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ESTÉTICA EMPÍRICA: UM BREVÍSSIMO PANORAMA INTRODUTÓRIO

[Texto traduzido e adaptado de: EMPIRICAL AESTHETICS. Internet Encyclopedia of


Philosophy | IEP. Disponível em https://iep.utm.edu/empirical-aesthetics/. Acesso em:
01/10/2022.]

INTRODUÇÃO

A Estética Empírica é uma área de pesquisa que busca entender como as pessoas
respondem a objetos estéticos (que podem ou não serem objetos artísticos). Além de
estudar a percepção de beleza ou calafrios em resposta a objetos prototipicamente
estéticos, como pinturas e música, a Estética Empírica também abrange questões mais
amplas sobre como vivenciamos outras experiências eventualmente também consideradas
estéticas, como a feiúra e o sublime, e sobre como criamos e reagimos à arte. O campo da
Estética Empírica visa compreender como tais experiências e comportamentos estéticos
surgem e se desdobram. Para fazer isso, os pesquisadores estabelecem relações entre as
características do observador e suas respostas, entre as propriedades do objeto e as
respostas do observador, ou descrevem uma interação entre eles. Como ciência, a Estética
Empírica depende muito da análise e interpretação dos dados. Os dados são gerados
principalmente a partir de experimentos: os pesquisadores realizam estudos nos quais
manipulam uma ou mais variáveis ​para observar o efeito dessas manipulações em outras
variáveis ​. Além disso, a Estética Empírica se baseia em dados observacionais, onde o
comportamento das pessoas é observado ou pesquisado sem a introdução de manipulações.

A Estética Empírica é tão antiga quanto a Psicologia Empírica. O primeiro trabalho de


relevância nessa área é de Gustav Fechner - Vorschule der Aesthetik - publicado em 1876. No
entanto, o campo moderno da Estética Empírica pode ser considerado bastante jovem. Seu
ganho de popularidade no século 21 pode estar ligado ao surgimento da Neuroestética –
que estuda as respostas cerebrais associadas às experiências estéticas – no final da década
de 1990. A Estética Empírica contemporânea estuda experiências estéticas com uma
variedade de métodos, incluindo imagens cerebrais e medidas de outras respostas
fisiológicas, como os movimentos dos olhos e dos músculos faciais.

A Neuroestética (ou Neurociência Cognitiva da Estética) é um campo do conhecimento que


se sobrepõe em certa medida a um outro campo do conhecimento conhecido como
Neurociência Cognitiva da Arte. O primeiro (a Neurociência Cognitiva da Estética) investiga
as bases neurocognitivas da experiência estética em resposta a vários tipos de objetos, não
apenas os artísticos. O segundo (a Neurociência Cognitiva da Arte), investiga as bases
neurocognitivas da apreciação e criação artística, que podem ser abordadas por diversas
outras perspectivas, além da estética. Esses dois campos do conhecimento se intersectam
no estudo sobre a apreciação estética de obras de arte.
Como mencionamos anteriormente, embora as experiências estéticas muitas vezes estejam
relacionadas à beleza, tais experiências podem não se limitar a ela; muitas vezes, outras
experiências, como a de feiúra, encantamento, repulsa, entre outras, também podem ser
consideradas experiências estéticas. Atualmente, é possível identificar ainda um outro
campo do conhecimento intimamente relacionado com os dois mencionados no parágrafo
anterior: a Neurociência Cognitiva da Beleza (veja na Figura 1 como essas áreas do
conhecimento se sobrepõem).

Figura 1. Relações entre as Neurociências Cognitivas da arte, da estética e da beleza.


(Fonte: Pearce et al., 2016)

UM POUCO DE HISTÓRIA

a. Vorschule der Aesthetik de Fechner

O primeiro tratado abrangente sobre o campo do conhecimento que ficou conhecido como
“Estética Empírica” é um livro em dois volumes chamado Vorschule der Aesthetik, escrito por
Gustav Fechner e publicado em 1876. O primeiro volume contém principalmente as
descrições de seis princípios da estética, conforme postulado pelo próprio Fechner. Notável
é também o último capítulo sobre gosto. O segundo volume contém uma grande seção
sobre arte, bem como a descrição de outros sete princípios estéticos.

