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Estética

Material Teórico
Estética e Filosofia: Algumas definições

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Esp. André Luís Pereira dos Santos

Revisão Textual:
Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco.
Estética e Filosofia: Algumas definições

·· Introdução
·· Arte e Filosofia
·· A experiência estética
·· Poética versus estética

Nesta unidade vamos discutir sobre as relações entre a Filosofia, o belo e a


arte. Porém, para iniciarmos essa conversa, é necessário que partamos de
algumas definições para que estabeleçamos um diálogo comum.
Leia com atenção os textos propostos e também fique atento aos detalhes
das obras analisadas. Essa trajetória também carrega em si uma educação
dos sentidos (do olhar, do escutar, do sentir), extremamente necessária
quando queremos adentrar no vasto universo das artes e tomá-lo como
tema de reflexão filosófica.

É bom lembrar que qualquer um que deseje trilhar a carreira filosófica, deve adquirir o
saudável hábito da leitura cotidiana. Ler todos os dias nos ajuda a manter a mente aberta
para novos conhecimentos, além de executar um exercício precioso para memória. Lembre-
se que o laboratório do filósofo é a biblioteca e a sua oficina é a escrivaninha.

Deste modo, leia com atenção o texto teórico e não deixe de perceber as relações que o texto
aponta entre os quadros, músicas e vídeos disponíveis na unidade. Faça anotações, retome
as leituras e não tenha medo de ter dúvidas e formular questionamentos a si. Pois, somente
assim, você vai mergulhar no mundo da reflexão filosófica.

Os livros e filmes indicados lhe ajudarão a ampliar suas reflexões sobre a arte e lhe proporão
novos caminhos de estudo.

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Unidade: Estética e Filosofia: Algumas definições

Contextualização

Comecemos nossa conversa olhando para o quadro abaixo:


Figura 1 – Mulher segurando uma balança

Johannes Vermeer (1632–1675)/Wikimedia Commons

Este é um quadro do pintor holandês Johannes Veermer, dificilmente alguém questionaria


a qualidade artística desse pintor e muito menos o valor de sua obra para a história da arte
ocidental. Justamente porque nossos olhos estão acostumados a um certo padrão de beleza
que não necessariamente é o mais correto ou o único possível. O conceito de arte vai muito
além de representações que somente intencionem se aproximar com perfeição da realidade.
A arte é uma forma de lidarmos com os grandes questionamentos da existência, de maneira
que as impressões de determinado artistas materializem visões, problematizações e ações que
comuniquem às outras coisas de seu interior, que se irmanam com o interior de outras pessoas,
produzindo novas relações e novas obras de arte.

Para Pensar
Reflita sobre as suas experiências em relação ao consumo de arte, pautado pelas
seguintes questões:
• Você já percebeu que a arte pode ser um itinerário de formação?
• O que uma obra de arte precisa possuir para que você a considere bela?
• Que critérios você costuma utilizar para decidir se determinada obra pode ser
considerada “Arte”?

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Importante:
Quando usamos o termo “itinerário de formação” estamos assumindo que podemos aprender
de inúmeras maneiras, trilhando trajetórias distintas das mais usuais:
Os itinerários de formação pressupõem que não há uma única maneira de se
formar, a escolar, mas múltiplos caminhos que se abrem à nossa escolha e que
propiciam uma autoformação, ou seja, a aquisição, mas também a construção,
elaboração, criação de valores, pensamentos, sentimentos que nos situam
no mundo, em suas múltiplas manifestações, sejam estéticas, sociais, éticas,
psicológicas etc. (ALMEIDA; FERREIRA-SANTOS, 2012, p. 142).

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Unidade: Estética e Filosofia: Algumas definições

Introdução

Eu não sei como conceber o bem, se afastar os prazeres do gosto, os prazeres


do amor, os prazeres do ouvido e as emoções agradáveis que causa à vista uma
forma bela (EPICURO).

