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Pós-Graduação em Direito

Ética e Deontologia Jurídica

Vinícius Teodoro de Oliveira


FAEL
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Diretor Acadêmico Francisco Carlos Sardo

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editora Fael
Autoria Vinícius Teodoro de Oliveira

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2015
Ética e Deontologia
Jurídica

RESUMO: O presente trabalho pretende dos Advogados do Brasil (AOB), o Código de


contribuir com o aprendizado sobre a ética e a Ética da OAB. Com as considerações, intenta-
deontologia jurídica. Para tanto, serão desen- -se que o leitor não considere o assunto con-
volvidos conteúdos sobre a Moral, Ética e
cluso, mas que tendo este panorama da ética
Deontologia, Diferenças e Aproximações entre
e deontologia propostos possa refletir critica-
os Conceitos de Moral, Ética e Deontologia,
Fundamentos do Pensamento Ético na Histó- mente sobre os rumos do pensamento atual,
ria da Humanidade nas perspectivas: grega, para assim, posicionar-se com propriedade
helenística, medieval, moderna e contempo- perante o desafiador tema.
rânea; a Deontologia Jurídica, a existência do
dever moral, os princípios inerentes e aspec- Palavras-Chaves: Ética. Moral. Direito.
tos da profissão do advogado; os requisitos da Deontologia Jurídica. Estatuto da OAB.
Profissão do Advogado – Estatuto da Ordem Código de Ética

1. MORAL, ÉTICA E O objetivo inicial é de apresentar os con-


ceitos dos temas essenciais à disciplina, a fim
DEONTOLOGIA de definir e diferenciar cada um deles.

Vinícius Teodoro de Oliveira(*) É comum haver equívoco entre os concei-


tos de ética, moral e deontologia, assim como
A necessidade de adequação às regras de reduzir os códigos de ética profissionais a
convivência foi entendida como imprescindí-
códigos de conduta. Por este motivo, propõe-
vel tanto ao ser social quanto ao profissional.
-se aqui a reflexão dos conceitos por diferentes
Com isso, houve necessidade de se estabelecer
teóricos, sem deixar de lado os exemplos prá-
condutas éticas propostas em códigos escritos,
ou seja, os manuais. ticos que tanto contribuem para a elucidação
da teoria.
Os temas abordados nesta disciplina são
de grande relevância, pois irão nortear a fun- 1.1 Diferenças e
damentação e a prática pessoal. Isto porque a
disciplina aqui chamada de Ética e Deontologia aproximações
Jurídica se entrelaça com a vocação jurídica. entre os conceitos
Em outras palavras, a vocação enobrecida de moral, ética
e deontologia
e bem compreendida é melhor aplicada. De
outro lado, quando desprezada ou alienada, a
linha vocacional torna- se obscura, adulterada
Os conceitos de moral, ética e deontologia
ou danificada.
se entrelaçam e, portanto é compreensível que
Intenta-se com o presente artigo, que o lei- causem certa confusão de senso comum.
tor tenha êxito e possa enobrecer sua vocação
agregando os conhecimentos aqui propostos. A respeito destas diferenças, assim como
faz LANGARO1 em seus escritos, vale ressal-
tar que um conceito encontra-se entrelaçado a
................ outro historicamente.
(*) Especialista em Direito Empresarial. Advogado atuante nas áreas
empresarial, tributária e aduaneira. Foi instrutor do Tribunal de Ética da OAB/ 1 LANGARO, Luiz Lima. Curso de Deontologia Jurídica. 2. ed. Atuali-
PR. Docente em Cursos de Graduação e de Pós-Graduação. zada por Gislon Langaro Dipp. São Paulo: Saraiva, 1996.
A palavra moral deriva do termo romano or isso, carregue características como liber-
“mos/moris” que expressa em latim o mesmo dade e universalidade.
que os similares gregos e pode também signi-
Ainda diferenciando moral de ética a fim
ficar personalidade ou moradia.
de melhor elucidar, segundo CHAUÍ2, des-
A moral existe desde que o ser humano taca-se que moral está no âmbito do fato social
habita em grupo e se transforma em con- e a ética no âmbito de um bem universal.
junto com a sociedade. Assim, a moral nasce
Por este motivo, a moral pode ser mensu-
quando surge o outro, ou seja, quando começa
rada apenas no contexto de um grupo espe-
a aparecer o ser social.
cífico da sociedade. Diz-se que a moral trata
Moral é definida pelas normas, valores e do comportamento interpessoal, ou seja, des-
princípios que gerações transmitem às novas tinado a regular os relacionamentos inerentes
gerações com vistas a orientar o modo como a um grupo de pessoas. A moral aponta as ati-
devem comportar-se a fim de terem uma tran- tudes corretas, regras claras e fechadas, para
quila em comunidade. Conceitos como bom que o comportamento seja considerado ade-
caráter, honestidade, retidão são comprometi- quado ao grupo. A moral é fornecida por meio
mentos morais, pois são elaborados e transmi- da cultura e interiorizada por cada pessoa
tidos culturalmente visando o convívio social pertencente ao grupo. As pessoas não fazem a
dentro de determinada cultura. moral, mas se sujeitam a ela, da mesma forma
acontece com a cultura. Importante destacar
As normas morais são recebidas e aceitas,
que os sujeitos são livres e conscientes para
sem discussão, mas com liberdade e consciên-
aceitar ou criticar as regras morais que os são
cia pelas pessoas que desejam conviver bem
ofertadas.
com os demais do grupo. Estas normas regu-
lam as relações interpessoais de cada pessoa Já a ética pode ser considerada um com-
inserida em uma comunidade específica. portamento específico adquirido por meio de
estudo e reflexão a respeito da moral. A ética
A norma que foi criada e acreditada
aponta para o bem universal que é inerente a
como correta pela maioria do grupo social,
todas as sociedades. Ética é atemporal e vai
com o tempo passa a ser vista como virtude
sendo é construída pela razão, pelo estudo e
daqueles membros e, o inverso também é
pelo conhecimento adquirido. A característica
verificado, o comportamento contrário é
de universalidade do comportamento é fun-
repudiado pelo grupo e passa ser visto como
damental à ética. A ética torna cada pessoa
errado ou anormal.
responsável por suas atitudes, seu compor-
Moral e ética a princípio parecem sinô- tamento, pois, depois de tamanha reflexão e
nimos, contudo o termo moral se refere aos ciência, já não se pode mais alegar desconhe-
diferentes códigos de ética, e ética se refere à cimento das implicações inerentes ao compor-
filosofia da moral. tamento pessoal.

A palavra ética tem origem na Grécia Enquanto no âmbito da moral as pessoas


antiga, “ethica”. É derivada de ethos e sig- fazem aquilo que sua consciência arbitra,
nifica residência ou morada. Seu significado no âmbito da ética cada um é levado a fazer
sofreu alterações passando a ser sinônimo aquilo que sua sabedoria e conhecimento
de personalidade até assumir a significação o obriga.
usual para expressar hábitos e costumes. Ética
Para NALINI,3 afirmar que a ética
é uma disciplina filosófica que busca a refle-
refere-se à filosofia da moral significa que
xão a respeito de problemas morais. Desta
aborda a ética profissional de uma ou outra
forma, pode-se afirmar que ética é a reflexão
profissão. Trata das normas deontológicas
da moral. Para que o comportamento de uma
que cada profissional deve se propor e seguir
pessoa seja ético é necessário que seja prove-
niente da reflexão de algum aspecto moral e,

2 CHAUI, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, São Paulo: 2009.


3 NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. São Paulo: RT, 2006.

2.
enquanto pertence a uma determinada pensadores que, com seus distintos olhares,
categoria profissional. marcaram suas épocas.

A palavra deontologia é derivada do Os antigos gregos são considerados


grego “deontos” e “logos” que significam res- patronos da filosofia, e desde seus estudos
pectivamente dever e tratado. Deontologia é a há cerca de 2.500 anos, a ética pode ser
ciência dos deveres que possui conteúdo ético interpretada de várias maneiras. Aqui serão
e legal fornecidos pela filosofia moral. apresentadas várias opções de pensamentos
éticos com a finalidade de provocar o leitor/
Importa destacar que a deontologia cons-
estudante a refletir sobre eles e, quiçá venha
titui tratados de condutas diferentes da moral.
desenvolver-se em relação à ética, consciente
Portanto, não aborda o mero protocolo social,
de que sua escolha demanda responsabilidade.
o simples bom senso e maneira adequada de
comportamento, mas tem vistas ao cerne da As diferentes éticas que serão apresen-
formação cultural do ser humano. Importa à tadas provêm de diversidade de teorias que
disciplina de deontologia a visão mais elevada com frequência contrastam como aponta
da missão de cada pessoa. COTRIM5.

Em outras palavras, o foco da deontologia Se por um lado seria ingênua a conclusão


é o “dever moral” e a consciência da responsa- de que qualquer uma destas teorias poderia ser
bilidade de cada pessoa nos aspectos particu- válida para os tempos atuais, tampouco se pode
lares e profissionais de sua existência. descartar a possibilidade de algumas delas ser-
virem de boas inspirações. O olhar para o pas-
Tanto a ética (filosofia da moral) como a
sado é essencial para que as pessoas da atuali-
deontologia (ciência dos deveres) permeiam
dade façam suas éticas, solucionem problemas
cada uma das profissões.
e, porque não, aumentem sua felicidade.
Segundo BITTAR4, o código deontológico,
Adaptado às questões de cada época, a
ou código de ética profissional, pertence ao
história da ética no ocidente revela a alta pro-
conjunto das normas jurídicas e, portanto, é
dutividade e complexidade com que o tema
um sistema de regras, externo à pessoa. Tem
foi sendo elaborado. As elaborações alcança-
por finalidade a regulamentação de ações
ram novos e diferentes conceitos atingindo
dos profissionais de cada categoria, com foco
soluções inovadoras.
nas suas obrigações e deveres, definindo por
óbvio seus direitos.
2.2 Perspectiva Grega
2. FUNDAMENTOS Conforme aponta ROSAS6, as primeiras
DO PENSAMENTO preocupações com a temática ética tiveram

ÉTICO NA início na antiguidade, entre os séculos V e o


século IV a. C.
HISTÓRIA DA Este período é caracterizado pelos seguin-
HUMANIDADE tes aspectos fundamentais: a polis, cidades
– estados, que visava o ideal de cidadão e de
2.1 Breve histórico da sociedade; e o cosmos, que significava a ordem.

ética no ocidente Sócrates, filósofo consagrado como “pai


da moral”, foi responsável pelas primeiras sis-
Os primeiros documentos de ética encon- tematizações éticas da história ocidental.
trados na história da humanidade são escritos
dos antigos gregos. A partir daí a evolução da
ética teve diferentes aspectos abordados por
5 COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia - História e grandes temas.
São Paulo: Saraiva, 2006.
4 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurídica: ética geral e profissio- 6 ROSAS, Vanderlei de Barros. Disponível em: <http://www.mundo-
nal. São Paulo: Saraiva, 2005 dosfilosofos.com.br/vanderlei18.htm>. Acesso: 10 abr 2015.