O objetivo principal do livro é demonstrar que as experiências estéticas, principalmente o


prazer estético ou a beleza, podem ser estudadas empiricamente como qualquer outra
forma de percepção. Fechner chamou essa abordagem empírica da estética de “de baixo” e
a distinguiu claramente da abordagem filosófica “de cima”. A distinção básica que é feita é a
seguinte: a estética vista de baixo observa casos individuais de respostas estéticas e infere as
leis que governam todas essas respostas a partir do padrão que se cristaliza nos casos
individuais. A estética vista de cima, em contraste, postula leis gerais e infere delas como
deve ser uma resposta estética individual.

Vorschule der Aesthetik é o primeiro grande trabalho sobre estética de um psicólogo


empírico e tornou-se o marco de referência do surgimento do campo do conhecimento
denominado Estética Empírica. De seu conteúdo, apenas um experimento costuma servir
como referência, provavelmente porque o artigo associado existe em inglês (a publicação
original é em alemão). Este experimento examinou o efeito da proporção de um retângulo
na preferência estética. Notoriamente, Fechner descobriu que seus participantes mais
frequentemente indicavam o retângulo com uma proporção equivalente à seção áurea
(1:1,618) como o que eles mais gostavam. O que é menos conhecido é que o próprio
Fechner criticou essa descoberta e relatou uma preferência igual pela razão quadrada (1:1)
em uma população de operários. Sua principal preocupação com as descobertas dizia
respeito à influência potencial das associações no resultado, especificamente que os
participantes não apenas julgavam a forma retangular, mas também sua semelhança com
formas familiares de envelopes, livros e assim por diante.

b. Estética Empírica no século 20

Após os dias pioneiros de Gustav Fechner e seus colegas, a psicologia (e filosofia) passou por
uma era conhecida como Behaviorismo. O behaviorismo efetivamente afirmou que a
psicologia, como ciência, só pode estudar o comportamento observável. A pesquisa sobre
estados internos e experiências subjetivas, que formam o interesse central da estética, foi
evitada. Isso não impediu pesquisadores como Edgar Pierce, Oswald Külpe, Lillien Jane
Martin, Robert Ogden, Kate Gordon e muitos outros de continuarem o estudo das
preferências das pessoas por design visual, arte, cor e diferenças particularmente individuais
em tais preferências.

A maioria dos trabalhos sobre Estética Empírica no início e meados do século 20 não teve
um impacto importante no campo. Vale a pena mencionar, entretanto, o trabalho inicial de
Edward Thorndike, e mais tarde de Hans Eysenck, sobre as diferenças individuais na
capacidade de resposta estética e na criatividade. A maioria dos outros estudos durante esse
período se concentrou em determinar quais tipos de propriedades de objetos –
especificamente consonância e dissonância de tons, bem como cores – são mais
gratificantes para grupos específicos de pessoas.

Outra notável exceção às pesquisas iniciais sobre estética, em sua maioria esquecidas, é o
trabalho de Rudolph Arnheim. Ele olhou para as experiências estéticas através das lentes
dos princípios de organização da psicologia da Gestalt: equilíbrio, simetria, composição e
complexidade dinâmica (o trade-off entre ordem e complexidade). Arnheim via as
experiências estéticas como produto da integração de duas fontes de informação: as
configurações estruturais da imagem e o foco particular do espectador que depende de
sua experiência e disposição. Deve-se notar também que os escritos do historiador e crítico
de arte Ernst Gombrich durante o mesmo período informaram a Estética Empírica moderna.

c. A Estética e a Psicobiologia de Berlyne

Depois do período que, em retrospecto, parece de uma relativa estiagem durante o


behaviorismo, a Estética Empírica ressurgiu com Daniel Berlyne e a fundação da Associação
Internacional de Estética Empírica (IAEA). A AIEA foi criada no primeiro congresso
internacional em Paris em 1965 por Daniel Berlyne (Universidade de Toronto, Canadá),
Robert Francès (Université de Paris,França), Carmelo Genovese (Università di Bologna, Itália)
e Albert Wellek (Johann-Gutenberg-Universität Mainz, Alemanha).

