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ESTUDO DE HÉRNIA INGUINAL BILATERAL EM CADELA RESGATADA DE

ATROPELAMENTO NO MUNICÍPIO DE BLUMENAU - SC

Study of bilateral inguinal hernia in female dog rescued from trampling in the city of
Blumenau - SC

Ana Carolina Castilho Foltz1


1
Acadêmica do 10º. período de medicina veterinária - UNIGUAÇU
anac.foltz@gmail.com
João Estevão Sebben2
2
Professor do colegiado de medicina veterinária - UNIGUAÇU
prof_estevao@uniguacu.edu.br
João Vítor Hoepfner Sebben3
3
Professor do colegiado de medicina veterinária – UCP
prof_joaosebben@ucpparana.edu.br

RESUMO: Hérnias inguinais formam-se quando órgãos se deslocam através do anel inguinal,
ocorrendo com maior frequência em cadelas não castradas de meia idade. Elas podem surgir de uma
anormalidade congênita do anel inguinal ou podem ser traumáticas. Geralmente elas causam uma
protuberância e perda de definição da cavidade do abdominal. Para a confirmação da patologia, é
possível ajuda de exames complementares como a radiografia e ultrassonografia. Após o diagnóstico,
o tratamento é cirúrgico, mais conhecida como herniorrafia. O objetivo do estudo foi relatar o
atendimento de uma cadela, resgatada de atropelamento no município de Blumenau - SC, que
apresentava uma protuberância em região abdominal. Paciente chegou na clínica SantaVet
apresentando um aumento de volume abdominal. O exame físico ela apresentou mucosas
normocoradas, e baixo score corporal. A paciente foi internada visando a estabilização, e recebeu
todo auxilio preciso, começou com antibioticoterapia e foi encaminhada para herniorrafia inguinal que
foi associada com OSH e esplenectomia. Para auxilio e devido à grande ruptura e perda da
musculatura, foi optado em utilizar tela de Marlex em polipropileno.

Palavras-chave: Herniorrafia. Hérnia Inguinal. Tela de Marlex.

ABSTRACT: Inguinal hernias form when organs move through the inguinal ring, occurring more
frequently in middle-aged, uncastrated female dogs. They can arise from a congenital abnormality of
the inguinal ring or they can be traumatic. They usually cause a bulge and loss of definition in the
abdominal cavity. For the confirmation of the pathology, it is possible to help with complementary
exams such as radiographs and ultrasonography. After diagnosis, treatment is surgical, better known
as herniorrhaphy. The aim of the study was to report the care of a female dog, rescued from being run
over by a car in the city of Blumenau - SC, who presented a lump in the abdominal region. Patient
arrived at SantaVet clinic with an increase in abdominal volume. On physical examination, she had
normal colored mucous membranes, and a low body score. The patient was admitted for stabilization,
received all the help needed, started with antibiotic therapy and was referred for inguinal
herniorrhaphy which was associated with OSH and splenectomy. To help and due to the great rupture
and loss of muscles, it was decided to use a polypropylene Marlex mesh.

Keywords: Herniorrhaphy. Inguinal hernia. Marlex canvas.