Se pensarmos na frase de Epicuro que abre esse capítulo, veremos que o conceito de prazer
é fundamental em sua filosofia. Muitos entenderam erroneamente essa escolha epicurista de se
aproximar do prazer para afastar a dor, confundindo-a por uma predileção pelo excesso e pelos
prazeres mundanos. O que ele defende é exatamente o contrário: o equilíbrio e a moderação
em relação aos prazeres corpóreos, somando-se a isso uma busca constante pelos prazeres
do intelecto e do espírito. Prazeres que engrandecem a experiência de estarmos vivos, dando
sentido ao modo como existimos nesta terra.
Podemos considerar a experiência estética como algo que passa por essa dimensão. Ela se
relaciona com o prazer, intelectual ou sensorial, que sentimos ao entrarmos em contato com as
artes. A música, o cinema, a pintura, a leitura causa sensações de alegria e de tristeza, de euforia
e desconforto. Esse processo de apreensão da obra de arte, seja ela qual for, nos permite uma
reflexão prazerosa sobre o belo e suas virtudes. Talvez seja bom começar por aí.
Atualmente, a palavra estética é utilizada das mais variadas formas e com inúmeros sentidos
em nosso cotidiano. No entanto, ainda há muitas confusões acerca do significado mais forte
desse termo. É muito provável que você já tenha se perguntado porque algumas pessoas têm
tanto mau gosto e outras possuem um gosto apurado ao se tratar das coisas cotidianas como
vestir-se, decorar a casa ou cozinhar harmonizando sabor e equilíbrio? Talvez você ainda fique
se perguntando o que se estuda em um curso de estética corporal, por exemplo, ou a que se
refere a expressão “ele possui um ótimo senso estético”?
Em um sentido mais fraco podemos compreender a experiência estética como algo que está
presente em todas as produções culturais humanas, relacionando-a apenas à beleza artística
ou natural dos objetos, construções, vestuário entre outras coisas. Nesta acepção, podemos
relacionar a estética ao cuidado do corpo, a determinado conceito de bom gosto entre muitas
outras definições.
Porém, em uma definição mais apurada, em Filosofia, a estética é a própria experiência racional
que reflete sobre o belo, o fazer artístico e suas decorrências: O que é arte? Quais as fronteiras
entre o artístico e o artesanal? As manifestações artísticas são infinitas ou elas apenas se repetem e
se atualizam? Como podemos definir o belo e o sublime? Estas e muitas outras perguntas surgem
quando começamos a pensar na estética enquanto reflexão autônoma sobre as artes.

Arte e Filosofia
Muitos filósofos se debruçaram sobre o tema da arte. Dentre eles, Platão que julgou necessário
banir os artistas de sua cidade ideal, visto que a arte é produzida por meio da imitação das coisas
do mundo sensível que, por si só, já são também imitações do mundo das ideias. Aristóteles
que escreve sua poética reforçando a ideia de Mimesis (imitação) já presente em Platão, porém,

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levando-a a outro plano por meio da análise do efeito catártico do teatro grego, sobretudo,
pela identificação entre espectador e protagonista no processo de apresentação da tragédia. No
entanto, discutiremos isto em outro momento. Poderíamos citar ainda inúmeros exemplos dessa
relação entre arte e filosofia Entretanto, essas análises, em sua maioria, ainda têm dificuldade
em aproximar verdadeiramente a filosofia das artes.
Essa discussão somente começa a tomar força a partir das reflexões de Kant e de alguns
filósofos do romantismo alemão que começam a conceber a reflexão e apreciação artística
como um processo racional e pertencente à filosofia.
Entretanto, é Baumgarten quem irá primeiramente utilizar o termo estética, partindo
do conceito grego de aisthesis, que significa sensação ou experiência do sentir, entre outros
significados. Foi em seu trabalho Meditações filosóficas sobre as questões da obra poética,
de 1735, que foi utilizado pela primeira vez o termo “estética”, designando a Ciência que é
responsável pelo conhecimento sensorial enquanto instância de apreensão do belo e suas
correlações com a arte, contrapondo-se à lógica como conhecimento acerca do saber cognitivo.
Dentro desta significação, podemos conceber a estética como uma teoria do belo e de suas
manifestações por meio da arte. Nosso problema inicial, portanto, é o de compreendermos
alguns conceitos fundamentais da estética e da filosofia da arte, transitando por suas definições,
mas também por seus conflitos e seus problemas.

