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E MAXILOFACIAL
Complicações bucais
do tratamento
oncológico
Naiadja de Santana Cerqueira
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
O termo câncer se refere a um conjunto de neoplasias malignas com diferentes
etiologias e aspectos histopatológicos (SANTOS et al., 2015). Trata-se de uma
doença crônica multifatorial, resultante da interação dos fatores etiológicos
que afetam os processos de controle da proliferação celular (CEDRAZ et al.,
2016; SILVA et al., 2018).
Para controlar o crescimento dos tumores malignos e a disseminação de
suas células para outras partes do corpo, alguns tratamentos são utilizados, a
fim de barrar a evolução do câncer. Essas terapias podem ser localizadas (como
a remoção cirúrgica e a radioterapia) ou sistêmicas (como a quimioterapia, os
hormônios e as terapias biológicas). Independentemente da terapia utilizada,
é possível observar efeitos adversos associados a elas.
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Radiação ionizante
As radiações ionizantes são classificadas em eletromagnéticas e corpuscula-
res. A radiação eletromagnética, que compreende os raios X e os raios gama,
existe como fótons de alta energia e de curto comprimento de onda que são
capazes de provocar danos ionizantes aos tecidos humanos e diferem entre
si pela forma como são produzidos (TOMMASI; SASSI; STRAMANDINOLI-ZA-
NICOTTI, 2014).
A dosimetria da radiação é expressa pela unidade padrão Gray (Gy), que
representa J/kg. Para o câncer de cabeça e pescoço, essa dose varia de 54
a 70 Gy. A administração ocorre por meio de um fracionamento padrão, em
que normalmente o paciente recebe 2 Gy diários, cinco dias na semana, por
um período de cinco a sete semanas (ALTERIO et al., 2019). A vantagem do
fracionamento é que ele permite que, à medida que ocorra a redução do
volume do tumor, haja a reparação dos tecidos circunvizinhos (TOMMASI;
SASSI; STRAMANDINOLI-ZANICOTTI, 2014).
Modalidades em radioterapia
As formas de entrega de radiação ao tumor podem ser feitas por meio de
braquiterapia, método no qual a fonte de radiação é colocada dentro ou perto
do tumor, ou de teleterapia (a mais utilizada atualmente), em que o paciente é
exposto a uma fonte de radiação externa que geralmente está acondicionada
no interior de aparelhos (TOMMASI; SASSI; STRAMANDINOLI-ZANICOTTI, 2014).
Uma das formas de aplicação da teleterapia é por meio de um equipa-
mento denominado acelerador linear. O aparelho emite um feixe de radiação
direcionado ao tumor. Entretanto, essa forma convencional não atinge ape-
nas as células malignas, causando danos aos tecidos adjacentes ao tumor.
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Quimioterapia
A quimioterapia diz respeito ao tratamento de doenças por meio do uso de
substâncias químicas que afetam o funcionamento celular. Ao falar em qui-
mioterapia, naturalmente lembramos de tratamento contra câncer, mas os
quimioterápicos também são empregados no tratamento de outras doenças,
como a esclerose múltipla. O tratamento antineoplásico, objetivo deste capí-
tulo, é uma modalidade terapêutica que pode ser utilizada isoladamente ou
em conjunto com outras (TOMMASI; SASSI; STRAMANDINOLI-ZANICOTTI, 2014).
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Mucosite oral
A mucosite é uma lesão inflamatória intensa que ocorre nas membranas mucosas
como efeito colateral da terapia antineoplásica. Ela é causada pelos efeitos
citotóxicos da quimioterapia e/ou da radioterapia e pode acometer tanto a
cavidade bucal quanto outras mucosas do trato gastrointestinal (LALLA et
al., 2014). Enquanto a quimioterapia pode provocar o surgimento de mucosite
em qualquer ponto da mucosa gastrointestinal, a radioterapia, por ser um
tratamento local, leva ao desenvolvimento apenas na área irradiada (LALLA et
al., 2014; SONIS, 1998; SONIS et al., 2004). Quando ocorre durante o tratamento
radioterápico, a mucosite é chamada de mucosite por radiação ou radioinduzida,
e sua severidade está diretamente relacionada à dose, ao campo de irradiação,
ao tipo de radiação utilizada e ao fracionamento. Essa manifestação pode durar
até alguns dias após o término da radioterapia na região de cabeça e pescoço
(TOMMASI; SASSI; STRAMANDINOLI-ZANICOTTI, 2014).
