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Classe, Etnia e o Estado.

O Estado em sua fundação é um instrumento de repressão de uma classe sobre a outra. Situando-se,
aparentemente, acima delas o Estado age como reflexo das lutas entre as classes num determinado
modo de produção, podendo, portanto, servir de instrumento do polo explorado ou do explorador, a
depender da situação da luta. Porém, a questão que é posta é o que define concretamente essa
dominação, como se manifestam as opressões de uma classe sobre a outra. A primeira dela, mais
vísivel, é a opressão econômica. O Estado legitima, pois, as instituições e as relações que regem
determinado modo de produção. O Estado Capitalista, por exemplo, fundamenta-se na liberdade
burguesa, na propriedade burguesa, parâmetros de sua classe dominante, e estende esses conceitos
por meio de suas forças repressivas para toda a população de determinada nação. Assim, o operário
sujeita-se as condições mais deploráveis sem jamais poder pensar em violar o direito a propriedade
do patrão, o mesmo vale para o camponês sem-terra que diante do lote improdutivo vê-se
impotente, impossibiltiado de ocupá-lo. Trabalhamos, nessas condições, num nível fundamental e
essencial da coisa, portanto, o mais abstrato. Essas relações, contudo, não podem ser vistas somente
nesse âmbito, embora este seja o fundamento das demais, deve-se expandir as dominações de base
econômicas para relações cada vez mais complexas e conjugar as relações classistas às de gênero,
étnico-culturais, nacionais e internacionais.
As escalas de dominação, essas relações imbricadas, se superpõem umas as outras, não sendo
possível colocá-las em ordem de prioridade de combate, a dominação cultural eurocêntrica, por
exemplo, não pode ser compreendida sem a dominação cultural das elites locais sobre as
populações mais pobres, e a colonização e incapacidade destas de formularem suas culturas sobre
suas próprias bases não pode ser compreendida ser compreender as relações econômicas que regem
as dinâmicas internacionais.
Com relação a questão étnica, Darcy Ribeiro, em “A Civilização Emergente”, explica que as
tensões étnicas se sobrepõem às questões classistas, pois antes destas existirem aquelas já
vigoravam e entravam em choques constantes. No entanto, esta não é a nossa visão. Do mesmo que
modo que o próprio Darcy admite que as diferentes populações e reminescentes das matrizes de
formação dos povos novos são manifestações de uma mesma etnia nacional, enxergamos a questão
étnica, muitas vezes confudida com a questão nacional, como manifestações das mais concretas da
dominação classista, não sendo mais ou menos prioridades de forma alguma. O exemplo dos povos
descendentes das civilizações incaicas, maias e quechuas, povos testemunho, em que as diferenças
étnicas com os colonizadores foram exacerbadas pela não-assimilação daqueles a cultura destes,
que Darcy usa para criticar os “fanáticos das lutas de classe” apenas demonstra isso. A organização
dessas etnias que aparecem como massas oprimidas frente aos descendentes mais europeizados dos
centros urbanos é nada mais que a manifestação concreta da dinâmica conflitante entre o campo e a
cidade, o conflito existentente entre o campesinato expropriado e os senhores que o expropriaram. A
grande diferença é que se soma ao aspecto classista a questão étnica, assim como a questão negra se
soma ao aspecto classista no Brasil. Ambas as dinâmicas são frutos dos processos civilizatórios e
formatórios dessas nações, consequentemente, da formação de classe nessas sociedades. O fato de
que, sucedendo aos colonizadores, os crioulos, filhos daqueles, vale lembrar, não emanciparam os
camponeses semi-indigenas não contraria a luta de classes, ao contrario, afirma-a ao se ressaltar a
forma de vida dessas elites, baseada no latifúndio e na exploração do camponês. Negaria, isso sim,
se reinasse uma burguesia industrial que provomendo a homogeneização de todos na cidade,
aspecto importante do capitalismo, ainda assim excluísse dessa dinâmica os descendentes dessas
civilizações americanas.
Repito, não podemos pensar a luta entre as classes de forma abstrata, assim, excluindo as condições
históricas e concretas das diferentes formações, dos diferentes grupos que compõem essas classes, a
nivel internacional e nacional, macro e microétnico, masculino, feminino ou qualquer coisa que o
valha; porém, e isso é mais importante, é não pensar a luta classista como algo que não é pano de
fundo de todas as demais lutas. Não é possível pensar os Andes sem tomar em conta suas
populações, o Brasil sem seus pretos e mestiços, mas não é, também, sem compreender a função de
dupla subalternidade que estes setores são postos no quadro nacional e sem compreender as
proximidades que eles possuem com as demais etnias do quadro nacional que eles compõem. Como
disse Florestan, “a luta só será fecunda, se conjugar raça e classe”, aqui expandindo a questão racial
para a questão étnica, tão importante num país de dimensão continental e com formas de expressão
da mesma etnia nacional tão díspares entre si que alguns heréticos separatistas poderiam acusar de
serem etnias diferentes. Em resposta a estes, peço que olhem nosso passado, nossa conformação
mameluco-mestiça, mulata até os ossos onde se espalha o Brasil, e comandada, em todos os pontos,
por uma elite anti-nacional, colonizada, estranha a si mesmo, não querendo se ver como fruto desse
processo, pois branca demais para isso, que só sangra o povo. Do seringueiro caboclo do norte ao
gaúcho sem-terras do Sul estende-se uma pobreza miserável que, infelizmente, homogeneiza esses
contigentes populacinonais os aproximando da etnia dos pobres, muito mais do que a de gaúchos,
cablocos, caipiras, sertanejos, ou crioulos. No Brasil só quem tem o luxo de ter etnia de verdade são
os ricos que podem expressar-se nos mais diversos locais e, tanto pela sua condição quanto pelo
próprio Estado, difundir essa brasilianidade que é tão linda, mas tão pouco vivenciada pelo nosso
povo. A alegria do preto, a vontade de beleza do índio e a inventividade do branco morrem no
pobre, restando tão somente a adaptabilidade dos mamelucos e, mesmo isso, sendo pouco a pouco
retirado pela bombardeio nas redes sociais e na impressa que mastiga tudo e joga ao cidadão um
modo de vida impossível, gerando os mais diversos transtornos sociais.

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