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2 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS
PRINCÍPIOS DA RADIOTOXICIDADE
A toxicidade ao tecido pode ser classificada como aguda ou crônica, de acordo
com o tempo de surgimento. A radiotoxicidade aguda ocorre nas primeiras semanas de
tratamento ou em até três meses após a conclusão da RT e tende a ocorrer em tecidos
compostos por células de rápida proliferação, que atingem as fases G2 e mitótica (M) do
ciclo celular com maior frequência, como a superfície da pele, folículo capilar, mucosa,
trato digestivo, tecido hematopoiético e linfoide.4,10,11 A radiotoxicidade tardia ou crônica
pode ocorrer meses ou em até anos após o término da RT. Essa resposta crônica afeta os
tecidos compostos por células de menor capacidade de proliferação, como subcutâneo,
muscular, ósseo, hepático, cardíaco e nervoso.4,10,11
Os efeitos celulares dependem do tipo de radiação utilizada, da capacidade de reparo
celular por lesão ao material genético e do estágio da célula no ciclo celular.9 Sabe-se
que as fases G2 e M são as mais sensíveis, pois, devido à compactação da cromatina, há
maior sensibilidade à radiação, dificultando a ação das enzimas de reparo tanto na massa
tumoral, quanto nos tecidos adjacentes.4,6 Por esse motivo, é essencial respeitar a dose de
tolerância à RT de cada tecido e planejar o tratamento considerando o potencial de toxi-
cidade de cada região.
RADIOSSENSIBILIDADE INDIVIDUAL
Há uma busca por métodos para aumentar a resposta do volume tumoral à RT e dimi-
nuir a toxicidade dos tecidos adjacentes.1,8 Essa variação na radiossensibilidade individual
pode estar relacionada a fatores clínicos e à suscetibilidade genética, que pode interferir na
resposta individual dos tecidos adjacentes à região irradiada.
Variabilidade Clínica
Fatores como volume de tratamento, RT combinada com outras modalidades tera-
pêuticas, idade do paciente e hábitos de vida (tabagismo, álcool, dieta, entre outros) podem
acentuar a toxicidade. Além disso, índice de massa corporal e outras comorbidades pree-
xistentes também influenciam a capacidade de resposta dos tecidos irradiados.12 A Tabela 1
apresenta os principais determinantes da radiossensibilidade clínica.
Variabilidade Genética
Mesmo no caso de pacientes que recebem tratamentos idênticos e apresentam situ-
ações clínicas semelhantes é comum a variabilidade na radiossensibilidade dos tecidos da
região adjacente.10,12 Observou-se um aumento na radiossensibilidade em pacientes com
síndromes genéticas, como a ataxia, a telangiectasia, a anemia de Fanconi e a deficiência de
DNA ligase IV.8,10 Assim, levantou-se à hipótese de que fatores genéticos podem estar asso-
ciados à radiossensibilidade individual.8,9 Estudos recentes mostram que a suscetibilidade
genética pode responder por aproximadamente 80% da diferença de toxicidade.6,13
As células desenvolveram mecanismos para preservar a estabilidade genômica diante
da lesão ao material genético.6 Guo et al. (2015)8 apresentam em seu estudo uma série de
genes responsáveis pelo reparo de lesões ao DNA que ocorre em células expostas à radiação
ionizante. O processo de reparo é realizado por vias de sinalização que reconhecem a lesão
e amplificam o sinal para outros genes até que a estabilidade genômica de uma célula seja
recuperada. Ainda, as vias de sinalização podem induzir a morte celular quando ocorre
falhas no mecanismo de reparo.8 Os genes envolvidos nessas vias são candidatos ao estudo
de radiogenômica, uma vez que são cruciais para a manutenção do reparo ao DNA, controle
do ciclo celular, apoptose e produção de citocinas.6 Qualquer variação de sequência do
material genético pode levar a alterações na estrutura dos genes e na função das proteínas
que eles codificam.8,13
