado (artigo 137.°, n.° 1), embora nada exclua a sua redução, se o acto for divisível.
Mas, note-se, que da violação destes preceitos resulta a anulabilidade do acto secundário
praticado sobre um acto nulo.
É que o acto nulo — ao contrário do acto inexistente — só depois de declarada a
nulidade deve ser tomado enquanto tal. Antes disso, pode opinar-se que certo acto é nulo e
pode ser deduzida impugnação graciosa ou contenciosa, de modo a obter a declaração da
sua nulidade, mas enquanto esta não for declarada, o acto — a menos que, por outras
razões, seja ineficaz — não pode ser desobedecido, no caso de actos impositivos, nem
ignorado, no caso de actos permissivos, como as licenças e autorizações urbanísticas.
E não pode afirmar-se, a não ser por força de expressão, que o acto nulo é
insusceptível de produzir efeitos. É verdade que, depois de declarada a sua nulidade,
muitos dos efeitos que produziu serão aniquilados e o acto não mais produzirá efeito algum.
Mas, é pertinente indagarmo-nos sobre o que acontece se a declaração de nulidade for ela
própria atingida na sua eficácia por revogação ou se for contenciosamente anulada.
Sinal inequívoco de que o acto nulo produz efeitos é precisamente a natureza supérstite
de alguns deles à declaração de nulidade, conforme se admite no artigo 134.°, n.° 3, do
CPA, em função do decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais, entre os
quais pontifica decerto o princípio da boa fé (artigo 6.°-A).
E a declaração de nulidade é, em tudo, um acto administrativo, havendo de conceder
aos interessados o direito de se pronunciarem previamente (artigos 100.° e segs.) e
havendo de obter fundamentação própria, nos termos previstos nos artigos 99.°, n.° 1, e
124.°, n.° 1.
Temos, pois, que parece justificado repensar a nulidade no direito administrativo, não
sendo este, porém, o lugar adequado. Sempre se dirá contudo que o acto nulo é um acto
cujos efeitos são precários por que sujeitos a uma condição resolutiva incerta an e incerta
quando, embora de alcance ex tunc. Mas nem sequer a precariedade é perpétua, pois bem
pode acontecer que o parâmetro sofra vicissitudes tais que o acto não deva mais ser
declarado nulo. Se, por exemplo, as normas de um plano passam a tolerar aquilo que antes
era interdito edificar, seria absolutamente desprovida de interesse público a declaração de
nulidade por confronto com o direito anterior em nome de um formalismo que o direito
urbanístico e o princípio da protecção do existente não podem consentir. A actividade
administrativa está ao serviço do interesse público. Não é o interesse público que se
encontra ao serviço da actividade administrativa.
Assim, e em primeiro lugar, temos as múltiplas possibilidades abertas no artigo 68.® do
RJUE, a que haverá de juntar-se a cláusula geral e o enunciado exemplificativo do artigo
133.° do CPA e ainda o enunciado de nulidades próprio do direito autárquico (artigo 95.° da
Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro).

b) Questões controvertidas

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A nulidade de licenças e autorizações urbanísticas suscita um amplo conjunto de
questões controvertidas, a começar pela conjugação com o regime geral da nulidade dos
actos administrativos dos artigos 133.° e 134.° do CPA: os efeitos putativos, a competência
para declarar a nulidade.

Ainda no que respeita ao enunciado do artigo 133.°, n.° 2, do CPA, vale a pena
sublinhar a invasão de atribuições alheias. É de harmonia com este preceito que no artigo
68.° do RJUE encontramos a preterição de pareceres, autorizações ou aprovações externos
obrigatórios e vinculativos.
Com efeito, se a licença tem como pressuposto objectivo necessário um acto preliminar
positivo imputado a pessoa colectiva pública distinta do município, a sua preterição
representa fazer tábua-rasa das atribuições dessa outra entidade, tanto ao ser ignorado o
sentido do parecer como a ser, pura e simplesmente, não requerido.
Não se trata apenas de um vício formal. Se o procedimento administrativo constitui um
feixe de intervenções administrativas infungíveis, de diferentes pessoas colectivas públicas,
ele representa a coordenação de atribuições diferentes.
Pode dar que pensar, no entanto, a situação de uma consulta externa não solicitada vir
ulteriormente a ser pronunciada e em sentido favorável. Justificar-se-á fulminar a
deliberação positiva, o acto de licenciamento, com a nulidade se, ao cabo e ao resto, veio a
ser suprida a satisfação das atribuições alheias e dos concretos interesses públicos
vertidos?
O acto nulo não pode validamente ser ratificado nem convertido, mas já nada obstaria a
que o pressuposto objectivo cuja falta importava a nulidade viesse a sobrevir.
Deve observar-se, no entanto, que a pronúncia externa tempestiva e a pronúncia
requerida extemporaneamente para resgatar a deliberação final à previsão da nulidade não
se encontram no mesmo plano. O órgão chamado a pronunciar-se decerto não se encontra
nas mesmas condições de neutralidade e de objectividade.
O procedimento deve então ser reiniciado, sem prejuízo de poderem ser aproveitados
os actos preparatórios que integraram a instrução. Mas é um novo procedimento
administrativo e, porque tempus regit actus, haverá de ter lugar a aplicação de novas
prescrições legais e regulamentares que possam, entretanto, ter sido aprovadas e entrado
em vigor.

Caso seja deferido ura pedido de licença com fundamento em parecer negativo, recusa
de aprovação ou de autorização recebidos extemporaneamente, o valor jurídico negativo
será o da anulabilidade e não já o da nulidade. Obtidos, vinculam o indeferimento (artigo
24º, n.° 1, alínea c)), mas já não seriam legalmente exigíveis (artigo 68.°, alínea c)). A
deliberação seria válida na sua falta.
Expressamente, afirmava-se como regra geral a anulabilidade no anterior regime
jurídico das obras particulares (artigo 52.°, n.° 1). Apenas por excepção, a licença de
construção seria nula: ou por desconformidade com os pareceres vinculativos, autorizações
ou aprovações, por violação de plano ou acto de efeito equivalente (áreas de
desenvolvimento urbano prioritário, áreas de construção prioritária ou áreas sujeitas a
operação de loteamento aprovada) ou por preterição da intervenção da Administração
Central na aprovação do projecto, em razão do uso previsto — artigo 48.°, n.° 2.
O novo regime mantém a nulidade como excepção (artigo 68.°) e nem a falta de
referência à anulabilidade pode fazer perder de vista o alcance do artigo 135.° do CPA.
Por outro lado, vem ajustar-se ó universo dos planos cuja violação acarreta nulidade à
reforma introduzida pelo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-
Lei n.° 380/99, de 22 de Setembro), cingindo a nulidade à violação de plano directamente
vinculativo — os planos municipais de ordenamento do território, os planos especiais e as
medidas preventivas — uma vez que os planos regionais de ordenamento do território
passaram a constituir instrumentos de enquadramento.
Preserva, no entanto, a distinção entre preterições da Administração estadual ou

139
regional relativas ao projecto, relegando para a simples anulabilidade a infracção de parecer
ou aprovação determinadas em razão do local.
É certo que este sentido é pouco mais que aparente, pois são os actos legislativos
sectoriais que determinam, por sua vez, a nulidade para a maior parte dos casos (domínio
público marítimo e fluvial, reserva agrícola nacional — artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 196/89,
de 14 de Julho; reserva ecológica nacional — artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 93/90, de 19 de
Março), sem esquecer que a violação de plano traz consigo outras tantas hipóteses de
preterição das consultas externas em função do lugar.

O enunciado do artigo 68.° conheceu uma importante revisão por via do Decreto-Lei n.°
177/2001, de 4 de Junho, sob impulso da Recomendação n° 10/B/2000, de 10 de Março, do
Provedor de Justiça, que apontara a ausência de estipulação por preterição de parecer
obrigatório e por desconformidade com parecer vinculativo. Uma inexpressiva violação de
plano (excesso de 1 m2 na área de construção) seria mais grave do que a falta de parecer
favorável do IPPAR em relação a uma obra executada em imóvel classificado como
monumento nacional.
É que não deve esquecer-se que tais preterições representam da parte da câmara
municipal e do seu presidente uma invasão de atribuições do Estado, das regiões
autónomas ou de institutos públicos, o que, no artigo 133.°, n.° 2, alínea b), do CPA,
determina a nulidade.
Se algum excesso ocorre, ele prende-se com a violação de planos. Em primeiro lugar
porque nem todas as infracções têm a mesma gravidade para o interesse público. Por
exemplo, o excesso de área para estacionamento subterrâneo não é certamente tão lesivo
quanto a ultrapassagem das cérceas. Depois, porque a violação do plano pode resultar da
violação de conceitos demasiado imprecisos, facto que introduz uma elevada margem de
incerteza jurídica.
Para mais, veja-se que os efeitos putativos do acto nulo dificilmente podem temperar
esta rigidez (artigo 134.°, n.° 3, do CPA) já que se fundam exclusivamente no decurso do
tempo, na boa fé e deixam de fora a gravidade da lesão. Limitam-se à protecção da
confiança.
A solução mais equilibrada estará porventura em reduzir o campo da nulidade dos actos
urbanísticos favoráveis e eliminá-la simplesmente dos actos negativos, do mesmo passo
que se estipularia um prazo dilatado para a impugnação contenciosa e para a revogação de
actos anuláveis, no direito urbanístico.
Deve observar-se que o artigo 68.° deixa literalmente de fora alguns actos de controlo
urbanístico, talvez por não lhes reconhecer definitividade material. É o caso das
informações prévias. A estas, pressuposto de outros actos, deve aplicar-se a estatuição da
nulidade, por maioria de razão. E nenhuma razão há para afastar — antes pelo contrário —
as licenças e autorizações deferidas sucessivamente, isto é, por legalização.
Por último, cremos valer a pena reflectir sobre a aplicação do artigo 68.° a actos de
conteúdo negativo. Será nulo o indeferimento de uma licença contra o disposto em plano de
urbanização ou por ter preterido uma consulta externa obrigatória e vinculativa?
A resposta é negativa. Desde logo, pelo teor do preceito em análise. A norma refere-se
expressamente a licenças e autorizações, o que não pode deixar de traduzir a sua
circunscrição a actos positivos.
Por outro lado, teleologicamente não faria sentido. A nulidade, como valor jurídico
negativo destes actos, surge como exigência dos interesses públicos em causa — de ordem
pública urbanística — e da sua intemporalidade. Não para salvaguarda dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos particulares. Ora, nessa medida, o indeferimento não
pode lesar o interesse público senão remota ou reflexamente. De outro modo, teríamos que
reconhecer ao interessado o direito de impugnai-, a todo o tempo, o indeferimento de um
pedido de licença ou de autorização, escolhendo o momento mais propício para o fazer,
nomeadamente, quando as normas urbanísticas, tomadas superveniente- mente mais
restritivas, pudessem ficar à mercê de anteriores indeferimentos não impugnados
prontamente. Em suma, indeferimento nulo de licenças, autorizações ou informações

140
prévias, só o que resulte do cânone geral (artigo 133.°, n.°* 1 e 2, do CPA e artigo 95°, n.°
2, da Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro).

DIREITOS E DEVERES DE URBANIZAÇÃO E DE EDIFICAÇÃO

Para além dos que resultarem da lei geral, o promotor de uma operação urbanística é
sujeito de um vasto conjunto de situações jurídicas activas e passivas que vale a pena
procurar sistematizar.

1. OBRIGAÇÕES DE FACERE

a) O promotor de operações urbanísticas tem de cumprir obrigações positivas de


publicidade. Não se trata de desenvolver actos da sua esfera privada que devam ser
objecto de qualquer espécie de reserva. Pelo contrário, as actividades de urbanização e de
edificação pertencem ao âmbito público, por motivo do interesse público que está presente.
Só tomando pública a sua iniciativa podem garantir-se os direitos de terceiros potencial ou
iminentemente lesados, contribuindo, assim, do mesmo passo, para lograr um maior
controlo da legalidade urbanística objectiva.
O decurso do tempo pode levar à consumação da actividade, frustrando o exercício dos
direitos de reacção graciosa e contenciosa, em relação a actos de licenciamento e de
autorização que, por via de regra, não chegam ao conhecimento de terceiros interessados.
A título preventivo, importa garantir o conhecimento da apreciação do pedido (artigo
12,°) de modo a que, em especial, os vizinhos urbanísticos exerçam os seus direitos
procedimentais a conhecerem os elementos instrutórios, designadamente o projecto de
arquitectura e confrontá-lo com as pertinentes prescrições legais e regulamentares em cuja
esfera de protecção tenham cabimento direitos e interesses legítimos.

