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BIOQUÍMICA

SISTÊMICA

Débora Czarnabay
Conversão de aminoácidos
em neurotransmissores,
porfirinas e pigmentos
biliares
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Explicar as principais vias metabólicas para a síntese de moléculas


derivadas de aminoácidos.
„„ Identificar os aminoácidos precursores da síntese de alguns neuro-
transmissores, porfirinas e pigmentos biliares.
„„ Reconhecer as funções gerais das biomoléculas especializadas sinte-
tizadas a partir de aminoácidos.

Introdução
O conjunto composto por 20 aminoácidos presente na natureza é a base
constituinte das proteínas, que estão localizadas em cada parte do corpo
humano. A grande diversidade de possíveis combinações de aminoácidos
permite que, além das proteínas, essas unidades estruturais também sejam
capazes de originar outras biomoléculas com diversos papéis biológicos.
Neste capítulo, você irá descobrir que os aminoácidos podem formar
diversas biomoléculas vitais para o funcionamento do corpo humano.
Além disso, você vai conhecer as principais vias de formação e os ami-
noácidos envolvidos e descobrir mais sobre as funções de cada um
dos produtos.
2 Conversão de aminoácidos em neurotransmissores, porfirinas e pigmentos biliares

Principais vias metabólicas para a síntese


de biomoléculas derivadas de aminoácidos
Muito além de serem somente os constitutivos das proteínas, os aminoácidos
formam biomoléculas especializadas como, por exemplo, hormônios, coen-
zimas, neurotransmissores, porfirinas e pigmentos biliares. A síntese dos
neurotransmissores derivados dos aminoácidos tem em comum a reação de
descarboxilação de aminoácidos (reação na qual o grupo carboxila é removido
de uma molécula), reação dependente de piridoxal-fosfato (PLP). Cada um dos
aminoácidos, através da ação de enzimas específicas, será convertido em um
neurotransmissor diferente. A tirosina é a exceção à regra, tendo em vista que
a molécula origina uma família denominada catecolaminas, composta pelos
neurotransmissores dopamina, noradrenalina e adrenalina.
A L-tirosina é convertida em DOPA (di-hidroxifenilalanina) pela ação da
enzima tirosina-hidroxilase que, por sua vez, é convertida em dopamina pela
enzima descarboxilase de aminoácidos aromáticos, com a presença de PLP.
Os neurônios dopaminérgicos finalizam a síntese nesse ponto. A dopamina
precisa da enzima dopamina-β-hidroxilase para a conversão em noradrenalina,
via reação de hidroxilação, que ocorre somente em células que possuem essa
enzima, como, por exemplo, os neurônios noradrenérgicos. Tal enzima é uma
oxidase, assim como a tirosina-hidroxilase, que requer um doador de elétron,
como o ácido ascórbico (vitamina C) e um cofator para a transferência desse
elétron, como o cobre (Cu2+). A enzima feniletanolamina-N-metiltransferase
é responsável pela conversão da noradrenalina em adrenalina (Figura 1). O
anel fenil com dois grupos OH presentes nesses compostos é um catecol, por
isso a família tem o nome de catecolaminas.
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Figura 1. Biossíntese de neurotransmissores derivados de aminoácidos.


Fonte: Nelson e Cox (2014, p. 910).

Para a formação do neurotransmissor histamina, o aminoácido histidina é


catalisado pela enzima histidina-descarboxilase, com PLP. O aminoácido glu-
tamato é convertido em ácido γ-aminobutírico (GABA) pela enzima glutamato-
-descarboxilase. O neurotransmissor serotonina é formado em uma reação de
duas etapas. Inicialmente, o triptofano é convertido em 5-hidroxi-triptofano
pela enzima triptofano-hidroxilase, porém também é necessária a conversão
da tetraidrobiopterina (BH4) em di-hidrobiopterina (BH2). Na segunda etapa
da via, o 5-hidroxi-triptofano é convertido em serotonina pela enzima descar-
boxilase dos aminoácidos aromáticos e PLP. A serotonina também é conhecida
por 5-hidroxitriptamina (5-HT).
4 Conversão de aminoácidos em neurotransmissores, porfirinas e pigmentos biliares

