o paciente difícil na prática médica Bárbara Perdigão Stumpf1 Lídia de Lima Prata Cruz2 Cláudia Hara3 Fábio Lopes Rocha4 1. Bárbara Perdigão Stumpf, Psiquiatra. Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil 2. Lídia de Lima Prata Cruz, Psicóloga. Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil 3. Cláudia Hara, Psiquiatra. Professora do curso de medicina da Faculdade de Saúde e Ecologia Humana. Vespasiano, MG - Brasil 4. Fábio Lopes Rocha, Psiquiatra. Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
Instituição: Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
Unitermos: Transtorno da Personalidade Borderline; Atenção Primária à Saúde; Relações Médico-Paciente.
Uniterms: Borderline Personality Disorder; Primary Health Care; Physician-Patient Relations.
RESUMO dade elevadas, além de utilização excessiva de serviços de
saúde. O curso do TPB é caracterizado por altas taxas de Transtornos de personalidade não diagnosticados po- remissão e taxas razoáveis de recuperação. Todavia, um dem ser a base para relações médico-paciente custosas, número significativo de pacientes persiste com prejuízo especialmente no caso do Transtorno de Personalidade importante do funcionamento social. O tratamento de Borderline (TPB). Este artigo tem como objetivo fazer uma escolha para o TPB é a psicoterapia. Os psicofármacos revisão narrativa sobre o TPB, tendo em vista, particular- atuam de forma complementar. É essencial que o trata- mente, o manejo do transtorno na atenção primária. O mento seja fundamentado em aliança terapêutica sólida, TPB é um transtorno grave, caracterizado por instabilidade psicoeducação do paciente, estabelecimento de limites e emocional, impulsividade, dificuldade de relacionamento trabalho em equipe. Na prática clínica, a identificação e interpessoal e perturbação da autoimagem. É frequente o tratamento do TPB podem melhorar a relação médico- na prática médica, porém subdiagnosticado e comumente -paciente, aumentar a aderência ao tratamento, reduzir não tratado. Problemas na relação médico-paciente são as taxas de mobidade/mortalidade, além de refrear a comuns. Pacientes com TPB são descritos pelos profissio- utilização dos serviços de saúde. nais como exigentes, desafiadores e perturbadores. Esses pacientes apresentam prejuízos graves no funcionamento, INTRODUÇÃO tais como relações interpessoais tempestuosas, estresse familiar alto, dependência de outras pessoas, dificuldade Médicos das mais diversas especialidades por vezes em manter empregos e comportamento autoagressivo. atendem pacientes “difíceis”. Entre os pacientes “difí- Apresentam também preocupações somáticas excessivas ceis”, estão os portadores do Transtorno de Personalidade e comportamentos de autossabotagem. Os pacientes Borderline (TPB). São descritos pelos profissionais como com TPB apresentam taxas de suicídio maiores do que as exigentes, desafiadores, manipuladores e perturbadores. encontradas na população em geral, morbidade e mortali- Possivelmente, sejam os pacientes mais difíceis do ponto
11 vel, sem consideração pelas consequências; humor instável e caprichoso; tendência a acessos de cólera; incapacidade Com relação à genética, a de controle dos comportamentos impulsivos; e comporta- herdabilidade para o TPB é mento briguento e conflituoso, particularmente quando os atos impulsivos são contrariados ou censurados. A CID-10 estimada em 40%. Nenhum divide o TPIE em dois subtipos: o tipo impulsivo, caracteri- gene específico foi identificado zado principalmente por instabilidade emocional e falta de controle dos impulsos; e o tipo borderline, caracterizado, como causador do transtorno. além disso, por perturbações da autoimagem, do esta- Existem evidências de interações belecimento de metas e preferências internas (incluindo sexualidade), por uma sensação crônica de vacuidade, por e correlações gene-ambiente no relações interpessoais intensas e instáveis, e por tendência desenvolvimento do TPB. a adotar comportamento autodestrutivo, compreendendo tentativas de suicídio e gestos suicidas.8 Nesse artigo, utili- zamos o termo TPB de forma abrangente, como sinônimo de TPIE, de acordo com a literatura atual.2,7,9 Os critérios de vista