Importa ficar claro que a decisão final sobre a operação urbanística não foi ainda tomada.
Depois, no decurso da execução, é necessário tomar públicas as referências ao alvará
da licença ou da autorização (artigo 78.°, n.° 1). Das duas, uma. Ou a operação urbanística
em execução não foi licenciada nem autorizada e, por isso, não exibe a indicação do alvará
ou porventura desvia-se dos termos e condições impostos pelo controlo municipal e das
demais entidades externas. Só esta referência permite a terceiros (individualmente ou
associados) e aos órgãos públicos incumbidos de, por iniciativa própria, fiscalizarem a
legalidade urbanística (fiscais e polícias municipais, órgãos do Ministério Público,
Inspecção-Geral da Administração do Território, Inspecção-Geral do Ambiente e do
Ordenamento do Território, Instituto dos Mercados de Obras Públicas, Particulares e do
Imobiliário) obtendo acesso aos documentos em poder dos serviços municipais.
A Portaria n.° 1106/2001, de 18 de Setembro, veio precisamente regulamentar os
modelos de avisos cuja afixação é obrigatória no local da operação, com o início do
procedimento administrativo. A Portaria n.° 1108/2001, da mesma data, veio, por seu turno,
aprovar os modelos de aviso a afixar pelos titulares de alvarás. Estes devem, nos dez dias
úteis posteriores à emissão do alvará, afixar o pertinente aviso em local bem visível do
exterior e até à conclusão das obras (artigo 78.°, n.° 1). E já depois de concluída a
operação, tratando-se de obras de construção, é obrigatório preservar no exterior a
identificação dos técnicos autores do projecto e do director técnico da obra (artigo 61.°). O
alvará não é plenamente eficaz enquanto o aviso não for afixado, motivo por que os
trabalhos só podem ter início depois de cumprida esta formalidade essencial. De outro
modo, não se compreenderia a razão de ser do prazo concedido ao titular nem tão-pouco o
dever de manter o aviso até à conclusão da obra.
Note-se que o cumprimento deste dever pelo proprietário concorre com o de as
autoridades municipais conferirem publicidade oficial ao alvará das Jicenças ou
autorizações de loteamento (artigo 78.°, n.° 2) por duas formas cumulativamente — no
boletim municipal e num jornal de âmbito local. Na falta de boletim municipal (alínea a)), são

141
lançados editais nos paços do concelho e na sede da junta de freguesia respectiva. Na
hipótese de se tratar de operação de Ioteamento com 20 ou mais lotes, a publicação far-se-
á em jornal de tiragem nacional. Há outros deveres específicos de publicidade concernentes
às operações de Ioteamento, nomeadamente o de fazer referência ao alvará respectivo nos
anúncios comerciais para transmissão de lotes ou de fracções autónomas (artigo 49.°, n.° 1,
e artigo 98 °, n.° 1, alínea p)). A discussão pública relativa a certas operações de
Ioteamento e suas vicissitudes, a processar-se de acordo com o artigo 77.° do Decreto-Lei
n.° 380/99, de 22 de Setembro (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial),
importa outrossim o cumprimento de deveres específicos de publicidade, sem o que a
participação dos interessados não poderá ter o efeito útil desejado.
O cumprimento destes deveres de publicidade ganha importância acrescida se
pensarmos que podem determinar o dies a quo dos prazos para impugnação administrativa
ou contenciosa, por terceiros, dos actos de licenciamento ou de autorização. Com efeito,
estes, em princípio, não serão notificados da deliberação ou do despacho que deferem o
pedido de licença ou de autorização. Revelando-se demasiado complexo determinar o
momento do início da execução dos trabalhos, até porque alguns deles podem ter início
antes mesmo de deferida a licença, é de presumir tomar-se eficaz para terceiros com a
publicidade do alvará no local da obra.
A título sancionatório, determina-se no artigo 98.°, n.° 1, alínea i), constituir ilícito de
mera ordenação social «a não afixação ou a afixação de forma não visível do exterior do
prédio, durante o decurso do procedimento de licenciamento ou autorização, do aviso que
publicita o pedido de licenciamento ou autorização». E outro tanto na alínea j) para «a não
afixação ou a afixação de forma não visível do exterior do prédio, até à conclusão da obra,
do aviso que publicita o alvará». Note-se que este dever é de cumprimento continuado. Não
basta ter afixado num dado momento o aviso para logo após o retirar. É imperioso que o
aviso esteja permanentemente em local visível, cumprindo ao requerente o ónus de o
provar. Por conseguinte, se o aviso perecer ou for subtraído por motivo alheio ao
requerente este não fica desobrigado de reparar imediatamente a sua falta.

b) Sempre que o promotor se encontre subordinado a deveres de urbanização,


naturalmente que o incumprimento tem consequências desfavoráveis. Pode dar-se o caso
de a operação se limitar a obras de urbanização, mas, na maior parte dos casos, esta
constituem um encargo próprio da operação de loteamento e até, embora
excepcionalmente, de certas obras de edificação (artigo 25.°).
Assim, à imagem e semelhança do adjudicante de uma empreitada, o município terá de
conferir o cumprimento perfeito dos deveres de urbanização. Não é de estranhar, pois, que
à recepção provisória e definitiva das obras de urbanização se aplique subsidiariamente o
regime jurídico das empreitadas de obras públicas (por expressa remissão do artigo 87.°,
n.° 3).
A prévia vistoria, em que se conferem quantitativa e qualitativamente as obras de
urbanização, é obrigatória, por uma comissão em que a câmara municipal se faz
representar maioritariamente e em que o promotor tem necessariamente de tomar parte, por
si, ou por comissário que o represente (artigo 87º, n.° 2).
O que distingue as duas recepções — provisória e definitiva — é o fim a que se
destinam: a primeira, para observar as obras logo que concluídas (artigo 217.°, n.° 1, do
Decreto-Lei n.° 59/99, de 2 de Março); a segunda, para de novo conferir as obras de
urbanização depois de transcorrido o tempo de garantia (artigo 227.°, n.° 1), de modo a
apurar se estas «não apresentam deficiências, deteriorações, indícios de ruína ou de falta
de solidez». Assiste ao promotor o direito de reparar as deficiências e, bem assim, o de
reclamar contra a recusa de recepção.
É que, sem a recepção das obras de urbanização o acto permissivo que as habilitava terá
caducado (artigo 71.°, n.° 3, alínea d)), a caução depositada não é restituída sem a
recepção definitiva (artigo 54.°, n.° 2) e não podem ser celebradas escrituras públicas de
primeira transmissão de lotes ou de fracções autónomas de edificações, a menos que a
câmara municipal assegure perante o notário a suficiência da caução (artigo 49.°, n.° 2).

142
Tão-pouco podem ser deferidas as licenças ou autorizações relativas às operações
urbanísticas subsequentes - edificação e utilização (artigo 24.°, n.° 3, e artigo 31.°, n.° 5,
respectivamente) e não pode ser emitido o alvará de autorização de obras de construção
situadas em área loteada antes da recepção provisória ou, pelo menos, da exibição de
declaração municipal que ateste a suficiência da caução (artigo 57.°, n.° 4).

c) O titular de licença ou de autorização, assim como o administrado que, em tempo,


comunicou previamente operação urbanística sem oposição municipal, têm o dever de
observar estritamente o projecto de arquitectura, a memória descritiva e os projectos das
especialidades a que se auto-vincularam, assim como as condições que tenham sido
impostas nas consultas externas ou pelo próprio município com o deferimento.
Os trabalhos desenvolvidos contra a licença ou contra a autorização e os trabalhos a
mais ou eventualmente a menos serão tratados como operação parcialmente clandestina,
sujeita por isso a responsabilidade contra-ordenacional e às medidas de polícia
administrativa que se justifiquem.
E se não houver divisibilidade do resultado, toda a obra poderá ficar comprometida pelo
facto de o titular da licença ter agido contra ou praeter.
A licença e a autorização constituem o fundamento, mas também o limite para a
legalidade da operação. De um certo modo, o particular como que fica obrigado ao princípio
da legalidade administrativa, devendo agir em conformidade e não apenas em
compatibilidade com os termos e condições da licença ou da autorização.
É certo que o particular pode vir a requerer alterações à licença ou à autorização, mas
tem de fazê-lo antes de iniciar as obras ou trabalhos respectivos (artigo 27.°, n.° 1, e artigo
33.°, n.° 1). Algumas alterações, consideradas de menor repercussão urbanística
beneficiam de um regime procedimental privilegiado (artigo 21°, n.os 8 e 9).
Aquelas alterações que, por natureza, não extrapolem os limites da comunicação prévia
(artigos 34.° e segs.), essas podem mesmo produzir-se no decurso dos trabalhos, desde
que observadas as formalidades e o tempo próprios da comunicação prévia (artigo 83.°, n.°
1) e contanto que não venham a bulir com a apreciação do requerimento para a autorização
ou licença de utilização (artigo 83.°, n.° 2).

Depois deste regime apertado, pode parecer um assinalável ponto de fuga a previsão
no artigo 83.°, n.° 3, de ampliações ou de alterações admitida no decurso dos trabalhos.
Isto, por parecer tratar-se de uma excepção bastante lata ao princípio da precedência das
alterações. Contudo, há-de observar-se que a letra deste preceito deixa claro cingir-se a
vicissitudes de implantação, o que exclui áreas de construção, volumetrias, cérceas e outras
alterações substanciais que a contrario sensu importam um novo licenciamento, sujeito ao
enquadramento normativo superveniente. E o facto de se tolerar um procedimento expedito
para ampliações e outras alterações da implantação não quer dizer que não possa e não
deva haver lugar ao seu indeferimento, na hipótese de violarem qualquer um dos
parâmetros que condicionem a implantação (servidões administrativas, alvará de
loteamento, regras imperativas sobre afastamento entre as edificações ou sobre segurança
contra o risco de incêndio) .

d) O facto de o controlo urbanístico municipal não ser exaustivo nem por isso exime o
dono da obra, seu preposto ou comissário de observar as demais normas legais e
regulamentares e respeitar os direitos de terceiros (artigo 4.º do RGEU). Na verdade, e
porque nem todas as normas legais e regulamentares podem constituir parâmetro para a
apreciação dos projectos e para o deferimento das licenças de construção — algumas por
serem de direito privado, outras por serem garantidas pelo termo de responsabilidade dos
técnicos (artigo 20.°, n.° 8) e outras ainda por exorbitarem das atribuições municipais — é
de concluir que o controlo administrativo prévio sobre a generalidade das operações
urbanísticas é circunscrito. Nomeadamente, sobre as operações que importem um outro
licenciamento, a acrescer ao licenciamento municipal, como é o caso das que sejam
executadas na zona de protecção de estradas nacionais, não pode o interessado justificar-

143
se com o facto de ter obtido uma licença ou autorização do município, pois este acto não é
universal, no campo urbanístico.
Esta importante disposição, reveladora da natureza jurídica da licença e da autorização
como actos jurídico-públicos de controlo, tem um sentido precioso. Uma e outra são actos
administrativos permissivos que se limitam a remover um impedimento de ordem pública ao
desenvolvimento de uma actividade e à concretização de um certo resultado
Assim, no artigo 4.° do RGEU, por um lado, afirma-se a inoponibilidade da licença
urbanística a terceiros para o efeito de dirimir conflitos emergentes de relações de direito
privado. Em segundo lugar, mostra-se bem que a licença não obriga o interessado a agir
desta ou de outra forma, sabendo que com o seu comportamento vai produzir lesão nos
direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros. Por conseguinte, de nada lhe vale
escudar-se na licença ou na autorização para imputar sobre o município eventuais danos a
que a operação urbanística dê lugar. A licença e a autorização permitem mas não obrigam.
De modo algum podem ser qualificadas como actos injuntivos, salvo quando sejam
unilateralmente impostas condições (artigo 57.°, n.° 1) pela autoridade municipal ou pelas
intervenções procedimentais externas vinculativas.
No mais, os municípios não podem ter a seu cargo um dever de vigilância sobre o
cumprimento das disposições legais e regulamentares próprias capaz de transpor para a
sua esfera uma presunção de culpa in vigilando análoga à do artigo 491.° do Código Civil
para aqueles que tenham uma especial incumbência de vigiar pessoas naturalmente
incapazes.
Diferente é a situação de o órgão municipal competente ter deixado de indeferir certo e
determinado pedido, por se mostrar contrário a uma norma aplicável. Aqui, podem e devem
ser-lhe imputados prejuízos a título de responsabilidade civil extracontratual por omissão,
tratando-se de um poder tendencialmente vinculado (artigo 486.° do Código Civil), mas
ainda assim sem embargo da concorrência de imputação do dano ao dono da obra e aos
técnicos responsáveis, pois não se vê como possa a omissão interromper o nexo causal
nem a imputação objectiva.
Diferente é ainda a situação das condições impostas unilateralmente pela câmara
municipal (artigos 43.° e 44.° para as operações de loteamento, artigo 53.°, n.° 1, alínea a),
para as obras de urbanização, artigo 57.°, n.° 1, para as obras de edificação — por sua
iniciativa ou, enunciadas nos pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações externos).
Repare-se que, no caso das obras de edificação, esta faculdade é relativamente
circunscrita — à licença ou autorização das obras de construção, de ampliação ou de
alteração em área abrangida ou não por operação de loteamento ou por plano de pormenor
qualificado (artigo 4.°, n.° 2, alínea c), e n.° 3, alínea c)), das obras de reconstrução, todas
elas artigo 4º , nº 2, alínea d), e n.° 3, alínea d)), das obras de demolição, sem mais, todas
elas (artigo 4.°, n ° 3, alínea e)) das obras de alteração <te edifícios classificados ou em vias
de classificação (artigo 4.°, n.° 2, alínea d)). Só nestes casos, podem as câmaras
municipais impor condições à execução dos trabalhos.
A ilicitude e a culpa por imposição de condições abusivas, ou da sua falta de acordo
com deveres de boa administração (artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 48.051, de 21 de
Novembro de 1967) podem constituir o município no dever de indemnizar terceiros, mas
sem esquecer que o requerente as aceitou ao requerer a emissão do alvará.
Repare-se que a câmara municipal tem ainda acrescidas limitações dispositivas ao nível
das condições de segurança para a circulação na via pública. A câmara municipal não pode
livremente estipular condições. Pode apenas indeferir as propostas apresentadas pelo
requerente e desde que estribada em violação de preceito legal e regulamentar (artigo 57°,
n.°. 2). Por seu turno, no caso de actos formados tacitamente, as condições a impor em
obras de edificação limitam-se às da iniciativa do interessado (artigo 57º, n.° 3).

e) A conservação do livro de obra (artigo 97.°) é um dos deveres formais que recai
sobre o titular do alvará. Formal porque constitui ura dever de mera actividade: o
preenchimento regular e sistemático do livro de obra § a sua permanente acessibilidade, no
local da obra, para consulta pelos serviços de fiscalização. Este dever recai, bem assim,

144
sobre o director técnico da obra, nos termos que já puderam ser passados em revista supra.
O dever de presença regular do director técnico da obra (artigo 71°, n.° 4, alínea b))
constitui garantia da conservação do livro de obra. Assim, não é possível opor a ausência
do director como motivo para explicar a falta do livro de obra, o seu inexacto ou atrasado
preenchimento.
Para além da responsabilidade contra-ordenacional (artigo 98°, n.° 1, alíneas l) e m)) o
livro de obra e o incumprimento ou o cumprimento imperfeito e intempestivo do seu
preenchimento têm consequências desfavoráveis para o dono da obra, na medida em que
abona no sentido da presunção de abandono da obra, para efeito de caducidade das
licenças ou autorizações. Com efeito, um dos motivos de caducidade é, de acordo com o
disposto no artigo 71.°, n.° 3, alínea c), o abandono da obra por período superior a seis
meses. O ónus da prova recai sobre o órgão de controlo, mas inverte-se na hipótese de o
livro de obra se mostrar omisso quanto ao motivo justificativo da suspensão dos trabalhos.
Quer isto dizer que o que não estiver registado no livro não é oponível ao município quando
se trate de declarar a caducidade da licença ou da autorização.

f) Outro importantíssimo conjunto de deveres é o que resulta das necessidades de


segurança, higiene e saúde no trabalho em estaleiros de construção. Transpondo a
Directiva n.° 92/57/CEE, de 24 de Junho,
o Decreto-Lei n.° 273/2003, de 29 de Outubro, veio estabelecer o dever de apresentação de
um projecto de saúde e segurança nos estaleiros (artigo 5.°) o qual deve conter
especificações agravadas no caso de trabalhos de construção civil ou de obras públicas que
compreendam algum dos riscos especiais enunciados no artigo 7.° Na falta de regulamento
de execução, mantêm-se em vigor transitoriamente o Regulamento de Segurança no
Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.° 41 821, de 11 de Agosto de 1958,
e a Portaria n.° 101/96, de 3 de Abril.
Por seu turno, continua a aplicar-se, neste domínio o Regulamento Geral das
Edificações Urbanas (artigos 135.° e segs.). As suas normas disciplinam ainda a segurança
para terceiros exteriores à obra, nomeadamente, transeuntes, relevando também o Decreto
Regulamentar n.° 22-A/98, de 1 de Outubro, que contém normas de sinalização temporária
de obras e obstáculos na via pública.