As porfirinas são compostos cíclicos tetrapirrólicos, ou seja, junção de


quatro anéis pirrólicos que se ligam a íons metálicos como o Fe+2 ou Fe+3 atra-
vés de pontes metenila, que têm como precursor o aminoácido glicina. Esses
compostos variam conforme a natureza da cadeia lateral que está ligada a cada
um dos seus anéis. As porfirinas são sintetizadas a partir de quatro moléculas
de porfobilinogênio, que é derivado de duas moléculas de δ-aminolevulinato
(ou ácido δ-aminolevulínico). Nas mitocôndrias de fungos, algumas bactérias
e animais, a succinil-CoA (proveniente do ciclo do ácido cítrico) reage com o
aminoácido glicina e forma α-amino-β-cetoadipato durante a primeira etapa de
condensação; rapidamente, o α-amino-β-cetoadipato é descarboxilado, assim
produzindo o ácido δ-aminolevulínico (ALA), uma reação dependente de PLP e
catalisada pela enzima δ-aminolevulinato-sintase (Figura 2). Na segunda etapa
da via, já no citosol das células, duas moléculas de δ-aminolevulinato (ALA)
formam o porfobilinogênio em uma reação catalisada pela ALA-desidratase.
O porfobilinogênio é composto por um anel pirrol e duas cadeias laterais
diferentes (ácido acético e ácido propiônico), sendo o precursor do tetrapirrol.
Ainda no citosol da célula, após uma série de reações, ocorre a formação
de um tetrapirrol chamado uroporfirinogênio, que pode ser do tipo I ou III.
Ambos são convertidos pela enzima uroporfirinogênio-descarboxilase em
coproporfirinogênio I e III, mas somente o tipo III retorna para a mitocôndria e,
após algumas reações de oxidação, forma a protoporfirina IX. A incorporação
de um átomo de ferro ferroso (Fe+2) na protoporfirina IX leva à formação do
heme, reação catalisada pela enzima ferroquelatase (Figura 3). Os principais
locais de biossíntese do grupamento heme são o fígado (células hepáticas) e as
células produtoras de eritrócitos na medula óssea, ativas durante a síntese de
hemoglobina (hemeproteína presente nas hemácias responsável pelo transporte
de gases no sangue, como o oxigênio e o monóxido de carbono).

Figura 2. Biossíntese do δ-aminolevulinato (ALA).


Fonte: Nelson e Cox (2014, p. 905).
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Figura 3. Biossíntese do heme.


Fonte: Nelson e Cox (2014, p. 905).

Aproximadamente após 120 dias na circulação, os eritrócitos (hemácias) são


captados e degradados pelo sistema reticuloendotelial (composto por células com
capacidade fagocitária, como os macrófagos) presente principalmente no baço
e fígado, formando a bilirrubina e outros derivados que conferem a coloração
aos produtos coletivamente denominados de “pigmentos biliares”. A via de
degradação do heme é catalisada pela enzima heme-oxigenase na presença de
NADPH e O2, iniciando pela adição do grupo hidroxila (-OH) na ponte metenila,
entre dois anéis pirrol A e B (ou I e II), com oxidação do íon Fe+2 a Fe+3 (íon
férrico). Em uma etapa seguinte, ocorre uma nova oxidação e clivagem do anel
de porfirina, que libera monóxido de carbono e íon férrico, gerando um pigmento
verde chamado biliverdina. Esse pigmento é reduzido pela biliverdina-redutase
em um pigmento de coloração vermelho-alaranjado conhecido como bilirrubina.
A bilirrubina é lipofílica e, portanto, insolúvel em solução aquosa, da mesma
forma que os ácidos graxos livres. Sendo assim, a bilirrubina é transportada no
sangue até o fígado ligada à proteína albumina sérica. O restante do processo
de catabolismo da bilirrubina ocorre em três etapas: captação pelo fígado,
conjugação e secreção para a bile. Uma vez no fígado, a bilirrubina é removida
da albumina e captada pelos hepatócitos, ligando-se a proteínas citosólicas como
a glutationa-S-transferase (também conhecida como ligandina), evitando que
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ocorra um refluxo para o sangue. A bilirrubina (apolar) é, então, convertida a


uma forma mais solúvel em água (polar) pelo processo gradual de conjugação
catalisado pela enzima UDP-glicosil-transferase:

Bilirrubina + UDP-glicuronato monoglicuronídeo de bilirrubina + UDP


Monoglicuronídeo de bilirrubina + UDP-glicuronato diglicuronídeo de
bilirrubina + UDP

