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RESUMO
ABSTRACT
Foi amplamente difundida em 1920 pelo famoso obs- dulas vestibulares maiores, os bulbos do vestíbulo e
tetra Jos B. DeLee, em sua publicação The Prophylactic os músculos isquiocavernosos, bulbo cavernoso e
Forceps Operation, na qual defendia a episiotomia siste- transverso superior do períneo. Compõem o diafrag-
mática e o uso de fórceps de alívio para todas as primípa- ma urogenital os músculos transversos profundos do
ras, com o propósito de alívio da dor durante o trabalho períneo e esfíncter da uretra. As artérias pudendas
de parto, antecipação dos esforços da natureza, redução internas e dorsal do clitóris são responsáveis pelo su-
de hemorragias e prevenção e reparação dos danos.2 primento sanguíneo do triângulo urogenital. Sua dre-
De Lee2 indicou o uso da episiotomia rotineira, nagem é feita pelas veias pudendas internas e pela
preferindo a incisão médio-lateral, enquanto Pome- cadeia linfática ilíaca interna. Essa região é inervada
roy expressou sua preferência pela episiotomia me- pelo nervo perineal, ramo do nervo pudendo.4
diana ou periotomia, principalmente nas primigestas, O corpo perineal situa-se entre o ânus e o vestíbu-
para evitar roturas perineais extensas. Nesse período, lo, no nível do músculo transverso superficial. É uma
a episiotomia era utilizada de modo profilático, tendo estrutura fibromuscular na qual se inserem músculo
como objetivos primordiais a prevenção de traumas transverso superficial e músculo profundo do períneo,
perineais, redução da morbimortalidade infantil e di- levantador do ânus, bulbo cavernoso, esfíncter externo
minuição da ocorrência de retocele e cistocele, além do ânus, músculo liso da túnica longitudinal do reto e
do relaxamento da musculatura pélvica.1 as fáscias superficial e profunda do períneo e inferior e
Entretanto, nas últimas décadas, alguns estudos com superior do diafragma urogenital. É a região que apre-
o objetivo de reduzir as intervenções desnecessárias e senta alto risco de rotura no momento do parto.4
a morbiletalidade materno-fetal têm avaliado a prática O canal pudendo é um túnel que contém os vasos
rotineira da episiotomia no período expulsivo do parto.1 pudendos internos, nervo pudendo e nervo perineal
Segundo Frankman et al.3, a taxa de episiotomia nos e seu trajeto parte posteriormente ao músculo isqui-
Estados Unidos decresceu de 60,9% em 1979 para 24,5% em coccígeo, passando pelas espinhas isquiáticas até a
2004, demonstrando que a realização de episiotomia rotinei- borda anterior do diafragma uorgenital.4
ra diminuiu, desde que o seu uso liberal foi desencorajado. O diafragma pélvico encontra-se acima da região
perineal e é responsável pela sustentação dos órgãos
pélvicos e pela resistência à elevação da pressão in-
Anatomia tra-abdominal. É constituído pelo músculo coccígeo
e elevadores do ânus (músculos pulbococcígeo, ilio-
O períneo é uma estrutura músculo-ligamentar, loca- coccígeo e pulborretal). Sua inervação é realizada
lizado na abertura inferior da pelve, sendo a sínfise púbi- pelos ramos dos terceiros e quartos nervos sacrais e
ca seu limite superior, o cóccix o seu limite posterior e as pelo ramo perineal do nervo pudendo.4
tuberosidades isquiáticas laterais. Apresentando a forma
de um losango, a parte anterior representa o triângulo
urogenital e a parte posterior o triângulo anal. A linha que Técnica cirúrgica
une os dois triângulos vai de uma tuberosidade isquiática
a outra, passando anteriormente ao ânus.4 A episitomia é realizada para prevenção de rotu-
O triângulo anal é constituído pelo músculo es- ra perineal. A técnica consiste em analgesia, incisão
fíncter externo do ânus e fossa isquiorretal bilateral- e reparo. A analgesia pode ser feita com anestesia
mente. É atravessado pela extremidade inferior do regional por bloqueio epidural, neste caso devendo
canal anal e é vascularizado pelas artérias e veias ser administrada durante o trabalho de parto. Outra
hemorroidárias. A inervação provém do ramo peri- opção é o bloqueio do nervo pudendo e bloqueio lo-
neal do quarto ramo sacral e do nervo retal inferior, cal de campo, com a paciente em litotomia e sendo
ambos ramos do nervo pudendo.4 a antissepsia realizada com polvidona iodo ou clore-
O triângulo urogenital é dividido em partes super- xidina. Não há evidência de que o preparo da vagina
ficial e profunda (diafragma urogenital), que são co- com solução tópica seja benéfico. O canal pudendo
bertas pela vulva externamente e atravessadas pela é um importante ponto de referência para a anestesia
vagina e uretra. O compartimento superficial está lo- locorregional, visto que contém o nervo pudendo.