A mucosite oral compromete seriamente a qualidade de vida do paciente
oncológico, pois consiste no surgimento de lesões altamente dolorosas,
comprometendo a capacidade de falar e, principalmente, de se alimentar,
podendo levar à desnutrição desses pacientes e, assim, impor uma interrupção
no tratamento antineoplásico (TOMMASI; SASSI; STRAMANDINOLI-ZANICOTTI,
2014). As lesões também podem atuar como porta de entrada para microrga-
nismos, elevando o risco de infecção local e/ou sistêmica (BENSADOUN, 2018;
LALLA et al., 2014; SONIS, 1998; SONIS et al., 2004; ZADIK et al., 2019).
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A B
para prevenir e tratar a mucosite oral (LALLA et al., 2014). A laserterapia modula
o reparo tecidual, acelerando a cicatrização, além de melhorar a nutrição
celular e a qualidade do tecido neoformado (MELO et al., 2011).
Cárie de radiação
O paciente tratado com radioterapia está propenso ao desenvolvimento de
cárie de radiação. A cárie de radiação é uma consequência tardia do trata-
mento radioterápico para câncer de cabeça e pescoço. Clinicamente, ela se
apresenta diferentemente da cárie típica, pois acomete as superfícies lisas e,
mais comumente, a cervical dos dentes. Geralmente, a cárie de radiação tem
início e progressão rápidos e pode tornar o dente mais friável, permitindo a
fratura da coroa dos dentes afetados (Figura 2) (MALLYA; LAM, 2015; TOMMASI;
SASSI; STRAMANDINOLI-ZANICOTTI, 2014).
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MRONJ
Inicialmente, acreditava-se que a MRONJ estava associada apenas ao uso
de bifosfonatos. Entretanto, atualmente, já se sabe que ela também pode
ocorrer em pacientes em uso de outros medicamentos antirreabsortivos
e antiangiogênicos (VILELA-CARVALHO et al., 2018). Essa condição impacta
gravemente na qualidade de vida dos pacientes acometidos, especialmente
naqueles em estágios mais avançados da doença. Clinicamente, é possível ob-
servar a presença de lesões ósseas (expostas ou não), dor, infecção, presença
de fístulas intra ou extraorais, fratura patológica ou hipoestesia (Figura 3)
(DUNPHY et al., 2020).
Osteorradionecrose
A osteorradionecrose (ORN) é caracterizada por uma região óssea com falha
no reparo que ocorre como consequência da irradiação ao tecido ósseo. Os
efeitos da radioterapia para o desenvolvimento da ORN são atribuídos aos
seguintes eventos: hipovascularização, hipóxia e hipocelularidade, que afetam
a capacidade de reparação tecidual. A radioterapia afeta os capilares do osso,
induzindo a inflamação e favorecendo a geração de pequenos trombos. Eles
causam congestão ao obliterarem o lúmen vascular e, assim, interrompem
a perfusão tecidual. Além disso, a radiação provoca um aumento na síntese
de radicais livres e altera a morfologia do colágeno presente. Ao sofrer uma
diminuição na sua celularidade, o osso é acometido por uma fibrose-atrófica
com comprometimento de sua reparação e capacidade de remodelação. Diante
dessa situação, o mínimo trauma externo provoca uma ulceração, contribuindo
para uma possível infecção e favorecendo a necrose óssea (RIVERO; SHAMJI;
KOLOKYTHAS, 2017; TOMMASI; SASSI; STRAMANDINOLI-ZANICOTTI, 2014).