g) A limpeza da área sujeita à intervenção do promotor de uma operação urbanística, a


começar pela remoção dos entulhos (artigo 86.°, n.° 1) é frequentemente deixada por levar
a cabo e em pouco tempo se dilui a imputação entre o dono da obra, o empreiteiro, os
subempreiteiros | os adquirentes. O dano é para o interesse público na salubridade e na
estética urbana, especialmente, para os moradores das imediações, depois de, não raras
vezes, terem tido de suportar com elevado sacrifício o decurso dos trabalhos, o ruído e a
incomodidade de poeiras, condicionamentos do trânsito e presença continuada de
estaleiros. Daí, a imposição do dever de repor os terrenos circundantes no estado em que
se encontravam.
Este dever estende-se à reparação dos estragos produzidos em infra-estruturas
públicas, tais como as redes de saneamento, os pavimentos, a iluminação pública — bens
do domínio público ou do domínio privado das pessoas colectivas públicas, cuja exploração
se encontre concessionada ou não. Mas não mais. A imposição pela câmara municipal
deste dever de reparação só pode admitir-se em nome da prevalência do interesse público,
fundamento da auto-tutela declarativa e executiva da Administração Pública. A definição
unilateral deste dever de reparação, imparcial mas não neutralmente — sem prejuízo da
ulterior garantia de impugnação — tem de conter-se à presença de um interesse público
concreto ou, de outro modo, limitar-se-ia à composição de um conflito de interesses, ao fim
da paz social, invadindo a reserva constitucional da jurisdição aos tribunais, como já houve
oportunidade de referir supra.
O incumprimento deste dever tem como sanção compulsória uma série de
impedimentos que inviabilizam o aproveitamento da actividade da operação urbanística: o
resultado. Assim, e de acordo com o artigo 86.°, n.° 2, o não cumprimento destes deveres

145
acessórios impede o deferimento da licença ou autorização de utilização, como impede, no
caso de obras de urbanização, a sua recepção definitiva. Por outro lado, constitui infracção
contra-ordenacional punida com coima (artigo 98. n.° 1, alínea n)).

2. OBRIGAÇÕES DE PATIENDI

Em primeiro lugar, o promotor e os seus comissários têm o dever de submeter as


operações urbanísticas em curso à fiscalização municipal — pelas polícias municipais ou
por funcionários de inspecção — actividade que a lei permite conceder a empresas
privadas, nos termos a regulamentar (artigo 94.°, n.° 6). É duvidosa a conformidade cons-
titucional deste meio de privatização de serviços de polícia administrativa, compreendendo
o exercício de poderes de autoridade. Falta a tais unidades privadas o dever de obediência
sem o que se perde a unidade da Administração Pública e faltam-lhes funcionários ou
agentes sujeitos ao estatuto da função pública, particularmente restritivo, no campo
disciplinar e na salvaguarda da isenção e imparcialidade.
A fiscalização, de acordo cora o artigo 93.°, n.° 2, obedece a dois propósitos — um de
garantia da legalidade, observando o cumprimento dos termos da licença ou da autorização
na actividade desenvolvida; outro de garantia imediata do interesse público, no sentido de
«prevenir perigos que da sua realização possam resultar para a saúde e segurança das
pessoas».
A fiscalização é operada por consulta ao livro de obra (artigo 97.°, n.° 1) por inspecções
executadas oficiosamente, sob denúncia ou participação I sem aviso prévio (artigo 95.°, n.°
1) ou por vistorias, as quais reclamam a aplicação de conhecimentos específicos de
engenharia ou de arquitectura, por exemplo, mediante aviso do interessado (n.° 2) o qual
dispõe da faculdade de designar um vogal para a comissão ad hoc, juntamente com os três
técnicos a designar pela câmara municipal (n.° 1) e da faculdade de formular quesitos (n.°
3) cuja resposta há-de constar do auto.
Da fiscalização poderá vir a resultar a aplicação de medidas de polícia urbanística, seja
com base num perigo abstracto — indiciado por facto ilícito — seja com base num perigo
concreto, como no caso de ruína iminente ou grave perigo para a segurança e saúde
públicas.

3. SUJEIÇÕES

O titular de um direito ou de um interesse legalmente protegido por licença, autorização,


dispensa ou comunicação prévia não obstada beneficia, como é próprio de um Estado de
direito, de garantias de alguma estabilidade e confiança. E é neste pressuposto que
contrairá encargos, fará despesas e contará com os lucros do investimento promovido.
Todavia, tais situações jurídicas podem sofrer vicissitudes determinadas, antes de mais,
pelo princípio da legalidade administrativa. Se está interdita a revogação por mérito ou por
conveniência, já a revogação de actos ilegais pode ter lugar, nos termos próprios da
revogação de actos constitutivos de direitos (artigo 73.°, n.° 1).
Remete-se, pois, para o disposto no artigo 141.° do CPA, que deve ser hoje entendido
como remissão, por sua vez, para o prazo de propositura da acção administrativa especial.
Prazo mais dilatado (artigo 141.°, n.° 2) que é o de um ano (para o Ministério Público) de
acordo com o artigo 58.°, n.° 2, alínea a) do CPTA.
Há uma excepção, porém, de acordo com o artigo 73.º, n.° 2, do RJUE — a licença ou
autorização não cumpridas pelo seu titular e que, por esse motivo, tenham visto suspensa a
eficácia com o embargo dos trabalhos, podem ser revogadas até seis meses depois de
esgotado o prazo concedido, nos termos do artigo 105.°, n.° 1, para execução de trabalhos
de correcção ou de alteração.
Sem margem para dúvidas, a revogação deve ser fundamentada (aitigo 124.°, n.° 1,
alínea e), do CPA) e precedida por audiência dos interessados (artigo 100.°, n.° 1).
O titular de licença ou de autorização pode ainda ver o acto atingido por anulação
contenciosa, por declaração de nulidade, de inexistência ou de caducidade.

146
4. ÓNUS

A promoção de operações urbanísticas comporta vários ónus para o interessado, a


começar pela necessidade de sujeitar a actividade e o resultado a um controlo
administrativo específico — a licença ou autorização da generalidade das operações, sem o
que não pode executar os trabalhos nem obter a licença ou autorização de utilização, para
além da recepção, no caso das obras de urbanização.
No seu interesse, como contrapartida de uma actividade que é relativamente
condicionada, o interessado tem, pois, o ónus de especificar no requerimento inicial, nos
projectos e termos de responsabilidade, aquilo que pretende levar a cabo.
Obtida a licença ou a autorização, o particular terá de pagar as pertinentes taxas
urbanísticas, a calcular pelo presidente da câmara municipal (artigo 117.°, n.° 1) pois. de
outro modo, ser-lhe-á recusada a emissão do alvará, o qual é, por seu turno, condição de
eficácia de licença ou da autorização (artigo 74.°, n.° 2).
Para além das taxas de natureza emolumentar, como são as devidas pelo
processamento do alvará (artigo 6.°, alínea b), da Lei n.° 53-E/2006, de 29 de Dezembro),
avulta a taxa por realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas (artigo
6.°, alínea a)).

Embora a generalidade das obras de edificação não importe trabalhos de urbanização,


o certo é que a actividade edificatória e o seu resultado terão decerto um impacte nas infra-
estruturas urbanísticas que servem o local: rede de esgotos, rede de abastecimento de
água, arruamentos, preservação das zonas verdes circundantes, equipamentos colectivos.
É justo, por conseguinte, que o interessado participe nos custos adicionais que o
município terá de enfrentar com o acréscimo da concentração de pessoas e bens. Mas o
que garante a sua consignação a este fim?
As taxas urbanísticas nada possuem que as diferencie das demais taxas e, por
conseguinte, compreendem um nexo sinalagmático entre a utilidade proporcionada pelo
órgão ou serviço público e a despesa liquidada.
Não podem ser desviadas deste seu fim e natureza, por exemplo, para objectivos
compulsórios, de prevenção ou sancionatórios. Nem muito menos podem esconder
verdadeiros impostos, cuja criação se encontra reservada ao legislador (artigo 103.°, n.° 3,
da Constituição). Neste sentido, pronunciou-se o Provedor de Justiça, ao recomendar a seis
municípios que alterassem as respectivas normas regulamentares de taxas na parte em que
previam agravamentos para o caso de legalização de operações urbanísticas. Isto, depois
de sublinhar que a sanção, essa, há-de resultar da aplicação de coima e de eventual
sanção acessória, mas não da taxa. Esta tem de ser, por natureza, igual à taxa a liquidar no
licenciamento ou na autorização, pois o que o procedimento pesa na actividade admi-
nistrativa do município não é certamente mais do que o seria a priori.
No que toca 1 consignação das receitas ao reforço de infra-estruturas, o legislador
procurou, de certo modo, estabelecer uma garantia através de um específico dever de
fundamentação dos projectos de regulamentos das taxas pela realização, manutenção e
reforço de infra-estruturas. Assim, no artigo 116.º, n.° 5, impõe-se que o projecto
regulamentar seja acompanhado dos critérios de cálculo, considerando «o programa
plurianual de investimentos municipais na execução, manutenção e reforço das infra-
estruturas gerais, que pode ser definido por áreas geográficas diferenciadas» e a
«diferenciação das taxas aplicáveis em função dos usos e tipologias das edificações e,
eventualmente, da respectiva localização e correspondentes infra-estruturas locais».
No mais, já em outros pontos, foram tratados os ónus específicos a que podem
subordinar-se as operações de loteamento urbano (cedências, afectação de espaços ao
uso colectivo ou compensações e obras de urbanização) como também as obrigações de
facere que podem condicionar o licenciamento de obras de edificação, seja por comporta-
rem uma sobrecarga excessiva para as infra-estruturas ou para os serviços gerais
existentes (ou que impliquem, mesmo, a sua criação) seja por carecerem de trabalhos de

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correcção ou alteração de ordem estética na área envolvente (artigo 25.°, n.° 1).
Estas condições, note-se, seriam excessivas se fossem cumuladas com o pagamento
de taxas pelo mesmo valor. Por isso, o requerente beneficiará justamente de uma redução
proporcional no valor das taxas a liquidar, de acordo com o que for definido em regulamento
municipal (artigo 25®, n.° 3). Na falta deste regulamento, porque a norma se mostra
inexequível por si mesma, o interessado poderá reclamar do município a restituição do
locupletamente indevido, quanto mais não seja, invocando o enriquecimento sem causa.

5. DIREITOS

a) de informação

A informação urbanística ao dispor dos particulares é especialmente contingente, motivo


por que se mostra de extrema importância assegurar que, sob iniciativa dos interessados,
lhes seja dado a conhecer tudo o que têm direito a saber, quer enquanto titulares de direitos
e interesses privados, nomeadamente, sobre o aproveitamento edifica- tório dos imóveis
que possuam, quer a título de participação política e administrativa, no exercício da acção
procedimental administrativa (Lei n.° 83/95, de 31 de Agosto) ou de outros direitos de
informação. A informação é condição da participação política e administrativa, é condição
de acesso aos tribunais e a outros meios de defesa dos direitos e é condição de
convergência entre o interesse público e os interesses legítimos dos particulares —
convergência essa que podemos designar como interesse geral.
As razões do défice informativo em desfavor dos particulares são plúrimas: desde a
volatilidade dos instrumentos de gestão territorial, das leis e regulamentos aplicáveis à
elevada complexidade técnica das suas disposições, passando pelas questões suscitadas
na consulta de peças desenhadas ou cartografadas — nem sempre em escalas legíveis.
Para obviar a muitos destes inconvenientes, o RJUE determina no artigo 119.°, n.° 1, o
dever de os municípios inventariarem e manterem actualizada uma relação «dos
instrumentos de gestão territorial e restrições de utilidade pública especialmente aplicáveis
na área do município». Por outro lado, encontra-se incumbido o Govemo de fazer publicar a
relação das disposições legais e regulamentares a observar pelos técnicos responsáveis
dos projectos de obras e sua execução (artigo 123.°). Trata-se, em ambos os casos, de
informação que deve partir da iniciativa pública ao encontro dos possíveis interessados.
No artigo 110.°, n.° 1, alínea a), do RJUE, encontra-se previsto um direito genérico de
informação que assiste a qualquer interessado — o de ser informado pelas câmaras
municipais «sobre os instrumentos de desenvolvimento e planeamento territorial em vigor
para determinada área do município, bem como as demais condições gerais a que devem
obedecer as operações urbanísticas». Seja o promotor de uma operação seja o opositor,
ambos têm o direito de conhecer as condições gerais e abstractas que limitam o
aproveitamento urbanístico num preciso local do território. Se dúvidas houvesse quanto à
extensão do conceito de interessado, para este efeito, seriam dissipadas pelo n.° 6 — basta
a invocação de um interesse legítimo no conhecimento dos elementos (a condição de
proximidade, de vizinho urbanístico) bastando, para a defesa dos interesses difusos
enunciados no artigo 52.°, n.° 3, da Constituição, fazer prova da qualidade de eleitor ou do
objecto da associação representada, como associação de promoção e defesa de tais
interesses. Em qualquer caso, o interesse terá de ser legítimo, ou seja, não contrário à boa
fé. Ficam afastados os interesses com- provadamente abusivos, contrários à própria razão
de ser do direito em questão — um direito acessório ou instrumental para defesa de direitos
e interesses legalmente protegidos. Assim, a Administração Pública tem de encontrar-se
defendida contra requerimentos meramente dilatórios ou desprovidos de sentido útil, como
contra reiterados pedidos de informação sobre um determinado expediente que não sofreu
evolução alguma. Não é de excluir que durante os quinze dias de que dispõe para informar
— contados de acordo com o artigo 72°, n.° 1, do CPA — o serviço se recuse a atender a
outros pedidos de informação idênticos, remetendo para a informação a editar.
Esta informação é de natureza anteprocedimental ou extra-procedimental e, por