calizado entre a fáscia superficial do períneo e a fás- Sabe-se que a episiotomia, quando feita precoce-
cia inferior do diafragma urogenital e contém as glân- mente, pode resultar em perda sanguínea excessiva,
assim como uma incisão muito tardia pode compro- a abordagem preferencial do serviço de saúde (epi-
meter a proteção do períneo materno, aumentando siotomia de rotina x restritiva) e o tipo de incisão rea-
o risco de rotura. Momento razoável seria executar a lizado (médio-lateral x mediana).5-7
incisão de modo que ocorra o nascimento após três a Possíveis complicações da episiotomia são: in-
quatro contrações. O tempo ótimo para a incisão ain- fecção, hematoma, roturas do períneo grau III e IV,
da é incerto, sendo proposta sua realização quando o celulite, deiscência, abcesso, incontinência de gases
polo cefálico atinge o plano mais 2 de Delee. e fezes, fístula retovaginal, lesão do nervo pudendo,
O melhor tipo de incisão ainda não foi comprovado fasceíte necrosante e morte.8,9
por estudos randomizados. Estudos controlados mos- As complicações mais comuns são hemorragia,
traram que o uso criterioso da episitomia médio-lateral infecção e lacerações de 3º e 4º graus, que serão
resulta em reduzida taxa de rotura de 3º e 4º graus em abordadas mais detalhadamente: a) hematomas - o
comparação com a mediana, sendo a episiotomia media- útero, a vagina e a vulva são ricos em suprimentos
na a mais utilizada nos EUA. É realizada incisão vertical vasculares que estão em risco de trauma durante o
na região mediana, iniciada na fúrcula vaginal. O objetivo processo de nascimento e esse trauma pode resul-
é aliviar a restrição imposta pelo corpo perineal. As es- tar na formação de um hematoma. As manifestações
truturas envolvidas na incisão incluem o epitélio vaginal, clínicas dos hematomas dependem da sua localiza-
corpo perineal e a junção do corpo perineal com o mús- ção. Apesar de pequenos hematomas poderem ser
culo bulbo-cavernoso no períneo. As vantagens incluem assintomáticos, os hematomas vulvares geralmente
a facilidade de execução, de reparo, melhor resultado evoluem para a formação de uma massa e muita dor
estético, menos dor e sangramento. A principal desvanta- se não contido. Grande hematoma pode deslocar a
gem é o alto risco de rotura de esfíncter anal. vagina ou o reto. Os hematomas vulvares normal-
A episiotomia médio-lateral é a mais utilizada na Eu- mente evoluem rapidamente para uma massa tensa,
ropa e também no Brasil. A incisão parte de fúrcula em compressível e dolorosa, coberta por uma pele com
ângulo de 45º com a linha mediana. A mais empregada é coloração arroxeada, que pode, em casos mais gra-
a médio-lateral direita. As estruturas envolvidas na incisão ves, invadir períneo e região glútea. O tratamento de-
incluem o epitélio vaginal, o músculo transverso perineal, pende do tamanho e da localização do hematoma.6
o bulbo cavernoso e a pele do períneo. A maior vantagem é b) infecção - os sinais de infecção da episiotomia
o baixo risco de lesão do esfíncter anal e reto devido ao tra- incluem febre e descarga purulenta, ocorrendo nor-
jeto da incisão. A principal desvantagem é que essa incisão malmente seis a oito dias após o parto. A maioria das
lesa grande volume muscular em comparação com a me- infecções se resolverá com cuidado perineal local e
diana, sendo, assim, associada a acentuada perda sanguí- antibioticoterapia, porém, em casos de abscessos,
