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Neuropsicologia

1. Introdução à Neuropsicologia
A neuropsicologia é o estudo da relação entre o cérebro e o comportamento (inclui os
processos mentais).
Esta tem pontes de contacto com outras neurociências.
As neurociências ocupam-se do estudo cientifico do sistema nervoso, englobando o
estudo da sua estrutura, fisiologia e bioquímica, das suas funções, dos seu
desenvolvimento e genética e das suas patologias.
Existem as neurociências cognitivas que se ocupam de perceber de que modo o cérebro
dá lugar aos processos cognitivos. Para tal estas estudam o modo como as funções
cognitivas são produzidas pelos circuitos neuronais e podem ser mapeadas nesses
circuitos e também estudam o substrato neuronal dos processos cognitivos e as suas
manifestações comportamentais.
Na neuropsicologia existem três grandes abordagens: neuropsicologia clinica,
neuropsicologia cognitiva e neuropsicologia experimental.
Neuropsicologia clinica:
• Preocupa-se com a compreensão do modo como a doença ou dano cerebral
podem afetar ou ser afetados por fatores de funcionamento psicológico e com a
aplicação do conhecimento neuropsicológico para avaliação e reabilitação de
indivíduos que sofreram doença ou dano cerebral causadores de problemas
neuropsicológicos.
Neuropsicologia cognitiva:
• Preocupa-se em desenvolver e testar modelos e teorias da arquitetura e
funcionamento do sistema cognitivo normal, com base no estudo de caso de
défices cognitivos em indivíduos cérebro-lesionados.
• Esta não trata de localizar as funções no cérebro, mas de localizar os módulos
funcionais e as operações de tratamento da informação numa arquitetura
hipotética, sem realidade anatómica (psicologia cognitiva).
• O importante não é a lesão anatómica, mas a lesão funcional.
• No entanto, apesar de estudar indivíduos cérebro-lesionados, a neuropsicologia
cognitiva não se centra na expressão da patologia, mas no estudo desses casos
para simular processos psicológicos.
• Esta contribui para:
• O desenvolvimento de uma perspetiva mais clara sobre os processos;

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• A simulação dos mecanismos cerebrais ao mesmo tempo que são analisados
processos como síndromes clínicos para esclarecer mecanismos de
processamento de informação, modelos de lesões e imagiologia funcional
do cérebro para dissecar processos nos seus componentes e esclarecimento
dos défices de processamento de informação para ajudar a desenvolver
modelos dos processos cerebrais subjacentes.
Neuropsicologia experimental:
• Preocupa-se com o estudo da relação entre o sistema nervoso e as funções
cognitivas, estudando experimentalmente series de indivíduos saudáveis ou
cérebro-lesionados em contexto laboratorial, recorrendo ao teste experimental de
hipóteses, a novos paradigmas e tarefas experimentais e a baterias de avaliação
neuropsicológica.
As pedras basilares da neuropsicologia são:
• Hipótese do cérebro:
• Desenvolvida por Galen e Alcmeão de Crotona.
• Defende o cérebro como fonte dos processos mentais e do comportamento;
• Hipótese do neurónio:
• Desenvolvida por Santiago Ramón y Cajal e Golgi.
• Defende o neurónio como a unidade estrutural e funcional do cérebro.
Durante o século XIX observou-se o desenvolvimento de várias abordagens e
metodologias com vista a localizar as funções, tais como:
• Frenologia:
• Primeira proposta que ligava áreas dos cérebros a comportamentos
específicos.
• Desenvolvida principalmente por Franz Joseph Gall (1758-1828) e por
Johann Spurzheim (1776-1832).
• Defende que as faculdades superiores têm localizações precisas no cérebro.
• Teoria segundo a qual o estudo da conformação do cérebro pode ter relação
com aptidões, instintos e faculdades intelectuais.
• Estudo de pacientes com lesão cerebral:
• Os principais contribuidores foram Paul Broca (1824-1880) e Carl Wernicke
(1848-1904).
• Paul Broca percebeu que existia uma relação entre as lesões na região
frontal inferior do hemisfério esquerdo dos seus pacientes e a manifestação
de défice na capacidade de produzir linguagem. Tal levou à localização da
área responsável pela produção da linguagem, à qual se deu o nome de Área
de Broca.
• Carl Wernicke percebeu que existia uma relação entre as lesões na região
temporo-parietal esquerda dos pacientes e a manifestação de dificuldades na
compreensão da linguagem escrita e falada. Tal levou à localização da área
responsável pela compreensão da linguagem, à qual se deu o nome de Área
de Wernicke.