Ética e Deontologia Jurídica

3.
Sócrates (470 ou 469 a 399 a. C.), que nada feliz inserido neste espaço e a necessidade da
deixou escrito, teve seu legado difundido ética veio de encontro à busca desta resposta.
especialmente por Platão e Xenofone. Utili- Desta forma, ética surge com o objetivo de
zou em seus ensinamentos do denominado regular os relacionamentos no espaço público.
método socrático maiêutico, que tinha foco na
A fim de tratar do tema da ética os princi-
discussão das questões relacionadas ao saber.
pais filósofos gregos tiveram diferentes pers-
Nesse tempo, a ética enfatizava o coletivo pectivas.
e partia de uma visão essencialista, definitiva
Os sofistas, por exemplo, que constitu-
e imutável do mundo e do ser humano. Ao
íram um movimento intelectual no século V
criarem a democracia os gregos levantaram a
a. C., defenderam o relativismo dos valores
temática da política. A forma de exercício de
humanos. Atualmente entende-se por sofis-
poder que havia antes dos gregos era apenas
tas aqueles que se opõe ao estudo da ética por
com uma autoridade, como nos reinados e
não se interessarem por normas universais da
impérios, nos quais o poder dependia direta-
conduta humana. Por entenderem o mundo
mente da vontade arbitrária do governante. A
por meio de relativismos éticos aceitam que
própria lei era proveniente da vontade pessoal
cada aspecto moral se justifica por causa do
do rei ou do imperador. Cabia ao governante
contexto social a que corresponde. Por este
adquirir as virtudes necessárias para fazer
motivo acreditam que toda conduta tem igual
seu povo ter melhor qualidade de vida. Desta
validade. Para os sofistas não há verdade
forma, neste período não havia necessidade
nem equívoco, e as normas são transitórias. O
de ética à população.
grande legado dos sofistas está na retórica, ou
Os gregos criaram um novo paradigma seja, a arte de convencer.
político, a democracia. Inserida na ideia
Para exemplificar o pensamento sofista
democrática criaram a polis, ou seja, o espaço
cita-se Cálices, que tem existência duvidosa,
público, e o separaram dos desportes, o espaço
e Trasímaco (459 a.C. – 400 a.C.). Atribui-se a
privado. Por esta razão CHAUÍ7 aponta que
estes pensadores a afirmação de que qualquer
o poder da vida privada está sob o domínio
cidadão objetiva atingir o prazer supremo,
de déspotas de quem depende a felicidade e
englobando o domínio político, que por sua
exercício de justiça, sua moradia e tudo que
vez somente poderia ser alcançado pelos mais
o habita, sendo um poder despótico. Ao cria-
hábeis, fortes e corajosos no uso da retórica.
rem a polis, os gregos propuseram um espaço
onde o poder existe por meio de leis e não Outros pensadores são Protágoras (490 a.C.
mais pela vontade e interesse de um gover- - 420 a.C.) e Górgias (183 a.C. – 375 a.C.). O pri-
nante, um déspota. meiro sustenta o subjetivismo e relativismo e
o segundo afirma a impossibilidade de saber o
Para o exercício da política proposta pelos
que realmente existe e o que não existe.
gregos havia necessidade da separação entre o
espaço privado e público. Em outras palavras, Por causa da crença no relativismo da
é pressuposto de existência da política que o verdade concluíram na dúvida da possibi-
espaço privado não invada o espaço público. lidade de uma virtude poder ser ensinada.
Porém, admitiram que uma virtude pudesse
A vontade coletiva é expressa pela polis
ser desenvolvida por uma pessoa por meio do
por meio da discussão, da deliberação, e espe-
despertar da consciência da mesma.
cialmente pelo voto. Assim, o poder e a auto-
ridade são públicos, e as decisões são deman- Na cidade de Atenas, em 470 a.C. nasceu
dadas do coletivo, expressando a vontade de Sócrates, o grande filósofo grego. Aristóteles
um grupo. atribui a Sócrates o feito de ser o primeiro filó-
sofo a desenvolver o pensamento abstrato a
Neste sentido VAZQUEZ8 cita que a partir
respeito do conceito de ética, ainda que não
da ideia de democracia pensou-se em como ser
houvesse em Sócrates nenhuma tentativa de
sistematização sobre o tema. Discordando dos
7 CHAUI, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2009.
8 VAZQUEZ, A. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

4.
sofistas, Sócrates pleiteou que existe um de seus instintos e paixões e, ainda, aos sábios
saber válido a todas as pessoas. Este saber deveria ser confiado o poder pressupondo
decorre do conhecimento da essência humana uma reorganização da sociedade.
e, a partir deste conhecimento se pode con-
Para Platão a filosofia política e a ética se
ceber a fundamentação de uma moral ou
relacionavam intimamente. Considera que a
ética universal.
polis é o próprio terreno da vida moral, assim,
O exercício de buscar a verdade revela a o homem é bom na medida em que é bom
excelência humana, portanto, para Sócrates o cidadão. Pelo fato de o homem se desenvolver
verdadeiro objeto do conhecimento é a alma em sociedade, a ética existe enquanto se rela-
humana. Na alma humana encontra-se a ver- ciona com a política.
dade e por meio desta há a possibilidade do
No seu escrito mais famoso intitulado “A
alcance da felicidade.
República” Platão descreve um Estado ideal e
Por meio do método maiêutico, Sócrates o assemelha com a alma. Nele, descreve utopi-
defendeu o abandono de postura dogmática camente que o dever de cada classe social ocu-
e cética para dar vazão a atitudes críticas. par-se de suas tarefas específicas, abstendo-se
Propôs assim, um caráter racionalista à ética, da realização de outras tarefas.
destacando o poder do melhor argumento.
A ética para Platão está atrelada intima-
Conhecido é que o filósofo ressaltou como
mente à política. Importa a concepção meta-
fundamental o conhecimento ético a respeito
física da política, o dualismo do mundo sen-
do ser humano, adotando a frase “conhece-
sível e do mundo das ideias permanentes.
-te a ti mesmo” exposta na cidade de Delfos,
Assim como também importa a doutrina polí-
na fachada do tempo de Apolo. Para Sócra-
tica da alma, o princípio que anima ou move
tes, apenas a vida examinada valia a pena
o homem.
ser vivida.
A descoberta da metafísica é atribuída
Defendia que a verdade pode ser encon-
ao legado de Platão. A metafísica concebe a
trada no interior do ser humano e para atingi-
existência de dois mundos. Um constituído
-la é necessário diálogo e introspecção. A
por ideias eternas, imutáveis, invisíveis e que
filosofia socrática sustenta que a felicidade
diferem das coisas concretas. Outro mundo é
se entrelaça com bondade e conhecimento,
o real, composto por cópias das ideias, as coi-
portanto, defende o intelectualismo moral
sas sensíveis, réplicas imperfeitas e mutáveis.
afirmando que a pessoa que conhece o bem, é
impelida a agir bem, assim como que age mal Platão morreu em 347 a. C.
é considerado ignorante. Sócrates defende que
o ser humano tem atitude reta quando, por Outro filósofo grego fundamentalmente
meio da razão, conhece o bem. Conhecendo o importante foi Aristóteles. Nasceu em Esta-
bem, não pode deixar de agir em consonância gira, na Macedônia em 384 a.C. e foi discípulo
com o bem e por este motivo tem o domínio de Platão na cidade de Atenas.
sobre si mesmo e, portanto é feliz. Aristóteles foi o primeiro filósofo a orga-
Por suas ideias, Sócrates foi acusado de nizar tratados sistemáticos de ética. Um
corromper a juventude ateniense em desfavor exemplo destes tratados é o famoso “Ética a
da democracia praticada na época. Foi assim Nicômaco”, considerada a principal obra a
condenado a ingerir cicuta, morrendo em 399 respeito de ética de Aristóteles. Nesta obra o
a. C. Outro filósofo grego de suma importân- autor apresenta sua argumentação teológica,
cia foi Platão. Nascido em Atenas, em 427 a.C. ou seja, expõe uma argumentação de que algo
foi discípulo de Sócrates. Também inimigo da tem certa finalidade. O nome apresentado no
democracia ateniense defendeu o bem como título da obra de Aristóteles é de seu discí-
maior valor que todos os homens livres deve- pulo e filho, Nicômaco. Acredita-se que a obra
riam conquistar. Para que alcançassem o bem, tenha sido inspirada em anotações do filho
as seguintes condições deveriam ser reunidas: e publicada depois da morte antecipada de
a pessoa deveria buscar a razão em detrimento Nicômaco, em combate.

Ética e Deontologia Jurídica

5.
Pressupõe-se que Aristóteles tenha ini- Explicando melhor, nesta perspectiva as
ciado suas aulas de ética embasado nas anota- virtudes não são inatas, mas podem ser adqui-
ções de seu filho a respeito das discussões entre ridas pelo exercício constante que constitui
ele, Aristóteles, e seu mestre Platão. Apesar de hábitos.
divergirem em diversos aspectos, transpor-
A principal virtude a ser adquirida é pru-
tando-se do idealismo ao realismo, a ideia prin-
dência, ou seja, a sabedoria prática. A prudên-
cipal tanto de Platão como de Aristóteles era de
cia é considerada a guia das demais virtudes.
bem supremo, sendo este a felicidade.
Isto porque, pela prudência obtém-se o equi-
Na perspectiva de Aristóteles, o elemento líbrio, o meio termo entre a falta e o excesso.
essencial no ser humano é sua alma racional, Desta maneira, a virtude da justiça, por exem-
ou seja, a essência do homem é sua razão. Por plo, seria o equilíbrio entre o egoísmo e o
este motivo, os costumes morais e as normas esquecimento de si.
devem estar fundamentados na razão. Criou Afirma ainda que a felicidade alcançada
assim a ética racionalista afirmando que o ser mediante a virtude exige necessariamente
humano ao agir com a razão age corretamente. condições como: maturidade, liberdade pes-
Outro ponto controvertido entre Aristóte- soal, saúde, bens materiais, entre outras, que
les e Platão foi o proposto por Platão sobre a fazem parte do processo em sentido a felici-
existência de mundo das ideias e de mundo dade, muito embora tais condições não bas-
real, o dualismo ontológico. Aristóteles defen- tem sozinhas para fazer o ser humano feliz.
deu que não há ideia apartada de seres huma- Tanto na ética de Aristóteles como na ética
nos concretos. de Platão, a política e a sociedade são meios
da moral. Isto porque é na polis que o ideal
Em sua teoria é baseada no fato de o ser
de vida teórica, no qual a felicidade é baseada,
humano é formado por corpo e mente, assim,
pode ser concretizado. A ética assim, só existe
as ideias não existem sem os indivíduos.
quando vinculada à política.
Defende que a principal função da ética
está em separar o bom e o mau. Sobre o 2.3 Perspectiva do
aspecto da moral afirma que a finalidade
última a que o homem tende é a eudaimonia,
Período Helenístico
ou seja, a felicidade como auto realização. Por O período helenístico nasce no final da
este motivo a ética de Aristóteles é conhecida democracia greco-romana, depois de conquis-
por eudemonismo. tas e surgimento de grandes impérios como o
Afirma que as atitudes de bem e de mal império de Alexandre Magno e o subsequente
praticadas pelos seres humanos é voluntária, Império Romano.
excetuando atitudes compulsivas ou tomadas Alguns dos pressupostos da ética aristoté-
de ignorância. lica foram assimilados, porém, a ideia de des-
O eudemonismo trata a felicidade não é tacar a mente do corpo não é mais entendida
prazer, tampouco riqueza. A felicidade do ser tão rigidamente quanto em sua origem, por
humano está no exercício da razão, da inteligên- Aristóteles.
cia teórica, da compreensão, do conhecimento. O interesse do pensamento filosófico
deixou de ser a polis, e a função da ética de
Aponta, porém, que há outros caminhos
regular o espaço público fica extraviada. Isto
para a conquista da felicidade. O exercício
porque o espaço privado, inicialmente com
do domínio das paixões a fim de que se con-
Alexandre Magno, invade o espaço político.
siga uma relação satisfatória e amável com
o mundo social e natural. Para tanto, o ser Neste período os filósofos restringiram a
humano pode contar com a ajuda das virtu- investigação ética passando a difundir apenas
des. No intento de adquirir virtudes são neces- a ideia de que sabedoria e felicidade se iden-
sárias algumas atitudes constantes, modos de tificam. Destituída a credibilidade da polis, a
agir, formadores de hábitos. figura do sábio passou a ser aquele que vive