psicológico que um médico possa encontrar.1 diagnósticos da classificação norte-americana, DSM-V, O TPB é um transtorno mental grave que se caracteriza estão descritos na tabela 1.10 por instabilidade emocional, impulsividade, dificuldade de Apesar dos portadores de TPB utilizarem os serviços relacionamento interpessoal e perturbação da autoima- médicos com maior frequência do que a população em gem.2 É um dos transtornos psiquiátricos mais complexos geral, o TPB é subdiagnosticado e frequentemente não em relação ao diagnóstico e tratamento. tratado.11 Na clínica geral ou em especialidades que não Afeta cerca de 2% da população geral adulta.2 A pre- a psiquiatria, o não reconhecimento do TPB pode ser o valência na atenção primária é elevada, até quatro vezes maior que na população geral.1 Em serviços de saúde principal responsável por dificuldades na relação médico- mental, cerca de 18% dos pacientes em tratamento psi- -paciente e na falta de aderência ao tratamento.1 quiátrico ambulatorial e 40% dos internos em enfermaria psiquiátrica apresentam o transtorno. Os portadores de FATORES DE RISCO TPB apresentam prejuízos graves no funcionamento, tais como relações interpessoais tempestuosas, estresse Vários fatores de risco são implicados na etiologia familiar alto, dependência de outras pessoas, dificuldade do TPB: genéticos, biológicos, abuso físico e sexual na em manter empregos e comportamento autoagressivo, infância, e disfunção familiar.2,3,5 É importante ressaltar incluindo taxas elevadas de suicídio.3-7 É frequente a que nenhum fator isolado é responsável pelo desenvol- comorbidade com transtornos do humor, transtornos vimento do TPB, assim como não se pode afirmar que de ansiedade e transtornos relacionados ao uso de pessoas que apresentem em sua história diversos fatores substâncias.6 No cuidado primário, apresentam elevada de risco desenvolverão o TPB.5 taxa de ideação suicida (21%) e ansiedade (57%), e alta Com relação à genética, a herdabilidade para o TPB é comorbidade com depressão maior e transtorno bipolar.1 estimada em 40%. Nenhum gene específico foi identifi- Este artigo tem como objetivo fazer uma revisão cado como causador do transtorno. Existem evidências narrativa sobre os critérios diagnósticos, fatores de risco, de interações e correlações gene-ambiente no desen- diagnóstico diferencial, curso e tratamento do TPB, tendo volvimento do TPB. Ou seja, indivíduos com genótipo em vista, particularmente, o manejo do transtorno na “suscetível” apresentam maior risco de desenvolver o atenção primária. transtorno na presença de ambiente predisponente.2 Quanto aos fatores biológicos, anormalidades no DIAGNÓSTICO circuito frontolímbíco têm sido associadas com muitas das características do TPB em adultos, porém não se sabe Na CID-10, o TPB recebe a denominação de Transtorno se esses achados são causa, efeito ou epifenômeno do de Personalidade com Instabilidade Emocional (TPIE). O transtorno.2,5,7 Em relação ao funcionamento do eixo hi- transtorno é caracterizado por comportamento imprevisí- pótalamo-hipófise-adrenocortical (HHA), indivíduos com
Tabela 1. Critérios diagnósticos do DSM-V para mostraram que o abuso físico na infância, o abuso sexual o Transtorno de Personalidade Borderline e negligência, associados com baixo nível socioeconô- Um padrão pervasivo de instabilidade dos mico da família de origem, estão independentemente relacionamentos interpessoais, autoimagem e afetos e associados com características de TPB até duas décadas acentuada impulsividade que começa no início da idade mais tarde.2,7 As respostas dos pais e outros cuidadores adulta e está presente em uma variedade de contextos, como indicado por cinco (ou mais) dos seguintes critérios: têm papel importante na atenuação dos efeitos do abu- 1 Esforços frenéticos para evitar um so. Inversamente, a falta de envolvimento emocional, abandono real ou imaginado. apoio e validação podem potencializar os efeitos do Nota: Não incluir comportamento suicida ou abuso e contribuir para o desenvolvimento do TPB e automutilante, coberto no Critério 5 problemas relacionados.3 2 Um padrão de relacionamentos interpessoais Os fatores familiares incluem inconsistência