1. INTRODUÇÃO

A protrusão anormal de um órgão, parte dele, ou de tecidos através de um


defeito na parede da cavidade anatômica na qual está situado o órgão é conhecida
como hérnia. A herniação inguinal na região caudal do abdome resulta da falha no
anel inguinal através do qual o conteúdo abdominal sai do seu local de origem e
entra no espaço subcutâneo (BELLENGER, C.; READ, R.A., 2007).
Hérnias inguinais podem surgir de uma anormalidade congênita do anel
inguinal ou podem ser causadas por trauma (FOSSUM, 2008).
As hérnias traumáticas podem ter apresentação unilateral ou bilateral, ou
ambas associadas, já as congênitas unilaterais são mais comuns e as bilaterais
afetam mais os cães jovens (JAHROMI et al., 2009).
Em pequenos animais as hérnias inguinais congênitas (HICs) são raras,
frequentemente aparentes ao nascimento (SMEAK, 2007) e podem estar associadas
a outras anormalidades, como hérnias umbilicais, hérnias perineais e criptorquidismo
(FOSSUM, 2008).
Geralmente a hérnia inguinal causa uma perda de definição do contorno
abdominal do animal. De acordo com Bojrab (1996), a massa mole e disforme pode
estar presente por até um ano e ser ou não redutível à palpação. Hérnias inguinais
geralmente não provocam dor quando palpadas; caso o conteúdo hernial esteja
estrangulado, ou comporte um útero gestante ou bexiga urinária, a tumefação pode
ser maior, flutuante e dolorida.
As hérnias inguinais são classificadas como diretas ou indiretas, sendo que as
indiretas são aquelas que penetram a cavidade do processo vaginal e as diretas são
incomuns e ocorrem quando as vísceras adentram e repousam no subcutâneo
através do anel inguinal. Estas apresentam maior volume e por conta disso
dificilmente estrangulam (Bellenger, 1980; Cousty et al.,2010; Daleck et al., 1992;
Slatter, 2007).
Ao exame físico é possível observar um aumento de volume em região
inguinal unilateral ou bilateral, de consistência macia, indolor ou dolor à palpação se
tiver algum órgão estrangulado. Na hérnia pode se encontrar um útero gravídico ou
normal em fêmeas não castradas, omento, intestino, bexiga, gordura prostática e até
o baço (DEAN, 2005).
O diagnóstico pode ser confirmado pela redução da hérnia e pela palpação do
canal inguinal. Em situações que não é possível a redução ou palpação do anel
inguinal, deve se fazer um diferencial para massas como tumores mamários,
abscessos, hematomas ou cistos, nessas situações recomenda-se radiografias
simples para confirmar o diagnóstico (SMEAK, 2007).
O tratamento para hérnias inguinais é cirúrgico. A correção cirúrgica imediata
em hérnias inguinais traumáticas é indicada para prevenir estrangulamento de
órgãos ou aderências, tendo como objetivo fechar o anel inguinal externo, evitando
recidivas. Em hérnias traumáticas associadas à quedas, chutes ou atropelamentos,
podemos evidenciar uma grande ruptura na região, muitas vezes sem possibilidade
de fechamento por aproximação simples, sendo então necessário o uso de próteses
conhecidas como telas ou malhas para o fechamento do defeito (FOSSUM, 2014).
As telas cirúrgicas disponíveis atualmente podem ser inabsorvíveis, como as
de poliéster, politetrafluoretileno expandido e plástico ou polipropileno, e as
absorvíveis, como a poliglactina 910 ou o ácido poliglicólico (ROUSH, 2007).
O polipropileno é um polímero que não é absorvível, sendo muito utilizado na
rotina cirúrgica de hérnias por ser flexível, ter baixo custo, resistir à degradação
biológica, infecções e estresse mecânico, além de estimular o crescimento celular e
apresentar resposta inflamatória moderada e aceitável, o que permite sua
incorporação na cavidade (ELANCO, 2017).
Este trabalho tem como objetivo relatar um caso de Hérnia Inguinal Bilateral
em cadela resgata de atropelamento no município de Blumenau – SC. Paciente
passou por herniorrafia com uso de tela de Marlex em polipropileno para fechamento
e reparo do defeito.
2. RELATO DE CASO

Na rotina de atendimentos na clínica veterinária SantaVet no município de


Blumenau – SC, foi acompanhado sob orientação da médica veterinária Milena
Gimenez no dia 07 de julho de 2021, cadela resgata de atropelamento. A cadela
sem raça definida, adulta, pesando 26kg e sem histórico. A queixa principal
apresentada era uma protuberância em região abdominal, contendo esfolamento e
sangramento na região em contato com o solo ao andar.
Ao realizar a avaliação física, paciente apresentou-se alerta e dócil, com baixo
escore corporal, mucosas normocoradas, desidratação leve, temperatura retal sem
alteração, frequência cardíaca e respiratória normal e sem outras alterações.
Durante a palpação abdominal foi possível observar um grande aumento de volume
em região abdominal, sem conseguir definir o que era a anormalidade com a
manipulação, foi solicitado exames complementares. Com exames complementares
foi solicitado hemograma e bioquímico, radiografia abdominal e ultrassonografia
abdominal.
Para a confirmação da suspeita de hérnia inguinal foi através da radiografia
de tórax e pelve (Figura 12) e ultrassonografia abdominal.

Figura 12 – Radiografia abdominal com visualização de posicionamento lateral.