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conseguinte, não deve confundir-se com a informação requerida sobre elementos do
processo instrutor, uma vez iniciado o procedimento administrativo. Aqui dispõe o mesmo
artigo 110.°, n.° 1, na sua alínea b) — «sobre o estado e andamento dos processos que
lhes digam directamente respeito, com especificação dos actos já praticados e do res-
pectivo conteúdo e daqueles que ainda devam sê-lo, bem como dos prazos aplicáveis a
estes últimos». Tal informação é especialmente qualificada na forma, pois o n.° 3 prevê o
direito a obter cópias de documentos e certidões, o que já decorria porém da lei geral. O
prazo para prestar a informação requerida — quinze dias (n.° 2) é mais dilatado do que o
prazo comum do Código do Procedimento Administrativo, mas não para obtenção de certi-
dões ou simples reprodução de documentos (dez dias, de acordo com o n.° 4). Vale aqui
naturalmente o disposto na Lei sobre Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.°
65/93, de 26 de Agosto) e o acesso à Comissão instituída para o efeito, como autoridade
administrativa independente na órbita da Assembleia da República.
Certidões e fotocópias de documentos administrativos devem ser pagas, o que não
constitui uma excepção ao princípio da gratituidade, sem prejuízo da isenção total ou parcial
por comprovada insuficiência económica do interessado (artigo 11.°, n.° 2, do CPA), pois
este princípio reporta-se à actividade administrativa corrente desenvolvida estrita e
directamente no interesse público. A emissão de certidões ou a reprodução de documentos
na posse dos serviços tem um custo para o erário público que é justo seja o interessado a
suportar e, como tal, o despacho n.° 8.617/2002, de 3 de Maio, fixa os valores a pagar, a
título de preço administrativo, o que não serve senão de indicador para cada um dos
municípios.
Pelas informações prestadas podem os municípios vir a responder civilmente, de acordo
com o artigo 485.°, n.° 2, do Código Civil, não afastado pelo regime jurídico da
responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública. Isto, porque os seus
órgãos têm o dever específico de prestar a informação. Já não por conselhos ou recomen-
dações dos funcionários ou agentes que o administrado siga, pois o dever de garantia
resultante do artigo 110.°, n.° 1, cinge-se à informação. Todavia, mister é que a informação
cujo teor erróneo lesou o administrado tenha sido obtida por escrito (artigo 7.°, n.° 2, do
CPA).

b) da informação prévia, em especial

Bem diferente é a informação prévia regulada nos artigos 14.° e segs. do RJUE,
especialmente quando favorável. Não se limita a uma natureza informativa, antes possui
natureza constitutiva, pois faculta ao requerente um interesse legalmente protegido num
determinado aproveitamento urbanístico do lote ou da parcela que se encontra na sua
posse. Já não se trata de uma informação genérica que revela as limitações positivas ou
negativas impostas para um dado local. Ao invés, vem definir pela positiva um determinado
gozo do imóvel. A sua extensão varia em consonância com o pedido apresentado pelo
requerente: quanto mais especificado for o pedido de informação prévia, maior a vinculação
dos órgãos de controlo urbanístico na apreciação de um pedido de licença ou de
autorização que vier a ser apresentado em conformidade, no prazo de um ano (218).
A informação prévia parece preencher o conceito legal de acto administrativo: decisão
ou deliberação por aplicação de normas de direito público visando produzir efeitos numa
situação individual e concreta (artigo 120.° do CPA). É certo que não se trata de um acto
materialmente definitivo, pois a informação prévia esgota-se enquanto pressuposto de um
outro procedimento administrativo. Por si, não permite ao interessado desenvolver a ope-
ração urbanística. Investe-o, isso sim, no interesse legalmente protegido a não ver
indeferido um pedido de licença ou de autorização, salvo por desconformidade com o teor
da informação prévia.
Desta sorte, a revogação de uma informação prévia positiva só pode ter lugar por
invalidade, na falta de anuência do interessado. Deve ser fundamentada e precedida da
audiência dos interessados, como é próprio dos actos constitutivos de direitos e de
interesses legalmente protegidos.

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(218) Contado a partir do momento em que se toma eficaz perante o requerente, ou seja, por
negra, com a notificação deste. Se porventura a notificação deste não se mostrar possível, deve o
órgão municipal valer-se das demais formas de publicidade previstas no Código do Procedimento
Administrativo: afixação de editais ou sua publicação no boletim oficial do município. De outro modo,
o requerente poderia encontrar vantagem abusiva no decurso do tempo, antes da informação prévia
se tomar eficaz. Acrescem ainda as causas de extinção do procedimento administrativo por
caducidade — deserção, inutilidade superveniente ou não pagamento de taxas ou despesas por
liquidar (artigos 111 .º e segs. do CPA).

Ao interessado, a informação prévia favorável concede-lhe, pelo menos, cinco


vantagens:

i) poupa-o a despesas desaproveitadas, pois ao conhecer da viabilidade da operação,


adquire confiança legítima no resultado dos custos com a instrução do pedido (projecto
de arquitectura, levantamentos topográficos, estudos de viabilidade económica), uma
vez que a informação prévia favorável vincula o município durante um ano (artigo 17.°,
n.° 1) na maior ou menor extensão do requerimento e das especificações urbanísticas e
construtivas nele enunciadas (artigo 14.°, n.° 2), seja contra vicissitudes dos planos, seja
contra diferentes apreciações de base autónoma (discricionariedade, qualificação
segundo conceitos indeterminados);
ii) antecipa as consultas externas, previstas nos artigos 19°e 37.°, no todo ou em parte
(artigo 17.°, n.° 2);
iii) reduz para metade os prazos para decisão/deliberação no procedimento de licença ou de
autorização (artigo 17.°, n.° 3);
iv) exclui a operação da suspensão obrigatória do deferimento de licenças e autorizações
por ocasião da discussão pública das iniciativas de revisão dos planos directamente
vinculativos dos particulares (artigo 13.° e artigo 17.°, n.° 4);
v) permite-lhe antecipar o início dos trabalhos preliminares de demolição, escavação e
contenção periférica, logo que ultrapassada positivamente a fase do saneamento do
pedido de licença ou de autorização da operação urbanística (artigo 81.°, n.° 1).
c) de decisão
O direito a obter uma decisão, positiva ou negativa, em tempo razoável resulta do direito
administrativo geral, nomeadamente do disposto no artigo 9°, n.° 1, do CPA, mas aàquire
especial notoriedade no direito da urbanização e da edificação — seja no requerimento de
uma licença ou de uma autorização, no pedido de informação prévia ou na prolacção de um
parecer obrigatório.
O atraso injustificado constitui um pesado sacrifício para o promotor que, estando em
condições de iniciar o aproveitamento urbanístico de um bem que lhe pertence ou que, pelo
menos, possui, se vê confrontado com uma restrição efectiva na liberdade de empreender
que o artigo 61.°, n.° 1, da Constituição, protege. São investimentos cada vez mais
tardiamente amortizados, são encargos assumidos na preparação dos projectos e na
angariação de meios destinados a levar a bom porto a operação cuja licença ou autorização
foram diligentemente requeridas. A margem ficam pois as situações, não raras também, de
os proverbiais atrasos na instrução procedimental se deverem a insuficiências imputáveis
ao próprio requerente e aos técnicos responsáveis, seus prepostos ou comitidos.
E, por outro lado, a função social desses mesmos bens que pode ver-se comprometida,
seja para prover ao direito a uma habitação condigna (artigo 65.º, n.° 1, da Constituição),
seja para defender imóveis de relevante interesse cultural (artigo 78.°, n.° 1). A
extemporaneidade arbitrária das decisões — finais ou intercalares — desvirtua as
condições de livre concorrência, favorece quebras da imparcialidade administrativa e pode
justificar a obrigação pública de reparar prejuízos, recaindo sobre as finanças públicas e
sobre os contribuintes, em geral.
No mais, a inércia do órgão no exercício da sua competência é contrária ao princípio da

150
prossecução eficiente do interesse público (artigos 266.® e 267.° da Constituição), até
porque as operações urbanísticas, muito em particular, as obras de urbanização e todas as
que contribuam para a recuperação, para a reconversão ou para a reabilitação do
património edificado constituem formas de execução dos instrumentos de gestão territorial.
As actividades de urbanização e de edificação não são apenas manifestações da liberdade
dos seus promotores. Representam a convergência com o interesse público endereçado
pelos poderes públicos aos programas de gestão do território.
Ao longo dos sucessivos regimes jurídicos, diferentes foram as soluções encontradas
pelo legislador no sentido de obtemperar a demora dos órgãos e serviços competentes,
divisando-se, no essencial, duas perspectivas. A primeira, de protecção primordial do
interesse público, garantindo embora o acesso dos interessados à jurisdição, levou a
presumir o indeferimento tácito do silêncio administrativo, criando destarte o pressuposto
processual necessário à intervenção dos tribunais administrativos, segundo o modelo
tradicional. A segunda, de feição subjectivista, preocupada sobretudo com o requerente — o
deferimento tácito — permitindo-lhe tomar a inércia do órgão competente como título
bastante para remover os impedimentos legais e regulamentares ao início dos trabalhos.
O Decreto-Lei n.° 166/70, de 15 de Abril, optaria marcadamente por privilegiar esta
última, logrando porém um resultado indesejado e que veio a assumir proporções
alarmantes. Assim, no artigo 13° determinava-se a presunção de deferimento tácito após 45
dias para a autorização de localização (artigo 12°, n.° 1, alínea a)), de 60 dias para o
licenciamento de novas edificações, reconstruções, ampliações ou alterações estruturais
(alínea b)), acrescidos de mais trinta, no caso de edificações de carácter industrial ou de
utilização colectiva (alínea c)) e 30 dias, no mais (alínea d)).
E como pudesse o deferimento tácito, por si, não permitir o início dos trabalhos — sem a
emissão do alvará — proibia-se a sua recusa, desde que liquidadas as taxas devidas (artigo
13°, n.° 2).
Em contraste com a regra geral do artigo 346.°, § 1 °, do Código Administrativo, o direito
de edificação constituía uma opção singular pelo valor positivo da inércia, de par com o
direito dos loteamentos (artigo 2.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 46.673).
Desde logo se suscitou a questão de saber se — produzido o efeito de deferimento
tácito — poderia o órgão competente emendar a mão, revogando-o ou modificando-o.
Como dá conta JOSÉ OSVALDO GOMES, tudo está em saber se o efeito tácito consiste num
verdadeiro e próprio acto administrativo (MARCELLO CAETANO) ou simplesmente um
pressuposto processual necessário para um modelo de contencioso administrativo de tipo
francês — de controlo feito a um acto (ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA).
Parece evidente que o deferimento tácito não serviria apenas os propósitos de uma
ficção processual. Permitia dar início à execução das obras particulares consignadas no
projecto de arquitectura apresentado. Trata-se, sem dúvida, de um acto constitutivo de
direitos, mas que nem por isso deixa de poder ser revogado, declarado nulo ou caducado,
reformado, ratificado ou convertido, nos termos gerais. Como nem por isso deixa de poder
ser impugnado graciosa ou contenciosamente por terceiros ou pelo Ministério Público.
A progressão de deferimentos tácitos contrários à lei, lesivos do interesse público e
prejudicando terceiros, justificou preocupações da parte das associações de defesa do
ambiente e do património cultural. Ao silêncio da Administração Pública vinha juntar-se o
silêncio do requerente, de modo a que a irrevogabilidade e a inimpugnabilidade de licenças
anuláveis consolidassem firmemente a sua posição. E isto, tanto mais, recorde-se, quanto a
nulidade como valor jurídico negativo, surgia como uma excepção raríssima. Adquiriria um
valor inestimável a tese sustentada pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da
República, e seguida maioritariamente pela jurisprudência, de tratar o licenciamento de
construções desconformes com a regra de uma operação de loteamento enquanto pre-
terição de uma formalidade essencial fulminada expressamente pela nulidade — o parecer
obrigatório da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e, mais tarde, das comissões de
coordenação regional para introduzir modificações às especificações do alvará de
loteamento.
Já o Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro (artigos 61.° e 62.°), e o Decreto-Lei n.°

151
448/91, de 29 de Novembro (artigos 67.° e 68.°), revelariam uma tímida preocupação com o
excesso garantístico a que se tinha chegado, com resultados à vista na paisagem e com o
efeito, não menos pernicioso, de gerar um crescente sentimento colectivo de impunidade
por infracção à disciplina pública da actividade edificatória. Mas, por outro lado, reforçava-se
a posição do requerente, habilitando-o com um específico instrumento contencioso
destinado a obter a intimação do órgão para emitir o alvará. Outro tanto valia para os
pareceres, autorizações e aprovações interadministrativos (artigos 35.°, n.° 7, e 12.°, n.° 8,
respectivamente).
Aparentemente, o Código do Procedimento Administrativo, entrado em vigor a 15-05-
1992, viera erigir o deferimento tácito em efeito paradigmático do decurso do tempo sem
decisão ou deliberação do órgão competente (artigo 108.°, n.os 1 e 3). Mas só
aparentemente, pois o enunciado taxativo das previsões de deferimento tácito (artigo 108.°,
n.° 3) faz com que, por princípio, o efeito do silêncio seja o de presumir-se o indeferimento
tácito (artigo 109.°, n.° 1).
De modo muito imperfeito, aquele enunciado reportava-se, é certo, ao licenciamento de
obras particulares (alínea a)) e a alvarás de loteamento (alínea b)).

Embora, hoje, com a reforma do contencioso administrativo, tenda a relativizar-se o


papel do indeferimento tácito perante a faculdade de os tribunais condenarem na prática de
acto devido (artigos 66.° e segs. do CPTA) — consumindo a anulação do indeferimento
tácito — o certo é que este instituto continua a relevar no mundo da impugnação graciosa,
nomeadamente para efeitos de recurso hierárquico, e principalmente, para efeito de
aquilatar da licitude ou ilicitude da actividade desenvolvida pelo administrado, requerida
licença e transcorrido o prazo legal ou regulamentar. O particular, embora tenha hoje uma
arma muito mais eficaz para prontamente obter uma decisão administrativa, continua a ter
de presumir como indeferida a sua pretensão, pelo menos até que o tribunal administrativo
se pronuncie.
Com o RJUE, a intimação para a emissão de alvará viria a dar lugar a uma acção
administrativa especial para a condenação na prática de acto devido. Deixa de presumir-se
o deferimento do pedido de licença para apenas se ficcionar um pressuposto objectivo
necessário da intervenção dos tribunais administratívos (artigo 112º). O particular vê
alargada em extensão a sua garantia — pode requerer ao tribunal administrativo e fiscal,
não apenas a intimação para a deliberação final ou para a emissão do alvará (artigo 62.°,
n.° 1, do anterior regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de
Novembro), como também para requerer a condenação do órgão municipal na prática de
outros actos devidos no procedimento, designadamente a aprovação do projecto de
arquitectura (artigo 112.°, n.os 1 e 10, do RJUE).
Mas o tribunal não tem de presumir o deferimento. E aqui reside uma inovação
fundamental. Ao invés, o tribunal estipulará um termo certo para que o órgão competente
decida ou delibere (artigo 112.°, n.° 6) e só depois de esgotado este tempo pode o
interessado prevalecer-se da presunção de deferimento tácito e beneficiar dos meios
consagrados no artigo 113.°
Já para o caso das autorizações, se a presunção pode parecer imediata (artigo 113.°,
n.° 1) ela não deixa de passar pelo reconhecimento judicial.
Ao cabo e ao resto, só depois de liquidado o pagamento das taxas (art. 113º/2) e obtido
alvará ou decisão judicial de efeito equivalente (artigo 113.°, n.° 5) é que o interessado pode
dar início aos trabalhos.
Como tal, e porque a nulidade e a caducidade são de conhecimento oficioso, o tribunal
não deixará de proceder a um controlo mínimo, mas muito significativo, dado o peso da
nulidade entre os valores jurídicos negativos da licença ou autorização inválidas (artigo
68.°). Controlo esse que os tribunais administrativos não enjeitaram, mesmo ainda na
vigência do direito anterior. Não já da anulabilidade, como se deliberou no Acórdão do STA
(2.ª Sub.), de 11-02-2003. Acresce que a intervenção do Ministério Público justifica-se aqui
de modo especial,para justamente arguir a possível nulidade, caducidade ou mesmo
inexistência, persuadindo o tribunal a não conceder provimento ao requerimento.