materna instáveis e intensos, caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização. na criação dos filhos na presença de envolvimento ma- 3 perturbação da identidade: instabilidade acentuada e terno excessivo; comportamento parental desadaptativo resistente da autoimagem ou do sentimento de self. durante a criação dos filhos; separação precoce da mãe 4 Impulsividade em pelo menos duas áreas antes de cinco anos de idade e experiências relacionais potencialmente prejudiciais à própria pessoa (por negativas precoces, incluindo apego desorganizado e ex., gastos financeiros, sexo, abuso de substâncias, maus-tratos; hostilidade materna e dissolução do vínculo; direção imprudente, comer compulsivamente). rompimento familiar relacionado à presença paterna e Nota: não incluir comportamento suicida ou automutilante, coberto no Critério 5. estresse familiar.2 5 Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças Linehan et al. desenvolveram um modelo transacional suicidas ou de comportamento automutilante. do desenvolvimento do TPB, também conhecido como 6 Instabilidade afetiva devido a uma acentuada Teoria Biossocial (Figura 1). Nesse tipo de modelo, dois ou reatividade do humor (por ex., episódios de mais fatores se influenciam reciprocamente, resultando intensa disforia, irritabilidade ou ansiedade em uma condição particular (para o indivíduo) ou estilo geralmente durando algumas horas e apenas raramente mais de alguns dias). de relacionamento (para a díade pai/mãe-filho). O mode- 7 Sentimentos crônicos de vazio lo enfatiza o papel de vários fatores: (a) temperamento 8 Raiva inadequada e intensa ou dificuldade da criança; (b) respostas dos pais, familiares e cuida- em controlar a raiva (por ex., demonstrações dores, e qualidade do ambiente familiar; (c) interação frequentes de irritação, raiva constante, indivíduo-ambiente ao longo do tempo; (d) o contínuo lutas corporais recorrentes). resultante de disposições individuais e variedade de com- 9 Ideação paranoide transitória e relacionada ao portamentos do normal até o patológico; e (e) a análise estresse ou graves sintomas dissociativos. comportamental contextual moderna para explicar o desenvolvimento e a manutenção do TPB. Neste mode- TPB apresentam resposta cortical atenuada em resposta lo, uma desregulação emocional difusa e crônica seria a ao estresse agudo, quando comparados com controles normais.2 Entretanto, a maior parte dos comportamentos parassuicidas em adolescentes com TPB em fase inicial Vulnerabilidade História persistente de está associada a aumento do volume hipofisário, o que emocional respostas de invalidação sugere maior ativação do eixo HHA. Assim, é possível que a ativação prolongada do eixo HHA em indivíduos Resposta emocional exacerbada com estresse crônico possa acarretar redução da respon- sividade desse eixo, proporcionando uma possível via de desenvolvimento do TPB.2,3 Expressão indevida (resposta Apesar de existir forte associação entre TPB e experi- comportamental maladaptativa) ências adversas na infância, o papel etiológico preciso do trauma na infância é incerto, uma vez que os supostos Respostas de invalidação fatores de risco (abuso na infância, ambiente familiar adverso e história familiar de psicopatologia) são alta- mente interligados. Dados prospectivos longitudinais Figura 1. Teoria Biossocial de Linehan
13 característica central e a principal dificuldade no TPB. Os Tabela 2. Semelhanças entre o Transtorno de comportamentos característicos do TPB são entendidos Personalidade Borderline e o Transtorno Bipolar como consequência natural da desregulação emocional Desregulação afetiva – não-específica ou como tentativas problemáticas de regular, prevenir ou Características depressivas atípicas mais truncar emoções desreguladas.3 comuns que na depressão maior Automutilação Herdabilidade alta DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Polimorfismos de transportador relevantes Possível ligação genética Não há consenso sobre uma eventual inter-relação Desregulação fronto-límbica: modulação entre o TPB e o Transtorno Bipolar (TB), especialmente o reduzida da atividade límbica subtipo 2 (TB2). Na literatura, são consideradas várias