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O CONCEITO DE SISTEMA

No início dos anos 50, um grupo de investigadores que trabalhava em um hospital psiquiátrico observou que
o comportamento de pacientes com diagnóstico de esquizofrenia, ou seja, fora de contato com a realidade e
com uma percepção distorcida do mundo, alterava-se após a visita que recebiam de familiares,
especialmente das mães.

Estes investigadores perguntaram-se então se tal mudança de conduta era fruto da fantasia do paciente ou de
algo que estaria acontecendo na interação do paciente com a mãe. Solicitaram então que as mães viessem
com mais freqüência ao hospital e passaram a observar a interação entre mãe-paciente durante as visitas.
Ficaram fascinados com as descobertas. Antes de estarem "fora da realidade", os pacientes estavam
totalmente envolvidos em uma intrincada e perturbada forma comunicacional com a mãe. Uma das
descobertas mais surpreendentes foi a de que a comunicação parecia ocorrer simultaneamente em dois
planos: o verbal e o não-verbal, que estavam em conflito entre si.

Por exemplo: as manifestações verbais e não-verbais no encontro entre mãe e filho, numa mistura de
contentamento e afastamento por parte de ambos. O filho contente abraça a mãe, esta permite que o filho a
abrace, mas permanece com o corpo rígido, todavia dirige palavras carinhosas ao filho. O filho sente a
rejeição não-verbal da mãe e se retrai. A mãe cobra a retração do filho. O filho fica confuso. Esta situação
conflitiva foi inicialmente denominada de duplo vínculo: ou seja, duas mensagens conflitivas entre si. Esta
pesquisa converteu-se, com o tempo, numa teoria de comunicação, muito utilizada pelos investigadores e
terapeutas familiares.

Outras concepções teóricas desenvolveram-se simultaneamente. A descoberta que a mãe não era, como
postulavam os psiquiatras, a culpada pela geração da esquizofrenia, mas que, em verdade, como diz Jay
Halley: "o esquizofrênico tem mãe". Conceitos como os de "mãe perversa", ou "mãe esquizofrenógena"
(geradora de esquizofrenia) passam a ser questionados.

Os estudiosos descobriram que também havia importância a relação pai-filho, especialmente a distância
entre estes que imperava na família dos pacientes esquizofrênicos, possibilitando um excessivo
envolvimento da mãe com o filho. E porque os pais eram tão distantes e passivos?

Na medida em que os estudos com esquizofrênicos foram se aprofundando, descobriu-se que a relação
conjugal entre os pais dos mesmos possuía graves distorções de longa data. Além disso, os surtos ou
episódios psicóticos dos pacientes pareciam estar relacionados com os ciclos de conflitos conjugais. Quando
o filho era internado, parecia haver uma trégua entre o casal para voltarem-se à enfermidade do filho, de
forma que a psicose do filho parecia ter um sentido muito prático: auxiliar o casal a "resolver" parcialmente
seu conflito e manter a estabilidade da família.
A partir de então os estudiosos passaram a observar a família sob uma nova ótica. Mais que um conjunto de
indivíduos, compreenderam que a mesma estava dotada de uma classe de integridade organizada quase igual
a um organismo biológico e que funcionava como uma totalidade, com sua estrutura própria, regras e
objetivos. Ou seja, começaram a ver a família como um sistema.
O estudo da esquizofrenia, então, deixa de ser um estudo acerca do indivíduo e passa a ser um estudo da
família, ou do conjunto de relações nas quais tal indivíduo está envolvido e que influem sobre ele. É uma
mudança no foco de atenção, com a conseqüente descoberta que os surtos e agravamentos dos estados dos
pacientes esquizofrênicos tinham uma relação com as flutuações no sistema nos quais os mesmos estavam
envolvidos. Amplia-se o conceito, percebendo-se que a família é um sistema muito mais complexo que o
triângulo pai-mãe-filho, e que existem outros fatores que interatuam com a mesma. O atrativo do conceito de
sistema é que o mesmo nos proporciona um método para conceituar constelações bastante complexas. Em
verdade, o universo inteiro pode ser concebido como uma integração de sistemas.