Glossário
Fruição artística: É o processo que experimentamos ao apreciarmos uma obra de arte, passando
pela contemplação que busca ampliar o entendimento das sensações provocadas pela obra a partir
das intenções do artista ou das decorrências que a própria obra sugere.
Juízo estético: Se pensarmos que podemos, em uma análise muito rudimentar, emitir juízos de
fato (aqueles que são emitidos sobre as próprias coisas) juízos de valor (aqueles que estabelecem
julgamentos morais, éticos ou estéticos sobre essas coisas). Então, podemos considerar os juízos
estéticos como aqueles que buscam julgar as características do belo e do feio, mais do que isso,
estabelecem relações sobre as sensações causadas por essa mesma experiência do belo.

Alguns teóricos fazem distinção entre a estética e a Filosofia da arte, considerando a primeira
como exercício de contemplação e fruição artística tendo como objeto o belo, por meio de uma
doutrina da sensibilidade; E a segunda como uma reflexão acerca dos parâmetros daquilo que
pode ser considerado como arte. Veremos que estes limites são muito tênues, tendo em vista
a multiplicidade das manifestações artísticas e o conceito de intencionalidade que permeia a
produção artística atual.

há quem sustente que a estética não é filosofia, ou porque ela é, antes, alguma
coisa intermediária entre a filosofia e a história da arte, ou porque ela não se
encarrega de dar uma definição geral da arte, ou porque, sendo a concreção
necessária em tais assuntos, os testemunhos dos artistas, as reflexões dos críticos
e historiadores e as doutrinas dos teóricos de cada arte em particular podem
substituir, validamente, toda estética filosófica e mesmo, reivindicar, por si sós,
o nome de estética, sem preocupar-se em ser prolongadas ou elaboradas em
teorias filosóficas, verdadeiras e propriamente ditas (PAREYSON, 1989, p. 16).

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Unidade: Estética e Filosofia: Algumas definições

A arte contemporânea levou a limites extremos a significação desses conceitos, estendendo


as fronteiras da arte e permitindo que muitas formas de reflexão artística surjam e se renovem
constantemente. Definir a Estética apenas como a parte da filosofia que trata da experiência do
Belo é reduzir substancialmente as possibilidades semânticas e filosóficas desses conceitos e,
por conseguinte, do próprio conceito de estética. É importante lembrarmos que aqui estamos
tratando do belo artístico. Fato esse que pressupõe uma multiplicidade de compreensões do
alcance desse termo, levando-nos a questionar o que realmente concebemos como os limites
entre beleza e feiura, ou seja, o não belo. Podemos, por exemplo, dizer que as pinturas de Jean
Michel Basquiat não são belas? Ou que os trabalhos de Jackson Pollock não tem qualidade
artística? Atualmente, aquilo que é, por muitos, considerado como grotesco, exótico ou estranho
pode, por intensão estética, questionar aquilo que normalmente chamamos de belo e equilibrado,
por meio de uma ressignificação desses conceitos.

A estética é filosofia justamente porque é reflexão especulativa sobre a experiência


estética, na qual entra toda experiência que tenha a ver com o belo e com a arte:
a experiência do artista, do leitor, do crítico, do historiador, do técnico, da arte
e daquele que desfruta de qualquer beleza, quer seja artística, quer natural ou
intelectual, a atividade artística, a interpretação e avaliação das obras de arte, as
teorizações da técnica das várias artes (PAREYSON, 1989, p. 17-18).

Desta maneira, nesta disciplina, por buscarmos abranger um campo teórico que dialogue com
a prática artística, assumimos uma identificação inicial entre esse dois conceitos: Pensaremos
inicialmente a estética como uma filosofia da arte, visto que seria uma limitação pensá-la apenas
como uma filosofia do belo e do sublime. Entretanto, este artifício metodológico não descarta,
em uma abordagem mais específica e teorética as diferenças de abordagem que possa existir
entre a estética e a Filosofia da arte.