hi- Redução do tamanho do hipocampo póteses: (a) a nosologia atual não separa adequadamente Baixa comorbidade entre TB e TPB as duas condições (cinco dos nove critérios diagnósticos Histórico de trauma precoce significativo para o TPB podem ocorrer na hipomania ou mania); (b) Perturbações do sono comuns o TPB faz parte do espectro do TB; (c) o TB é fator de Podem surgir sintomas psicóticos risco para o TPB; (d) o TPB é fator de risco para o TB; (e) os dois transtornos têm fatores de risco em comum.12 Tabela 3. Transtorno de Personalidade Entretanto, estudos recentes sugerem que o TPB e o Borderline versus Transtorno Bipolar. TB sejam entidades clínicas distintas que podem ocorrer Característica Borderline Bipolar separadamente ou conjuntamente.13 Apesar de terem em Aleração do senso de self Sim Não Desregulação do comum alguns elementos de psicopatologia e fisiopatolo- Raiva Euforia humor – Depressão gia (Tabela 2), as diferenças entre os transtornos parecem Ciclagem do Humor +-+++ +++ ser mais relevantes que as semelhanças (Tabela 3). Comprometimento da relações +-+++ ++ Abuso sexual precoce ++++ ++ CURSO E PROGNÓSTICO História familiar de TAB Não Sim Sensibilidade receptor Não Sim O TPB é tradicionalmente considerado um transtorno glucorticoide crônico e de prognóstico ruim.14 Entretanto, alguns pa- Disfunção mitocondrial Não Sim cientes com TPB apresentam sintomas leves e têm bom Eficácia dos estabilizadores ++ ++++ de humor funcionamento psicossocial ao longo do tempo. Outros Eficácia dos antipsicóticos pacientes permanecem bastante sintomáticos e são in- ++ ++++ atípicos capazes de estudar ou trabalhar satisfatoriamente. Eles podem ficar isolados socialmente ou viver mudando de e 60%. Comparados a portadores de outros transtornos um relacionamento conturbado para outro.15 de personalidade, os pacientes com TPB apresentaram O National Institute of Mental Health dos Estados maiores dificuldades de alcançar e manter remissões e Unidos financiou dois estudos sobre o curso longitudinal recuperações.16 do TPB: o Collaborative Longitudinal Personality Disorders Pacientes com TPB apresentam morbidade e mor- Study e o McLean Study of Adult Development. talidade elevadas, além de utilização excessiva de No Collaborative Longitudinal Personality Disorders serviços de saúde. As taxas de suicídio e de tentativas Study, em dez anos de seguimento, 85% dos pacientes de suicídio são muito superiores às encontradas na com TPB tiveram remissão por um período mínimo de população geral. Oito a dez por cento dos pacientes doze meses. Este trabalho também mostrou que os com TPB cometem suicídio. As taxas de tentativa che- pacientes com TPB apresentaram deficiências graves e gam a 60-70%.3,4,6,9 persistentes no funcionamento social.14 Na atenção primária, os pacientes com TPB apre- Os resultados de dezesseis anos de seguimento dos sentam taxas elevadas de preocupações somáticas, participantes do McLean Study of Adult Development frequentemente têm múltiplas queixas de sintomas mostraram taxa de remissão dos portadores de TPB va- físicos difusos e apresentam maiores taxas de condições riando de 78% a 99%, e taxas de recuperação entre 40% complexas, tais como transtornos psicofisiológicos (por
exemplo, fibromialgia, enxaqueca), dor crônica e obe- minuir comportamentos destrutivos e melhorar a qualidade sidade. Adicionalmente, esses pacientes apresentam dos relacionamentos. Busca um equilíbrio entre a aceitação maior risco de se engajarem em comportamentos de empática e o confronto por mudanças comportamentais. autossabotagem no tratamento médico, como interfe- Combina terapia individual com terapia em grupo.20 rir intencionalmente na cicatrização de feridas, utilizar Psicoterapia baseada na mentalização: psicotera- inadequadamente a medicação prescrita ou facilitar a pia de orientação psicodinâmica, que foca especificamen- ocorrência de infecções.17 te nos déficits envolvidos na psicopatologia do transtorno. Em suma, o curso do TPB é caracterizado por altas Enfatiza o aprendizado do indivíduo em reconhecer seus taxas de remissão e taxas razoáveis de recuperação. próprios estados mentais (sentimentos, atitudes) e dos Entretanto, um número