A forma predominante de bilirrubina conjugada excretada é o diglicu-


ronídeo de bilirrubina. O diglicuronídeo de bilirrubina formado é, então,
transportado por proteínas localizadas na membrana plasmática dos canalículos
biliares, onde é transferido para a bile. Durante o processo de digestão, a bile
é liberada no intestino delgado, e bactérias específicas removem a porção
glicuronosil da bilirrubina conjugada pela ação da enzima β-glicuronidase.
A reação seguinte de redução forma um grupo de urobilinogênios (compos-
tos incolores). A maior parte desses compostos é oxidada até a formação da
estercobilina, que dá a coloração marrom característica das fezes. Entretanto,
pequenas porções de urobilinogênio são reabsorvidas pelo intestino e entram
na circulação porta, participando do sistema entero-hepático do urobilinogênio,
o qual secreta novamente o urobilinogênio para a bile. Uma pequena fração
do urobilinogênio também é transportada pelo sangue até os rins, convertida
em urobilina e excretada na urina, dando sua coloração amarela característica.

A bilirrubina parece funcionar como antioxidante, protegendo as células dos efeitos


nocivos ocasionados pelas espécies reativas de oxigênio (EROs). Para que a bilirrubina
exerça essa função, ela é oxidada até a forma de biliverdina e reduzida pela biliverdina-
-redutase, regenerando a bilirrubina.
Fonte: Harvey e Ferrier (2012, p. 282).

Aminoácidos precursores
de neurotransmissores, porfirinas
e pigmentos biliares
Os aminoácidos são constituídos de um carbono central, um grupo amino
(—NH2), um grupo carboxila (—COOH), um hidrogênio e um grupo chamado
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residual (—R) ou cadeia lateral. O grupamento residual (R) é o grupo que


muda na estrutura do aminoácido; logo, a combinação de cada R diferente com
o restante da estrutura fixa irá formar um novo aminoácido. São conhecidos
vinte aminoácidos comumente encontrados na natureza e que podem ser
classificados em duas categorias principais: essenciais e não essenciais. Os
essenciais são todos os aminoácidos que podem ser obtidos a partir da dieta,
não são sintetizados ou produzidos pelo organismo em quantidades suficientes,
como, por exemplo, fenilalanina, histidina, lisina, triptofano, metionina. Já os
aminoácidos não essenciais são aqueles sintetizados pelo organismo a partir
dos intermediários do metabolismo, provenientes das reações de glicólise, do
ciclo do ácido cítrico e da via das pentoses, tais como o aspartato, glutamato e
serina, ou como cisteína e tirosina, que são sintetizadas por outros aminoácidos
essenciais (Figura 4).
Outra maneira de classificar os aminoácidos é conforme a polaridade de
sua cadeia lateral (grupamento R). De acordo com essa classificação, há três
tipos principais:

1. aminoácidos com grupos R apolares (glicina, alanina, valina, leucina,


isoleucina, metionina, prolina, fenilalanina e triptofano);
2. aminoácidos com grupos R polares sem carga elétrica (serina, treonina,
asparagina, glutamina, tirosina, cisteína);
3. aminoácidos com grupos R polares com carga elétrica (lisina, arginina,
histidina, aspartato e glutamato).

Certamente, há uma variedade muito grande nas propriedades físico-


-químicas de todos os aminoácidos, tais como a polaridade, acidez ou basi-
cidade, reatividade química, solubilidade, o que tem papel crucial no arranjo
desses aminoácidos e possíveis funções no organismo. Para tanto, o corpo
humano mantém um pool (grupamento) de aminoácidos livres no sangue,
que se mantém até mesmo no período de jejum, ou seja, quando você não
está ingerindo alimentos contendo aqueles aminoácidos essenciais. A partir
disso, os tecidos têm acesso contínuo a aminoácidos individuais para a síntese
de proteínas e para as biomoléculas derivadas de aminoácidos. Esse pool de
aminoácidos livres é proveniente dos aminoácidos ingeridos na dieta e também
do turnover de proteínas do corpo (degradação de proteínas presentes no
organismo disponibilizando aminoácidos).
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Figura 4. Visão geral da biossíntese de


aminoácidos.
Fonte: Nelson e Cox (2014, p. 891).