Fonte: Setor de diagnóstico por imagem da clínica veterinária SantaVet.
Diante da gravidade da situação, no dia 07/07/21 a conduta inicial da paciente
foi o internamento para estabilização por ser uma cirurgia bastante invasiva e
posteriormente herniorrafia associado com OSH e esplenectomia.
No internamento do dia 09/07/21 paciente ficou na fluidoterapia com solução
de ringer com lactato. Recebeu as seguintes medicações: Ceftriaxona (30 mg/kg, IV,
BID), Meloxicam 2% (0,1 mg/kg, IM, SID) e Cloridrato de Tramadol (4 mg/kg, IM,
BID).
No período da tarde do dia 09/07/21 a paciente foi encaminhada para o
procedimento cirúrgica na clínica SantaVet. Na preparação para a cirurgia foi
realizado a tricotomia em toda região abdominal e logo após foi realizado a MPA. Na
MPA foi administrado Acepran 0,2% (0,05mg/kg – IM). Após a MPA, paciente foi
induzido com Propofol (3mg/kg – IV) e intubado com sonda endotraqueal tipo
Murphy e mantido em manutenção com anestesia inalatória com Isoflurano
vaporizado em oxigênio.
Após a intubação o paciente foi posicionado em decúbito dorsal (Figura 13) e
feita a antissepsia de toda região abdominal, e posteriormente foi realizado a
herniorrafia inguinal segundo (FOSSUM, 2014) associado com OSH e
esplenectomia. Durante a cirurgia, a paciente teve complicações e 5 paradas
cardíacas. Devido à grande ruptura e perda da musculatura, foi optado em utilizar
tela de Marlex em polipropileno para auxilio de fechamento.
Figura 13 – Paciente em decúbito dorsal.

Fonte: O Autor, 2021.


Figura 14 – Herniorrafia inguinal.
Fonte: O Autor, 2021.

Ao terminar a cirurgia, paciente voltou para o internamento para repouso,


medicado com Dipirona 50% (25 mg/kg - IV) e Cloridrato de Tramadol (4 mg/kg, IM,
TID).
No internamento do dia 10/07, 11/07 e 12/07, continuou na fluidoterapia com
solução fisiológica. Recebeu as seguintes medicações: Ceftriaxona (30 mg/kg, IV,
BID), Meloxicam 2% (0,1 mg/kg, IM, SID,) Cloridrato de Tramadol (4 mg/kg, IM, BID),
Metronidazol (15 mg/kg, IV, BID) e probiótico Symbioplex (2g, VO, SID). Paciente foi
levada para fazer pequenos passeios.
No internamento do dia 13/07 e 14/07 continuou com as medicações e foi
associado Chemitril 2,5% (1mL, 5kg, IM, SID), e a suplementação com Eritrós Dog
Tabs (1 cp, VO, SID).
Após a recuperação da paciente, no dia 14/07 a paciente recebeu alta para
continuar o tratamento em casa e fazer o retorno no dia 19/07 para remoção de
todos os pontos.
No retorno, paciente apresentava alerta e ativa, mucosas normocoradas e
normohidratada. Foi realizada a remoção de todos os pontos cirúrgicos. E visto que
a tela de Marlex em polipropileno até o momento não teve rejeição ou complicação,
sem necessitar de realizar uma possível remoção.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Hérnias inguinais não traumáticas são mais frequentemente relatadas em