significativo de pacientes com outros, como forma de explicar os comportamentos. TPB continuam a apresentar deficiências importantes no Também combina terapia individual e em grupo.21 funcionamento social. Terapia focada na transferência: é uma abordagem que incentiva sessões individuais na frequência de duas ou TRATAMENTO três vezes por semana. As condições do tratamentos esta- belecidas no contrato facilitam a reativação das relações O tratamento de escolha para o TPB é a psicoterapia.18 objetais internalizadas pelo indivíduo (primeiras relações O tratamento farmacológico é complementar, dirigido emocionais vividas pelo sujeito e as pessoas amadas). aos sintomas preponderantes no momento, e de duração O terapeuta busca a interpretação do significado dos limitada.5,19 A combinação de psicoterapia e tratamento comportamentos do paciente nos seus relacionamentos, farmacológico pode ser a melhor escolha para a maior especialmente na relação terapeuta paciente.22 parte dos pacientes.5 Terapia do esquema: esta abordagem combina A internação hospitalar dos pacientes com TBP deve elementos da terapia cognitivo comportamental com ser evitada por ser contraproducente na maior parte dos outras formas de psicoterapia com o objetivo de rees- casos.18 Nos casos de tentativas de suicídio graves e de truturar esquemas emocionais desadaptativos (estruturas sintomas psicóticos agudos, a internação deve ser feita, cognitivas que regulam as interpretações realizadas pelo porém o tempo de permanência no hospital deve ser curto. individuo impondo um padrão distorcido de percepção A internação pode resultar em regressão do comportamen- da realidade). Os esquemas são construídos desde a in- to como passividade, abuso de álcool ou drogas ilícitas e fância e repetidos ao longo da vida. A construção de uma acting out; ou comportamento disruptivo tal como auto- aliança terapêutica profunda e segura é um dos principais agressão, violência e violação de regras.18 As enfermarias recursos utilizados pelo terapeuta.23 especializadas em tratamento de TBP, caso disponíveis, A abordagem mais difundida e com maior número de devem ser a opção de escolha em caso de internação.18 estudos empíricos comprovando sua eficácia é a Terapia Comportamental Dialética, seguida por terapia baseada PSICOTERAPIA na mentalização, terapia focada na transferência e tera- pia focada no esquema. Porém, nenhuma delas possui As principais abordagens psicoterápicas para tra- evidências científicas robustas.24 tamento do TPB possuem alguns fatores em comum, como coerência teórica, padronização dos procedi- TRATAMENTO FARMACOLÓGICO mentos realizados e consideração para as dificuldades de relacionamento entre terapeuta e paciente. A partir O tratamento farmacológico do TPB inclui o uso de destes princípios gerais, psicoterapias específicas foram antidepressivos, antipsicóticos, estabilizadores do humor desenvolvidas para serem utilizadas com este grupo de e ansiolíticos.6,19,25,26 O primeiro passo do tratamento pacientes.20 Múltiplas abordagens possuem estudos com- consiste em identificar cuidadosamente a existência de provando sua eficácia na diminuição de comportamentos transtornos comórbidos, os quais influenciarão a escolha de automutilação, suicídio, hospitalizações, e medicações. da medicação e a duração do tratamento. Muitos estudos As mais conhecidas e estudadas são: também ressaltam a importância da identificação dos Terapia comportamental dialética: ensina aos pacien- domínios sintomatológicos predominantes no quadro.26,27 tes habilidades de regular estados emocionais intensos, di- Os domínios sintomatológicos do TPB são especificados