Cada tecido tem uma necessidade diferente de aminoácidos, pois diferem em


suas funções fisiológicas. A principal função do metabolismo de aminoácidos
no cérebro e tecido nervoso é para a síntese de neurotransmissores. Dentre os
mais de 40 compostos identificados com a função de neurotransmissor, todos
têm nitrogênio proveniente de precursores aminoácidos na sua composição. Os
neurotransmissores são formados nos terminais pré-sinápticos dos axônios e,
em seguida, armazenados em grânulos dentro de vesículas, até o momento de
serem liberados na fenda sináptica quando necessário, devido a uma mudança
transitória no potencial eletroquímico do axônio. No cérebro, a glutamina tem
função de transportadora de nitrogênio para a síntese de neurotransmissores.
Sendo assim, o cérebro é capaz de produzir grandes quantidades de glutamina
em resposta à presença da enzima glutamina-sintetase nas células astrogliais, a
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qual fica aguardando para ser utilizada. Além disso, o glutamato e o aspartato
também são sintetizados nessas células através de grupos amino doados por
aminoácidos de cadeia ramificada e intermediários do ciclo do ácido cítrico.
O glutamato é sintetizado pela transferência de um grupo amino para
o α-cetoglutarato através de uma reação de transaminação, a qual utiliza
NADPH e forma NADP. Ele também é convertido em glutamina pela en-
zima glutamina-sintetase, incorporando o NH4+ que foi liberado da reação de
desaminação de aminoácidos. Nessa etapa, a glutamina tem duas possíveis
rotas: sair do cérebro levando o excesso de NH4+ para o sangue ou ser usada
como precursora para a formação de novo glutamato. Nas células astrogliais, a
glutamina é convertida a glutamato pela isoenzima da glutaminase neuronal.
Já nos neurônios GABAérgicos, o glutamato sofre descarboxilação, formando
o neurotransmissor GABA (ácido γ-aminobutírico). Esse neurotransmissor é
reciclado por uma transaminase que o converte em succinaldeído e é oxidado
em succinato, entrando no ciclo do ácido cítrico.

α-cetoglutarato + NH4 L-glutamato + H2O

A tirosina que forma a família de neurotransmissores conhecida por cate-


colaminas (dopamina, noradrenalina e adrenalina) é proveniente da dieta ou é
sintetizada no fígado a partir do aminoácido essencial fenilalanina, que sofre
ação da enzima fenilalanina-hidroxilase. Porém, essa reação requer oxigênio e
a presença da coenzima tetra-hidrobiopterina (BH4), o que pode ser uma etapa
limitante da velocidade de síntese. O cofator BH4 não é sintetizado a partir de
uma vitamina, mas sim pelo próprio organismo a partir do GTP, o qual existe
em quantidades limitadas no corpo. Logo, o BH2 deve ser reconvertido em BH4
para a reação não ficar estacionada. Na reação de degradação da fenilalanina,
ela é convertida em tirosina através de uma reação de hidroxilação, e a tirosina
é oxidada em acetoacetato e fumarato, este último entrando no ciclo do ácido
cítrico para formar glicose.

L-fenilalanina + O2 + BH4 L-tirosina + H2O + BH2

A histidina (que origina o neurotransmissor histamina e pode ser formada


a partir da ribose-5-fosfato, proveniente do ciclo das pentoses), mesmo não
sendo sintetizada por ser um aminoácido essencial, é capaz de fornecer cinco
carbonos para formar glutamato quando ela é degradada. A reação inclui uma
série de etapas, nas quais a histidina é convertida em formiminoglutamato
(FIGLU) e, em seguida, ocorre a transferência de um carbono para um pool
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de FH4 (tetraidrofolato, um derivado da vitamina folato), liberação de NH4+ e


glutamato. Por outro lado, o triptofano (aminoácido que origina a serotonina)
pode ser formado a partir da eritrose-4-fosfato, também um intermediário do
ciclo das pentoses, e pelo fosfoenolpiruvato, advindo da glicólise. O triptofano
é proveniente da dieta e, durante o metabolismo, sua degradação ocorre pela
oxidação do aminoácido, produzindo alanina pela porção fora do anel, formado
por um dos carbonos do anel, acetil-CoA, um intermediário quinurenina (que
pode ser convertido em produtos excretados na urina), NAD e NADP.
A glicina, que dá origem às porfirinas, é sintetizada a partir do aminoácido
serina por meio da remoção do grupo hidroxi-metila catalisado pela enzima
serina-hidroximetil-transferase. A serina é sintetizada, principalmente, no rim
e fígado a partir da glicose que forma 3-fosfoglicerato, oxidado a 2-ceto-3-
-fosfoidroxipiruvato, a qual é transaminada para formar a fosfosserina. Essa
fosfosserina forma a serina pela enzima fosfosserina-fosfatase. A glicina
também pode formar glioxilato pela enzima D-aminoácido-oxidase, sendo
considerada uma via de degradação importante na clínica. O glioxilato pode
sofrer oxidação e formar oxalato, composto que tende a precipitar nos túbulos
renais, levando à formação de cálculos renais. Muitos medicamentos e outros
compostos com grupos carboxilas são conjugados ao aminoácido glicina para
facilitar sua excreção na urina (RODWELL et al., 2017).