Figura 1 – Cabeza, de 1982. Figura 2 – The She-Wolf, de 1943.

Fonte: Jean Michel Basquiat/Wikiart.org Fonte: Jackson Pollock/Wikiart.org

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Diálogo com o Autor
O filósofo que pretenda legislar em campo artístico ou que deduza, artificialmente,
uma estética de um sistema filosófico preestabelecido, ou que, em qualquer caso,
proceda sem considerar a experiência estética, torna-se incapaz de explicar esta última e sua reflexão
cessa de ser filosofia para reduzir-se a mero jogo verbal. Em primeiro lugar, a reflexão filosófica é
puramente especulativa e não normativa, isto é, dirige-se a definir conceitos e não a estabelecer
normas. A estética, portanto, não pode pretender estabelecer o que deve ser a arte ou o belo, mas
pelo contrário, tem a incumbência de dar conta do significado, da estrutura, da possibilidade e do
alcance metafísico dos fenômenos que se se apresentam na experiência estética. Além disso, não
se trata de “deduzir” de um sistema pré-formado as suas “consequências” na estética, seja porque
a estética não é uma “parte” da filosofia, mas a filosofia inteira enquanto empenhada em refletir
sobre os problemas da beleza e da arte, de modo que uma estética não seria tal se, ao enfrentar
tais problemas, implicitamente também não enfrentasse todos os outros problemas da filosofia
(PAREYSON, 1989, p. 17).

Jean Michel Basquiat (1960-1988) foi um artista plástico


nova-iorquino que iniciou sua carreira como grafiteiro, assinando
suas obras como “SAMO” (abreviação para a expressão “Same
Old Shit”, sempre a mesma merda, em tradução livre). Sua arte
é visceral e ainda hoje seus quadros valem milhões em leilões de
arte pelo mundo inteiro. Foi apadrinhado por Andy Warhol e teve
um relacionamento com a cantora Madonna, ainda em início de
carreira. Em 1996 teve sua vida retratada em um filme dirigido por
Julian Schnabel.
Fonte: Wikiart.org

Paul Jackson Pollock (1912-1956) foi um pintor norte-


americano que contribuiu profundamente no universo da pintura
abstrata a partir de uma concepção expressionista de sua arte. A
partir de uma técnica criada por Max Ernst, desenvolveu a técnica
do dripping (gotejamento), característica marcante de suas obras.
Além disso, pintava com a tela no chão e sem a utilização de
pincéis, como se seu inconsciente, seu corpo e a tela partilhassem
de uma mesma constelação .
Fonte: Wikimedia Commons

A experiência estética
Assim, para aprofundarmos nossa compreensão da arte, precisamos compreender o que é
a experiência estética. Para isso, podemos partir do seguinte questionamento: “A sensação de
prazer que sinto ao apreciar um objeto artístico pode ser universalizável?” Em outras palavras,

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Unidade: Estética e Filosofia: Algumas definições

é possível pensar um juízo estético de forma absoluta e universal? Ou ainda, não seria a arte
apenas uma maneira de representarmos subjetivamente aquilo que sentimos?
Se colocarmos a questão apenas dessa maneira, estaremos reduzindo substancialmente o
seu campo de compreensão, visto que, se no extremo a arte fosse apenas um modo subjetivo
e particular de representarmos nossos anseios interiores, de maneira alguma nos sentiríamos
tocados quando víssemos determinada pintura ou quando nos identificássemos com aquela
canção em que o compositor parece conhecer e partilhar de cada pedaço de nossas almas,
representando esses sentimentos em forma de som.
Assim, é possível que o juízo estético seja racionalizável e, apesar de partir de experiências
particulares, possa sim ser dotado de algum tipo de objetividade. Se algo nos é aprazível
artisticamente, isto é, nos causa prazer estético, é possível que esta sensação encontre ressonâncias
em outras pessoas e as toque da mesma ou de outras maneiras.
Pode parecer, desse modo, que o pensamento estético se coloca como algo diametralmente
oposto ao pensamento lógico matemático. Mas esta visão se enfraquece, por exemplo, quando
encaramos os quadros de M.C. Escher, matematicamente construídos e pautados, tanto na
criação como na interpretação, por um profundo conhecimento dos limites imaginativos da
geometria. Além disso, podemos destacar a construção extremamente racional presente na
produção contemporânea da música de concerto: O dodecafonismo de Schoenberg ou a
música eletroacústica do Maestro paulista Gilberto Mendes. Músicas que se preocupam mais em
estabelecer conceitos estéticos do que provocar emoções instintivas. Desse modo, é necessário
certo preparo e conhecimento para ouvi-las, visto que são músicas que exigirão também certa
reflexão e atenção para ser absorvidas em sua totalidade. Partindo destes exemplos, ainda há
alguma dúvida de que pode haver uma profunda construção racional no processo artístico?
Figura 5 - Répteis, de 1943.