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Candidíase pseudomembranosa
A candidíase é uma infecção fúngica oportunista causada pela Candida albicans,
um fungo saprófita do gênero Candida. Entre 30 e 50% dos indivíduos têm a
cândida como parte da sua microbiota oral, não havendo manifestação clínica
da presença do microrganismo. Essa porcentagem aumenta de acordo com a
idade do paciente, alcançando 60% de prevalência em indivíduos a partir dos
60 anos de idade. Assim, a manifestação clínica geralmente ocorre diante de
algum desequilíbrio na microbiota oral. De forma geral, esse desequilíbrio se
dá em virtude do estado imunológico do indivíduo ou de fatores locais que
afetam a mucosa de forma direta. Dentre algumas possíveis causas, em relação
à supressão do sistema imunológico, é possível citar tanto o próprio câncer
quanto os agentes quimioterápicos, que podem desencadear o surgimento
da candidíase pseudomembranosa. Localmente, possíveis fatores desen-
cadeadores a serem considerados são as alterações de glândulas salivares
(como hipossalivação e alteração de pH salivar) provocadas pela radioterapia
(GUEIROS, 2016; NEVILLE et al., 2009).
A candidíase tem diferentes apresentações clínicas e é a infecção fúngica
oral mais comum em humanos (NEVILLE et al., 2009). A candidíase pseudo-
membranosa é a mais conhecida e a mais comum forma de infecção pela
cândida. Conforme mostra a Figura 4, a doença clinicamente caracteriza-se
pela formação de pseudomembranas branco-amareladas aderidas à mucosa,
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Trismo
O trismo é um quadro de contratura dolorosa da musculatura da mandíbula
que provoca uma diminuição da distância máxima interincisiva, ou seja, há
uma limitação da abertura de boca (Figura 5) (BALDOMAN; VANDENBRINK,
2018; TOMMASI; SASSI; STRAMANDINOLI-ZANICOTTI, 2014). De acordo com a
literatura, o trismo é considerado quando a abertura da boca se encontra em
até 30 a 40 mm (BALDOMAN; VANDENBRINK, 2018; SHAO; CHIANG; HUANG, 2020).
Por isso, é importante estar atento aos exames laboratoriais desses pa-
cientes, uma vez que os pacientes trombocitopênicos podem apresentar
grande sangramento gengival à manipulação (durante uma raspagem sub-
gengival, por exemplo) ou sangramento persistente após a realização de
algum procedimento cirúrgico. Da mesma forma, o paciente com anemia e
leucopenia pode ter o seu tempo de cicatrização elevado e maior propensão
a desenvolver infecções. O cirurgião-dentista precisa conhecer o seu paciente
sistemicamente e saber manejar as possíveis complicações que o paciente
oncológico pode apresentar.
Por fim, é importante ressaltar o quão essencial é a presença do cirurgião-
-dentista na equipe multidisciplinar de assistência ao paciente oncológico.
Além disso, é fundamental uma boa comunicação entre o cirurgião-dentista
e o médico oncologista, a fim de realizar um tratamento odontológico mais
seguro, com melhor qualidade de vida ao paciente (TOMMASI; SASSI; STRA-
MANDINOLI-ZANICOTTI, 2014).
Referências
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v. 46, n. 3, p. 233-245, 2019.
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BALDOMAN, D.; VANDENBRINK, R. Physical therapy challenges in head and neck cancer.
In: MAGHAMI, E.; HO, A. (ed.). Multidisciplinary care of the head and neck cancer patient.
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integrativa da literatura. Revista Brasileira de Odontologia, v. 73, n. 2, p. 150-156, 2016.
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Leituras recomendadas
ALBUQUERQUE, I. L. S.; CAMARGO, T. C. Prevenção e tratamento da mucosite oral in-
duzida por radioterapia: revisão de literatura. Revista Brasileira de Cancerologia, v.
53, n. 2, p. 195-209, 2007.
CURRA, M. Análise de fatores de risco associados à mucosite bucal em pacientes subme-
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SAAD, E. D. et al. Critérios comuns de toxicidade do Instituto Nacional de Câncer dos
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