Os erros inatos do metabolismo são geralmente causados por mutações genéticas,


levando à formação de proteínas anormais ou enzimas com atividade catalítica defi-
ciente. A fenilcetonúria (FCU ou PKU) é o erro inato do metabolismo mais comumente
encontrado na população. A PKU ocorre, geralmente, pela deficiência da enzima
fenilalanina-hidroxilase, o que leva ao acúmulo de fenilalanina e deficiência de tirosina.
A deficiência de tirosina acaba levando à falta de catecolaminas e, consequentemente,
afetando o sistema nervoso central. A simples restrição de fenilalanina na dieta não é
capaz de reverter os sintomas ocasionados pela falta dos neurotransmissores. Sendo
assim, o tratamento inclui dieta com restrição de fenilalanina e reposição com umas
das enzimas precursoras da via da tirosina – neurotransmissores.
Fonte: Voet e Voet (2013).
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Funções das biomoléculas derivadas


de aminoácidos e doenças relacionadas
Quando você pisa em um prego e ele penetra no seu pé, a informação é en-
viada para o seu cérebro por um sinal neural. Para que essa informação seja
interpretada e gere uma resposta como, por exemplo, a contração muscular
ou um grito, é necessário que ocorra uma comunicação entre as suas células,
nesse caso os neurônios presentes no sistema nervoso. Os neurotransmissores
são os responsáveis pela transferência de informação de um neurônio para
o outro, processo denominado sinapse. O neurônio típico possui um corpo
celular que contém dendritos e um prolongamento chamado de axônio, que
contém os terminais axonais (Figura 5). Cada neurotransmissor é sintetizado,
armazenado em vesículas e liberado por um terminal pré-sináptico na fenda
sináptica (espaço entre as duas células), onde o neurotransmissor irá se ligar
a um receptor específico localizado no terminal pós-sináptico, gerando uma
ação. Tudo isso é orquestrado de forma que cada neurotransmissor promova
uma ação específica.

Figura 5. Esquema da transmissão nervosa e sinapse.


Fonte: Silverthorn (2017, p. 230).
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A dopamina é produzida pelos neurônios dopaminérgicos, presentes em


diversas regiões do sistema nervoso, como o sistema nigroestriatal, que conecta
a substância nigra no mesencéfalo aos núcleos da base (abaixo do córtex), via
responsável pelo controle motor. A doença de Parkinson está associada com a
deficiência de dopamina e destruição dos neurônios na substância nigra; por
esse motivo, os pacientes acometidos apresentam principalmente o tremor e a
dificuldade de iniciar os movimentos, sendo tratados com o fármaco L-dopa,
um precursor na via biossintética da dopamina. Além disso, a dopamina tem
papel fundamental no sistema de recompensa, adição às drogas de abuso,
atenção e memória. Após sua ação, a dopamina é recaptada da fenda para o
terminal pré-sináptico por um transportador de dopamina (DAT) (BEAR;
CONNORS; PARADISO, 2017).
A noradrenalina e a adrenalina são neurotransmissores excitatórios presentes
nos gânglios do sistema nervoso simpático e em neurônios no SNC. Esses neuro-
transmissores estão envolvidos em situações como o controle do ciclo sono-vigília,
devido à ampla rede de neurônios por todo o córtex cerebral e tronco encefálico,
assim como na atenção, em estados de alerta, situações de estresse, memória e
aprendizado, ansiedade, dor e até no humor. As respostas de “luta ou fuga”, como
quando você leva um susto, levam a aumento da frequência cardíaca, sudorese,
vasoconstrição na pele e broncodilatação. A adrenalina é mais ativa no coração
e no pulmão do que a noradrenalina, também redireciona o sangue da pele para a
musculatura esquelética e tem ação no fígado no metabolismo do glicogênio. A ação
das catecolaminas é finalizada pela sua recaptação pelos terminais pré-sinápticos
ou células adjacentes, como as células gliais. Após recaptação, os neurotransmis-
sores sofrem uma reação de inativação pela enzima MAO (monoamina-oxidase)
e degradação pela COMT (catecol-O-metiltransferase).
A serotonina é um vasoconstritor potente e estimula a contração dos mús-
culos lisos, além de também estar envolvida na regulação do humor e de certos
tipos de comportamentos, no controle do apetite, assim como na regulação de
estados de alerta de sono e vigília. Quando os níveis de serotonina estão abaixo
do normal, pode ocorrer aumento do apetite e surgimento de comportamento
depressivo. A serotonina também é inativada pela enzima MAO após sua
ação; por esse motivo, os primeiros medicamentos antidepressivos criados
foram os inibidores da enzima MAO. A inibição da MAO, aumenta o tempo
da serotonina na fenda sináptica e a possibilidade de ligação no receptor,
aumentando também a ação. Atualmente, existem muitos outros fármacos
disponíveis para o tratamento de depressão e alterações do humor.
Já o neurotransmissor histamina é produzido pelos mastócitos e por algumas
fibras neurais. Os mastócitos compõem uma família de células secretoras,
Conversão de aminoácidos em neurotransmissores, porfirinas e pigmentos biliares 13