Fonte: M.C. Escher/Wikiart.org

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Explore
• https://www.youtube.com/watch?v=6DKRtGjIaD4 (Gilberto Mendes – Beba Coca-Cola);
• https://www.youtube.com/watch?v=O6JrRwuY7Kk (Gilberto mendes – Nasce Morre);
• https://www.youtube.com/watch?v=veUJxETj7-c (Schoenberg – Pierrot Lunaire, w/score –
1ste Teil).

Trocando Ideias
Música de concerto: adotamos o termo música de concerto para descrever o tipo de música
que comumente é conhecido como clássica ou erudita. Pois, o primeiro termo pode remeter à música
realizada no período clássico e o segundo pode pressupor que haja uma elitização presente neste tipo de
música. Fatos que queremos evitar, visto que a música de concerto pode e deve ser usufruída por todos.

Do mesmo modo que o fazer artístico pode obedecer padrões científico-racionais, a apreciação
da arte também pode passar por uma experiência de objetividade se valendo também desses
parâmetros na compreensão do processo artístico. Mas é importante notar que ao mesmo tempo
que a experiência estética pauta-se pela compreensão teórica do dado ou do fazer artístico,
ela também se origina na percepção das sensações propiciadas tanto pela obra como pela
intencionalidade que a gerou.
Não é por menos que o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1984, p. 88) reclama uma
necessária compreensão do envolvimento do corpo no processo artístico. Tanto do ponto de
vista de quem realiza a arte como do ponto de vista de quem a consome. “Emprestando seu
corpo ao mundo é que o pintor transforma o mundo em pintura. Para compreender estas
transubstanciações, há que reencontrar o corpo operante e atual, aquele que não é um pedaço
de espaço, um feixe de funções, mas um entrelaçado de visão e de movimento”. Esse processo
é importante, pois, pela arte, experimentamos uma visão das coisas que até aquele momento
não havíamos percebido. Olhar para a obra de arte nos permite partilhar de um novo mundo,
construído sob a ótica de outros pontos de vista que se diferenciam e somam-se aos nossos.
Todo olhar é fruto de uma escolha, pressupõe uma intenção. O ato físico de “ver” está pautado
apenas pelo complexo processo ótico que a biologia de nossos corpos realiza para que as
imagens se transmutem em informações ao chegarem ao cérebro. Já a escolha do “olhar” é um
processo que alia esse ato com uma grande parcela de reflexão.
Deste modo, voltando a ideia do belo, só consideramos o belo artístico precioso quando
ele provoca os nossos sentidos, o que leva o intelecto a buscar uma apropriação desta
experiência, racionalizando-a. Porém, todo este caminho ocorre simultaneamente, reafirmando
a complexidade da experiência estética em nós.
Paralelamente a essa relação que se dá na percepção das sensações, advém o fato de que,
certa forma, a arte permite que dialoguemos com outras épocas e outras histórias. É como
se a experiência artística fosse atemporal e pudéssemos habitar o momento em que ela foi
concebida, o instante em que saímos desta realidade e nos inserimos na experiência de fruição
que aquela obra nos propicia, seja ela um filme, um poema, uma música ou uma escultura.
A respeito desse tema, tratando da música, o antropólogo Claude Lévi-Strauss (1991, p. 25)
afirma que:

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Unidade: Estética e Filosofia: Algumas definições

A audição da obra musical, em razão de sua organização interna imobilizou,


portanto, o tempo que passa; como uma toalha fustigada pelo vento, atingiu-o e
dobrou-o. De modo que ao ouvirmos música, e enquanto escutamos atingimos
uma espécie de imortalidade.