152
Do mesmo modo, o tribunal — para decidir — poderá ser confrontado com a excepção
ao dever de decisão por pronúncia com menos de dois anos (artigo 9.°, n.° 2, do
Embora não possa ser dado como nulo o deferimento tácito
presumido contra o citado preceito, o certo é que ele não existe juridicamente sequer, pois é
requisito de qualificação de q todo e qualquer acto tácito o concreto dever de decidir.
Eis uma das razões que justificaram, em boa hora, a alteração introduzida ao disposto
no artigo 31.° do RJUE, de modo a estender o rol dos motivos de indeferimento dos pedidos
de autorização. Não pudesse a autorização ser indeferida — como na versão originária —
salvo em casos de manifesta ilegalidade, outro tanto sucederia com o controlo jurisdicional
sobre a formação do deferimento tácito.
Uma das dificuldades de maior monta com que os promotores se defrontavam na
vigência do anterior regime jurídico era a do requisito da prévia liquidação das taxas (artigo
62.°, n.° 2, do RJLMOP). Deixando por desobstruir o cálculo das taxas devidas, a câmara
municipal encontrava um expediente simples para contornar os efeitos do seu anterior
atraso e, assim, ganhar ou recuperar o tempo perdido. Com o RJUE, prevê-se o depósito
de caução para a circunstância de a câmara municipal se recusar a receber o pagamento
das taxas (artigo 113.º, n.º 3).
Já os demais deferimentos tácitos constituem-se e são oponíveis a terceiros sem
necessidade da intervenção contenciosa (artigo 111.°, alínea c)), sendo certo que o
indeferimento tácito parece erradicado do regime jurídico da urbanização e da edificação,
salvo para as situações de legalização de obras clandestinas.
No limite, perante a resistência municipal, o interessado pode requerer ao tribunal
administrativo e fiscal que intime a câmara municipal a emitir o alvará (artigo 113.°, n.° 5),
podendo a certidão da sentença que vier a transitar em julgado substituir o alvará (artigo
113.°, n.° 7), construção que pode bulir com o princípio da separação de poderes, tanto
mais quanto neles se contenha uma margem de livre apreciação. (226)
Note-se ainda que o embargo municipal fica absolutamente interdito contra obras
tacitamente autorizadas (artigo 113.°, n.° 8), o que não excluirá decerto a faculdade de
declaração de nulidade ou de revogação por ilegalidade do deferimento tácito, após o que
já estará o presidente da câmara municipal em condições de determinar o embargo.
Para além da não oposição à comunicação prévia (artigos 35.° e 36.°) por parte do
presidente da câmara municipal, relevam a informação prévia e os pareceres, autorizações
e aprovações externos.
Neste último caso, devem distinguir-se dois tipos de inércia, prevendo a lei dois meios
também distintos para os obviar. Por um lado, a inércia municipal na promoção das
consultas. Em tal hipótese, vem o artigo 19°, n.° 7, admitir a subrogação do particular ao
órgão municipal competente, como alternativa ao requerimento judicial para intimação. Em
ambas as alternativas, o interessado deve encontrar-se munido de certidão que ateste não
terem sido promovidas as consultas interadministrativas obrigatórias (artigo 19.°, n.° 6). Por
outro lado, cuida-se da inércia dos órgãos consultados. Presume-se deferida a autorização
ou a aprovação, presume-se favorável o parecer, se ao fim de 20 dias (prorrogáveis por
mais 10, de acordo com o n.° 5) não for recebida a tomada de posição pelo órgão
consulente (artigo 112.°, n.° 9).

(226) Neste sentido, v. JoAo Miranda, intimação judicial para emissão de alvará de licença de
construção (anotação ao Acórdão do STA, 1Secção, de 27-02-1997, Proc. 41.563), in Revista
Jurídica do Urbanismo e Ambiente, n.° 8, 1997, pp. 125 e segs.)

Este deferimento tácito é, contudo, puramente interno, pois nada obsta a que o parecer
extemporâneo, embora não vinculativo, venha a incorporar os motivos da recusa de
aprovação do projecto de arquitectura ou o indeferimento da licença ou da autorização
requeridas. É que a generalidade das normas que, se infringidas, devem obstar ao deferi-
mento não obedecem a um princípio de especialidade já não é assim para o caso da
câmara municipal, do seu presidente ou de outro órgão municipal com poderes delegados

153
ou subdelegados.
Tudo leva a crer, pois, que o legislador se mostrou particularmente avisado no equilíbrio
que procurou entre a salvaguarda do direito a obter uma decisão e o interesse público. Dir-
se-á que o interessado se vê quase sempre compelido a ter de requerer a intervenção
jurisdicional, mas não pode esquecer-se que o município — sendo esse o caso —
responderá civilmente pelos prejuízos culposamente causados ao requerente pela omissão
ilícita de pronúncia, mesmo que o tribunal tenha vindo a suprir a falta de emissão do alvará
ou tenha intimado o presidente da câmara municipal para decidir.
Falta ainda discutir se o artigo 111.°, alínea c), se aplica às reclamações e recursos
hierárquicos próprios ou impróprios?
No direito anterior, especificava-se o efeito do silêncio, nestes casos (artigo 61.°, n.° 3),
mas exceptuavam-se os recursos hierárquicos interpostos de actos da Administração
Central (artigo 64.°, n.° 2), em que se mantinha o indeferimento tácito, como efeito típico.
Presentemente, e na falta de expressa determinação legal, tudo aponta para que seja de
aplicar o disposto nos artigos 108.° e 109.° do CPA, com a consequência de dever
presumir-se indeferida a reclamação deduzida ou o recurso hierárquico interposto, logo que
exaurido o prazo para decisão.
Por fim, deve observar-se que no regime anterior, o deferimento tácito só tinha lugar se
a câmara se abstivesse de deliberar, encontrando-se em poder dos pareceres vinculativos,
autorizações ou aprovações externos (artigo 61.°, n.° 2), embora este pressuposto devesse
ser interpretado restritivamente, de modo a excluir as situações de parecer favorável tácito.
Certo é que para haver deferimento tácito teria de ter sido promovida a consulta em
condições de as entidades externas poderem pronunciar-se em devido tempo.
Os pareceres sãò sempre actos preparatórios, ao contrário das autorizações e
aprovações. É por isso que se mostra especialmente importante a subrogação do particular
nas consultas externas.

d) de fundamentação

O dever de fundamentação de certos actos administrativos (artigo 124.“ do CPA) e de


alguns actos preparatórios (artigo 99.°, n.° 2) aplica-se, de pleno, ao direito da urbanização
e da edificação.
Corresponde não só a um direito dos administrados, de modo a não serem privados da
motivação do acto — nos seus elementos vinculados como, por maioria de razão, nos
discricionários — como satisfaz, por outro lado, imperativos de boa administração:
prossecução racional (eficaz e eficiente) do interesse público.
Ignorando por que motivo foi indeferido o pedido de licença, recusada a aprovação do
projecto de arquitectura ou vetada a comunicação prévia, o interessado vê-se impedido de
alcançar a revisão graciosa ou contenciosa do acto negativo. Mas mais ainda. Vê-se
impedido de, ele próprio, reformar a sua iniciativa urbanística, de modo a obter o
deferimento, a aprovação ou o nihil obstat. Há mesmo, no caso da informação prévia
desfavorável, um dever qualificado de fundamentação, justamente com o sentido de permitir
ao interessado conhecer «dos termos em que a mesma, sempre que possível, pode ser
revista» (artigo 16.°, n.° 4, do RJUE).
Houve já oportunidade de observar como a decisão essencial compreende extensas
margens de livre apreciação, quer em determinados poderes discricionários quer sobretudo
na aplicação de conceitos imprecisos. O conhecimento dos pressupostos de facto atendidos
ou subestimados, o conhecimento do motivo principalmente determinante da decisão para
controlo do desvio de poder, da violação dos princípios gerais da igualdade, da
imparcialidade ou da proporcionalidade, ou simplesmente o conhecimento do sentido e
extensão dos conceitos vagos — dos elementos seleccionados para o seu preenchimento
— revelam-se absolutamente essenciais.
Importa contudo não esquecer que a licença e a autorização urbanística estendem o
seu alcance a terceiros: não se esgotam na relação jurídica entre a Administração Pública e
o requerente. Vários são os terceiros que podem ser lesados nos seus direitos ou

154
interesses legalmente protegidos e a quem o conhecimento da fundamentação do acto
positivo interessa mais do que o de recusa, já que este, em princípio, mantém inalterada a
sua situação, enquanto vizinhos.
A teia poligonal de interessados e opositores e as múltiplas motivações de cada um
deles vêm trazer questões novas aos limites do dever de fundamentação. Devemos mesmo
saber se acaso estará sujeito a dever de fundamentação o deferimento de licenças e
autorizações, de modo a que terceiros lesados possam conhecer a motivação e impugnar
administrativa e contenciosamente a deliberação positiva. É a questão levantada por Mário
Esteves de Oliveira: «E quanto aos actos que tenham um efeito desses sobre a esfera
jurídica de qualquer interessado, mesmo que para o destinatário sejam favoráveis?». A sua
resposta é afirmativa.
É certo que no artigo 124.°, n.° 1, alínea a), do CPA, se estende o dever de fundamentar
aos actos que, no todo ou em parte, «... extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo
direitos ou interesses legalmente protegidos...» e pode, com efeito, admitir-se que alguns
actos lesem direitos ou interesses protegidos por normas urbanísticas de direito público.
Admitir, porém, que uma licença ou uma autorização sejam lesivas de uma tal situação
jurídica activa é o mesmo que admitir a sua ilegalidade. Das duas uma: ou a operação
urbanística é lesiva de direitos e interesses meramente privados e não há, por isso, lugar à
imputação de danos ao município ou se o acto lesa direitos subjectivos públicos ou figuras
afins, então, é porque viola a lei que lhes serve de arrimo, que lhes concede a sua própria
esfera de protecção. Em suma, o órgão confessaria a invalidade do acto praticado ao
assumir como obrigatória a sua fundamentação. E se porventura o órgão estiver a lesar
validamente um direito ou interesse protegido, revogando-o tácita ou expressamente
qüando defere a licença ou concede a autorização? O dever de fundamentar radica, então,
no artigo 124.°, n.° 1, alínea e), do CPA — actos que, total ou parcialmente, impliquem
revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior. Deve precisamente
notar-se que o uso do verbo implicar não será fortuito. O legislador não se cingiu a
determinar o dever de fundamentar sobre os actos de revogação, modificação ou
suspensão de actos administrativos anteriores, antes incluiu nesta órbita os actos que
indirecta ou reflexamente produzam este efeito.
No essencial, a motivação dos actos positivos encontra-se nos elementos instrutórios do
procedimento administrativo — as peças escritas e desenhadas e os pareceres, propostas e
informações que nos mesmos tenham recaído — esses virão a constituir objecto de
concordância e, por conseguinte, constituem «parte integrante do respectivo acto» (artigo
125.°, n.° 1, do CPA). Não o sendo, já o acto terá de ser fundamentado por decidir ou
deliberar contra parecer, proposta ou informação oficial (artigo 124.°, n.° 1, alínea c)).
Por outro lado, os opositores ao acto de licenciamento ou de autorização podem —
antes e depois dele ser praticado — expor ao órgão competente as suas objecções, as suas
pretensões, seja por via do direito genérico de petição ou por reclamação. Ora, por via das
alíneas b) e c) do sempre citado artigo 124.°, n.° 1, está assegurado o dever de
fundamentação, ainda que em acto acessório, preparatório ou concorrente.

e) de indemnização

O controlo administrativo das operações urbanísticas, tarefa que deve reconhecer-se


como tipicamente de gestão pública, pode ser fonte de obrigações de indemnizar,
nomeadamente a título de responsabilidade civil extracontratual.
O regime da responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública continua
a ser, num raro e feliz caso de longevidade normativa, o Decreto-Lei n.° 48.051, de 21 de
Novembro de 1967. É o conjunto das suas normas, e não tanto o do artigo 70.° do Regime
Jurídico da Urbanização e da Edificação, que devem servir de ponto de referência ao
ressarcimento de danos imputados a actos de gestão pública, neste domínio.
Não é este o lugar próprio para tratar desenvolvidamente as múltiplas questões de