Basicamente podemos dividir os sistemas em dois tipos fundamentais: os viventes e os não-viventes. Um


sistema não-vivente (como um sistema planetário) não está "morto", pois tem uma atividade e exibe um
certo "comportamento". Todavia existem grandes diferenças entre tais sistemas, cujos "comportamentos"
são praticamente previsíveis a partir das leis da física, e os sistemas viventes, cujo comportamento contém
muitos processos não-previsíveis.

Todos os sistemas apresentam uma certa organização e mantêm um certo equilíbrio. Esta organização, no
caso dos sistemas viventes, é ativa e "trabalha" para manter sua estrutura. Também os sistemas viventes
introduzem mudanças em sua conduta em base das informações que possuem acerca do ambiente no qual
estão inseridos - tal mecanismo é denominado de feedback ou realimentação. Os teóricos então afirmavam
que um surto psicótico era uma forma que a família teria de "adaptar-se" para manter sua estabilidade. Outro
aspecto interessante é que os sistemas estão organizados hierarquicamente. Por exemplo, se considerarmos
uma pessoa como um sistema, perceberemos uma serie de subsistemas, cujo tamanho e complexidade
seguem uma ordem decrescente:
PESSOA OU ORGANISMO

Sistemas de órgãos

órgãos

tecidos

células

moléculas

átomos

Partículas atômicas

Ou ainda poderíamos nos voltar para os sistemas que estão "sobre" o indivíduo e que exercem influência
nele. A cadeia de influências expande-se:

Comunidade mundial de nações



Nações do hemisfério

nação

estado

cidade

Comunidade (trabalho, vizinhança, etc...)

Família extensa

Família nuclear

PESSOA OU ORGANISMO

Em geral os sistemas maiores e mais complexos tendem a exercer controle sobre os menores e mais simples,
mas as influências percorrem a cadeia de cima para baixo e de baixo para cima. Dentro da problemática da
influência do genético/hereditário versus meio/aprendizagem no comportamento do indivíduo, poderíamos
dizer que a teoria dos sistemas percebe o indivíduo como uma integração destas duas forças que se
locomovem dentro da escala hierárquica de integração dos sistemas e subsistemas.
Em nossos dias, o maior sistema social que exerce pressão sobre a família é, talvez, a economia mundial
inflacionaria. Todavia outros sistemas também exercem sua influência: o sistema profissional, a família
extensa ou política, a dinâmica da família nuclear - incluindo os subsistemas existentes dentro dela (mãe-
filho; marido-esposa; etc.). Também os conflitos da sociedade global influem sobre a família, como guerras,
decisões políticas, conflitos ideológicos como o papel do homem e da mulher, a censura, etc.

Caracterizando algumas destas tensões como problemas sistêmicos que operam em distintos níveis, o
observador pode parcelar e simplificar em parte a complexidade que se apresenta diante dele e talvez assim
estabelecer algumas prioridades para a solução de tais problemas. Ocupando-se de um subsistema de cada
vez é mais fácil abordar os problemas. Especialmente começando com os mais acessíveis e de menor
tamanho: o das relações da família nuclear.

Muitos terapeutas logo descobrem a complexidade de trabalhar com os sistemas, pois trabalhavam com o
indivíduo e em seguida eram derrotados pelo poder que a família exercia sobre ele. Obter sucesso no
tratamento de um filho que era considerado o "bode expiatório", para constatar posteriormente que este
sucesso era minimizado pela família, ou ver que outro filho era colocado neste papel, ou confrontar-se com a
ruptura da família por meio de um divórcio, quando um de seus integrantes melhorava.

Por isso os clínicos começaram a operar com todos os elementos do sistema familiar, com a expectativa de
que pudessem obter resultados mais eficazes. Este processo não se deteve com a família nuclear e hoje
existem terapeutas que trabalham com redes familiares de 30 ou 40 pessoas e que incluem os parentes mais
distantes, vizinhos, amigos, patrões, etc. Todavia foi trabalhando com a família nuclear que os terapeutas
descobriram uma nova energia que adentrava o consultório e donde podiam aprender muito acerca das
famílias.

