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“Diga-me aonde vou morrer, pois nunca irei até lá.


- Charles Munger

O saudoso Charles Munger, não só foi o braço direito, senão uma extensão da própria
inteligência de Warren Buffett, sem dúvida, era detentor de uma capacidade
impressionante de perceber o mundo para então agir com o máximo de sabedoria frente a
todos os desafios que teve em sua longa vida junto com sua família, nos seus negócios,
enquanto advogado, enquanto investidor. Ele faleceu há pouco tempo, mas nos deixou um
legado que será lembrado pra sempre.
Ele era colecionador de modelos mentais com os quais resolvia todos tipos de
problemas que enfrentava. Certa vez, uma cartomante se ofereceu para prever seu futuro,
e ele sem titubear atirou: “Diga-me onde vou morrer, pois nunca irei até lá”.
Essa anedota de Munger se fundamenta num tipo especial de sabedoria implícita,
presente por exemplo nos 10 mandamentos que interdita e rejeita alguns comportamentos
nocivos. Ou seja, regras que não se deve nunca violar. Comportamentos que devemos
evitar a todo custo.
Nos 10 mandamentos, diferente do Direito como o conhecemos hoje, não se diz qual
será a consequência, e também não explica o porquê: não se deve matar, roubar,
adulterar, mentir e desrespeitar os pais. Apenas enuncia o que não se deve fazer. E o mais
peculiar, há toda a liberdade de se fazer o que quiser nesse mundo (por conta do livre
arbítrio), até mesmo de violar esses mandamentos. Tanto há liberdade que até hoje
ocorrem assassinatos, roubos, fraudes e mentiras.
No Velho Testamento, especialmente, podemos extrair vários exemplos, onde estes
preceitos são postos à prova e ou são violados e quais foram as consequências da violação,
especialmente quando o povo escolhido se afastou desses preceitos, seja por imposição
tirânica, seja quando acabam por se afastar desses preceitos por afrouxamento moral. No
livro Juízes testemunhamos um conflito escalar para uma guerra civil entre as 12 tribos,
num momento grave de frouxidão de valores.
Dito isso, é importante reconhecer um fato:
Nossa Constituição está fundada de vários modos nessa sabedoria perene – embora a
presença do Direito Romano – em sua estrutura formal – seja muito mais visível e
evidente. Ainda que de modo secularizado – em linha não só com os 10 mandamentos – já
que quase todas as religiões que possuem uma ordem moral que aponta para essa mesma
direção.
Nossa Constituição aliás, assim como os 10 mandamentos, nem sempre diz qual é a
consequência de se afastar de seus preceitos, talvez seja impossível escrutinar todas as
possibilidades futuras num só documento, porque a realidade é sempre mais rica do que a
imaginação do constituinte.
Seja como for, de tempos em tempos, somos obrigados a enfrentar as consequências
por nos afastarmos do bom caminho e precisamos dar um jeito de retomar nossa jornada.
Pois bem. Vamos agora dar um salto histórico.
Em linha para analisar isso que está acontecendo no Brasil, no que se refere a
atuação de Ministros do STF e TSE. Antes de tudo, é bom frisar que a atividade jurisdicional
é uma instituição perene e milenar – presente desde a República Romana, sendo depois
incorporada às instituições do Império Romano, na Unificação Cristã do Império Carolíngio,
constituiu-se unida com o Direito Canônico até a Divisão da Cristandade, a partir do Século
VIII, sobreviveu nas funções das Cortes Monárquicas Medievais Secularizadas e ás práticas
feudais. E – desde as revoluções modernas – foi incorporada ás funções do Estado
Moderno em todas suas possíveis configurações.
Em linha histórica particularmente própria, no Brasil teve vigência as ordenações
Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, advindas dos imperadores portugueses. E o que pouca
gente comenta, as ordenações Filipinas continuaram em vigor, mesmo após a
independência, não foram revogadas com o advento da Constituição de 1824 e
sobreviveram ainda nas primeiras décadas da era republicana.
Só foram revogadas com o advento do Código Civil de Beviláqua e por aí vai.
Interessante reconhecer que o Brasil teve muito mais estabilidade e segurança
jurídica na ordem privada – com as ordenações e com os Códigos Civis de 1917 e o de
2002, do que na ordem Constitucional.
Tivemos até agora 2 Códigos Civis, mas tivemos 7 Constituições, com suas incontáveis
emendas e remendas.
E isso não diminui de modo algum a importância da atual Magna Carta.
Reconhecemos que a CF/88 já possui 37 anos, consolidou o STF como guardião da
Constituição, consagrou direitos fundamentais, estabeleceu regras de distribuição de poder
que estavam sendo razoavelmente respeitadas, até a instauração do Inquérito do Fim do
Mundo que viola o âmbito dos direitos civis do povo brasileiro.