155
responsabilidade civil que a urbanização e a edificação suscitam, designadamente em
matéria de concurso de imputações entre o município, as entidades exteriores chamadas a
pronunciarem-se, os titulares de direitos ou interesses legalmente protegidos ancorados em
licenças, autorizações, informações prévias favoráveis e outros actos positivos e, por fim,
terceiros: autores de projectos, construtores, vizinhos.
Deixando à margem a responsabilidade por actos e omissões ilícitos, vale a pena, no
entanto, chamar a atenção para a revogação ou declaração de nulidade de licenças ou
autorizações, prevista no artigo 70.°, n.° 1. Não se trata apenas da ilicitude aferida pela
lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos. O teor literal do preceito não deve
fazer ignorar a necessidade de que o órgão ou agente tenham agido culposamente ao
terem praticado o acto revogado ou declarado nulo. De outro modo, estar-se-ia a alargar
desmesurada e injustificadamente a responsabilidade objectiva, ao ponto de se postergar a
culpa do lesado que tem nas mãos a iniciativa do procedimento e que não fica desobrigado,
nem pela licença nem pela autorização, nem pela comunicação prévia nem pela dispensa,
de cumprir outras prescrições legais e regulamentares «a que a edificação, pela sua
localização ou natureza, haja de subordinar-se» (artigo 4.° do RGEU).
Particularmente recorrente é a oposição às autoridades municipais dos adquirentes de
edificações ou suas fracções autónomas por causa de vícios no imóvel. Uma vez deferida a
licença de utilização, é de considerar transportada para o município a obrigação de eliminar
os defeitos ou de, pelo menos, compelir o empreiteiro ou vendedor a fazerem-no?
Não. A licença ou a autorização de utilização não transmitem para o município a posição
contratual do empreiteiro ou do vendedor perante o dono da obra, para efeito do disposto
nos artigos 1218.° e segs. do Código Civil. Ambas pretendem aferir a observância das
condições impostas pelos projectos aprovados e as demais que acessoriamente tenha a
câmara municipal deliberado estipular. Condições essas que respeitam exclusivamente a
aspectos de segurança, estética, salubridade e ordenamento das edificações e não a
aspectos qualitativos ou quantitativos a que o interesse público seja indiferente.
De resto, hoje, a regra é a de não ter lugar a vistoria municipal como acto preparatório
necessário do deferimento da licença ou da autorização de utilização (artigo 64.°, n.° 1).
E ainda quando o empreiteiro haja infringido prescrições de direito público sem que a
câmara municipal ou o seu presidente tenham deixado de emitir a licença ou autorização de
utilização, não é possível fazer recair sobre o município todos os encargos com a
reparação, salvo se este culposamente tiver condicionado ou recomendado ao construtor
que edificasse contra os padrões da legalidade urbanística.
É ao actual proprietário, aliás, que cumpre providenciar por eventuais reparações
necessárias a cumprir os projectos aprovados, sem prejuízo, claro está, de vir ulteriormente
a exercer o direito de regresso contra o vendedor ou os construtores, contra o arquitecto,
contra os autores de outros projectos ou contra o director técnico da obra.
O que, sem margem de dúvidas, não pode é encarar-se o controlo municipal da
utilização como uma operação de certificação da qualidade, como uma forma de recepção
— provisória ou definitiva — da obra, acto esse que pertence ao dono da obra, não como
um direito, mas como um ónus (artigo 1218° do Código Civil).
A ficha técnica de habitação, regulada no Decreto-Lei n.° 68/2004, de 25 de Março, e na
Portaria n.° 807/2004, de 16 de Julho, pode contribuir para separar o campo público do
campo privado. Contudo, como continua a passar pelos serviços municipais, pode deixar na
consciência do adquirente uma errónea convicção de que o município certifica e avaliza os
aspectos construtivos das edificações em toda a sua extensão.
No mais, e em matéria de actos lícitos, impõe-se uma breve referência à alteração de
especificações das licenças ou autorizações de loteamento (artigo 48.°, n.° 4), justificadas
pela necessidade de fazer executar instrumento de gestão territorial superveniente, por
incompatibilidade (artigo 48.°, n.° 1) e a caducidade de actos consolidados que ocorra por
vicissitude nos instrumentos de gestão territorial (artigo 143.°, n.°s 2 e 3, do Regime
Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial).
O que sejam os actos consolidados a que alude o referido preceito vem a mostrar-se
uma questão deveras complexa, sobretudo quando é operado o seu confronto com o

156
disposto no artigo 17.°, n.° 1, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação. Este,
com efeito, parece deixar incólume a informação prévia favorável, contanto que não cadu-
cada, ainda que se revele contrária a um novo plano municipal, a um novo plano especial
ou a vicissitudes modificativas destes instrumentos de gestão territorial.
Inclina-se FERNANDA PAULA OLIVEIRA para que a informação prévia favorável deva ser
expressamente revogada, dando lugar, por isso, ao pagamento de indemnização por acto
lícito. Esse seria o sentido do disposto no artigo 143.°, n.°* 2 e 3, do Regime Jurídico dos
Instrumentos de Gestão Territorial. Vem assim admitir uma brecha no princípio geral de
intangibilidade dos actos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos
quando conformes com a ordem jurídica vigente ao tempo da sua produção (tempus regit
actus). Do artigo 143.° resultaria uma norma de competência para revogar actos
constitutivos válidos, em troca do ressarcimento pelos danos emergentes, lucros cessantes
e despesas desaproveitadas.
Não nos parece de acolher este entendimento, quando, na verdade, o artigo 17.°, n.° l,
do Regime Jurídico da Urbanização é tão assertivo. E mais. Trata-se de norma posterior
que, por conseguinte, tem aptidão para revogar parcialmente a do Decreto-Lei n.° 380/99,
de 22 de Setembro.
Se a informação prévia favorável parece fora do conceito de actos consolidados, por
maioria de razão, os actos materialmente definitivos, como a licença e a autorização, têm de
conhecer a mesma sorte.
O problema está em saber se este silogismo é válido para o acto de aprovação do
projecto de arquitectura, para os actos preparatórios formados tacitamente (pareceres,
autorizações e aprovações) e para as dispensas concedidas pelos órgãos municipais.

Admitindo que sim, o resultado é o de o conceito normativo de actos consolidados — ou


melhor dizendo, de «possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e
juridicamente consolidadas» — ficar desprovido de sentido útil como o fica também
esvaziada a norma do artigo 143.°, n.° 2.
Inequivocamente, o legislador pretendeu restringir o dever de indemnizar.
Primeiro, sem inovação, circunscrevendo a responsabilidade civil aos prejuízos
especiais e anormais (artigo 9.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 48.051) que qualificou como
«restrição significativa» na utilização do solo. Tão significativa que a expropriação por
utilidade pública, embora fazendo extinguir os direitos reais sobre o bem, teria decerto van-
tagem para o proprietário e outros titulares, garantida que está a justa indemnização (artigo
62.°, n.° 2, da Constituição). Quer isto dizer que tais ‘expropriações pelo sacrifício’ apenas
conservam encargos na esfera jurídica do particular, sem que do bem este obtenha frutos.
Um pouco como acontece com as parcelas sobrantes, tal como resulta do critério enunciado
no artigo 3.°, n.° 2, alínea b), do Código das Expropriações: «...se os cómodos (...) não
tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente».
Em segundo lugar, estabelecendo um pressuposto temporal para que a revisão dos
planos se mostre conflituante com a confiança depositada na estabilidade pelo titular da
«possibilidade consolidada de aproveitamento do solo». A ablação de direitos ou interesses
legalmente protegidos por revisão do plano só obriga a indemnizar quando ainda não
tiverem decorrido cinco anos desde a sua entrada em vigor.
Mas o disposto no artigo 143.°, n.° 3, encerra um terceiro pressuposto. Importa que a
revisão do plano determine a caducidade ou a alteração de um licenciamento prévio válido.
Ora, esta situação é excepcional no nosso direito. Apenas teve lugar durante a vigência do
Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, em termos que fizeram correr rios de tinta na
jurisprudência e sobretudo na doutrina.

É preciso, pois, cm nosso entender, que os planos possuam um efeito retroactivo para
atingirem licenças válidas, determinando a sua caducidade.
Regulamentos que são, os planos urbanísticos não podem ter este efeito. Assim, o que
pode acontecer é que certas prescrições contidas nos planos representem o pressuposto de
uma expropriação por utilidade pública.

157
Se no artigo 128.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 380/99, de 22 de Setembro, as
expropriações necessárias à execução de um plano têm como horizonte restrito terrenos e
edifícios, vale a pena ter presente que no Código das Expropriações se admite a
expropriação de bens imóveis e dos direitos a eles inerentes (artigo 1.°), ao que vem juntar-
se a competência especial das assembleias municipais para declararem a utilidade pública
das «expropriações de iniciativa da administração local autárquica, para efeitos de
concretização de plano de urbanização ou plano de pormenor eficaz» (artigo 14.°, n.° 2).
Um terceiro e último argumento parece-nos decisivo em favor desta leitura. É o que
resulta do artigo 13.°, n.° 2, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação. Se o início
da discussão pública de um novo plano municipal ou especial provoca a imediata
suspensão dos procedimentos de controlo urbanístico, então é porque se admite que,
mesmo depois da entrada em vigor do novo plano, se continue a aplicar o plano anterior
aos projectos apresentados no período intertemporal.
Note-se que, nos casos de restrições singulares qualificadas como expropriações pelo
sacrifício, a obrigação de indemnizar prescreve ao cabo de três anos, contados, não de
acordo com o artigo 498.° do Código Civil, mas da entrada em vigor do novo plano ou das
suas alterações (artigo 143®, n.° 7).
Por fim, recorde-se que o dever de indemnizar previsto no artigo 143.° é subsidiário dos
mecanismos de perequação compensatória (n.° 1).

Vale a pena não esquecer, contudo, uma outra fonte do dever de indemnizar por perda
de aproveitamento de bens (urbanístico ou outro). É o que resulta do artigo 8.°, n.° 2, do
Código das Expropriações, como efeito da constituição — por lei ou por acto administrativo
— de servidões administrativas. O crivo é bastante apertado — ou o bem tinha uma efectiva
utilização que se toma economicamente perdida (alínea a)), ou, encontrando-se sem
utilização nenhuma, deixa de poder ter uma qualquer (alínea b)) ou, apesar da utilização ser
possível, perde, pura e simplesmente, o valor patrimonial, pois deixa de ter procura no
mercado (alínea c)).

f) de impugnação

A impugnação graciosa e contenciosa dos actos de controlo urbanístico desde cedo


encontrou campo fértil para questões controvertidas, a começar pelos problemas suscitados
pela legitimidade de terceiros com vista a deduzirem oposição à licenças de obras, antes da
abertura que a Lei n.° 83/95, de 31 de Agosto, veio trazer ao desenvolvimento da acção
popular que, em sentido impróprio, a Constituição instituiu no artigo 52.º n.° 3, quando da
Revisão Constitucional de 1989.
Tratava-se, no essencial, de assegurar que o autor dispusesse de um interesse pessoal,
legítimo e directo. Isto, por um lado. Por outro, o vizinho urbanístico lesado, não raro,
quando se apercebe da necessidade de impugnar o acto, defronta-se com o decurso do
prazo, contado da notificação do acto ao seu mais directo interessado — o promotor.
Todas estas questões têm vindo a encontrar respostas satisfatórias, ora pelas reformas
do contencioso administrativo (1984/85 e 2001/2002), ora pela criação jurisprudencial.
Vale a pena, no entanto, deixar assinalados alguns pontos específicos de tensão entre o
direito constitucionalmente consagrado à impugnação dos actos lesivos inválidos (artigo
268.°, n.° 4) e os meios aos dispor dos interessados.

i) de pareceres negativos vinculativos (artigo 114.°)

Já ao abrigo do direito anterior se admitiu que o parecer vinculativo do IPPAR é «um


verdadeiro acto administrativo que produz efeitos no âmbito das relações externas entre
dois órgãos administrativos de pessoas colectivas e um particular e que se pode considerar
como uma estatuição autoritária (que cria uma obrigação a um órgão administrativo —
câmara municipal — e a um particular — o recorrente) relativa a um caso concreto,
produzido por outro órgão de pessoa colectiva diferente, no uso de poderes administrativos,

158
pelo que é de considerar um acto prejudicial do procedimento, cuja força jurídica é mais
intensa que a de um mero acto pressuposto, visto ter influência sobre os termos em que é
exercido o poder decisório final, na medida em que define logo a posição jurídica dos
interessados, ou seja, compromete irreversivelmente o sentido da decisão final, sendo, por
isso, atenta a sua lesividade, de considerar destacável para efeitos de recorribilidade
directa» (Acórdão do STA, 2ª Sub., de 30-09-2003, Proc. 826/03).
Mas nem por isso a questão deixou de ser controvertida, em termos que são
profusamente tratados por PEDRO Gonçalves .
O novo regime veio consagrar expressamente a impugnação graciosa autónoma de
pareceres expressos de órgãos da Administração Central (artigo 114.°, n.° 1), presumindo-
se deferida a reclamação, o recurso hierárquico — próprio ou impróprio — ou o recurso
tutelar que a lei admita (artigo 114.°, n.° 2).
No plano contencioso, o artigo 51.°, n.° 1, do CPTA, vem permitir a impugnação, em
acção administrativa especial, de pareceres vinculativos, ao relegar a definitividade
horizontal e material do acto administrativo para segundo plano, em nome da lesividade
para os direitos e interesses legalmente protegidos do autor.
Tudo está em saber se o parecer não será, por natureza, susceptível de lesar direitos e
interesses legalmente protegidos, uma vez que se limita à relação jurídica administrativa
com o município. Só o acto final de licenciamento ou de indeferimento pode, com efeito,
lesar direitos ou interesses legalmente protegidos. Pode não atender ao parecer se este for
extemporâneo, exorbitar das atribuições da entidade que o profere ou, por qualquer outra
razão, for inexistente, ineficaz ou nulo. Acresce que o acto final pode somar aos motivos de
um parecer negativo outras motivações absolutamente determinantes que fazem da
impugnação do acto preparatório um exercício fútil em que o requerente deixa de possuir
interesse em agir.

ii) de actos lesivos ilegais

No mais, os actos de conteúdo negativo — de indeferimento de pretensões de


urbanização e de edificação não merecem especial detenção.
Como se viu, o Código do Processo nos Tribunais Administrativos optou como central
pressuposto da acção administrativa especial o acto lesivo de direitos ou interesses
legalmente protegidos (artigo 51.°).
Assim, a questão de saber se o acto de aprovação do projecto de arquitectura ou a
informação prévia favorável reuniam os requisitos da definitividade (artigo 25.°, n.° 1, da Lei
do Processo nos Tribunais Administrativos) para serem objecto de recurso contencioso de
anulação ou se, pelo contrário, era preciso aguardar o acto de deferimento da licença,
parece ter perdido o interesse que justificou no passado ampla controvérsia.
Uma vez mais, cremos que a questão se pode reperfilar em tomo da noção de acto
administrativo lesivo. Pode reconhecer-se na informação pré- via ou na aprovação do
projecto de arquitectura um acto idóneo para diminuir, prejudicar ou de, qualquer outro
modo, lesar direitos de terceiros?
Tudo levaria a crer que não. Nem um nem outro permitem — por si — legitimar a
operação urbanística.
Importa não esquecer porém que a informação prévia pode vir a constituir o arrimo de
um acto de licenciamento ou de autorização lesivos e que, justamente, a revisão destes
actos pode ter como obstáculo a consolidação na ordem jurídica de uma informação prévia
inválida.
Por outro lado, há trabalhos que podem ter inicio em momento anterior ao do
deferimento da licença ou da autorização. Estes, de todo o modo, hão-de constituir actos
próprios, licenças parciais, seja para antecipar trabalhos de escavação, demolição e
contenção periférica (artigo 81.°, n.° 1) seja para construção da estrutura (tosco), logo que
aprovado o projecto de arquitectura, entregues os projectos das especialidades e
depositada caução (artigo 23.°, n.° 6).
Lesivo pode ainda revelar-se o acto que defere licença para uso privativo da via pública