6.
de acordo com a natureza. Porém, surgem cisava ser alheado ao que se passava em seu
questões importantes decorrentes de concei- cotidiano, exercitando seu equilíbrio interior.
tos como, por exemplo, os filósofos discor-
São filósofos Cépticos, Pirro (360 a.C. até
davam sobre o ideal do homem sábio, assim
270 a.C.) e Sexto Empírio (160 a.C. 210 a.C.).
como sobre os conceitos de natureza humana.
Ainda outra filosofia surgiu com o título
Neste período formaram-se os filósofos
de Cínicos. Os mais sobressalentes filósofos
chamados estóicos. A essência da filosofia
desta linha foram Antitenes (445 até 365 a.C.)
estóica tem também como princípio universal
e Diógenes (412 até 323 a.C.).
a felicidade, mas agora alcançada para além
do corpo. Entenderam que uma pessoa para Para os Cínicos, o sábio tem por objetivo
ser ética precisa aceitar todo acontecimento viver de acordo com a natureza, afastando-se
da vida, pelo motivo de que tudo faz parte de daquilo que provoca ilusões e sofrimentos,
um plano superior conduzido por uma razão sem se preocupar com os bens terrenos. Con-
abrangente. sideram bens terrenos os usos, preconceitos,
convenções e costumes sociais, entre outros.
Os estóicos definiram o ser superior como
Pregavam que cada pessoa deveria viver de
razão cósmica. Isto é, a lei universal a qual os
maneira simples e despojada.
acontecimentos respondem e tudo está sub-
metido. Apontavam que os acontecimentos do Enquanto movimento, o cinismo não teve
mundo era reflexo desta lei universal, assim, solidez suficiente para resistir e, seu conteúdo
não havia acaso nem liberdade. Ser humano ético foi englobado pelos estóicos.
sábio era quem vivia segundo esta lei. O bem
maior era viver em consonância com a natu- Epicuro (341 até 270 a.C.) foi um filósofo
reza, de acordo com a razão e sem se deixar do período helenístico. Defendia que por não
levar por paixões e afetos interiores ou exte- haver liberdade política, a ética deveria tratar
riores. A vontade de uma pessoa deveria ser do universo interior pessoal. Este universo
direcionada a fim de que se confundisse com a interior faria parte de um processo de cada ser
natureza, nunca se opondo a ela. humano. Proferia que cada pessoa deve fazer
escolha entre a vida política ou a serenidade e
Entre os principais filósofos estóicos estão felicidade. As pessoas não deveriam esperar
o grego Zenão de Cítio (334 a.C. até 262 a. C) e que o universo público pudesse se contribuir
os romanos Sêneca (4 a. C. até 65 d.C), Marco com a trajetória da busca da felicidade pessoal.
Aurélio (121 d. C até 180 d.C.) e Epiteto (55
d.C. até 135 d.C.) Sob a ética de Epicuro, na busca pela saúde
da alma o ser humano deve se afastar das cren-
Por causa do fim da autonomia das polis, dices e da ignorância. Para tanto é necessário
a moral passou a ser definida em relação ao que se tenha conhecimento, sabedoria, ciência
universo. A física passou a ser premissa para que objetive esclarecer aspectos da vida inte-
a ética. rior. Propõe um programa de administração
pessoal feito a partir da compreensão da natu-
Conforme o pensamento estóico a pessoa
reza das coisas e da ciência.
não vivia mais como cidadão da polis, mas
vivia moralmente como pertencente ao cos- Epicuro afirma que tudo que existe, até
mos. A polis e a vida política haviam perdido mesmo a alma das pessoas, é composto por
seu valor, portanto, foi desenvolvida uma átomos. Estes átomos são livres na medida
ética baseada na paz interior e no autocon- em que se podem desviar ligeiramente na sua
trole pessoal. queda. Assim também o ser humano poderia
se desviar das fatalidades de sua vida. Sendo
Outros pensadores filósofos deste perí-
assim, cada ser humano necessitava ser autô-
odo foram os Cépticos que absorveram a céle-
nomo e não estar preso a concepções fatalistas.
bre máxima de Sócrates “sei que nada sei”.
Segundo esta posição, os Cépticos entende- Sua ética ressalta que o ser humano além
ram a felicidade como algo apartado da reali- de ter direito, tem também dever de ser feliz.
dade. Assim, para ser feliz o ser humano pre- A virtude destacada é de autodeterminação.

Ética e Deontologia Jurídica

7.
Assim, ainda que haja sofrimento, conforme a
postura adotada é possível vencer.
2.4 Perspectiva Medieval
Considera que o homem é ser desviante Com o fim do espaço público, já no perí-
e para ser livre precisa desviar das contin- odo helenista a ética já se voltava ao indiví-
gências. Não considera qualquer intervenção duo. No final do século IV, quando o cristia-
divina na vida dos seres humanos e tampouco nismo se tornou a religião oficial de Roma, a
ética se firmou no espaço privado comandado
nos fenômenos físicos.
pelos chefes de família. Nesta perspectiva a
Para Epicuro “não é preciso temer aos ética foi atrelada ao Deus judaico-cristão por
deuses, pois eles só são deuses porque não cerca de dez anos.
estão preocupados com os mortais”. Assim, o
O regime de servidão, vassalagem, subs-
filósofo liberta o ser humano do temor divino
tituiu a escravidão. As sociedades passaram a
para que busque o bem neste mundo. O bem
construir diversos feudos. Houve fragmenta-
para sua ética é o prazer. A ética proposta por ção econômica e política. A religião, além de
Epicuro é chamada hedonista (hedoné, em exercer unidade social, exerceu poder espiri-
grego significa prazer). tual e monopólio sobre a vida intelectual.
Classifica os prazeres e afirma que nem Sob a perspectiva da ética filosófica reli-
todos são bons na mesma intensidade. Os giosa, o bem, a justiça e a verdade são prove-
melhores prazeres não são os corporais, por nientes de Deus. Agora já não era necessário
serem imediatos e fugazes e serem portando procurar a felicidade no conhecimento da
apelas sensações de prazer. Os maiores bens natureza, mas sim nas escrituras dos livros
seriam os prazeres espirituais que contribuem sagrados, que eram traduzidos pelo clero.
para a paz da alma, sendo aqui os sentimentos Que seguisse as escrituras encontraria a feli-
de prazer. cidade e teria a salvação em outro mundo. A
beatitude, essência da felicidade, era a con-
Epicuro foi um dos pioneiros a pronun-
templação de Deus. Assim, o amor humano
ciar que a ética devia ser exercitada por todos, ficava subordinado ao divino. O sobrenatural
incluindo as mulheres, os estrangeiros, os tem aqui supremacia ao natural humano. A
escravos, os jovens, enfim, até mesmo por ética tornou-se prática limitada por seu cará-
aqueles não eram considerados cidadãos. Na ter religioso e dogmático. O messias, Jesus
Grécia antiga a ética era praticada apenas para de Nazaré, tornou-se o arauto de uma nova
os cidadãos. ética, a ética do amor ao próximo. A ética foi
subordinada à moral e a justiça e liberdade
Epicuro defendeu a divulgação da ética,
foram transferidas para um mundo ideal,
pois acreditava que pela troca os saberes
chamado de idealismo platônico. Um dos
poderiam ser ampliados. Para ele, a sabedoria
principais legados à sociedade foi a institui-
não poderia ser ensinada, mas a troca poderia
ção do princípio da igualdade entre todos,
fomentar a ampliação dos saberes.
tanto escravos quanto livres, cultos e igno-
Declarava que a racionalidade é necessá- rantes, todos são iguais perante Deus. O cris-
ria à ética, porém, esta deveria ser suficiente- tianismo trouxe a consciência da igualdade
mente flexível para inserir os ideais de cada no momento em que esta igualdade de con-
pessoa, suas metas pessoais e seus projetos dição não possível de ser efetivada.
de vida. O questionamento que se faz a esta ética
O homem estaria destinado ao prazer aborda o fato de as atitudes do ser humano
máximo que é a felicidade e o caminho para o ter vistas ao sobrenatural, ao outro mundo.
O valor supremo estava assim fora do ser
alcance desta felicidade estaria na autogestão.
humano, em Deus. Surge a ideia do dever.
A felicidade nunca poderá ser concedida e sim
fará resultado de incessante luta de autodomí- O livre arbítrio foi firmado na ética, ape-
nio, autolibertação e intenso trabalho de busca sar de se acreditar que o primeiro impulso da
pelo prazer sereno e sábio. liberdade dirigia-se ao pecado. O ser humano

8.
é visto como pecador, portanto fraco e divi- lógica. Para este pensador, a felicidade está na
dido entre o bem e o mal. contemplação da verdade, no exercício desta
contemplação é possível se identificar Deus.
Entre os principais pensadores deste perí-
odo encontra-se Santo Agostinho (354 até 430). Nesta concepção, para evitar o mal e fazer
Confirma o entendimento de que o exercício o bem é necessário que o ser humano não haja
da moral vem de encontro à conquista de uma mecanicamente, mas que seja fruto de sua
vida feliz e o desfrute de uma relação amorosa liberdade. A aquisição de virtudes é necessá-
com o criador. Também afirma a necessidade ria, especialmente das virtudes da prudência
da moral já que a finalidade da vida humana é e da caridade, a primeira virtude intelectual
o caminho de volta a Deus, caminho este que e a segunda teológica. A conquista de tais vir-
pode ser extraviado pela tentação e pecado. tudes se dá por meio de hábitos operativos do
bem procurando encontrar a ação adequada
Na concepção do filósofo, Deus é a bon-
à pessoa e ao contexto. A união do corpo de
dade infinita e o mal existe porque o ser
alma forma a identidade e dignidade da pes-
humano, com seu livre arbítrio, escolhe livre-
soa humana. Assim, as pessoas podem adqui-
mente aproximar-se ou afastar-se de Deus. A
rir virtudes e se aproximar da perfeição por
liberdade passou a ter caráter mais pessoal,
meio da revelação divina aliada ao exercício
individual e subjetivo, afastando-se ainda
da razão humana.
mais da ideia do social, como fora proposto
pelos gregos.
2.5 Perspectiva da
A vontade é especialmente importante
nesta concepção. O valor da vida, do amor, da
Ética Moderna
experiência pessoal, da interiorização é enalte- Conhecida como ética da consciência, a
cido. Contraposto com o racionalismo da ética ética moderna é caracterizada pelo cartesia-
grega, tornou-se inspiração da ética existen- nismo e racionalismo. Estes conceitos impli-
cialista e personalista na contemporaneidade. cam na afirmação de que a verdade é conhe-
Outro importante pensador deste período cida pela razão e, especialmente pelo método
foi Santo Anselmo (1033 até 1109) que propôs científico de pensar.
a educação como meio de superar o ceticismo. A esfera política da ética é reconstituída
Afirmou que os princípios morais são intui- na modernidade. Isto porque, os regimes de
tivamente auto evidentes e condicionam as monarquia e o poder teológico político são
ações humanas à vontade de Deus. A fé cristã enfraquecidos, dando espaço para o ressurgi-
tem superioridade à razão humana. mento da ideia de república.
A fim de provar a existência de Deus e Inicialmente surgiu a república oligár-
sua suprema bondade, Santo Anselmo argu- quica, seguida da representativa e por último
menta que a crença e a fé correspondem à a democrática.
verdade. Não é possível pensar em algo maior
que Deus, ser incriado. Deus é a causa de si O retorno da república pressupõe que
mesmo e fundamenta todos os outros seres. a figura autoritária e despótica, passa a ser
ilegítima. Como o termo grego já indica,
Santo Tomás de Aquino (1226 até 1274) foi “res pública” significa coisa pública. Assim,
também figura de pensamento marcado nesta o campo da política é reconfigurado, mas a
época. Empregou o pensamento filosófico da ética ainda permanece no campo primado até
antiguidade no que se refere à conciliação das a atualidade.
principais contribuições dos filósofos gregos,
especialmente de Aristóteles, com a revelação A ética segue separada do espaço público,
do cristianismo descrita na bíblia. da política, permanecendo centrada na pessoa
autônoma. Apesar de separadas, a ética e a
Alguns autores afirmam que Santo Tomás
política necessitam uma da outra.
de Aquilo cristianizou a ética aristotélica, pois,
deu prosseguimento à busca pela felicidade, ou Copérnico (1473 até 1543) apresenta a
eudaimonismo, agora em uma perspectiva teo- ideia de o mundo como espaço infinito e