E é aqui que entramos na quadra histórica que nos encontramos no que acabamos
por se deparar com um problema sem precedentes históricos.
Porque é aqui, para nossa perplexidade, que vemos o Poder Judiciário sendo utilizado
para repressão política. E não há precedentes, pelo menos na História do Brasil e até onde
minha vista alcança na História de outros países ocidentais de quem nós somos ligados por
laços profundos de vermos o poder judiciário sendo aparelhado para funcionar como
órgão policial de repressão política.
Desde nossa primeira Constituição a liberdade de expressão é um valor consagrado, e
que já vedava expressamente a instituição de censura prévia. Vejamos:
Já na 1ª. Constituição brasileira, de 1824, temos a seguinte prescrição: “todos podem
comunicar os seus pensamentos, por palavras, escritos, e publicá-los pela Imprensa, sem
dependência de censura (..);” (artigo 179, Inciso IV, Constituição de 1824).
Claro que – ninguém olvida –a liberdade de expressão – historicamente – foi
desafiada em regimes autoritários, mas sempre pelo Poder Executivo, nunca pelo Poder
Judiciário.
O Constituinte de 1988, deve ter levado em consideração essa realidade histórica,
porque demonstrou muita confiança no Poder Judiciário. Talvez seja isso que ele acabou
fortalecendo todas as instituições judiciárias, não só o Poder Judiciário, mas também o
Ministério Público e a Advocacia. Foi a forma encontrada pelos constituintes para que
nunca mais fosse instituída uma tirania no país.
Vejamos um exemplo, nossa Constituição estabeleceu que nenhuma lesão ou ameaça
de lesão pode ser afastada do Poder Judiciário, com isso, ela obstaculizou para sempre que
um tirano instituísse órgão de censura prévia para calar seus cidadãos e afastar por conta
própria o Poder Judiciário de atuar na defesa cidadã da livre manifestação do pensamento.
Agora, o que a autoridade Constituinte nunca imaginou, porque em toda nossa
História nunca havia acontecido, é que a Censura Prévia fosse instituída pelo próprio Poder
Judiciário, não só isso, pelo órgão Guardião da Constituição, através do STF. Pior ainda, por
um único Ministro e com o silêncio ensurdecedor dos demais Ministros.
De certo modo, a tirania no Brasil só havia sido instituída através do Poder Executivo
que – pela força – enfraquecia tanto o Poder Legislativo como o Poder Judiciário para que
não se opusessem ao seu arbítrio, sob pena de perseguição.
Agora, pela primeira vez na História, vemos as funções do STF, sendo aparelhada e se
metamorfoseando em órgão censor, servindo-se para legitimar a instituição de uma tirania.
Convém repetir. Desde a Constituição de 1824, em seu artigo 179, Inciso IV, a censura
prévia é proibida. Com o intuito de proteger a liberdade de expressão. Seguindo o princípio
universal de não retrocesso, consagrado pela atual Constituição, não é possível que as
Constituições posteriores revoguem este preceito fundamental, pétreo, perene, fundador
civilizacional.

A missão do STF é servir como guardião da Constituição, ele não é dono da


Constituição e seus Ministros não podem subtrair de nós o que eles deveriam proteger:
nossa liberdade. Se um guardião de uma instituição bancária furta algo precioso sob sua
guarda, ele é responsabilizado, não? Pois bem, desde a Constituição de 1824, a liberdade
de expressão foi consagrada, assim como, foi vedada a censura prévia (artigo 179, IV). Isso
não evitou que houvesse censura prévia em períodos autoritários subsequentes, mas pode
ter inibido a participação do judiciário na repressão dessas liberdades civis. A Constituição
de 1988 – tentou assegurar que não houvesse nunca mais retrocesso no âmbito das
liberdades civis, sem nunca imaginar que os próprios membros do Poder Judiciário
poderiam instituir através de sua Corte Máxima, um regime de censura prévia e de
repressão política. Não há precedentes históricos de um aparelhamento do Poder
Judiciário para servir a repressão política. Isso é algo grave que precisamos solucionar de
modo adequado, com prudência e sem complacência.

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