A evolução das técnicas de sequenciamento genético tornou possível o estudo da
Radiogenômica, surgindo como um campo fértil para avaliar o papel dos biomarcadores
genéticos. A Radiogenômica foca na análise das variações genéticas e na resposta à radiação
incluindo a resposta tumoral à RT e a suscetibilidade à toxicidade em tecidos adjacentes.8
BIOMARCADORES GENÉTICOS
Os biomarcadores são substâncias ou estruturas que podem ser identificados em
processos metabólicos ou serem secretados pelo tumor. Eles podem ser detectados em
amostras de tecidos oriundos de biópsias, fluidos corporais, como sangue, saliva, urina
e lágrima, bem como em fezes.14-16 Assim, os marcadores biológicos possibilitam o diag-
nóstico, o prognóstico, além de prever efeitos adversos ao tratamento.14,15 A capacidade de
um biomarcador em predizer um efeito específico pode ser avaliada a partir de variações
genéticas tais como variações no número de cópias (CNV), mutações ou polimorfismo
de nucleotídeo único.17 Essas variações genéticas, que modificam sequência de nucleo-
tídeo (adenina, guanina, timina e citosina), podem ser usadas como marcadores genéticos.
Assim, o objetivo da Radiogenômica é avaliar a influência de marcadores genéticos, princi-
palmente SNP, associados a variáveis clínicas na predição de toxicidades nos tecidos adja-
centes durante a RT.7,8,18
cromossomo quanto nas não codificantes, nas quais ocorre a troca de um único nucleotídeo
(adenina, guanina, timina e citosina).6
Ao analisar a sequência de nucleotídeos de uma mesma região de um cromossomo
de 1.000 pares de bases de comprimento em indivíduos de diferentes regiões do mundo,
será possível observar que apenas um par de base varia entre cromossomos homólogos.19
Essas mudanças se dão por mutações que conferem alteração na sequência de nucleotí-
deos ou no arranjo do DNA podendo interferir ou não no fenótipo.19 As mutações gênicas
responsáveis por alterar genes individualmente ocorrem por erros de duplicação ou falha
no mecanismo de reparo do DNA.19 Quando uma variante em um único par de base é tão
comum que é encontrada em mais de 1% da população, essa passa a ser chamada de poli-
morfismo genético ou SNP.7,19
Os SNP têm o potencial de modificar fenótipos dependendo do locus cromossômico
onde a variação gênica ocorre. Essa variação pode, consequentemente, levar à síntese de
proteínas modificada.7 O DNA é o principal alvo da RT, levando à morte celular por modi-
ficações em genes de reparo.11 Atualmente, existem muitas pesquisas para determinar o
quanto a toxicidade induzida aos tecidos pela RT pode estar associada a fatores genéticos.
Radiodermatite
Uma série de estudos envolvendo polimorfismos têm sido conduzidos para avaliar
a capacidade de predizer toxicidades agudas e crônicas na pele relacionadas à RT, prin-
cipalmente em pacientes com câncer de mama e câncer de cabeça e pescoço. Estudos
envolvendo a investigação dos SNP em genes de reparo de DNA são os mais frequentes,
entretanto os resultados ainda são controversos. Por exemplo, os SNP no gene XRCC1,
foram investigados em 6 estudos, correlacionando com a presença de radiodermatite em
pacientes com câncer de cabeça e pescoço.23-28 Porém, os resultados de correlação entre os
SNP nesse gene e radiodermatite divergem entre os estudos. Os SNP nos genes MDM227 e
GSK3β 29 apresentaram correlação positiva e significativa com radiodermatite aguda em
pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Entretanto, não há outros estudos que investi-
garam polimorfismos nesses genes na mesma população. Mumbrekar et al (2017)30 inves-
tigaram a correlação de 22 polimorfismos em 18 genes com radiodermatite em pacientes
com câncer de mama e seus resultados indicaram correlação estatisticamente significativa
entre SNP no gene CD44.