15 na Tabela 4. muito variada e geralmente são excluídos pacientes com Com relação à dosagem dos fármacos, é recomendado comorbidades. Outro problema diz respeito à duração iniciar o tratamento com doses baixas, uma vez que os curta dos ensaios clínicos. As doses adequadas não foram pacientes com TPB tendem a ser altamente sensíveis aos suficientemente estudadas. Faltam replicações dos estudos estímulos fisiológicos e aos efeitos adversos dos medica- realizados e o aprofundamento da avaliação da combi- mentos.17,26 Em relação aos antipsicóticos, recomenda-se nação do tratamento farmacológico com a psicoterapia. usar um terço a metade da dose utilizada no tratamento De maneira geral, para o tratamento do TPB, algumas da esquizofrenia. Os estabilizadores do humor devem ser recomendações devem ser seguidas: (a) fomentar a alian- usados nas mesmas doses empregadas para o tratamento do TB. Os antidepressivos devem ser utilizados em doses maio- Tabela 5. Resultados da Metanálise res do que as padronizadas no tratamento da depressão.26 de Ingehoven et al.27 Duas metanálises recentes mostraram quais os fár- Medicação Domínio Efeito macos mais eficazes no tratamento do TPB.27,28 Ambas Antipsicóticos Cognitivo-percentual Moderado mostraram melhores resultados com o uso de estabiliza- Desregulação Moderado/ dores do humor e antipsicóticos, sendo que os primeiros afetiva: raiva grande apresentaram efeito mais pronunciado no funcionamento Antidepressivos Ansiedade Pequeno global. O uso de antidepressivos, devido ao efeito in- Desregulação significante no funcionamento global, é recomendado Pequeno afetiva: raiva somente na presença de comorbidade. Adicionalmente, Descontrole Estabilizadores os estudos mostraram que os principais sintomas do TPB impulsivo/ Muito grande do humor como sentimentos crônicos de vazio, distúrbio de iden- comportamental tidade e sentimento de abandono não melhoraram com Desregulação Muito grande o uso de psicofármacos. Os resultados desses trabalhos afetiva: raiva se encontram sumarizados nas Tabelas 5 e 6. Desregulação Grande Vários aspectos não foram adequadamente avaliados afetiva: ansiedade nos estudos de tratamento psicofarmacológico do TPB. Desregulação afetiva: Moderado humor deprimido Uma dificuldade relaciona-se à generalização dos resulta- dos, pois a sintomatologia apresentada pelos pacientes é Tabela 6. Resultados da Metanálise Cochrane.28 Tabela 4. Domínios Sintomatológicos do Domínios/Classe de Transtorno de Personalidade Borderline medicamentos Medicamentos
ça terapêutica; (b) educar o paciente sobre o transtorno; pessoas ou a instituição de trabalho. (c) estabelecer limites desde o início; (d) validar sintomas • O clínico não deve pactuar com e experiências; (e) compartilhar metas, tais como melho- queixas injustificáveis ra do funcionamento, redução da reatividade e da dor • Outras recomendações sobre o tratamento emocional; (f) comunicar a necessidade de mudança de de pacientes com TPB no cuidado primário medicamento; (g) discutir efeitos colaterais; e (h) trabalhar se encontram sumarizadas na tabela 7. em equipe com papéis bem definidos. CONCLUSÃO ORIENTAÇÕES PARA O CLÍNICO Em resumo, o TPB é um transtorno mental grave, mas Transtornos de personalidade não diagnosticados tratável. Estudos de seguimento mostram que o TPB é podem ser a base para relações médico-paciente cus- caracterizado por taxas relativamente altas de remissão tosas. A identificação do transtorno pode melhorar a e taxas razoáveis de recuperação. Um número signifi- compreensão e o tratamento dos pacientes difíceis. No cativo de pacientes persiste com prejuízo importante cuidado primário, os médicos raramente têm tempo do funcionamento social. A abordagem psicoterápica ou treinamento para ofertarem psicoterapia formal a é essencial no tratamento. Os psicofármacos atuam de pacientes com TPB. Lidar com esses indivíduos pode ser forma complementar, sendo dirigidos aos sintomas pre- um desafio para o clínico, mesmo quando o atendimento ponderantes e usados por tempo limitado. É essencial que seja de curta duração. o tratamento seja fundamentado em aliança terapêutica Alguns comportamentos do profissional da saúde po- sólida, psicoeducação do paciente, estabelecimento de dem desencadear ou piorar uma crise (por exemplo, atitude limites e trabalho em equipe. de julgamento e resposta a ataques verbais), enquanto outros podem contribuir para o reequilíbrio emocional. Tabela 7. Recomendações para o tratamento Comportamentos recomendáveis do clinico no manejo do TPB no cuidado primário de pacientes com TPB11,29: 1 Demonstre interesse e preocupação, mas • Diante de um paciente descontrolado não se aproxime demais dos pacientes. emocionalmente, procurar manter a calma 2 Mantenha o equilíbrio entre o reconhecimento e não mostrar atitude de julgamento. empático do medo do abandono e o estabelecimento de limites claros. • Durante a crise, o clínico deve manter o foco no problema presente. Questões como 3 Reconheça verbalmente os sentimentos do paciente, mas exija um comportamento problemas familiares e de relacionamento adequado no consultório. devem ser trabalhadas em tratamentos de longo prazo (com o psicólogo ou psiquiatra). 