produzidas na medula óssea, que são responsáveis pelo armazenamento e libe-


ração da histamina, estando presentes em diversas regiões do sistema nervoso,
como o tálamo, o hipotálamo, a dura-máter, o plexo coroide. Os neurônios
histaminérgicos possuem corpo celular presente no núcleo tuberomamilar do
hipotálamo posterior e suas fibras projetam amplamente para quase todas as
regiões do sistema nervoso central. A distribuição generalizada de projeções
histaminérgicas em todo o cérebro permite que a histamina controle várias con-
dições homeostáticas, comportamentais e patológicas. A histamina é reconhecida
como substância vasodilatadora em tecidos, aumentando a permeabilidade das
paredes dos vasos sanguíneos. É também liberada pelos mastócitos em resposta
a situações alérgicas, como quando você entra em contato com muito pó, em que
parte dos sintomas (coriza e lacrimejamento) se dá pelos efeitos vasodilatadores
e de aumento da permeabilidade. No pulmão, a histamina promove constrição
dos brônquios e evita que mais material alérgico entre. Geralmente, o tratamento
para as situações alérgicas é por um medicamento anti-histamínico (uma droga
farmacêutica que inibe que a histamina se ligue nos seus receptores). No cérebro,
a histamina é considerada neurotransmissor excitatório e é principalmente
envolvida em aspectos qualitativos e cognitivos da vigilância, coordena os
comportamentos dirigidos a objetivos, como a busca por alimentos, além de
modular os processos mnemônicos de forma temporal e específica conforme
os tipos de memórias e áreas cerebrais envolvidas. Também é liberada durante
o processo digestivo, estimulando a secreção ácida do estômago.
O GABA é um neurotransmissor inibitório proveniente da descarboxilação
do aminoácido glutamato e relacionado com o controle do tônus muscular,
envolvido no comportamento agressivo e impulsividade. O GABA é reciclado
no SNC e sua captação ocorre principalmente pelas células gliais. A baixa
produção de GABA está relacionada com a epilepsia, onde um possível tra-
tamento é a administração de tiagabina, fármaco que inibe a receptação de
GABA da sinapse, reduzindo a frequência das convulsões.
As porfirinas são compostos cíclicos, contendo quatro anéis pirrólicos
(nomeados I, II, III e IV) unidos por meio de ligações meteno (=HC—), deno-
minadas α, β, γ e δ. As cadeias laterais substituem os oito átomos de hidrogênio,
formando diferentes compostos através das reações enzimáticas, tais como o
uroporfirinogênio e protoporfirina. Por fim, a formação do grupo heme demons-
tra a importância das porfirinas para o transporte de oxigênio pela hemoglobina
no sangue. No grupo heme, o ferro é ligado a quatro átomos de nitrogênio no
centro do anel de porfirina. As cadeias laterais são formadas por um grupo
metil (M, CH3), vinil (V, -CH=CH2) e um propionato (P, CH2CH3COO-). Na
união do heme com a proteína globina, os grupos propionato com carga negativa
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interagem com as cadeias laterais de arginina e histidina da proteína globina,