O esforço mais visível de estabelecer os “estudos na nova estética experimental” é o livro


editado por Berlyne (1974) que contém uma coletânea de relatórios de estudos, muitos
deles conduzidos pelo próprio Berlyne. Além disso, Berlyne havia publicado anteriormente o
livro Aesthetics and Psychobiology (1971), que é frequentemente citado como a principal
referência para as hipóteses de Berlyne sobre a relação entre as propriedades do objeto e as
respostas hedônicas.

Central para as próprias ideias de Daniel Berlyne sobre experiências estéticas é o conceito de
excitabilidade ou intensidade emocional (arousal). Berlyne postulou que a excitabilidade é
relevante para a estética, pois um nível intermediário de excitabilidade levaria à maior
resposta hedônica. A excitabilidade em si é conceituada como o resultado de variáveis
​colativas, psicofísicas e ecológicas. Os determinantes de excitabilidade mais conhecidos e
mais investigados são a complexidade e a novidade de um objeto. A teoria de Berlyne liga,
assim, as propriedades de um objeto, como a complexidade, aos seus efeitos sobre o
observador (excitabilidade) e depois à resposta estética (agradabilidade, gosto). A
concretude das ligações e variáveis ​propostas têm levado muitos pesquisadores a testar sua
teoria. Os resultados foram, na melhor das hipóteses, mistos e, portanto, a teoria da
excitabilidade estética de Berlyne foi praticamente abandonada.

d. Estética Empírica moderna

Depois que o trabalho de Berlyne destacou novamente que as respostas estéticas podem ser
estudadas com os métodos e o rigor da psicologia experimental moderna, a pesquisa e o
desenvolvimento de teorias no campo da Estética Empírica continuaram a se desenvolver de
forma lenta, porém consistente por cerca de 20 anos. Essa fase da Estética Empírica
preocupou-se principalmente em vincular certas propriedades do estímulo (principalmente
de imagens) a julgamentos de preferência ou gosto.

Um notável avanço teórico após a Estética e Psicobiologia de Berlyne foi o modelo


conexionista de Colin Martindale que via o prazer estético como uma função da força da
ativação das chamadas “unidades cognitivas”. Martindale (1988) sustentou que “a
apreensão de uma obra de arte de qualquer tipo envolveria a ativação de unidades
cognitivas... o prazer engendrado por uma obra de arte seria uma função monotônica
positiva de quão ativado é todo esse conjunto de unidades cognitivas. Quanto mais ativado
o conjunto de unidades, mais prazeroso um observador achará o estímulo.” Combinado com
a suposição de que objetos mais prototípicos ativam unidades cognitivas mais fortes, isso
levou à hipótese de que objetos mais prototípicos e significativos são esteticamente
preferidos. Os resultados dos experimentos de Martindale estavam alinhados com essa visão
e prenunciavam o desenvolvimento de teorias contemporâneas que enfatizam a fluência do
processamento e o significado como fontes de prazer estético.

REFERÊNCIAS

EMPIRICAL AESTHETICS. Internet Encyclopedia of Philosophy | IEP. Disponível em


https://iep.utm.edu/empirical-aesthetics/. Acesso em: 01/10/2022.

Pearce, M. T., Zaidel, D. W., Vartanian, O., Skov, M., Leder, H., Chatterjee, A., & Nadal, M.
(2016). Neuroaesthetics: The cognitive neuroscience of aesthetic experience. Perspectives
on psychological science, 11(2), 265-279.

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