4 Evite responder a provocações, tente se manter emocionalmente neutro. • Os clínicos devem trabalhar para que o paciente se 5 Considere agendar consultas frequentes, mantenha ativo e motivado a encontrar soluções porém breves e estruturadas. para os seus problemas, mesmo durante a crise. 6 Forneça respostas claras para combater fantasias. • Se há mais de um profissional envolvido no 7 Tenha uma enfermeira presente na sala processo, é necessário que um membro da equipe quando for realizar o exame físico. seja o principal responsável pelo caso. Os outros 8 Trabalhe em conjunto com um profissional de saúde profissionais envolvidos devem reportar-se a esse mental e outros colaboradores para evitar problemas membro, caso ocorra alguma intercorrência. de cisão (por exemplo, colocar um profissional contra • O encerramento de um tratamento ou encami- o outro) e discuta os sentimentos com os colegas. nhamento para outra equipe pode evocar emoções inten- sas de raiva e abandono por parte do paciente. Explique ao paciente sobre os motivos da decisão e ofereça tempo SUMMARY e espaço para trabalhar o rompimento do vínculo. Comportamentos não recomendáveis do clínico11,29: Unrecognized personality disorders can be the basis for • Diante de ataques verbais, o clínico não difficult physician-patient relationships, especially in the deve insistir em se defender, defender outras case of Borderline Personality Disorder (BPD). This article
17 aims to provide a narrative review of the BPD, mainly 9. Biskin RS, Paris J. Diagnosing borderline personality disorder. CMAJ. 2012 Nov 6;184(16):1789-94. focusing on the management of the disorder in primary 10. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of care. BPD is a severe disorder characterized by instability Mental Disorders, fifth edition. Washington, DC: American Psychiatric of affect and interpersonal relationships, impulsivity and Association, 2013. disturbance in the self-image. It is frequent in medical 11. National costing report: Borderline personality disorder. NICE clinical guideline 78 (2009). Available from www.nice.org.uk/CG78 practice, but commonly underdiagnosed and untreated. 12. Fiedorowicz JG, Black DW. Borderline, bipolar, or both? Current Problems in doctor-patient relationship are common. Psychiatry. 2010;9:21-31. Patients with BPD have been described by primary care 13. Basset D. Borderline personality disorder and bipolar affective disor- physicians as demanding, challenging and disruptive. der. Spectra or spectre? A review. Aust N Z JPsychiatry. 2012;46(4): 327-339. These patients have severe impairments in functioning, 14. Gunderson JG, Stout RL, McGlashan TH, Shea MT, Morey LC, et al. such as stormy interpersonal relationships, high family Ten year course of borderline personality disorder: psychopathology stress, dependency on others, difficulty in maintaining and function from the Collaborative Longitudinal Personality Disorders jobs and auto agressive behavior. They also show excessive Study. Arch Gen Psychiatry. 2011 Aug;68(8):827-37. somatic concerns and self-sabotage behaviors. Patients 15. Zanarini MC, Frankenburg FR, Reich DB, Fitzmaurice G. Time to at- tainment of recovery from borderline personality disorder and stability with BPD have higher suicide rates than those found in of recovery: a 10-year prospective follow-up study. Am J Psychiatry. the general population, high morbidity and mortality, as 2010 Jun;167(6):663-7. well as excessive use of health services. The course of BPD 16. Zanarini MC, Frankenburg FR, Reich DB, Fitzmaurice G. Attainment and stability of sustained symptomatic remission and recovery among is characterized by high rates of remission and reasonable patients with borderline personality disorder and axis II comparison recovery rates. However, a significant number of patients subjects: a 16-year prospective follow-up study. Am J Psychiatry. 