Ética e Deontologia Jurídica

9.
muda o paradigma acreditado anteriormente. Cada qual declarando ser detentora da mais
Os astros mudaram seu significado e sua correta interpretação da palavra divina. Desta
importância com as novas revelações cientí- forma, a realidade tornou-se plural e com-
ficas. Também o descobrimento da existência plexa, causando grande confusão nas ideias
de distintos povos, diferentes culturas, diver- éticas da humanidade.
sas religiões, não sabidas até então.
A ciência teve seu avanço acelerado com o
Esta época foi importante para a consoli- rompimento entre a igreja e o estado. A inven-
dação dos estados como são conhecidos atu- ção da imprensa também foi crucial para a ins-
almente. O individualismo, que tem raiz na tituição do capitalismo.
cultura burguesa originária da revolução fran-
A partir de então, a ética é compreendida
cesa, passou a adquirir cada vez mais força. A
novamente com objeto na busca da felicidade
figura do burguês surge por meio do conceito
coletiva. Assim, a ética rumou ao retorno do
cartesiano de autonomia.
sentido grego original enquanto buscou vin-
Pensador importante deste período foi cular-se com a política. Em outras palavras, a
Maquiavel. Ele definiu que o campo da polí- ética procura orientar o espaço público, apesar
tica é regido pela lógica das relações de forças. de permanecer no espaço privado, com vistas
Para que o campo de poder seja isento de se na plena realização do cidadão.
tornar um campo de guerra, importam alguns
A constituição das normas deixa consi-
elementos como a qualidade das leis e das ins-
derada pelo estabelecimento da natureza ou
tituições, a qualidade do direito e da justiça e,
por Deus. A ética torna-se focada na razão,
a qualidade das decisões coletivas. Maquiavel
e, portanto, é considerada mais autônoma.
abandona a ideia de ser necessária às pessoas
O método científico de refletir, de pensar,
a aquisição ou não de virtudes.
ocasiona o desenvolvimento de uma nova
Fundamental foi o pensamento de outro maneira de conceber a ética. Este novo para-
famoso pensador moderno, Descartes ao con- digma ético é considerado marco histórico
siderar o livre arbítrio e a liberdade como importante da humanidade por representar
sinônimos. Entendeu o livre arbítrio como um inovador caminho para o saber. O saber
autonomia do burguês. Reconheceu a impos- por meio da ciência é enaltecido, vale a partir
sibilidade de estabelecer princípios para a de então, o chamado saber científico.
ação humana, mas propôs que ainda assim o
No tempo moderno, a ética é libertada de
afirmou a necessidade de manter a religião, a
pressupostos naturalísticos e teológicos, mas
fé e a obediência aos costumes e leis.
recebe várias contribuições de diferentes áreas
Tomas Hobbes9 foi pioneiro em anunciar do conhecimento. Torna-se gradualmente,
que as ideias burguesas eram cada vez mais centrada na consciência e auto-
nomia do ser humano, por isso diz-se que a
factíveis. Isto porque, segundo o autor, se
ética moderna é antropocêntrica.
cada pessoa exercer seu individualismo não
poderá haver sociedade organizada. O novo paradigma ético foi abrindo
espaço para diversificadas ideias a respeito
Por muitos séculos seguintes os burgueses
da moral e da ética e, novos pensadores foram
começaram a discutir o contrato social. Tais
tendo destaque pela força e distinção de
discussões se deram com a pretensão de solu-
suas ideias.
cionar questões como o prejuízo da dimensão
coletiva política e da ética em prol da afir- Um dos filósofos modernos
mação moral. Isto porque a moral cada vez é revolucionários foi Maquiavel (1469 até 1536).
coincidente com a subjetividade humana. Tornou-se importante por seus conselhos
políticos propondo uma ética por ele
Ao romper com o cristianismo exclusivo
denominada de “verdade das coisas”. Nota-se
foram sendo construídas novas religiões.
que a ética de Maquiavel nada se aproximava
da anterior ética cristã que era embasada em
9 HOBBES T., 1998. Do cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 1998. dogmas inquestionáveis.
HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Editora Martin Claret, 2005.

10.
A respeito do bem e do mal, MAQUIA- Para Spinoza, o amor a Deus é intelectual
VEL10 afirmava que a ação era considerada e quem o exercita garante virtude. O amor
boa ou má em razão de sua consequência e a Deus é a felicidade decorrente da contem-
não por estar de acordo ou desacordo com plação universal físico e mental, por meio da
qualquer regra. A ética aqui proposta foi bati- natureza divina. Considera ainda que a natu-
zada por ética dos resultados. reza divina é inata.

Considera que o desejo predomina na dis- As ações morais seriam produzidas por
posição do espírito. Há a ideia de dever de res- causa das paixões orientadas para atingir fins
peito e responsabilidade aos demais, visto que propostos pelo sentimento e não pela razão.
nesta perspectiva o ser humano se assemelha
Concorda com Aristóteles e ratifica que
em modos de pensar e agir.
não se pode ser verdadeiramente ético se for
Outro nome importante deste período foi ignorante. A máxima de Spinoza é “ao pensa-
Hobbes (1588 até 1679). Pensador agnóstico e mento não deve faltar o calor do desejo, nem
materialista alegava que o ser humano é deso- ao desejo a luz do pensamento”.
nesto, violento e solitário por natureza. Para
Partindo do princípio de que todos as
defender a necessidade de um sistema coer-
pessoas nascem com iguais direitos, John
citivo a fim de controlar os impulsos huma-
Locke12(1632 até 1704) discute princípios
nos utilizou a máxima “o homem é o lobo
considerados fundamentais para uma ética
homem”.
moderna. Levanta o tema do direto à vida, à
Hobbes era a favor de que o Estado fosse liberdade e à propriedade. Afirma que esses
fortalecido e de houvesse um contrato social direitos devem ser garantidos e respeitados.
para reprimir a maldade dos seres humanos. Locke não acreditava em princípios inatos. A
sua moral é considerada mais intelectualista
A função da ética, para o pensador, era
em detrimento da empirista. Possui assim
fomentar críticas ao individualismo proposto
caráter de ciência universal.
pelos burgueses. Segundo o autor, este indivi-
dualismo era responsável por fazer com que Assim como Loocke outro pensador,
a ética fosse abafada pela moral que, por sua David Hume13 (1711 até 1776), não conside-
vez era fortalecida pela subjetividade inerente rava a existência das ideias inatas. Transfere
ao ser humano. as funções morais às paixões e alega que as
ações humanas são movidas por estas paixões
A ética estaria atrelada ao cidadão que
e sentimentos.
para ser integrado à sociedade precisaria refle-
tir sobre si nos aspectos individual e social. Desta forma, os juízos morais não são
encargos da razão. Nesse sentido, o desagrado
Spinoza1111 (1932 até 1677) apresenta
ou desagrado provocado nos seres humanos
pensamento diverso ao proposto por Hobber.
são pressupostos para a bondade ou maldade
Enquanto o primeiro destacou que o pressu-
de suas ações.
posto de existência do Estado era impedir que
os seres humanos se destruíssem, o segundo Defende o respeito entre as pessoas e des-
veio afirmar que a existência do Estado serva taca a necessidade de que a obrigação moral
para promoção do ser humano. se imponha à vontade.

Este pensador concebe a felicidade como Kant14(1724 até 1804) destaca que a carac-
objetivo último para a humanidade. A feli- terística primordial da ética que seja estabe-
cidade aqui é entendida como presença do lecida termos universais. Assim, a ética pro-
prazer e ausência de sofrimento. Assim como,
felicidade é a junção do corpo e da alma.

12 PADOVANI, U. & CASTAGNOLA, L. História da Filosofia. São Paulo:


Edições Melhoramento, 1972.
10 MAQUIAVEL, N., 1977. O Príncipe. São Paulo: Hemus, 1977. 13 HUME, D. Hume – vida e obra. São Paulo: Editora Nova Cultura Ltda,
11 ESPINOSA B. Ética. São Paulo: Atena, 1991. ESPINOSA, B. Pensa- 2004.
mentos Metafóricos. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 14 KANT, I. Crítica da razão prática. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Ética e Deontologia Jurídica

11.
posta por Kant é válida, sem distinção, para a perspectiva da moral. Desta forma, é fun-
todos os seres humanos. damental que se opte por ações que possam
proporcionar a máxima felicidade ao maior
Kant já não considera mais como essencial
número de pessoas.
à ética a felicidade humana, mas sim o dever
de que cada ser humano se reconheça como Uma das grandes questões que os utili-
criatura racional. Desta forma, o bem moral taristas procuram abordar foi a constatação
não está na felicidade e sim, no exercício de de que aquilo que traz felicidade para algu-
autonomia para que se tomem as rédeas da mas pessoas, pode significar infelicidade a
construção de sua vida. outras. É por esta razão que o grande pro-
blema da humanidade estaria na escolha entre
Assim, o bem é a boa vontade, em outras
“a maior felicidade para um número menor
palavras, é a disposição constante em condu-
de homens” ou “a menor felicidade para um
zir a vida individual e não se submetendo às
número maior de homens”.
tendências naturais do ser humano.
Um dos principais questionadores da
Kant afirmou que para serem livres as
ética kantiana foi Hegel (1777 até 1831). Isto
pessoas precisam ter responsabilidade por
porque, segundo ele, ao pensamento de Kant
suas intenções e seus atos. A regra necessá-
faltou considerar a relação e a história de cada
ria para nortear a necessária normatização da
pessoa com a sociedade. Afirmou que os con-
racionalidade humana foi nomeada de impe-
flitos reais inseridas nas decisões do âmbito
rativo categórico.
moral estariam excluídos da proposta de Kant.
Pronunciou “age de maneira que possas
Hegel, que embora nada tenha escrito a
querer que o motivo que te levou a agir se
respeito da ética porque considerava sinô-
torne uma lei universal”. Conforme seu enten-
nimo de moral, tratou do vínculo entre a
dimento, a ação do ser humano é dada por
ética com a história, a sociedade e a política.
respeito ao dever. Cada pessoa é considerada
Considerava dever de o Estado garantir a
legisladora de sim mesma.
vivência ética.
Para Kant, todos os seres humanos são
Importante pensador foi também Kierkega-
fins em si mesmos. A maior violação da ética
ard (1813 até 1855), pois foi considerado o pai
seria tratar um ser humano como objeto. A
do existencialismo. Contrário ao pensamento
ética é direcionada para a norma e não para a
de Hegel, afirmava que existe apenas o homem
consequência.
concreto e a sua subjetividade, enquanto Hegel
Kant15 afirma que “a moralidade de um explicava o homem por meio de sua racionali-
ato não deve ser julgada por suas consequên- dade objetiva. Para Kierkegaard18 a existência
cias, mas apenas por sua motivação ética”. do indivíduo somente pode ser vida e a tentativa
de explicação racional e objetiva não é possível.
Alega Kant16 que o caminho para o
alcance do bem supremo é a fé religiosa, pois, Afirmou que “as teorias éticas são raciona-
a razão humana não oferece garantia neste listas demais para permitir que os homens se
sentido. Desta maneira, a existência de Deus ajustem a elas em suas vidas”.
é postulado da razão que não se pode provar,
Kierkegaard foi adepto da religiosidade.
assim como imortalidade da alma.
Alegou que o ser humano deve basear sua
Baseado no principio da utilidade, o Utili- vida menos nos princípios éticos e mais nos
tarismo17 foi um movimento que trouxe uma princípios religiosos.
ética científica e objetiva. A felicidade para
Pensamento marcante na história da
um grande número de pessoas passou a ser
humanidade foi o de Karl Marx19 (1818 até

15 KANT, I. in Heath P. ET all. Lectures on ethics. Cambridge: Cambridge


University Oress, 1997. 18 KIERKEGAARD, A. Temor e tremor. Coleção Os Pensadores, São
16 KANT, I. Crítica da razão prática. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Paulo: Abril Cultural, 1979.
17 PEGORARO, O. Ética dos maiores mestres através da história. Petró- 19 MARX, K., 1972. Critica Del programa de Gotha. Quimantu, San-
polis, RJ: Vozes, 2010. tiago. 1972.