Mucosite Oral
Uma metanálise, realizada por Normando et al. (2017),15 reuniu estudos que buscavam
associação entre biomarcadores e o desenvolvimento de mucosite oral induzida por RT.
Os achados mostraram que a maioria dos estudos mensurou os resultados e realizou
análise estatística de maneira confiável, porém os fatores confundidores dos estudos ainda
influenciam no risco de viés. Ao total foram avaliados 27 biomarcadores, entre eles, os SNP
nos genes XRCC1, XRCC3 e RAD51,que foram associados com risco de desenvolvimento
de mucosite oral. Os demais biomarcadores avaliados nos estudos que compuseram essa
metanálise não mostraram correlação significativa com mucosite oral induzida por RT.
Esofagite
Polimorfismos no gene TGF- β1 têm sido correlacionados com a capacidade de
predizer esofagite em pacientes com câncer de pulmão tratados com RT. Delgado et
al. (2019)31 investigaram os SNP nesse gene e mostraram resultados significativos para
predição de esofagite induzida por radiação. O estudo revelou que variações específicas de
pares de bases podem aumentar o risco de desenvolver esofagite mais grave. Esses resul-
tados sugerem que as análises por sequenciamento genético revelam biomarcadores para
predizer risco de esofagite quando associados a fatores clínicos. Zhang et al. (2010)32 e
Guerra et al. (2012)33 avaliaram outro SNP no gene TGF-β1 e encontraram significância
estatística para variação de pares de bases e risco de desenvolver esofagite grave: grau ≥ 2
ou ≥ 3, respectivamente.
6 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS
Pneumonite
Yan et al. (2017)34 realizaram uma metanálise com quatro estudos e encontraram que o
SNP rs189037 apresenta correlação significativa entre polimorfismos no gene ATM e o risco de
pneumonite induzida por radiação. Du et al. (2018)35 encontrou, pela primeira vez, associação
positiva entre menor risco de pneumonite e o SNP no gene ERCC1. Vários outros estudos
avaliando a correlação de SNP em genes com pneumonite induzida por radiação foram publi-
cados. Entretanto, estudos adicionais ainda são necessários para confirmar o poder preditivo
daqueles SNP que já apresentam correlação significativa com essa radiotoxicidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Identificar a resposta individual à RT já em fase de planejamento do tratamento, por
meio do sequenciamento genético associado a ensaios dosimétricos e parâmetros clínicos
individuais, subsidiará uma estratégia terapêutica personalizada.1,7,10 O valor preditivo dos
marcadores genéticos pode oferecer a oportunidade de desenvolver um tratamento para
cada paciente com base na mensuração da radiossensibilidade individual antes de iniciar o
tratamento.30 Dessa forma, é possível aumentar o efeito terapêutico, reduzindo também os
custos de saúde relacionados às demandas de suporte referentes ao tratamento de radio-
toxicidades.8 Ainda há uma série de estudos sendo desenvolvidos para avaliar a evidência
científica da capacidade de biomarcadores ou marcadores genéticos em predizer radioto-
xicidades. Porém, a quantidade de estudos que avaliam uma grande quantidade de genes
diferentes torna difícil o agrupamento de dados, dificultando a aplicabilidade da avaliação
genética na prática clínica. A possibilidade de usar ensaios genéticos preditivos de radio-
toxicidade permitirá que pacientes mais resistentes à RT recebam doses mais altas de
tratamento sem graves lesões aos tecidos adjacentes. Do mesmo modo, que pacientes com
menor tolerabilidade à RT recebam outro tipo de tratamento ou uma dose menor de RT.
RADIOGENÔMICA: UMA ESTRATÉGIA PERSONALIZADA PARA PREDIÇÃO DE TOXICIDADES INDUZIDAS POR RADIAÇÃO 7
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