Foram constatando que até os elementos aparentemente mais saudáveis no sistema familiar, como o irmão
"perfeito" do paciente perturbado ocultava debaixo de seus sucessos, um jovem tenso e atormentado e que a
esposa saudável do alcoolista não era o poço de virtudes que aparentava ser. Enfim, descobriram que havia
tensões em todas as direções. Pouco parecia importar o motivo da consulta do indivíduo, ou o
diagnóstico tradicional que se lhe havia feito. Aparentemente os transtornos não estavam no indivíduo e
sim na família. Esta conclusão em si mesma não significava muito, pois não dizia nada acerca da causa dos
transtornos.

Um pouco mais de observação gerou a idéia de que o que estava mal era na verdade algo muito patente. Não
estava enterrado em profundos complexos, no inconsciente, no superego ou no ego dos indivíduos, mas era
visível à luz do dia para os terapeutas. Estava no sistema familiar, no modo que este estava organizado, na
forma pela qual se comunicavam seus membros e como desenvolviam sua interação contínua. Os terapeutas
entenderam que o que acontecia entre as pessoas tinha muito valor e certos "mistérios" passaram a ter
sentido.

Todavia quando o foco das investigações deixou de ser o indivíduo, surgiu a questão de "que fazer com o
paciente?" Bem o mais simples era dizer que ele era simplesmente a vítima propiciatória, o bode expiatório,
alguém que consentia carregar sobre si abertamente toda a tensão para que a família conservasse sua
estabilidade. O paciente então deixa de ser o indivíduo e passa a ser toda a família. Para os profissionais
treinados a pensar em termos de padecimentos individuais, isto implicava uma reestruturação radical.

Imaginemos o psicanalista ortodoxo tendo que tratar a família toda, colocando-a, como pombas enfileiradas
no divã. Ou o psiquiatra tradicional tendo que receitar ansiolíticos para todos os elementos da família. Ou os
psiquiatras hospitalares que teriam que internar a família toda para um tratamento mais adequado. Ou em
um centro ambulatorial público descobrir-se que o assistente social estava mais habilitado a tratar com a
família que o psiquiatra responsável, embora este recebesse três vezes o salário daquele. São mudanças
radicais que começaram a introduzir-se no meio científico e que continuam desenvolvendo-se até hoje.

Uma das dificuldades que originou o enfoque da terapia familiar foi a de colocar às claras a falácia de
conceber os problemas emocionais dos seres humanos como problemas médicos, análogos aos de uma
"enfermidade" ou relacionadas com esta. Também o terapeuta se via em dificuldades ao deparar-se com uma
batalha contra um poderosíssimo grupo socio-biológico e suas equivocadas concepções e costumes, que se
perguntava impacientemente porque estava ali na sala do terapeuta se o “paciente” era o João e era ele que
devia ser tratado, medicado e colocado de volta ao convívio social.

O que fizeram os terapeutas foi procurar todos os métodos de auxílio disponíveis, inclusive em colegas,
donde surge a figura do co-terapeuta e da equipe de observadores, que muito vai contribuir no
desenvolvimento da terapia familiar.

Seja qual for o problema que uma família enfrenta, é muito difícil para ela descobrir que está envolvida no
assunto sua estrutura integral e que todos são, de alguma forma, responsáveis por seus problemas.
Compartilhar os bons momentos é fácil, mas não é tão fácil compartilhar os maus momentos. Resta ainda
solucionar alguns importantes problemas para a terapia familiar. Para a população em geral ela é ainda
bastante desconhecida e quando as pessoas buscam um terapeuta, vão à procura de terapia individual.
Existem poucas escolas de formação qualificadas e quase todo estudo desenvolve-se ao nível de
pós-graduação ou especialização, não no currículo acadêmico. E é ainda possível que no futuro o terapeuta
familiar transforme-se em um "terapeuta de sistemas" e conte entre seus clientes com empresas ou escolas.
Somos da opinião que, de todas as unidades da vida humana, a mais eficazmente destinada ao
desenvolvimento da pessoa não é o indivíduo em si, nem seu grupo de trabalho, nem o grupo social mais
amplo ao que pertence, mas a família.

REFERÊNCIAS:

TAPIA. E. G. “La teoria general de los sistemas em la família como sistema”. Apostila do programa de
entrinamiento y certificación de assessores familiares, curso 6, Quito: Eirene, 1987.

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