12.
1883), pois ofereceu bases teóricas e práticas aquele que não se submete à demagogia da
para um novo conceito moral. Para ele, a moral moral repressora, mas sim que é capaz de não
seria umas das formas da ideologia dominante reprimir seus desejos e impulsos.
em uma sociedade, porque difunde valores
necessários à manutenção daquela sociedade. Max Scheler24 (1874 até 1928) tem pensa-
Marx elaborou a doutrina ética do marxismo mento oposto ao de Kant no que tange à crítica
oferendo críticas e explicações a respeito dos da razão e da sensibilidade. O pensador pro-
pensamentos morais passados. põe a faculdade da “intuição emocional”. Na
intuição emocional são realizados atos inde-
Para Marx todo ser humano social e his- pendentes do raciocínio e da sensibilidade,
tórico. Não foi sua intenção propor uma ética, porém, tais atos são considerados conheci-
porém, seu principal legado é moral porque
mento moral.
seu pensamento é pautado na justiça.
Propõe o emprego do método fenome-
Engels20 (1820 de 1925) defendeu o pen-
samento de que a sociedade humana estava nológico a fim de investigar as questões éti-
rumando a níveis morais crescentes quali- cas. Tal método é importante porque permite
tativamente. Alegou que em determinado que questões relativas a valor e a liberdade
momento a moral proletária iria se tornar uni- de escolha sejam discutidas, visto que pelo
versal. Para ele a moral não poderia ser gene- método empírico-dedutivo, usado no estudo
ralizada porque na sociedade de classe cada da natureza, a discussão se torna inviável.
pessoa tem a sua moral.
Em seguida, Max Weber21 (1864 até 1920) 2.6 Perspectiva da Ética
proferiu que a respeito do que chamou espí- Contemporânea
rito do capitalismo moderno, todas as atitudes
morais agraciadas pelo utilitarismo. Há cerca de 50 anos a ética contemporânea
teve início. Desde então vem acompanhando
Entre o legado do pensador Nietzsche
(1844 até 1883) está o fato de que com ele a grandes transformações de vários aspectos,
ética foi desvinculada definitivamente da reli- como no meio cultural, social e científico.
gião e entendida como ciência. Atualmente, o ser humano é levado a
22
RUSSEL aponta que segundo Nietzsche refletir a respeito de questões éticas cotidia-
“o homem livre deve reconhecer que Deus namente. Exemplo disso são questões, por
está morto; o que devemos aspirar não é Deus, exemplo, sobre cuidados com animais como
mas sim um tipo mais elevado de homem”. a pesca humanitária, biodiversidade como
Assim, a fé para o pensador é rejeitada. ética do meio ambiente, e as tecnociências
como clonagem e manipulações genéticas,
A ética assim estaria no ponto essencial
ética de imprensa como manipulação de
para a justificativa das ações humanas. Por
massa, entre outros.
causa da ética e o estabelecimento de padrões
de comportamento a convivência torna-se A ética aborda questões fundamentais
possível. Nietzche23 afirma os instintos natu- como a tendência do ser humano destruir a si
rais como propulsores da ação humana ao e a seu meio.
alegar que a ética é movida pela tentativa de
superação contínua em busca do prazer dio- A tendência atual é de que a ética, além de
nisíaco. romper com a metafísica e pressupostos teo-
lógicos, seja considerada também separada-
Atribui a origem dos valores éticos à mente da razão prática kantiana. Razão esta
emoção e descreve o ser humano forte como que instaurou a ética do indivíduo cumpridor
do dever pelo dever, sem estar atento para os
20 ENGELS, F. Anti; Duhring. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. demais e para seu meio.
21 WEBER. M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São
Paulo: Livraria Pioneira, 1987.
22 RUSSEL, B., 2004. História do Pensamento Ocidental. Editouro: Rio
de Janeiro, 2004.
23 NITSCHE, f., 1925. Além do bem e do mal. São Paulo,:Sagitário, 24 SCHELER, M. Ética. Nuevo ensayo de fundamentación de um perso-
1925. nalismo ético. Tomo I e II. Buenos Aires: Revista de Ocidente, 1948.

Ética e Deontologia Jurídica

13.
Desta forma, a ética acompanha a cons- toda à realidade da natureza, a toda a forma
trução de novos paradigmas como a ética da de vida e ao meio ambiente”.26
reciprocidade, a ética discursiva, a ética dos
Nesta visão, a ética deixa de estar focada
direitos humanos, e a ética da justiça.
somente no ser humano como único sujeito de
Questões complexas que vigoram na atua- discussão ética, para abordar também o todo
lidade como a fome mundial apesar da produ- na figura do universo.
ção excessiva de alimentos estão dotados de
A chamada transdisciplinaridade, ou seja, o
elementos éticos. Assim como, a questão ética
transito entre as áreas do conhecimento, embasa
aparece no conceito de respeito à diversidade
metodologicamente a parceria antes improvável
cultural de religiosa e, apesar de disso haver
das culturas científicas e humanista.
guerras brutais por conflitos de tolerância. Há
questão ética emergindo quando a tecnologia Vigora na atualidade a tentativa de com-
médica e farmacêutica são altamente desen- preender o conceito de toas as áreas de atua-
volvidas e ainda assim muitas pessoas pade- ção humana a fim de garantir a abrangência
cem por falta de medicamento e cuidados. necessária para que seja considerada uma
“ética para o ser humano” em detrimento da
Pode-se pensar que a crise da ética con-
visão reducionista de ética humana.
temporânea não ocorre meramente em face da
razão, mas sim da visão diminuída da razão. A respeito dos pensadores contemporâ-
neos serão citados alguns que seguem.
O fato é que a ética contemporânea está
formando-se e enquanto partícipes desta for- Gramsci27 (1891 até 1937) afirmava que ser
mação os seres humanos podem se deparar ético significa pensar em benefício da maio-
com diversos problemas nas mais variadas ria, indo contra o autoritarismo, lutando pela
áreas do conhecimento. Podem assim, ser liberdade, agindo para que este pensamento
apontados problemas nunca antes refletidos seja materializado cultural e socialmente,
por não terem feito parte da realidade no pas- ainda que custe a sua própria liberdade.
sado, bem como problemas existentes há tem-
pos e até hoje propositalmente ignorados por Gramsci afirma que a conduta ética
não haver interesse maior em sua solução. implica em coragem e comprometimento com
meio, rumo à construção histórica solidária e
Para CORTINA & MARTINEZ,25 “a ques- mais próxima da visão democrática.
tão que deve ocupar os éticos de hoje é a de
perfilar novas teorias éticas que possamos Conforme já tratado, a ética contemporâ-
considerar à altura do nosso tempo”. nea se aproxima das outras áreas do conheci-
mento. Uma relação entre áreas que tem ren-
Enquanto alguns teóricos assinalam o dido frutos importantes para o pensamento
período atual com pessimismo e descrença na atual é a psicanálise e ética.
evolução ética da humanidade, outros desta-
cam a razão e a vontade do ser humano como Freud (1856 até 1939) conseguiu impor-
balizadores de uma ética otimista de pro- tantes descobertas a respeito do papel da
gresso e constante aperfeiçoamento. motivação inconsciente no comportamento
humano. Estas descobertas têm importantes
Consideração importante a este respeito é consequências pra as investigações éticas.
que “o homem adquire um valor pessoal, não
só como ser espiritual, mas como ser corpóreo, Para Freud o inconsciente é dinâmico,
sensível, e não só como ser dotado de razão, ativo, e tem forte influência no comporta-
mas também de vontade. A ética origina-se mento real do sujeito. Por meio deste conceito,
não mais na interioridade da razão, mas na a ética está obrigada a ponderar se ato moral
objetividade, uma vez que ela se estende a

26 REVISTA PRÁXIS, ano III. Nº 5 – Janeiro. Centro Universitário de Volta


Redonda: Volta Redonda, 2011.
25 CORTINA, A. & MARTINEZ, E. Ética. São Paulo: Edições Loyola, 27 GRAMSCI A. Concepção dialética da Historia. Rio de Janeiro: Civili-
2001. zação Brasileira, 1981.

14.
é aquele no qual o sujeito age com consciência W. James28 (1842 até 1910) propôs uma
e liberdade. ética prática, visto que foi defensor e funda-
dor da filosofia pragmática. Para o pensador
Como consequência deste pensamento,
as pessoas devem agir como se suas atitudes
Freud considera que os atos praticados por
pudesse fazer a diferença. Afirmou que no
motivação inconsciente são amorais. Por
momento em que uma pessoa necessita tomar
isso, considera que a partir desta concepção
uma decisão e não a toma, está tomando a
de inconsciente, ações como, matar, roubar,
decisão de nada fazer.
mentir, destruir, seduzir, r ambicionar são
simplesmente desprovidos de moral, pois na Para James, possuir as ideias verdadeiras,
ideia de inconsciente não cabe a interpretação distante de ser a finalidade, é um bem prático.
de moralidade. É um meio para satisfazer outras necessida-
des vitais. “Somos todos propensos a ser sel-
À luz da psicanálise a expressão da vida
vagens por alguma causa; e a diferença entre
humana é resultado da história de vida. Con-
o homem bom e o mal é a escolha da causa”.
sidera o que chama de sexualidade insatis-
feita, como norteadora da vida, desta forma K. Jaspers (1883 até 1969) destacou que
haverá satisfações imaginárias que se pode a ética é feita a partir dos esforços da pessoa
buscar de fato poder ser fonte de satisfação para transcender. O existencialismo proposto
plena. Sem que haja repressão da sexuali- por Jasper tem inclinações religiosas.
dade, não poderá haver sociedade, contudo,
Para Sartre29(1905 até 1980) Deus não
caso haja excessiva repressão da sexualidade
existe. A partir desta dedução provêm algu-
serão destruídas tanto a ética como a própria
mas consequências. Os valores humanos, por
sociedade.
exemplo, já não se justificam e o único valor
As ideias de Freud embasaram importan- considerado pelo pensador é a liberdade.
tes pensamentos no século XX, uns buscando
Quando desconsidera o cerne dos valo-
a demonstração de raízes biológicas da moral
res, que é Deus, descarta a possibilidade de
e outros realizando a comparação entre o ser
existência dos valores. Assim, Sartre deixa de
humano e os outros animais.
abordar os princípios e as normas dotados de
Uma importante corrente do século XX foi objetividade e universalidade.
o Pragmatismo. Caracterizado pela identifica-
Para Sartre o ser humano é o seu próprio
ção da verdade com aquilo que é útil. O útil
projeto e, por isso só existe enquanto se rea-
aqui pode ser traduzido como aquilo que oca-
liza. Desta forma, o ser humano não é mais do
siona a melhoria da convivência e vivencia.
que o conjunto de suas ações, ou seja, não é
Assim, algo bom seria equivalente a algo que
nada mais que sua própria vida.
conduz com eficácia rumo ao êxito. O bom é,
portanto, aquilo que ajuda a pessoa em sua O conceito existencialista a respeito da
atividade prática. liberdade humana é explorado por Sartre. O
ser humano é livre para fazer a si mesmo.
Os princípios, normas são assim esvazia-
dos de conteúdo objetivo e o valor do que Ao autor, cada pessoa é absolutamente
seria bom varia de acordo com cada situação. livre e prova o exercício de sua liberdade
sendo aquilo que escolheu ser. Desta forma,
Entre os principais pensadores do movi-
a vida humana é um constante escolher pes-
mento pragmático estão S. Peirce (1839-
soal. As ações éticas possibilitaram a seleção
1914), William James (1842-1910) e J. Dewey
de valores morais como o repúdio ao autorita-
(1859-1952).
rismo, o respeito às diferenças e a igualdade.
Charles Peirce (1839 até 1914) afirmou
que não se pode estar seguro de não haver 28 WILLIAM, J. Pragmatismo: um nuevo nombre para viejas formas de
pensar. Madrid: Alianza, 2000.
cometido um erro. Para serem verdadeira, as
29 SARTRE. Los caminos de la libertad. Losada. Buenos Aires: 1977.
declarações devem permitir a possibilidade SARTRE, J. P. O existencialismo é um Humanismo. Coleção Os Pensadores.
de alguma ação futura. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