2012 persist with significant impairment in social functioning. May;169(5):476-83. The treatment of choice for BPD is psychotherapy. Phar- 17. Webber MA. Borderline personality disorder in the medical setting: unmasking and managing the difficult patient. Psychiatry (Edgemont). macotherapy has an adjunctive role. It is essential that 2009; Dec;6(12):49-50. treatment should be based on solid therapeutic alliance, 18. Biskin RS, Paris J. Management of borderline personality disorder. patient psychoeducation, setting of limits and teamwork. CMAJ. 2012 Nov 20;184(17):1897-902. In clinical practice, the recognition and treatment of BPD 19. American Psychiatric Association. Treating Borderline Personality Disorder. Washington, DC: American Psychiatric Association, 2001. may improve the doctor-patient relationship, increase 20. Brazier J, Tumur I, Holmes M, et al., Psychological therapies including treatment adherence, reduce morbidity/ mortality rates dialectical behaviour therapy for borderline personality disorder: a and restrain the use of health services. systematic review and preliminary economic evaluation. J Health Technology Assessment. 2006 Sep; 10(35) :1-117. 21. Eizirik M, Fonagy P. Terapia de mentalização para pacientes com REFEREÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS transtorno de personalidade borderline: uma atualização. Rev. Bras. Psiquiatr. 2009, 31(1):72-75. 1. Gross R, Olfson M, Gameroff M, Shea S, Feder A, et al. Border- 22. Kernberg O, Yeomans F, Clarkin J, Levy K. Transference focused line personality disorder in primary care. Arch Intern Med. 2002 psychotherapy: Overview and update . Int J Psychoanal . 2008; 89: Jan;162:53-60. 601–620 2. Chanen AM, McCutcheon L. Prevention and early intervention for 23. Kellogg SH, Young JE. Schema therapy for borderline personality borderline personality disorder: current status and recent evidence. disorder. J Clin Psychol. 2006 Apr;62(4):445–58. Br j Psychiatry Suppl. 2013 Jan;54:s24-9. 24. Stoffers J, Völlm BA, Rücker G, et al. Psychological therapies for 3. Fruzzetti AE, Shenk C, Hoffman PD. Family interaction and the de- people with borderline personality disorder: Cochrane Database Sys velopment of borderline personality disorder: a transactional model. Rev. 2012 Aug 15; (8): CD005652. Dev Psychopathol. 2005 Fall;17(4):1007-30. 4. Pompili M, Girardi P, Ruberto A, Tatarelli R. Suicide in borderline perso- 25. Lieb K, Völlm B, Rücker G, Timmer A, Stoffers JM. Pharmacotherapy nality disorder: a meta-analysis. Nord J Psychiatry. 2005;59(5):319-24. for borderline personality disorder: Cochrane systematic review ofr andomised trials. Br J Psychiatry. 2010 Jan;196(1):4-12 5. Oldham JM. Borderline personality disorder. NEA_BPD Meet and Greet. New York, NY – October21, 2011. 26. Nelson K, Schulz SC. Pharmacologic treatment of borderline perso- 6. Ripoll LH. Clinical Psychopharmacology of borderline personality di- nality disorder. Current Psychiatry. 2011 Aug;10(8):31-40. sorder: an update on the available evidence in light of the Diagnostic 27. Ingenhoven T, Lafay P, Rinne T, et al. Effectiveness of pharmacothe- and Statistical Manual of Mental Disorders – 5. Curr Opin Psychiatry. rapy for severe personality disorders: meta-analyses of randomized 2012 Jan;25(1):52-8. controlled trials. J ClinPsychiatry. 2010 Jan;71(1):14-25. 7. Paris J, Black DW. Borderline personality disorder and bipolar disorder: 28. Stoffers J, Völlm BA, Rücker G, et al. Pharmacological interventions what is the difference and why does it matter? J Nerv Ment Dis. 2015 for borderline personality disorder: Cochrane Database Syst Rev. 2010 Jan;203(1):3-7. Jun 16;(6):CD005653. 8. Organização Mundial de Saúde. Classificação de Transtornos Mentais 29. National Health and Medical Research Council. Clinical Practice e de Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Guideline for the Management of Borderline Personality Disorder. Diagnósticas. Porto Alegres: Artes Médicas, 1993. Melbourne: National Health and Medical Research Council; 2012.