Esta ideia de imortalidade só é possível se pensarmos o arrebatamento que a arte nos provoca
como uma experiência única que cria uma conexão momentânea, dure o quanto durar este
instante, entre o artista, a obra e o espectador.
Outro grande filósofo que se debruça sobre esse tema é Gaston Bachelard (1978, p. 183)
que afirma que “se houver uma filosofia da poesia, essa filosofia deve nascer e renascer no
momento em que surgir um verso dominante, na adesão total a uma imagem isolada, no êxtase
da novidade da imagem”, ou seja, ela deve ser tomada no cerne da sua produção, olhando-se
para a poesia ela mesma e vasculhando o que ela apresenta enquanto fenômeno. Ainda sobre
isso ele defende que:

a imagem poética não está submetida a um impulso. Não é o eco de um passado. É


antes o inverso: pela explosão de uma imagem, o passado longínquo ressoa em ecos
e não se vê mais em que profundidade esses ecos vão repercutir e cessar. Por sua
novidade, por sua atividade, a imagem poética tem um ser próprio, um dinamismo
próprio. Ela advém de uma ontologia direta (BACHELARD, 1978, p. 183).

Essa conexão entre a imagem e a apreensão de seu significado é fruto de uma representação
do que já foi. É como se o acontecido se tornasse presente por meio da imagem poética colocada.
Isto é, por meio da arte somos levados à lugares longínquos e dialogamos com os grandes
mestres de outros tempos. Quando vemos o Davi de Michelangelo ou os relevos assírios do
poderoso rei Assurbanípal estabelecemos uma ponte que nos fala desse lugar, dessas pessoas e,
por meio de um diálogo interno, nos transportamos momentaneamente até um outro contexto
sócio-espaço-temporal.

Poética versus estética

Mediante tudo isto gostaríamos de encerrar essa unidade pensando acerca de como a arte
foi teorizada através da história. Para isso, podemos identificar duas grandes tendências que
estabeleceram os vínculos entre a arte e a filosofia: A primeira remonta a Platão e Aristóteles e
busca compreender o processo artístico pelo viés da Poética; A segunda se estabelece a partir
do século XVIII e dá origem ao que conhecemos como estética.
Durante a Antiguidade clássica a arte era considerada uma técnica, tanto que a palavra grega
que traduz o vocábulo latino Ars é Techné. Deste modo, todo arte é uma Poiésis, ou seja uma
fabricação, uma construção. Toda produção que envolva uma fabricação humana por meio de
sua racionalidade, pode ser considerada uma poética, uma Ciência da produção. A obra de
arte, desta forma, é concebida em relação aos procedimentos e regras que permitiram a sua
construção. Aristóteles escreve uma Arte Poética e, nela, analisa a arte de produzir e compor
pela palavra, tanto escrita quanto falada, passando pelo canto, pelo teatro, pela dança e pela