Ética e Deontologia Jurídica

15.
Por este motivo, valeu-se de sua máxima “o O foco do pensamento de Rawls foi o Prin-
ser humano está invariavelmente condenado cípio da Justiça que trata da distribuição dos
à liberdade”. bens produzidos pela sociedade equitativa-
mente. De modo que modo seja garantido a
Em suma, na concepção de Sartre, cada
todos os cidadãos que ninguém fique abaixo
pessoa escolhe com liberdade, formando
das mínimas condições da justiça.
assim o seu valor. Cada pessoa, assim, é res-
ponsável por criar normas ou valores a fim de Segunda esta ótica o importante Princí-
que estas norteiem seu comportamento. pio da Igualdade também foi estabelecido.
Tal princípio é referenciado e garantido atu-
Sartre trata da existência do próximo e
almente pelas grandes constituições de países
afirma que uma pessoa somente pode ter por
democráticos.
fim sua liberdade quando considera a liber-
dade alheia. Portando o compromisso pessoal O princípio da igualdade ou da isonomia
com a liberdade pressupõe compromisso tam- é considerado dentro do ordenamento jurí-
bém com toda a humanidade. dico um dos mais importantes, pois abre pre-
cedente para vários outros princípios garan-
Pensador contemporâneo também impor-
tistas. Trata-se, portanto da garantia do direito
tante foi Hans Jonas 30(1903 até 1993). Defende
à vida, ao respeito à orientação religiosa e
uma ética baseada na responsabilidade que
política. É, por este motivo, considerado como
assume todo ser humano frente a preservação
valiosa ferramenta para a materialização
da natureza em benefício das gerações futu-
da justiça.
ras. Foi pioneiro em considerar as condições
globais da humanidade. Incomoda-se espe- Vale aqui destacar que a igualdade é
cialmente com o mau uso do planeta. concebida de várias maneiras de acordo
com a evolução social. Passa por períodos
Hans Jonas parafraseia Kant em sua cele-
de desigualdade extrema, segue para exa-
bre frase: “age de tal modo que os efeitos da
cerbado liberalismo e, aqui chega à verda-
tua ação sejam compatíveis com a permanên-
deira essência da isonomia. Onde os iguais
cia de uma vida humana autêntica na terra”.
são tratados igualmente e desiguais tratados
A ética de Jonas propõe aproximação de desigualmente.
parâmetros filosóficos da ética com a filoso-
Para alcançar a ética proposta por Rawls,
fia da biologia. Com isso, aborda um novo
todavia é necessário que as pessoas mais
aspecto para reflexão a respeito da precarie-
talentosas, que receberam dotes inatos por
dade da vida humana. Tem-se aqui a volta
herança ou dom, precisam concordar em ter
da valorização da vida como privilégio, afas-
minimizada sua participação em bens, lucros,
tando o utópico idealismo e o limitado mate-
salários e status social, em favor de outras pes-
rialismo.
soas consideradas desassistidas.
Muito importa ao estudo do Direito o pen-
Após a II Guerra Mundial, o filósofo ale-
samento de John Rawls31 (1921 até 2002). Este
mão Habermas32 (1929) defendeu uma ética
pensador ficou famoso por seus tratados a res-
com base no diálogo entre pessoas em que
peito da ética da justiça.
fossem garantidas igualdade e equidade.
Rawls considerou que a ética da justiça é
Em seu pensamento, para que seja válida
fruto de uma construção consensual que tem
a norma moral é necessários que os acordos
na justiça o princípio fundamental. A ética da
sejam discutidos livremente e aceitos pelos
justiça não tem por fim a virtude na pessoa,
cidadãos. No discurso de Habermas a ética é
mas a ordem e aas estruturas sociais.
uma aposta na capacidade de entendimento
entre as pessoas na busca de uma ética demo-
30 JONAS, H. El princípio de Responsabilidad: ensayo de uma ética crática e não autoritária.
para La civilización tecnologica. Barcelona: Herder, 1995.JONAS, H. The
phenomenon of life: toward a philosophical biology. New York: Harper and 32 HABBERMAS, J. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Rio de
Row,1966. Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.HABERMAS, J. Etica Del discorso, Laterza.
31 RAWLS, J. Uma teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Bari: 1994. HEGEL, G. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 1992.

16.
Haberman afirma que “segundo a Ética vra, precisam adotar uma atitude
do discurso, uma norma só tem valor se todos ética perante a globalização”.
aqueles que estão envolvidos com ela conse-
guem, como participantes de um discurso Nesta linha, aborda o tema da injustiça na
prático, chegar a um acordo sobre a validade imensa diferença das condições sociais e cul-
de tal norma”. turais humanas e propõe soluções para ame-
nizar tais discrepâncias. Entre estas soluções,
Considera que não há possibilidade de Singer propõe a obrigatoriedade de todos os
ética onde a misérias e riquezas coexistem. trabalhadores a ceder ao menos 10 por cento
Estabelece que, para que seja válida, a ética de seus rendimentos a fim de solucionar a
depende estritamente da valorização da liber- pobreza de outros.
dade e das diferenças humana, não existindo Singer afirma ser moralmente defensá-
na repressão e na verticalidade do diálogo. vel que algumas pessoas morram de fome
A ética proposta por Habermas contempla enquanto outras vivem com abundância.
duas fases: fundamentação do princípio ético Aponta que todos os seres humanos devem
e ética prática. refletir tanto sobre as consequências daquilo
que fazem quanto nas consequências daquilo
A ética de Habermas se depara com o que decidem não fazer. Chama assim, cada
obstáculo da condição da sociedade, isto por- pessoa a pensar sobre sua responsabilidade na
que, atualmente a desigualdade é evidente em situação em que mundo se encontra.
vários aspectos. Assim, a grande dificuldade
para que esta ética seja posta em prática é rea- 3. A DEONTOLOGIA
JURÍDICA
lização do diálogo igualitário e livre.

Ainda para ilustrar o pensamento ético

3.1 Definição
contemporâneo vale destacar a importância
do filósofo australiano Peter Singer3333 (1946).
Este pensador tem se dedicado ao estudo da
O termo Deontologia foi criado pelo filó-
ética prática sob a perspectiva utilitarista.
sofo inglês Jeremias Benthan (1748 a 1832),
Singer afirma que o direito à integridade um dos fundadores da denominada Filoso-
física das pessoas está ligado fundamental- fia Utilitarista no século XIX. Em sua obra,
mente à suas qualidades de vida. Defende a Benthan planejou estabelecer uma espécie de
que o aborto e a eutanásia podem ser justifi- matemática moral, na qual ficassem defini-
cados sob a ótica da mensuração da qualidade dos os deveres e obrigações no campo social
de vida. e jurídico, que tinha por fundamento o pra-
zer e a pena. No entanto, da filosofia moral
Vem trabalhando com o tema da globali-
de Benthan apenas nos ficou a importância
zação sob o aspecto da diversidade das condi-
histórica do referido nome, que passou a
ções humanas.
representar as regras de conduta dos vários
“À medida que os países do ramos profissionais.
mundo se aproximam entre si a fim
de resolver problemas como os do Quanto à origem da palavra Deontolo-
comércio global, das mudanças cli- gia, deriva do grego deontos (dever) e logos
máticas, da injustiça e da pobreza, (estudo/tratado), isto é, a ciência dos deveres,
os líderes das nações devem incor- no âmbito de cada profissão. Por isso, pode-
porar um ponto de vista mais mos designar Deontologia Jurídica, para as
amplo que o do puro e simples
profissões do meio jurídico (advogados, juí-
interesse nacional. Numa só pala-
zes, promotores), como também Deontologia
Médica, Deontologia dos Engenheiros, etc.
33 SINGER, P. Ética Prática. Rio de Janeiro: Gradiva, 2002.
SINGER, P. Vida ética: os melhores ensaios do mais polêmico filósofo da A Deontologia Jurídica, consequente-
atualidade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. mente, é a disciplina ou ciência que trata dos
SINGER, P. Um só mundo: a ética da globalização. São Paulo: Martins deveres dos agentes que lidam com o Direito,
Fontes, 2004.

Ética e Deontologia Jurídica

17.
de seus fundamentes éticos legais. Assim, con- com consciência moral e dignamente, orien-
sidera os deveres gerais e aplica-os à profissão tando sua atividade para o devido fim.
daqueles que atuam no meio jurídico. Por isso,
direciona-se não apenas ao homem, mas sim 3.3 A Existência do
ao homem profissional do Direito.
Dever Moral
Estes deveres especiais decorrem das nor-
mas que regulamentam a atividade profissio- Em termos gerais, pode-se afirmar que a
nal. Destaque-se que estas normas estabele- Deontologia trabalha com três bases diferen-
cem, além dos deveres, também os direitos e tes: a) a existência de um dever moral; b) a
prerrogativas profissionais. natureza do dever e; c) as consequências do
dever.
3.2 Relações com Ao se analisar, ainda que superficialmente,
Outras Ciências a natureza do homem, é possível constatar,
como elemento que o diferencia das demais
A Deontologia possui aqueles clássicos espécies, a existência de uma consciência psi-
requisitos que a definem como uma ciência cológica, que lhes permite fazer julgamentos
autônoma: princípios próprios e objeto pró- sobre os atos e as circunstâncias.
prio de estudos, que não se confundem com
A existência desta consciência revela que
outros ramos do Direito.
a conduta humana tende naturalmente para
No entanto, possui estreita relação com a a verdade, pois busca conhecê-la. Portanto,
Filosofia Moral, ou Ética e com outros ramos esta tendência é para o bem, pois a verdade é
do Direito. um bem, e a partir do conhecimento do bem
a consciência impõe ao homem um dever de
A Ética é conhecida como a ciência “do que
praticar o bem e, em contrapartida, de evitar
deve ser” e não a ciência “do que é”. Estuda o
o mal, que seria o seu oposto. A esta imposi-
bem e o dever, válida para todos os homens,
ção pode-se chamar de lei moral, que gera um
em todas as circunstâncias, para todas as ativi-
dever moral, que por sua vez acarreta uma
dades humanas. É o campo próprio em que se
responsabilidade moral.
estruturam os princípios gerais e teóricos da
Deontologia. O dever pode ser entendido como o bem
enquanto obrigatório. E este bem pode ser
A Deontologia Jurídica também se rela-
entendido como a realização plena da finali-
ciona com outros ramos do Direito, como a
dade do homem, daquilo que deve ser cum-
Filosofia do Direito, de onde nasceu e poste-
prido.
riormente se desprendeu, ao se delimitar cla-
ramente sua matéria de estudo. Este caráter obrigatório do cumprimento
do bem se chama dever.
Da mesma forma, se relaciona com o
Direito Civil, como, por exemplo, na parte que O dever, portanto, tem a natureza de uma
trata do instituto do mandato judicial, onde se obrigação, que é sua substância, e não ape-
encontram normas reguladoras da atividade nas deriva da nossa consciência, mas também
forense. Também se relaciona com o Processo de uma ordem natural. O desrespeito a essa
Civil, que traz um enorme cabedal de normas ordem natural é um desrespeito à ordem das
dirigidas aos operadores do Direito, tais como coisas, ao fim do ser humano, à própria estru-
competências, atribuições, prazos, capacidade tura racional do universo.
para agir em juízo, etc.
Assim, pode-se afirmar que onde há uma
Pode-se afirmar, pois, que a Deontologia obrigação há um bem e onde há um bem há
Jurídica, ao se relacionar com as diversas dis- uma obrigação. O bem consiste em fazer o que
ciplinas que compõem a ciência jurídica, serve é devido (o dever) e o dever consiste em fazer
como auxilio ao profissional do Direito, per- o bem.
mitindo que aplique o conhecimento jurídico

18.
O cumprimento do dever faz nascer uma dos princípios aos casos concretos; é
responsabilidade. Esta responsabilidade é aquela que distingue claramente entre
uma consequência do dever cumprido, pois o lícito e o ilícito, entre o que fazer e
quem cumpre um dever de consciência se o que não fazer. É o estado em que a
mostra inteiramente responsável pelo ato pra- consciência adere e se adapta adequa-
ticado. Todavia, para que exista esta respon-
damente ao dever;
sabilidade é requisito essencial que o atendi-
mento do dever tenha sido inteiramente livre, c. consciência errônea – é aquela que leva
por isso que a liberdade do agente é a caracte- o agente ao erro, pela qual pensa estar
rística peculiar à responsabilidade. Quem não cumprindo o dever moral quando ele
e livre não é responsável, não pode responder não existe. É o estado de consciência
pelos atos praticados. Assim, a liberdade é a que erra na aplicação dos princípios
razão de ser da responsabilidade. ou que se apoia em princípios falsos,
pensando serem verdadeiros. Afirma
3.4 A Consciência Moral ser bom aquilo que é mau. Neste
estado, quando a consciência é inven-
A consciência é o nervo motor das ações e
civelmente errônea, não há culpa ou
aferições da conduta humana, é antes de tudo
uma faculdade da alma. Etimologicamente, responsabilidade pela conduta;
ela conhece junto à nós (cons-ciência), está d. consciência duvidosa – é aquela que
conosco, é a ciência de nós, conhece as nossas deixa o juízo do agente em suspenso,
ações, sabe se estamos fazendo o que se deve que tem dúvidas no agir, que age com
ou o que não se deve.
dúvidas na sua decisão. Neste estado
Pode-se dizer que a consciência é uma a consciência não chega a emitir um
espécie de razão intuitiva, que automática juízo;
e espontaneamente nos dá o conhecimento
e. consciência provável – é aquela que,
imediato dos princípios primários da nossa
embora sabendo que possa estar
conduta e da conduta alheia. Inobstante, ela
se serve para essa diretriz da colaboração errada, julga lícita, ainda assim, deter-
de outras faculdades, como da inteligên- minada ação. Não tem a segurança de
cia, da razão e da intuição, podendo tam- uma certeza, baseia-se no provável,
bém contar com a educação e cultura que o sempre admitindo que, ao final, seu
homem possua. juízo possa estar cometendo um erro.