159
no decurso dos trabalhos (artigo 57.°, n.° 2) e cuja impugnação autónoma não se vê por
que motivo deva ser recusada.

g) de reversão

O particular que teve de ceder parcelas de terreno como condição do deferimento da


licença ou da autorização de uma operação de loteamento vem beneficiar de um conjunto
de garantias que o aproximam do proprietário de imóvel expropriado por utilidade pública.
Assim, poderá reaver o bem cedido — no todo ou em parte — desde que o município afecte
as parcelas cedidas a um fim diverso daquele para que foram cedidas (artigo 45.°, n.° 1).
E a reversão pode ter como alternativa o pagamento de uma indemnização (artigo 45.°,
n.° 3) — ou porque o particular o pretende ou porque a alteração ao fim surge como efeito
de uma alteração municipal às especificações contidas no alvará da operação de
loteamento.
No n.° 5, do artigo 45.°, vem resolver-se um problema de legitimidade. Quem pode
reaver os bens cedidos na falta do promotor da operação de loteamento? A resposta
identifica uma certa fracção de proprietários dos lotes (um terço) sem prejuízo de os
terrenos revertidos virem a ingressar no património comum dos demais.
Importa, no entanto, acentuar duas importantes diferenças perante a reversão na
expropriação por utilidade pública (artigo 5° do Código das Expropriações). Em primeiro
lugar, o beneficiário da reversão não obteve locupletamento indevido, pois não recebeu
indemnização alguma. Como tal, não tem de restituir o valor da justa indemnização
percebida, como acontece na expropriação por utilidade pública. Em segundo lugar, fica
adstrito ao fim a que se destinara a cedência, não podendo vir a lesar o interesse público
(artigo 45.°, n.° 4). Só uma excepção justifica o desvio — trata-se da destinação a
equipamentos de uso colectivo, que o particular não pode ver-se obrigado a empreender —
sob pena de a reversão constituir afinal um encargo — para o que se prevê
sucedaneamente a adstrição a espaço verde.
De resto, deve aplicar-se o regime expropriatório, nomeadamente quanto ao prazo de
20 anos para prescrição do direito de reversão (artigo 5.°, n.° 4, alínea a), do Código das
Expropriações) e quanto ao prazo de três anos contados do momento do conhecimento dos
pressupostos para caducidade do direito (artigo 5°, n.° 5).

h) de alterações simples ao conteúdo da licença/autorização

Do disposto nos artigos 27.°, n.° 1, e 33.°, n.° 1, parece decorrer inexoravelmente a
inviabilidade de alterações ao acto permissivo de controlo urbanístico depois de serem
iniciados os trabalhos.
Contudo, é no artigo 83º que encontraremos as alterações no decurso dos trabalhos,
algumas das quais — as mais qualificadas — são precisamente remetidas para o regime
dos citados artigos 27° e 33° A aludida porta fechada é pois meramente aparente. Julga-se
que o projecto de execução do projecto de arquitectura e dos projectos das especialidades,
cuja apresentação é devida nos 60 dias posteriores ao início dos trabalhos (artigo 80°, n.° 4)
pode justamente compreender este tipo de alterações.
As alterações de pequena monta, essas recebem o regime que se adaptar às suas
características. Temos, para o efeito, de as autonomizar e fazer um juízo de prognose sobre
o controlo urbanístico a que se subordinariam ou não (por isenção ou por falta de incidência
de norma urbanística). No caso de alterações, para que baste a comunicação prévia,
importa contudo que o prazo de trinta dias (artigo 35.°, n.° 1) não ultrapasse o prazo para
requerer a licença ou autorização de utilização (artigo 83°, n.° 1, e artigo 63°, n.° 1).

Todas as alterações, de qualquer modo, hão-de figurar nas telas finais que, pelo menos,
transitoriamente é obrigatório apresentar no termo dos trabalhos (artigo 128.°, n.° 4 e n.° 5).

i) de aproveitamento urbanístico

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Com o deferimento da licença ou da autorização, o particular vê-se investido no direito
de levar a cabo o aproveitamento urbanístico que se mostrar conforme com os projectos
que apresentou e com as condições que acessoriamente tenham sido estipuladas pelo
órgão municipal ou pelas entidades externas consultadas.
Embora haja de subordinar-se a outras prescrições legais e regulamentares e a
respeitar os direitos e interesses legítimos de terceiros, perante os poderes públicos a sua
actividade e o resultado da mesma são lícitos, doravante.
Para o caso das obras de urbanização vem permitir-se a execução faseada (artigo 56.°),
na condição de que cada fase disponha de autonomia funcional e de coerência intema.
Pretende-se assim que a inexecução de uma fase ou o seu inacabamento não venham a
deixar um 'elefante branco’, ou seja, um conjunto de trabalhos inúteis e com elevados
custos urbanísticos de segurança, salubridade e estética.
Não é este o local próprio para discutir a extensão das garantias constitucionais da
propriedade privada, nomeadamente para saber se o jus aedificandi é, ou não, um dado
perante os actos de controlo administrativo das operações urbanísticas.
Sempre se dirá, contudo, que o direito a construir, a nosso ver, alcança a sua protecção
constitucional por via do artigo 61.°, n.° 1:

A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela


Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.

Para exercer esta iniciativa, o promotor terá de obter a titularidade de um direito


patrimonial — creditício ou real — que lhe permita o gozo do imóvel em que pretende
construir. Mas, note-se que esta liberdade — ao invés das demais é para ser exercida no
espaço que a lei lhe reservar e em subordinação ao interesse geral (determinado este, por
regulamento planificatório, ou não, por poderes discricionários da Administração).
A generalidade dos direitos, liberdades e garantias — e dos direitos análogos, como é o
caso — impõem à lei e às suas restrições que se movam dentro do espaço que lhes é
deixado. No artigo 61°, n.° 1, não é assim. É esta liberdade que se confina ao espaço que a
lei e outras manifestações do interesse geral lhe permitirem.
No artigo 65.°, n.° 2, alínea c), retoma-se expressamente esta ideia, no que respeita
especificamente ao jus aedificandi — a construção privada há-de subordinar-se, não
apenas à lei, como ao interesse geral.
Depois, no artigo 65°, n.° 4, recorta-se a esfera territorial desta mesma liberdade — os
solos urbanos. Apenas sobre estes o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais
definem as regras de ocupação, uso e transformação. Quer isto dizer duas coias. Primeiro,
que fora do solo urbano o princípio é o da interdição da construção privada. Segundo, que o
proprietário ou titular de outro direito patrimonial não possui — à partida — um direito a
urbanizar.
Esta liberdade (enfraquecida ou diminuída) não beneficia por inteiro do regime restritivo
das restrições aos direitos, liberdades e garantias (artigo 18°, n.° 2 e n.° 3), designadamente
no que diz respeito à reserva de lei. Bem se compreende, pois, que o plano aprovado por
regulamento estadual, regional ou municipal possa restringir intensamente a liberdade de
aproveitamento urbanístico sem que tenha de ressarcir pela violação de direitos, liberdades
e garantias ou por um prejuízo para outrem (artigo 22°).

SANÇÕES E MEDIDAS DE POLICIA ADMINISTRATIVA

1. ORDEM PÚBLICA URBANÍSTICA

Uma definição estática e absoluta de ordem pública não é possível, como, muito menos,
é a de interesse público. Ambas as categorias só podem opor-se todavia aos direitos,
liberdades e garantias, na medida em que se encontrem vertidas na Constituição.

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São interesses constitucionalmente protegidos, a começar por outros direitos
fundamentais (artigo 18.°, n.os 2 e 3, da Constituição):
Tradicionalmente, a ordem pública identificava-se, exclusivamente, com (a) a
tranquilidade, (b) a segurança e (c) a salubridade, na via pública.
Trata-se de evitar danos — individuais ou colectivos — provocados por actos voluntários
desordenados (desordens e desacatos) ou factos (acidentes) que constituam um perigo
abstracto ou concreto para a segurança ou para a saúde pública.
Não há contudo lesão da ordem pública que não resulte de uma infracção ao direito
objectivo, sob pena de se subverter a liberdade como princípio geral. O princípio da
legalidade e a proibição do excesso — garantias do Estado de direito — não admitem o
reconhecimento da ordem pública como um valor em si mesmo.
Apenas em subordinação à salvaguarda de direitos ou de outros interesses
constitucionalmente protegidos.
As medidas de polícia, de que constitucionalmente se cuida no artigo 272.° da
Constituição, têm justamente por fim a protecção da ordem pública, seja contra
perturbações actuais ou iminentes seja contra situações de perigo agravado da sua futura
lesão, seja ainda contra situações de perigo agravado da sua futura lesão, seja ainda contra
lesões já consumadas da ordem pública, mas que urge repor ou reparar.

A distinção teleológica entre sanções administrativas e medidas de polícia surge


claramente no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 489/89 (Diário da República, II, de 1-
02-1990) e em sentido que se aproxima da distinção apontada por Gomes Canotilho/Vital
Moreira (Constituição Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 956).
Também o STA considera especificamente a distinção no seu Acórdão de 28-05-1991:

O artigo 30°, n.° 1, da Constituição da República (versão de 1982) visa limitar a duração
das penas e medidas de segurança.
Não se aplica às medidas de natureza de polícia administrativa.

E, do mesmo modo, a respeito da suspensão da laboração de uma unidade industrial


poluente, no Acórdão do Pleno, de 29-04-1993.
Mas já não assim em outro aresto, em que se julga ilegal a medida de embargo da
exploração de uma pedreira, por motivo de o regime sectorial desta actividade (ao tempo, o
Decreto-Lei n.° 89/90, de 16 de Março) contemplar como sanção contra-ordenacional o
encerramento (Acórdão do STA, de 23-09-1999).
A actividade administrativa distingue-se tendencialmente em medidas de polícia
administrativa, em medidas prestativas de bens e serviços e em, medidas de fomento
directo ou indirecto (prémios e subvenções).
A génese do direito administrativo — na passagem do Estado esta- mental para o
Estado moderno — encontra-se justamente na polícia administrativa: das feiras e mercados,
dos pesos e medidas, da circulação de pessoas e bens.
No liberalismo político e económico, a intervenção do Estado resume-se a pouco mais
do que tarefas de polícia. É o tempo do Estado-polícia que raramente se propõe
empreender medidas de fomento, com excepção das raras expropriações por utilidade
pública para subsequente concessão das obras públicas e sua exploração.
O advento do Estado social, muito embora represente um alargamento do direito
administrativo, não vai fazer perder de vista a ordem pública, até por constituir pressuposto
primário da satisfação das necessidades colectivas que, outrora confiadas à livre iniciativa
social e das ordens religiosas, serão crescentemente assumidas pela comunidade política.
Assiste-se até a um considerável alargamento da noção de ordem pública. Afirmar que
o Estado-Polícia deu lugar ao Estado-Providência, sem mais, é demasiado simplista e
redutor da complexidade dos fenómenos históricos e institucionais. Com efeito, alargou-se e
intensificou-se a polícia administrativa nos mas variados âmbitos: defesa dos recursos natu-
rais, não numa perspectiva meramente patrimonial ou dominial, mas ambiental; qualidade
dos bens de consumo; higiene e segurança no trabalho; urbanismo de qualidade e

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ordenamento do território. De par com uma polícia da ordem e tranquilidade na via pública,
desenvolveu-se uma polícia administrativa económica, ambiental e social, aos mais
variados níveis.
A preservação da ordem do território passou a ser um dos campos de salvaguarda da
ordem pública, o que não quer dizer que o ordenamento do território não conheça uma
vertente de fomento, designadamente, na execução dos planos.

3. MEDIDAS DE POLÍCIA E SANÇÕES

Principais instrumentos ou medidas de polícia administrativa são (a) o regulamento de


polícia, (b) as operações de vigilância e (c) os actos de polícia em sentido estrito,
preventivos, repressivos ou reintegrativos.

— Preventivas são as licenças (actos que facultam uma actividade relativamente


proibida) e as autorizações (actos que conferem os pressupostos e requisitos para exercer
um direito ou liberdade já anteriormente constituídos). Ali produz-se um juízo de
conformidade onde cabem poderes discricionários. Aqui efectua-se um juízo de simples
compatibilidade onde os poderes são vinculados, embora compreendam a interpretação de
conceitos vagos e indeterminados.
— Repressivas são as sanções administrativas, ora de natureza disciplinar (no âmbito
de relações especiais de autoridade) ora de natureza contra-ordenacional. No termo de um
procedimento administrativo, é adoptada ou não uma sanção pecuniária ou de quebra da
relação jurídica administrativa, sem prejuízo de ulterior impugnação contenciosa.
— Reintegrativas são as medidas que visam restaurar a ordem pública lesada e
reintegrar a lei infringida, distinguindo-se, pois, das sanções administrativas.
A sanção, por si, não reintegra a legalidade nem a ordem pública, muito embora possa
compelir o infractor a fazê-lo e a abster-se de o voltar a fazer. Por outro lado, num Estado
de direito, a sanção há-de atender a pressupostos subjectivos, designadamente, à culpa do
agente, até porque a sua finalidade é essencialmente de ressocialização.
Todavia, as medidas de polícia confundem-se, não raro, com as sanções
administrativas, de modo particular, no direito do urbanismo: ordem de demolição, seja de
obra clandestina, seja de uma edificação em risco de iminente ruína; o embargo; o
encerramento de estabelecimentos; o despejo sumário; a reposição de um terreno no
estado originário.
A confusão resulta, em boa parte, da tipologia das sanções que o ilícito de mera
ordenação social prevê acessoriamente à sanção pecuniária (coima).
Assim, encontramos no artigo 21.° do regime geral das contra-orde- nações (Decreto-
Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro): (a) a perda de objectos; (b) a interdição do exercício de
profissões ou actividades dependentes de título, autorização ou homologação pública; (c) a
privação de subvenções públicas; (d) a privação de acesso a feiras e mercados; (e) a pri-
vação de acesso à adjudicação de contratos públicos; (f) o encerramento de
estabelecimentos; e (g) a suspensão de autorizações e licenças por cassação dos
respectivos alvarás.
Com excepção da primeira, todas as demais não podem exceder dois anos de aplicação
(artigo 21.°, n.° 2).
Aqui se começam a divisar as diferenças — as medidas de polícia administrativa são
modais. Só depois de reunidos os pressupostos e requisitos de ordem legal é possível fazer
cessar a sua aplicação.
Depois, importa olhar para o corpo do artigo 21.°, n.° 1: as sanções acessórias são
agravadas em função da gravidade da infracção e da culpa do agente.
Ao invés, as medidas de polícia são alheias à gravidade da infracção e à culpa do
agente. Basta a violação da lei e a lesão da ordem pública para que seja vinculada a sua
adopção. Tanto se ordena a demolição de um pequeno anexo para alfaias agrícolas como
de um edifício multifamiliar. Tanto se despeja toda a população moradora num edifício em
risco de ruína iminente, como se despeja uma oficina automóvel em desconformidade com

163
o uso autorizado.
Pode haver aplicação de sanções administrativas sem a adopção de medidas
reintegrativas da legalidade, por exemplo, quando ocorrem obras clandestinas, mas
susceptíveis de legalização, por satisfazerem aos requisitos legais e regulamentares de
urbanização, estética, segurança e salubridade.
Por outro lado, podem ser aplicadas medidas de polícia administrativa sem haver lugar
a sanções contra-ordenacionais ou disciplinares, como resulta do regime geral do ilícito de
mera ordenação social.
No artigo 25.° prevê-se a perda de objectos perigosos independentemente de coima:
mesmo se ao agente não puder ou não for aplicada coima, este não poderá manter-se
detentor de armas ilícitas ou de produtos explosivos não autorizados. Trata-se,
evidentemente, de uma medida de polícia, ainda que sujeita, por vezes, a um controlo
jurisdicional.