nea e dor. Por isso também o reparo torna-se mais difícil. são necessários exploração e às vezes debridamen-
A técnica de reparo depende da presença e grau de to cirúrgico importante.10 c) lacerações - o prolonga-
rotura perineal e com o tipo de incisão. A rotura de 3º e 4º mento da episiotomia pode criar lacerações de 3º ou
graus, se presente, deve ser reparada primeiro. O objetivo 4º grau. A prevalência dessas lacerações depende da
da cirurgia reconstrutora é restaurar a continuidade tan- presença ou não de episiotomia e da técnica utiliza-
to do esfíncter anal interno quanto do externo. No caso da. Na ausência de episiotomia, a incidência de lace-
de rotura de 1º e 2º graus, o epitélio vaginal é reparado ração de 3º e 4º graus é de 1%, enquanto que diante
primeiro, incluindo a fáscia perirretal. No caso da episio- de episiotomia médio-lateral e mediana são, respecti-
tomia médio-lateral, aproximam-se primeiro os músculos vamente, de 9 e 20%.
transverso superficial e bulbo cavernoso. O toque retal
deve ser realizado ao final do reparo, para garantir a in- Uso liberal x restritivo
tegridade anal e os fios preconizados são os absorvíveis.5 da episiotomia
era fortemente indicada em primeiros partos. Todas 4. Amedeè Pèret FJ, Alves ALL, Paula LB. Embriologia e anatomia
do aparelho genital feminino e das mamas. In: Camargos AF,
as episiotomias foram médio-laterais. As principais
Melo VH, Carneiro MM, Reis FM. Ginecologia ambulatorial. 2ª ed.
complicações avaliadas foram incontinência urinária
Belo Horizonte: Coopmed; 2008. p.415-28.
e anal, dor perineal e dispareunia. Quatro anos após
5. Robinson JN, Lockwood CJ, Barss VA. Approach to episiotomy.
o primeiro parto, a prevalência de incontinência uri- 2011. [Cited 2011 may 15]. Available from: www.uptodate.com.
nária, dor perineal e disparunia foi semelhante entre
6. Argentine Episiotomy Trial Collaborative Group. Routine vs se-
os grupos. Incontinência anal foi menos prevalente lective episiotomy: a randomised controlled trial. Lancet. 1993;
no grupo restritivo. Houve diferença significativa em 342(8886-8887):1517-8.
relação à flatulência, mas não para a incontinência 7. Carroli G, Mignini L. Episiotomy for vaginal birth. Cochrane Data-
fecal. Finalmente foi demonstrado que o risco de base Syst Rev. 2009(1): CD000081.
incontinência anal foi aproximadamente duas vezes 8. Hartmann K,Viswanathan M, Palmieri R, Gartlehner G, Thorp J Jr,
mais elevado na episiotomia de rotina que o associa- Lohr KN. Outcomes of routine episiotomy: a systematic review.
do à abordagem restritiva.10 JAMA. 2005 May 4; 293(17):2141-8.
Há, ainda, o benefício monetário, principalmen- 9. Fritel X, Schaal JP, Fauconnier A, Bertrand V, Levet C, Pigné A.
Pelvic floor disorders 4 years after first delivery: a comparative
te no que se diz respeito ao setor público de saúde,
study of restrictive versus systematic episiotomy. BJOG. 2008;
com economia estimada no Brasil em 15 a 20 milhões 115(2):247-52.
de dólares ao ano. Os estudos que compararam a in-
10. Owen J, Hauth JC. Episiotomy infection and dehiscence. In: Gils-
cisão médio-lateral com a incisão medial foram ex- trap LC III, Faro S, editors. Infections in pregnancy. New York: Alan
cluídos por problemas metodológicos, apesar de um R Liss; 1990. . [Cited 2011 may 15].Available from: www.uptodate.
deles destacar alto índice de lesões de esfíncter anal com
no grupo no qual foi realizada a incisão medial.