formando a hemoglobina. O oxigênio se liga diretamente ao átomo de ferro
presente na hemoglobina, em um dos lados do anel da porfirina. A estrutura em
tetrâmero da hemoglobina facilita a saturação de O2 nos pulmões, da mesma
maneira que a liberação do oxigênio conforme passa pelos leitos capilares.
Porém, ao longo da via de formação do heme, alterações nas enzimas que
regulam cada etapa da reação podem levar ao desenvolvimento de doenças
conhecidas como porfirias (do grego porfiria, púrpura).
Os sintomas das porfirias normalmente são desencadeados devido à de-
ficiência dos intermediários da via pelo bloqueio enzimático ou ainda pelo
acúmulo dos metabólitos antes do bloqueio. As porfirias podem desencadear
diversos sintomas, tais como uma simples anemia até fotossensibilidade e
ulcerações na pele (Quadro 1). Com base nos órgãos mais afetados, as porfi-
rias podem ser classificadas em eritropoiéticas (medula óssea) ou hepáticas
(fígado), devido aos diferentes níveis dos precursores e metabólitos alterados,
afetando diferentes células de maneiras distintas. O tratamento geralmente
tem por objetivo a redução dos sintomas.

Quadro 1. Principais características das porfirias.


Fonte: Rodwell et al. (2017, p. 328).
Conversão de aminoácidos em neurotransmissores, porfirinas e pigmentos biliares 15

A degradação do grupo heme forma os pigmentos biliares, como a bili-


verdina (que confere cor à bile) e a estercobilina (que confere cor às fezes),
que são excretados pelo organismo. Quando o sangue contém quantidades
excessivas de bilirrubina (hiperbilirrubinemia), ela se deposita na pele e es-
clera (branco dos olhos), deixando o indivíduo com a pele e olhos amarelos.
Essa condição se chama icterícia e é muito comum em bebês recém-nascidos,
principalmente prematuros, que possuem um sistema hepático imaturo para
a captação, conjugação e secreção adequada da bilirrubina. Também ocorre
devido à deficiência transitória da enzima bilirrubina-glicosil-transferase, a
dano hepático ou por obstrução dos ductos excretores do fígado. O tratamento é
realizado com fototerapia (exposição à luz), expondo o recém-nascido à luz azul,
ou com administração do medicamento fenobarbital, promovendo a secreção
hepática da bilirrubina e excreção na bile e fezes (RODWELL et al., 2017).

Acesse o link ou código a seguir para aprender um pouco


mais sobre como alguns aminoácidos formam biomolécu-
las especializadas, compreendendo a biossíntese desses
aminoácidos (ARAUJO, 2013).

https://goo.gl/RE5cvB

Icterícia obstrutiva: a deposição de bilirrubina na pele, nos tecidos e na esclera pode


dar-se devido a uma obstrução do ducto biliar (colestase extra-hepática) como, por
exemplo, em casos de cálculos biliares. Esses cálculos obstruem a passagem da bilirrubina
pelo ducto até o intestino. Pacientes acometidos por esse tipo de icterícia apresentam
náuseas, dores abdominais, fezes claras e urina que escurece ao ser deixada em repouso.
Hematoma: quando você machuca seu dedo e fica com um hematoma, ao longo
dos dias a cor do hematoma vai mudando. Essa coloração resulta da hemoglobina
liberada pelos eritrócitos danificados, começando pela cor púrpura/negra e que, com
o tempo, muda para verde (biliverdina) e, por último, para o amarelo da bilirrubina.
Fonte: Harvey e Ferrier (2012).
16 Conversão de aminoácidos em neurotransmissores, porfirinas e pigmentos biliares

ARAUJO, S. Curso de Bioquímica: Biossíntese de aminoácidos. YouTube, 2013. Disponível


em: <https://www.youtube.com/watch?v=xzhKUSaw6YA>. Acesso em: 05 out. 2017.
BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema
nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
HARVEY, R. A.; FERRIER, D. R. Bioquímica ilustrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012.
NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014.
RODWELL, V. W. et al. Bioquímica ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 7. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2017.
VOET, D.; VOET, J. G. Bioquímica. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.

Leitura recomendada
TOY, E. C. et al. Casos clínicos em bioquímica. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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