Esta consciência moral, que nos permite f. consciência laxa ou larga – é aquele
aferir o comportamento próprio e alheio, na estado de consciência que, com levian-
busca da verdade e do bem, apresenta-se em dade, sem se preocupar com qualquer
diferentes graus ou estados, repercutindo na análise, julga que qualquer solução é
melhor ou pior percepção do dever moral. boa, qualquer caminho serve. Aceita
Dentre estes diferentes graus ou estados tudo como lícito e bom. Leva o agente
de consciência, podemos destacar os seguin- a uma total insensibilidade moral.
tes:
g. consciência escrupulosa – é o estado
a. consciência ignorante – é aquela em contrário à consciência laxa: vê o erro
que o agente não sabe distinguir ade- e a maldade onde eles aí não existem.
quadamente entre o lícito e o ilícito, Dentro deste estado de consciência
entre o ato bom e o ato mau. É o caso toda a ação pode ser errônea.
dos irresponsáveis, dos loucos, que
Em face dos diferentes graus de Consci-
agem confusamente;
ência Moral, que afetam a compreensão do
b. consciência certa ou reta – é o estado bem e, por consequência, do dever moral,
da consciência que acerta na aplicação algumas regras de conduta devem ser obser-

Ética e Deontologia Jurídica

19.
vadas, de modo a nortear o comportamento
humano para o bem, dentre elas destacam-se
3.5 O Objeto de Estudos
as seguintes: da Deontologia
a. não devemos nunca agir contra a Jurídica
consciência;
Como vimos, a Deontologia é a teoria dos
b. devemos atender ao dever moral com a deveres e consiste, assim, no complexo de
intenção de estarmos agindo de confor- princípios e regras que disciplinam particu-
midade com o bem que ele é. É necessá- lares comportamentos do integrante de uma
rio o desejo de cumprir o dever. Deste determinada profissão. A Deontologia Jurí-
preceito decorre a conclusão de que os dica, por sua vez, designa o conjunto de nor-
mas éticas e comportamentais a serem obser-
fins bons não justificam os meios maus,
vadas pelo profissional jurídico, no exercício
pois o desejo de cumprir o dever, que é
de sua atividade profissional.
um bem, pressupõe que os meios sejam
igualmente bons; Inicialmente, é importante ressaltar que as
normas deontológicas não se confundem com
c. não devemos nunca agir com a cons- as regras de costume, de educação e de estilo,
ciência duvidosa sobre a licitude ou pois estas, ainda que importantes para vida
não de uma conduta, pois seria agir de social são de cumprimento espontâneo, não se
forma temerária, pondo em risco direito configuram preceitos de conduta profissional,
alheio. É preciso procurar uma solução ou seja, sua infração não constitui infração ética.
adequada para a dúvida antes de agir; Portanto, a Deontologia Jurídica está estri-
d. devemos agir sempre com a consciên- tamente ligada aos deveres morais decorren-
cia certa e verdadeira; tes do exercício da profissão jurídica.

e. quando a consciência errônea é Segundo NALINI34, sob o enfoque emi-


invencível, ou seja, quando o erro nentemente moral, pode-se conceituar pro-
fissão como uma atividade pessoal, desenvol-
não pode ser superado pelo agente,
vida de maneira estável e honrada, ao serviço
mesmo com estudo, etc., é legitima
dos outros e a benefício próprio, de conformi-
a conduta, porque ela é considerada dade com a própria vocação e em atenção à
subjetivamente certa; dignidade da pessoa humana.
f. é permitido agir com a consciência Deste conceito, extraem-se duas caracte-
escrupulosa, desde que seja real e exa- rísticas fundamentais:
gerada;
a. trata-se de uma atividade a serviço
g. não se deve agir jamais com a cons- dos outros – a profissão deve ter uma
ciência laxa ou larga, que considera função social: o bem comum.
tudo lícito e permitido;
b. deve-se dar também em beneficio pró-
h. é permitido agir com a consciência prio – atender a necessidade de sub-
provável, quando não for possível sistência do profissional.
se alcançar a certeza absoluta, desde
E nesta busca por se alcançar o bem
que tenham sido tomadas as cautelas
comum (a serviço dos outros) e garantir a
necessárias, a prudência com o acu- própria subsistência, todas as profissões recla-
rado exame do problema. mam um proceder ético, que impõe a consecu-
ção do bem e o banimento do mal.
O que se deseja com estas regras é alcançar
uma disciplina moral que respeite a liberdade Na atividade profissional jurídica essa
e dignidade dos homens ao viverem em socie- importância avulta, pois, conforme aponta
dade, além de nortear o homem na formação
continua de sua consciência. 34 NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. São Paulo: RT, 2006.

20.
NALINI35 o homem das leis “examina o torto reduzir a dignidade da carreira jurí-
e o direito do cidadão no mundo social em dica;
que opera; é, a um tempo, homem de estudo e
d. Principio da Correção Profissional,
homem público, persuasivo e psicólogo, ora-
que implica em agir com transparên-
dor e escritor. A sua ação defensiva e a sua
conduta incidem profundamente sobre o con- cia no relacionamento profissional;
texto social em que atua”. e. Princípio da Diligência, que impõe
a atuação com agilidade, empenho,
3.6 Princípios da esforço e zelo;
Deontologia f. Princípio da Confiança, que exige seja
Jurídica observado um caráter de confiança na
relação profissional;
A Deontologia Jurídica, como já afirmado,
pode ser entendida como um conjunto de g. Princípio da Independência Profis-
princípios e regras de conduta dirigidos aos sional, que exprime a ausência de
profissionais do Direito. Dentre estes prin- qualquer vinculo interferente na ação
cípios, destaca José Renato Nalini, pode-se do profissional do direito, capazes
considerar como Fundamental o Principio do de condicionar ou orientar sua atu-
Agir segundo Ciência e Consciência. ação de forma diversa ao interesse
Ciência significa o conhecimento técnico da justiça;
adequado, exigido a todo profissional. O pri- h. Princípio da Lealdade, pelo qual a con-
meiro dever ético do profissional é dominar duta do profissional do direito deve se
o conhecimento técnico necessário e atual ao pautar pela boa-fé e pela verdade.
bom desempenho profissional.
É possível afirmar que todos os deveres
Consciência que nos dá o conhecimento
morais de conduta profissional, objeto da
imediato dos princípios primários da conduta
Deontologia Jurídica, aplicados às diferentes
humana, que permite perceber a conformi-
profissões vinculados ao Direito, decorrem,
dade da conduta com uma exigência intrín-
direta ou indiretamente, dos princípios ora
seca do homem. A consciência, no entanto, é
mencionados.
falível, por isso deve ser constantemente aper-
feiçoada, instruída, educada.
3.7 A Profissão de
Além do Principio Fundamental do Agir Advogado
segunda Ciência e Consciência, existem Prin-
cípios Gerais da Deontologia Jurídica que Dentre as profissões que compõem a ati-
merecem menção: vidade jurídica, a dos advogados é a que
a. Princípio da Conduta Ilibada, que congrega o maior número de profissionais,
impõe ao profissional do Direito atuar seguida dos Juízes e Promotores.
retamente, de forma incorruptível; Etimologicamente, advogado vem do
b. Princípio da Dignidade e Decoro Pro- termo latino “advocatus”, composto de ad
fissional, que exige do profissional o (para junto) e vocatus (chamado), isto é,
aquele que é chamado pelas partes para auxi-
acatamento, a honradez e a compos-
liar em suas alegações. De igual modo, aquele
tura;
que tinha o ofício de “postulare” chamava-se
c. Princípio da Incompatibilidade, que postulande ou advocati. Nas fontes históri-
veda a atuação profissional simultâ- cas, encontram-se também as denominações
nea na carreira jurídica e em outra que patronus, togatus, causidicus, oratores, cuja
lhe seja incompatível, ou que possa atividade se assemelhava ao que hoje faz o
advogado.
35 NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. São Paulo: RT, 2006.

Ética e Deontologia Jurídica

21.
Affonso Dionisyo Gama36 conceitua
os advogados como “pessoas que, por seu
ADVOGADOS DO
conhecimento do direito, legislação e juris- BRASIL (OAB)
prudência, aconselham as partes litigantes e
sustentam seus direitos em juízo, esclarecem Os requisitos exigidos para o exercício da
os juízes e, devidamente habilitados, com atividade profissional do advogado podem
procuração legítima e bastante das partes, ser divididos em duas modalidades: os requi-
dirigem a causa, alegando de fato e de direito sitos pessoais e os legais.
tudo quanto convenha aos interesses de seus
Os requisitos pessoais para o exercício da
constituintes”.
atividade de advogado têm relação com as
Não se pode precisar, dentro da história, características exigidas do profissional para
as origens da profissão do advogado. Na Gré- alcançar um maior rendimento e realização.
cia, os cidadãos compareciam, pessoalmente, Georges Cohendy, ex-professor da Faculdade
diante dos magistrados, de Direito de Paris, em seu estudo La técnique
da la profission d’avocat, enumera as seguin-
para expor e defender seus direitos. As tes qualidades pessoais necessárias ao exercí-
Leis de Solon obrigavam as partes a se apre- cio da profissão de advogados:
sentarem diante do tribunal e aí explicar e
defender as suas razões, pessoalmente. Mas 1. Dons naturais: linguagem clara, pre-
podiam, facultativamente, fazer-se acompa- cisa, correta, simples e viva, raciocínio
nhar por um amigo, que coadjuvasse as suas lógico, imaginação, espírito de síntese,
explicações. Com o tempo surgiram os ora- boa memoria.
dores, que apresentavam verbalmente suas
2. Qualidades de Caráter: caráter intré-
alegações e tinham conhecimento das leias.
pido, reta consciência, temperamento
Aí se pode perceber a origem dos primeiros
advogados. Entre os grandes oradores gregos combativo, coragem e bravura para
destacaram-se Antífon, Lisias e Demóstenes. enfrentar as demandas;

No entanto, foi em Roma que a profissão 3. Cultura geral: conhecimento da filoso-


de advogado adquiriu individualidade e auto- fia, história e ciências em geral;
nomia. A forma verbal foi substituída pela 4. Sólida cultura jurídica: leitura regu-
escrita, formando o processo. Lá surgiram os
lar das normas, doutrina e jurispru-
patronus e os jurisconsultus. Destacaram-se
dência, mesmo fora dos casos que
Adriano, Celso, Papiano e Tertuliano.
patrocina;
Com a complexidade das relações huma-
5. Capacidade de trabalho;
nas e por consequência das leis que as discipli-
nam, tornou-se ainda mais necessária a figura 6. Pontualidade;
de um profissional que se dedicasse ao conhe-
7. Arte de se relacionar bem com as pes-
cimento destas leis, para aconselhar, conciliar
e ajuizar as questões que surgem na vida em soas;
sociedade. Em resumo, pode-se afirmar que os requi-

4. REQUISITOS DA
sitos pessoais consistem na competência e na
honestidade.
PROFISSÃO DE Quanto aos requisitos legais, fazem-se
ADVOGADO – diretamente obrigatórios, possuindo cará-

ESTATUTO DA
ter impositivo, sem os quais não pode haver
regular e normal atividade profissional do
ORDEM DOS advogado.