cadelas de meia-idade inteiras ou cães jovens (até 2 anos de idade). As cadelas
mais velhas podem ser predispostas a desenvolver hérnias inguinais por
apresentarem um anel com diâmetro relativamente maior e com canal curto,
(FOSSUM, 2014). O relato de caso condiz com a literatura consultada a respeito da
predisposição de animais de meia-idade a desenvolverem hernia inguinal não
traumática.
Animais com hérnia inguinal podem apresentar aumento de volume dolorido
na região inguinal ou por vômito, letargia, dor e/ou apatia, se os componentes
herniais estiverem encarcerados. Pequenas hérnias frequentemente seguem
despercebidas, a menos que um órgão esteja contido ou ocorra um encarceramento.
O omento é o órgão mais comum presente nas hérnias inguinais caninas. O útero
frequentemente está presente em hérnias de fêmeas intactas afetadas, (FOSSUM,
2014). Apesar da protuberância ser grande, paciente não demonstrava sinais de dor
ou desconforto.
Radiografias abdominais podem auxiliar na identificação da herniação de um
útero gravídico, intestino ou bexiga urinária em uma hérnia inguinal. Perda do
contorno abdominal caudal pode ser notada em animais acometidos, (FOSSUM,
2014). O auxílio do exame complementar como a radiografia, facilitou o diagnóstico
final para hérnia inguinal. Se tornou evidente a importância do diagnóstico por
imagem.
A condição do animal deve ser estabilizada antes da cirurgia, (FOSSUM,
2014). Por se tratar de uma paciente de rua, a internação foi imediata, visto que a
gravidade da situação era grande e que na clínica era o melhor lugar para ela. Foi
esperado 3 dias de estabilização da paciente antes da cirurgia.
Se houver suspeita de encarceramento ou estrangulamento intestinal,
antibióticos devem ser administrados antes da cirurgia ser realizada, (FOSSUM,
2014). O relato de caso condiz com a administração de antibiótico antes da cirurgia.
O objetivo da cirurgia é reduzir o conteúdo abdominal e fechar o anel inguinal
externo, de forma que a herniação dos componentes abdominais não possa
recidivar. Hérnias inguinais geralmente podem ser fechadas sem a utilização de
materiais protéticos. Ocasionalmente, o reparo de defeitos traumáticos recorrentes
ou grandes requer a colocação de malhas sintéticas ou materiais biológicos,
(FOSSUM). No procedimento do relato de caso, devido à grande ruptura e perda da
musculatura, foi optado em utilizar tela de Marlex em polipropileno para a auxiliar no
fechamento.
As malhas cirúrgicas atualmente são consideradas como ‘’tratamento padrão
ouro’’ e são classificadas em absorvíveis ou não absorvíveis. Na forma absorvível
temos como exemplo a malha de poliglactina 910 e o ácido poliglicólico, e na forma
não absorvível temos o poliéster e o polipropileno, além dessas que são as mais
conhecidas, existem ainda mais 80 outros tipos de tela que podem ser empregadas
(FOSSUM, 2014). As telas de polipropileno, são consideradas de baixo custo,
inertes a infecções e também flexíveis, sendo as mais utilizadas (BIONDO-SIMÕES,
2014). A tela de escolha do relato de caso, foi a tela de Marlex de polipropileno.
4. CONCLUSÃO

A partir do relato de caso apresentado, foi concluído que é evidente a


importância de um tratamento adequado, e que no caso de hérnia inguinais, é
cirúrgico. O quantos antes tratar para que essa protuberância não aumente, é
possível evitar traumas, encarceramento ou estrangulamento de órgãos.
Foi visto que por ter ocasionado grande ruptura e perda da musculatura, a
importância da tela cirúrgica de Marlex em polipropileno foi fundamental para a
correção do defeito de herniação em região inguinal.

REFERÊNCIAS

BELLENGER, Christopher R.; READ, Richard A.. Hérnias. In: SLATTER, Douglas
(Terceira edição) Manual de cirurgia de pequenos animais, vol.1. Barueri, SP:
Manole, 2007. Capítulo 31, p.446–448.

BOJRAB, M. Joseph; CONSTANTINESCU, Gheorghe; DEAN, Paul W.. Hérnias. In:


BOJRAB, M. Joseph (Terceira edição) Técnicas atuais em cirurgia de pequenos
animais. São Paulo: Roca,1996. Capítulo 34, p. 410 –423.

DEAN, P.W. Hérnias In: DEAN, P.W. Técnicas Atuais em Cirurgia de Pequenos
Animais. 3 ed. São Paulo: Roca, 2005. Cap 34, p 411-414.
ELANCO, S.; PERUMALSMAY, S.; RAMACHANDRAN, K.; VADODARIA, K.; Mesh
materials and hernia repair In: Biomedicine. China, Vol. 7, no. 3; p. 16, 2017.

FOSSUM, T.W. Cirurgia da cavidade abdominal In: FOSSUM, T.W. Cirurgia de


Pequenos Animais. 4 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. Cap 19, p 368- 373.

FOSSUM, T. W. Cirurgia da cavidade abdominal. In: FOSSUM, Theresa Welch. 3


ed. Cirurgia de Pequenos Animais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. Capítulo 18,
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FOSSUM, T. W. Cirurgia de Pequenos Animais. 4 ed. Rio de Janeiro: Elsevier,


2014. Capítulo 19, p.1.039-1.046.

JAHROMI, A. R.; NAZHVANI, S. D.; GANDMANI, M. J.; MEHRSHAD, S. Concurrent


bilateral inguinal and umbilical hernias in a bitch – a case report. In: Veterinarski
Arhiv. v. 79, n. 5, p. 518-521, 2009.

ROUSH, J. K. Biomateriais e Implantes cirúrgicos. In: ROUSH, J.K.In: Manual de


Cirurgia de Pequenos Animais. 3 ed. Manole, 2007. Cap 9, p 141- 148.

SMEAK, D.D. Hérnia In: Mecanismos da Moléstia na Cirurgia dos Pequenos


Animais. 3 ed. São Paulo: Manole, 2014. Cap 15, p 114- 120.

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