São exemplos de medidas de polícia urbanística enunciadas no RJUE:

a) a cassação do alvará por caducidade da licença ou da autorização (artigo 79.°);


b) a execução de obras de urbanização pelo município em substituição do promotor (artigo
84.°);
c) a limpeza da área e a reparação de estragos (artigo 86.°);
d) a intimação para obras de conservação (artigo 89.°, n.° 2);
e) a ordem de demolição na iminência de ruína (artigo 89.°, n.° 3);
f) a intimação para obras coercivas de beneficiação (artigo 91.°);
g) o despejo administrativo (artigo 92.°);
h) o embargo (artigo 102.°);
i) a intimação para trabalhos de alteração ou correcção (artigo 105.°); j) a demolição total ou
parcial das obras (artigo 106.°);
k) a reposição do terreno no seu estado anterior (artigo 106.°); I) a cessação da utilização
(artigo 109.°).
Como é bem de ver, as medidas de polícia têm como pressuposto, nuns casos, a
verificação de ilegalidade, noutros, a simples verificação de um perigo para a segurança ou
para a saúde pública.
Tal como na generalidade dos actos administrativos eficazes — e logo executórios (artigo
149.°, n.° 2, do CPA) — pode a câmara municipal valer-se da força pública para obrigar ao
cumprimento das intimações de polícia urbanística e, no limite, substituir-se, a expensas do
proprietário, na execução dos trabalhos, investindo-se o município na posse administrativa
(aitigo 91.°, n.° 1, artigo 107 ° e artigo 108.°).
Mas já esta substituição coactiva não é sempre vinculada, gozando a câmara municipal
de alguma margem de discricionariedade na definição de prioridades temporais, sociais,
técnicas, culturais e orçamentais, salvo casos de risco iminente para a segurança de
pessoas e bens, situações em que o município se encontra adstrito a um dever de garantia,
como se reconhece no Acórdão do STA, 1ª Sub., de 12-10-2000.
Sublinhe-se a imprescritibilidade da adopção de medidas de polícia — o seu não
exercício não cria direitos nem pode extinguir poderes funcionais, uma vez que estão em
causa interesses públicos, indisponíveis e irrenunciáveis, por natureza (artigo 29.° do CPA).

6. O EMBARGO

O embargo representa a interdição de uma operação urbanística iniciada, no todo ou em


parte (artigo 102.°, n.° 1) — licenciada, autorizada, comunicada previamente, dispensada,
ou simplesmente clandestina.
Trata-se de uma medida de polícia urbanística de natureza transitória. A lesão do
interesse público, cujo agravamento se pretende ver obstado, não é reparada pelo
embargo. Apenas é sustado ou interrompido o agravamento da lesão, em ordem à

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salvaguarda do interesse público e da protecção da confiança de terceiros e do próprio
interessado na operação embargada. Por isso, determina-se no artigo 104°, n.° 1, que a
ordem de embargo caduca mal seja proferida uma decisão/deliberação definitiva sobre a
situação jurídica da obra. Mas pode caducar antes
disso, na eventualidade de se esgotar o termo certo estipulado ou, supletivamente,
transcorridos seis meses, embora prorrogáveis por idêntico prazo (artigo 104.°, n.° 2).
Apenas neste sentido se pode afirmar que o embargo é um acto preparatório, o que não
o exclui da classe dos actos potencialmente lesivos de direitos ou interesses legalmente
protegidos. Falta-lhe definitividade material, pois a interrupção dos trabalhos é índesejada
pelo mesmo interesse público que reclama a ordem de embargo — a segurança, a estética,
a salubridade não se compadecem com obras inacabadas.
O embargo, verdadeiro acto administrativo impositivo de um dever de non facere,
justifica-se por um de três motivos taxativamente enunciados no artigo 102.°, n.° 1: ou por
se verificar que a obra é clandestina (sem licença ou autorização) ou por estar a ser
executada ao arrepio dos projectos aprovados e das condições estipuladas ou ainda por
violar norma legal ou regulamentar aplicável.
Quanto a este último fundamento, importa ter presente que nem a licença nem a
autorização consomem o controlo administrativo da operação, como muito bem revela o
disposto no artigo 4.° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas. Não é por dispor de
licença ou autorização que o dono da obra, seu representante ou comissário ficam deso-
brigados de cumprir outras prescrições gerais e abstractas a que estejam vinculados. Será
o caso de muitas das regras construtivas — de qualidade dos materiais, de segurança das
técnicas — assim como também das normas relativas à própria execução dos trabalhos
(estaleiros, entulhos, segurança de terceiros, etc.).
Encontrando-se licenciada a actividade, mas inconformando-se o resultado com o
conteúdo da licença, nem por isso o embargo significa a revogação da licença, com o que
estaria confinado aos limites temporais típicos da revogação de actos administrativos
constitutivos de direitos (Acórdão do STA, 2.a Sub., de 26-10-2004).
É relativamente recente o poder de a câmara municipal ou de o seu presidente
embargarem obras sem a necessária autorização ou ratificação judicial, à semelhança do
embargo de obra nova facultado aos particulares do direito processual civil.

O embargo constitui um acto injuntivo e, dentro desta categoria, uma proibição — a de


prosseguir os trabalhos em execução — e, logo que eficaz, 1 executório (artigo 149.°, n.° 2,
do CPA), com o sentido de o seu cumprimento poder ser imposto coactivamente,
recorrendo à força pública, se necessário, do mesmo passo que a sua infracção permite
indiciar a prática de um crime de desobediência (artigo 348.° do Código Penal).
Mas o alcance do embargo administrativo é mais vasto. Produz um efeito suspensivo
sobre a licença ou a autorização deferidas, não se tratando de obra clandestina, ora por se
mostrar inválida ou ineficaz, ora por estar a ser infringida no seu conteúdo.
De par com o embargo pode dar-se a revogação da licença ou da autorização, a
declaração da sua nulidade ou caducidade. Contudo, não se confundem. O embargo, por si,
perante o acto positivo de controlo apenas tem um efeito suspensivo. «Porém, quando seja
indispensável embargar uma obra licenciada com fundamento na ilegalidade da respectiva
licença não há necessidade de previamente praticar um acto expresso de revogação ou
suspensão da eficácia».

Verdadeira medida de polícia administrativa, o embargo não constitui um acto


horizontalmente definitivo, já que importa para o órgão competente uma definição
peremptória do direito — admitindo a legalização da operação, com ou sem trabalhos de
correcção, ou providenciando pela sua demolição, no todo ou em parte. Note-se que a
legalização pode passar pelo deferimento de uma licença ou de uma autorização, como
pode — no caso de obras parcialmente clandestinas — depender de alterações a introduzir
à licença ou autorização (artigo 83.°, n.° 3, remetendo para os artigos 27.° e 33.°).
Nem por isso tem carácter repressivo , ainda que sociologicamente possa ter essa

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leitura. Trata-se, na verdade, de uma medida que pode chegar a revelar-se como
salvaguarda do promotor cuja operação urbanística é suspensa.

Desde quando estão os trabalhos interditos? O embargo, como acto receptício, só é


eficaz depois de notificado. A lei refere-se a quatro notificandos (artigo 102.°, n.° 2): o
responsável pela direcção técnica da obra, o titular do alvará, o proprietário do imóvel e o
seu representante.
Necessária é a notificação do primeiro ou do segundo, em alternativa, condicionada a
do terceiro e, subsidiária a esta a do último.
Este preceito levanta sérias dificuldades. Desde logo, perante a obra clandestina, o
órgão municipal e o serviço que executa o embargo não tem pela frente o titular de nenhum
alvará e, muito provavelmente, a obra não disporá de direcção técnica. Depois, o
proprietário do imóvel. Até que sejam notificados os proprietários, com acrescida dificuldade
nas situações de comunhão, a operação decorrerá. Por último, quem deve ser identificado
como representante do proprietário, fora os casos de representação legal do menor ou do
incapaz?
Julga-se que só à primeira vista é condicionada a notificação do proprietário. Quando o
preceito relega esta notificação à contingência do «quando possível», está a admitir a
viabilidade de ser notificado, em outras situações, o seu preposto ou comitido — o
empreiteiro ou qualquer outro encarregado das obras — seus representantes, mesmo sem
mandato ou procuração.
Depois, nos n.ºs 6 e 7 vem, de novo, tratar-se dos destinatários da notificação, já não
apenas do embargo, como do auto: o requerente da licença , ou autorização, o proprietário
do imóvel e, se for esse o caso, a pessoa colectiva responsável pela execução dos
trabalhos.
Certamente, haveria proveito em que a eficácia da ordem de embargo fosse apenas
condicionada à afixação de um edital, no espaço em que decorre a obra, e selados os
equipamentos, com indicação de onde e como consultar o teor do auto.
A ordem de embargo, como a generalidade dos actos administrativos, depara-se com
pressupostos e requisitos vinculados, mas consente ao órgão competente uma latitude de
discricionariedade considerável.
Não dispõe de autonomia na determinação da melhor oportunidade nem tão-pouco para
aquilatar da conveniência do embargo. Logo que verificada a desconformidade da operação
com as prescrições legais e regulamentares aplicáveis, com a licença, com a autorização ou
com os limites da dispensa ou da isenção, o embargo deve ser despachado de imediato,
precedido pelo cumprimento das formalidades, a menos que a desconformidade com a
licença possa ser qualificada como alteração não substancial, para efeito do disposto no
artigo 83.°, n.° 1. Todavia, pode ser determinado no todo ou em parte: Imperativos de
proporcionalidade circunscrevem o embargo à medida do necessário, do adequado e do
razoável. Com efeito, se apenas parte da obra excede as condições, por exemplo, ao
acrescentar um piso ou ao dilatar a implantação, o presidente da câmara municipal pode
circunscrever o embargo, suspendendo apenas os trabalhos num certo e determinado troço,
mandando selar a parcela correspondente. Isto, como observa Cláudio Monteiro, se a parte
embargada possuir autonomia funcional bastante. Por outro lado, se do imediato embargo
da obra são de recear perigos concretos para a segurança de pessoas e bens, o mesmo
órgão pode ver-se compelido a tolerar a conclusão de certa tarefa (v. g. trabalhos de
contenção periférica), para obstar a um mal maior.

À partida, o embargo de obra não iniciada ou de obra já concluída mostrar-se-ia privado


de efeito útil, podendo admitir-se a sua nulidade por consistir em acto de objecto impossível.
Esta posição merece-nos algumas reservas. Desde logo, não se vê por que motivo não
possa — e não deva até — ser determinado o embargo de obras cujos trabalhos
preparatórios evidenciem o pronto inicio em determinado local: acumulação de materiais e
equipamentos, preparação de estaleiros, conhecimento de um contrato de empreitada.
Recorde-se que o embargo tem essencialmente um fim preventivo e, como tal, seria

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absurdo ter de aguardar pelo flagrante delito — «aterros, escavações ou terraplanagens e
derrube de árvores em maciço»— para poder interditar-se o início dos trabalhos. Recorde-
se aliás o efeito suspensivo que a ordem de embargo tem sobre a eficácia da licença ou da
autorização (artigo 103 º, n.° 2).
Quanto a obras já concluídas, o embargo tem também um efeito útil. Trata-se de proibir
a utilização do edifício ou da parte ampliada. Dir-se-ia que a medida adequada seria a
ordem para cessação da utilização seguida de despejo coercivo, sendo esse o caso.
Contudo, a utilização só pode ser feita cessar se já tiver sido iniciada. Uma vez mais, o
embargo mostra-se como medida de polícia com alcance preventivo, por excelência.
E é solução que nos parecia bem mais avisada. Com efeito, deve presumir-se que o
executante da obra é comitido pelo titular da licença ou pelo proprietário. Se o não é,
actuando com esbulho do terreno, a notificação ao proprietário só permite fazer cessar os
trabalhos quando este lançar mão dos meios possessórios ou usar o embargo civil de obra
nova.

Qualquer executante de uma obra sem licença ou contra a licença é o primeiro


responsável pela infracção. Trata-se de uma infracção formal, de mera actividade.
Com o RJUE, o legislador veio, pela primeira vez, estabelecer expressamente um termo
de caducidade da ordem municipal de embargo. Resulta do n.° 1 que o embargo deve estar
sujeito a um termo certo, muito embora possa caducar antes do termo, se vier a ser definida
a situação jurídica da operação — ou por legalização com ou sem trabalhos de correcção,
por demolição ou simplesmente por revogação do embargo. Se nenhum prazo for
estabelecido, o embargo caduca supletivamente ao cabo de seis meses, a menos que seja
prorrogado, no máximo, por outro prazo igual (n.° 2).
O embargo determina a suspensão do abastecimento ao local de energia eléctrica, gás
e água (artigo 103.°, n.° 3).
Por outro lado, suspende o prazo de caducidade da licença ou da autorização (artigo
103°, n.° 4) — o que bem se percebe se nos recordarmos que a licença é ipso facto
suspensa (artigo 103.°, n.° 2).

7. A DEMOLIÇÃO

A demolição não é apenas uma medida de polícia administrativa. Pode resultar de uma
iniciativa particular e, nessa qualidade, trata-se de uma operação urbanística enunciada no
artigo 2.°, alínea g), analisaria supra.
Sujeitar-se-á a vários condicionalismos que pretendem, no essencial, obstar a
fenómenos especulativos e preservar a paisagem urbana, para além da protecção dos
imóveis classificados ou em vias de classificação.
Mas, a demolição surge também como medida de polícia administrativa, a intimar ao
proprietário perante situações de iminente ruína (escorregamento, aluimento ou colapso de
edificações), por necessidade de execução de plano ou perante edificações não
susceptíveis de se conformarem com normas urbanísticas substantivas, ou seja, perante
situações de obras materialmente ilegais. (FIM ANDRÉ FOLQUE)

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