A primeira norma a ser observada para o


exercício profissional do advogado está pres-
36 GAMA, Affonso Dionisyo. Manual do advogado. São Paulo, 1926, v. 1. crita na Constituição Federal, em seu artigo 5º,

22.
XIII, a saber: “É livre o exercício de qualquer ou funções de direção em Órgãos da
trabalho, oficio ou profissão, atendidas as qua- Administração Pública direta ou indi-
lificações profissionais que a lei estabelecer”. reta, em suas fundações e em suas
empresas controladas ou concessioná-
Por sua vez, as qualificações profissionais
rias de serviço público; ocupantes de
a serem atendidas para o exercício da advoca-
cargos ou funções vinculados direta
cia estão dispostas no Estatuto da Advocacia
ou indiretamente a qualquer órgão do
e OAB, instituído pela Lei.906, de 04-07-1994.
Poder Judiciário e os que exercem ser-
O art. 3º do referido diploma legal dispõe viços notariais e de registro; ocupan-
que “o exercício da atividade de advocacia no tes de cargos ou funções vinculados
território brasileiro e a denominação de advo- direta ou indiretamente a atividade
gado são privativos dos inscritos na Ordem policial de qualquer natureza; mili-
dos Advogados do Brasil (OAB)”. tares de qualquer natureza, na ativa;
ocupantes de cargos ou funções que
Com efeito, para inscrição como advo-
tenham competência de lançamento,
gado o art. 8º do Estatuto da Advocacia impõe
arrecadação ou fiscalização de tributos
as seguintes exigências:
e contribuições parafiscais; ocupan-
a. capacidade civil, ou seja, ser maior de tes de funções de direção e gerência
18 anos; em instituições financeiras, inclusive
privadas.
b. diploma ou certidão de graduação
em direito, obtido em instituição de g. idoneidade moral. Trata-se de um con-
ensino oficialmente autorizada e cre- ceito indeterminado, cujo conteúdo
denciada. Com isso se pode afirmar depende da análise do caso concreto,
que nem todo o bacharel em direito com aferição objetiva das circunstân-
é advogado, mas todo o advogado é cias, na comunidade profissional, no
bacharel em direito; tempo e no espaço. De modo geral,
c. título de eleitor e quitação do serviço não são compatíveis com a idoneidade
militar, se brasileiro, sendo dispen- moral atitudes e comportamentos
sado às mulheres a quitação do ser- imputáveis ao interessado, que con-
viço militar; taminarão necessariamente sua ati-
vidade profissional, em desprestígio
d. aprovação em Exame de Ordem. Con- da advocacia. A declaração de inido-
siste em um exame de aferição de neidade moral deve contar com pelo
conhecimentos jurídicos básicos e de menos 2/3 dos votos dos membros do
prática profissional do bacharel em Conselho Seccional competente para
direito que deseja exercer a advocacia; analisar o caso.
f. não exercer atividade incompatível h. prestar compromisso perante o Con-
com a advocacia. As atividades incom- selho. É manifestado de viva voz no
patíveis estão previstas no artigo 28 sentido de exercer a advocacia com
do Estatuto da Advocacia, dentre elas: dignidade e responsabilidade, em
chefe do Poder Executivo e membros estrita observância da legislação apli-
da Mesa do Poder Legislativo e seus cável e do Código de Ética.
substitutos legais; membros de órgãos
do Poder Judiciário, do Ministério
Público, dos tribunais e conselhos
5. O CÓDIGO DE
de contas, dos juizados especiais, da ÉTICA DA OAB
justiça de paz, juízes classistas, bem
como de todos os que exerçam função A advocacia é uma das profissões que
de julgamento em órgãos de delibera- primeiro se preocupou com sua ética, então
ção coletiva da administração pública concebida como a parte da filosofia disciplina-
direta e indireta; ocupantes de cargos dora da moralidade dos atos humanos. Para

Ética e Deontologia Jurídica

23.
Rafael Bielsa37, “o atributo do advogado é sua VII. aconselhar o cliente a não ingressar
moral. É o substratum da profissão. A advoca- em aventura judicial;
cia é um sacerdócio; a reputação do advogado
VIII.abster-se de: a) utilizar de influên-
se mede por seu talento e por sua moral”.
cia indevida, em seu benefício ou do
Os advogados têm facilitada a regulação cliente; b) patrocinar interesses liga-
de sua conduta ética, pois contida, em sua dos a outras atividades estranhas à
essência, no Código de Ética e Disciplina da advocacia, em que também atue; c)
OAB. Esse instrumento normativo é a síntese vincular o seu nome a empreendi-
dos deveres desses profissionais, considera- mentos de cunho manifestamente
dos pelo constituinte como essenciais à admi- duvidoso; d) emprestar concurso aos
nistração da justiça. que atentem contra a ética, a moral,
a honestidade e a dignidade da pes-
Além de regras deontológicas fundamen- soa humana; e) entender-se direta-
tais, a normativa contempla capítulos das mente com a parte adversa que tenha
relações com o cliente, do sigilo profissional, patrono constituído, sem o assenti-
da publicidade, dos honorários profissio- mento deste.
nais, do dever de urbanidade e do processo
disciplinar. Dentre as linhas norteadoras do IX. pugnar pela solução dos problemas
Código incluem-se o aprimoramento no culto da cidadania e pela efetivação dos
dos princípios éticos e no domínio da ciência seus direitos individuais, coletivos e
jurídica. difusos, no âmbito da comunidade.

Conforme seu Código de Ética, o advo- Ainda, orienta o Código de Ética que
gado deve ser um defensor do Estado demo- “o advogado deve ter consciência de que o
crático de direito, da cidadania, da moralidade Direito é um meio de mitigar as desigualdades
pública, da justiça e da paz social, consistindo para o encontro de soluções justas e que a lei é
em deveres do advogado, nos termos do art. um instrumento para garantir a igualdade de
2º, parágrafo único do Código de Ética: todos”; que “o advogado vinculado ao cliente
ou constituinte, mediante relação empregatí-
I. preservar, em sua conduta, a honra, cia ou por contrato de prestação permanente
a nobreza e a dignidade da profissão, de serviços (...) deve zelar pela sua liberdade
zelando pelo seu caráter de essenciali- e independência”; que “o exercício da advo-
dade e indispensabilidade; cacia é incompatível com qualquer procedi-
II. atuar com destemor, independência, mento de mercantilização”, sendo “vedado
honestidade, decoro, veracidade, leal- o oferecimento de serviços profissionais que
dade, dignidade e boa-fé; impliquem, direta ou indiretamente, inculca-
ção ou captação de clientela”; que “é defeso ao
III. velar por sua reputação pessoal e pro- advogado expor os fatos em Juízo falseando
fissional; deliberadamente a verdade ou estribando-se
IV. empenhar-se, permanentemente, em na má-fé.
seu aperfeiçoamento pessoal e profis- A enunciação dos vários preceitos apli-
sional; cáveis à categoria serve de balizadores da
V. contribuir para o aprimoramento das conduta profissional diante das exigências
instituições, do Direito e das leis; morais, constituindo em parâmetro valioso
de atuação.
VI. estimular a conciliação entre os liti-
gantes, prevenindo, sempre que pos- O Código de Ética regula não apenas os
sível, a instauração de litígios; deveres do advogado para com o cliente,
mas, também, para com os demais colegas,
a comunidade, as autoridades e pessoas com
quem deve tratar profissionalmente. Alcança
37 BIELSA, Rafael. La abocacia, Buenos Aires, 1934, p. 146, apud Ruy o advogado no foro, na rua, em seu escritório,
de Azevedo Sodré, O advogado seu estatuto e a ética profissional. enfim, em todos os espaços públicos onde seu

24.
comportamento possa repercutir no prestígio acaba eximindo-se de responsabilizar certos
ou desprestígio da advocacia. comportamentos que deveriam estar calcados
na verdade e nos princípios como de lealdade
O guardião dos preceitos éticos do advo-
e boa fé processuais.
gado é o Tribunal de Ética e Disciplina, ins-
talados em todos os Conselhos Seccionais, OS Isto porque se vive um período de compa-
Tribunais de Ética e Disciplina tem atribuição rações onde a postura do advogado é confron-
de julgar todos os processos disciplinares con- tada com a decadência dos padrões médios de
tra os profissionais inscritos na OAB e aplicar moral, com as mazelas da corrupção, as mano-
penalidades aos infratores, que consistem nas bras de procedimentos a fim de procrastinar, a
seguintes sanções, de acordo com a gravidade morosidade da justiça, entre outros.
da infração: I - censura; II - suspensão; III -
Assume-se aqui, portanto, que a luta é
exclusão; IV - multa.
árdua, mas nem por isso esta luta pela ética

CONSIDERAÇÕES deixa de ser legítima. Apesar dos percalços, a


ética universal precisa nortear a conduta do
profissional do Direito que deve ter sempre
Com as abordagens sobre os temas da
em vista a possibilidade real de converter suas
moral, da ética, da deontologia jurídica, inten-
ideias em realidade.
tou-se com o presente trabalho levar o leitor a
refletir de maneira crítica e consciente a res- Assim, as escusas não são plausíveis para
peito de suas concepções e comportamentos. a inobservância de ser ético no exercício da
advocacia. Urge a necessidade de prevale-
A respeito das prerrogativas da profissão
cer todo profissional advogado que pretenda
do advogado, vale ainda considerar que as
ser respeitado, se impondo ativamente como
normas deontológicas são expostas com cla-
agente em defesa dos princípios constitucio-
reza na específica legislação e que apresentam
nais e do bem comum.
plena consonância com os dispositivos consti-
tucionais. Daí decorre o fundamental valor de Cabe ao profissional ético o cumprimento
sua plena observância. da importante missão de fazer sua voz anun-
ciar a verdade e seu comportamento testemu-
Há, porém, que se considerar o exercí-
nhar a honradez, agindo em conformidade
cio ético como cara tarefa ao advogado. Isto
com os compromissos assumidos em conso-
porque diversos apelos contemporâneos con-
nância com o Direito, ciente de que sua ativi-
tribuem para dificultar aos profissionais do
dade é indispensável e essencial à administra-
Direito que aprestem os quesitos éticos espe-
ção da Justiça.
rados pelas normas.

O advogado que tende a afastar-se de REFERÊNCIAS


seu compromisso ético pode justificar- se em
razão da acirrada competividade inerente BIELSA, Rafael. La abocacia. Buenos Aires,
à profissão, ou citar o apelo por sucesso 1934, p. 146, apud Ruy de Azevedo Sodré, O
financeiro da sociedade capitalista, ou ainda advogado seu estatuto e a ética profissional.
desculpar-se por decorrência do processo
crescente de globalização e seus inúmeros BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurí-
comparativos. Sim, existe a possibilidade real
dica: ética geral e profissional. São Paulo:
de o advogado estar propenso a se afastar de
Saraiva, 2005.
suas pactuadas obrigações.

Além disso, não há como ofuscar a ten- CHAUI, M. Convite à Filosofia. São Paulo:
dência contemporânea do aumento de con- Ática, 2009. CORTINA, A. & MARTINEZ, E.
cessão de indulgências relacionadas à faltas Ética. São Paulo: Loyola, 2001.
éticas. A conivência com a postura irrespon-
sável faz parte com paradigma atual que, em COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia - His-
face da desculpa pelo respeito às diferenças, tória e grandes temas. São Paulo: Saraiva, 2006.

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