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poesia. A poética passa por tudo isto e ainda mais. Essa tendência segue assim até meados do
século XVIII, em que os procedimentos e a nobreza dos temas determinam a qualidade das
obras de arte.
Com o surgimento das reflexões pautadas pela estética, primeiramente, as obras de arte
começaram a ser vistas como criações da sensibilidade, pautadas pelas sensações provocadas e
recebidas pelo nossos sentidos. Obviamente, o que se buscava nesse processo era uma relação ou
uma definição do belo. Pensando-se no artista, a estética começou a investigar como é possível
que esse belo ocorresse; pensando-se em quem consome a arte, buscou-se uma interpretação
das reações causadas por ela no sentido de uma aproximação de uma definição do bom gosto.
Deste modo, desde o final da idade média já havia uma discussão no sentido de estabelecer
os limites entre as artes liberais, ensinadas na universidade e as artes mecânicas, aquelas em
que, de uma forma ou de outra, se executam com a destreza manual. “Desde fins do século
XIV, em Florença, os pintores reivindicavam para a nova pintura nascida de Giotto o status
social de uma arte liberal comparável, por seu poder de criação e sua imaginação audaciosa
à poesia” (LACOSTE, 1986, p.7). É o surgimento da noção de estética um dos motivos que
permite a distinção entre artista e artesão. A arte começa a não mais ser definida pelos seus
procedimentos, como na poética. Como reflexão estética assume um estatuto de teoria geral da
arte, referindo-se tanto ao belo como aos aspectos técnicos, interpretativos e psicológicos, entre
outros, do processo artístico.
No entanto, as coisas não são tão simples como parecem aqui. Geralmente, todo tratado de
estética trata, na verdade, de seus problemas, visto que as definições que envolvem a teoria da arte,
assumem diferentes conceituações e significações em relação aos autores, artistas e críticos que as
formulam. De, certa forma, este passeio pelos aspectos mais diversos da estética, seus conceitos e
seus problemas, é o que humildemente pretendemos realizar durante as aulas desta disciplina.

Diálogo com o Autor


O belo é esse valor que é experimentado nas coisas, bastando que apareça, na
gratuidade exuberante das imagens, quando a percepção cessa de ser uma resposta
prática ou quando a práxis cessa de ser utilitária. Se o homem na experiência estética, não realiza
necessariamente sua vocação, ao menos manifesta melhor sua condição: essa experiência revela sua
relação mais profunda e mais estreita com o mundo. Se ele tem necessidade do belo é na medida em
que precisa se sentir no mundo. Estar no mundo não é ser uma coisa entre as coisas, é sentir-se em
casa entre as coisas, mesmo as mais surpreendentes e as mais terríveis, porque elas são expressivas.
Ora, um sentido se desenha na própria carne do objeto estético, como o vento que anima a savana;
um signo nos é feito, o qual nos remete a si mesmo: para significar, o objeto ilimita-se em um mundo
singular, e esse mundo é o que ele nos dá a sentir. Esse mundo que nos fala, nos diz o mundo: não
uma ideia, um esquema abstrato, uma vista sem visão que viria se acrescentar à visão, mas um estilo
que é um mundo, o princípio de um mundo na evidência sensível (DUFRENNE, 2002, p. 25).

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Unidade: Estética e Filosofia: Algumas definições

Material Complementar

Basquiat: traços de uma vida. Dir. Julian Schnabel. Estados Unidos, 1996 (duração 108min.).

GARCEZ, M. H. N. A estética de Luigi Pareyson: alguns princípios fundamentais e alguma


aplicação da articulista. [20--]. Disponível em: <http://dlcv.fflch.usp.br/node/52>. Acesso em: 15
out. 2014. (artigo esclarecedor sobre o pensamento estético do filósofo italiano Luigi Pareyson,
defensor do caráter filosófico da estética).

LACOSTE, J. A Filosofia da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1986. (livro fundamental para o
estudo das relações entre a arte e a Filosofia).

Moça com brinco de pérola. Dir. Petter Weber. Estados Unidos, 2003 (dur. 100min.).

Pollock. Dir. Ed Harris. Estados Unidos, 2000 (duração 122min.).

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Referências

BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Coleção Pensadores).

DUFRENNE, M. Estética e Filosofia. São Paulo: Perspectiva, 2002.

FERREIRA-SANTOS, M.; ALMEIDA; R. Aproximações ao imaginário: bússola de


investigação poética. São Paulo: Képos, 2012.

LACOSTE, J. A Filosofia da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.

LÉVY-STRAUSS, C. O cru e o cozido: mitológicas. São Paulo: Brasiliense, 1991.

MERLEAU-PONTY, M. O olho e o espírito. São Paulo: Abril Cultural, 1984. (Coleção Pensadores).

PAREYSON, L. Os problemas da estética. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

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Unidade: Estética e Filosofia: Algumas definições

Anotações

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