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• Eletrofisiologia:
• Os principais contribuidores foram Gustav Theodor Fritsch (1838-1907) e
Eduard Hitzig (1838-1927).
• Baseia-se na estimulação elétrica de determinadas partes do cérebro de
animais e observação do impacto que tal tinha no comportamento.
• Cito-arquitetura:
• Desenvolvida por Korbinian Brodmann (1868-1918).
• Brodmann observou que a arquitetura especifica dos neurónios não é igual
em todas as áreas e usou isso para definir e limitar cada área.
Com a revolução cognitiva e tecnológica do seculo XX, surgiram diversas forças de
mudança que tiveram impacto na neuropsicologia, tais como:
• Psicologia cognitiva:
• Pressuposto da modularidade (Henry Fodor, 1983): funções cognitivas
complexas podem ser decompostas em módulos (subsistemas) de
processamento de informação, cada um desempenhando uma função
especifica e podendo operar independentemente.
• Neurocirurgia:
• Remoção cirúrgica e precisa de tecido cortical e observação do impacto no
comportamento → análise mais fina da contribuição das diferentes áreas do
cérebro para o comportamento.
• Neurofisiologia:
• Revelou regularidades na organização do córtex.
• Funções distribuídas por diversos segmentos do córtex.
• Áreas muito localizadas no córtex são altamente especializadas para o
processamento de determinados tipos de informação.
• Psicometria:
• Medida estandardizada de comportamento.
• Utilização dos resultados em testes de avaliação psicológica em pacientes
cérebro-lesionados para avaliar a contribuição de áreas do cérebro para
diferentes funções psicológicas.
• Imagiologia cerebral:
• Análise da atividade cerebral e funções cognitivas, e da dinâmica entre áreas
cerebrais em interação.

2. Métodos e técnicas da Neuropsicologia


Existem muitas disciplinas que contribuem para a neuropsicologia, como é o caso da
neuroanatomia, neurofisiologia, neurologia, biologia, farmacologia, etc.
Neuroanatomia:
• Estudo da estrutura do sistema nervoso: (1) identificação de partes do sistema
nervoso; e (2) descrição do modo como estão conectadas.
• Anatomia geral (‘gross anatomy’): descrição de estruturas e conexões gerais
(e.g., dissecação, técnicas de imagiologia).

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• Anatomia fina (‘microscopic anatomy’): e.g., descrição da estrutura dos
neurónios (e.g., análise microscópica, marcadores).
Neurofisiologia:
• Estudo do sistema nervoso a nível fisiológico/funcional.
• Técnicas incluem e.g.,:
• Registos eletrofisiológicos, incluindo registo de células únicas: registo da
atividade de células individuais; mapeamento cortical.
• Estimulação elétrica: estimulação direta do córtex; mapeamento cortical
Neurologia:
• Estudo das perturbações do sistema nervoso.
• Diagnóstico e tratamento de condições e doenças que envolvem o sistema
nervoso central e periférico.
• Relação entre disfunções neurológicas e problemas cognitivos e
comportamentais.
• Exame neurológico, imagiologia estrutural (TAC, MRI, angiografia),
estudos post-mortem.
A neuropsicologia é o estudo das relações entre o cérebro, os processos cognitivos e
emocionais e o comportamento. Esta está associada à análise das alterações cognitivas e
comportamentais associadas a lesões cerebrais e à organização dos processos
cognitivos.
Como metodologia recorre muitas vezes aos estudos de caso (componentes funcionais
da cognição) e aos estudos de grupos de pacientes (relação entre processos e estruturas).
Os estudos de caso fazem uma analise num determinado doente, no qual se procura
perceber o impacto da lesão numa determinada área na cognição e, portanto, permitem
perceber as funções de determinada área cerebral.
Em estudos de caso ou de grupos aparecem dissociações, das quais podem resultar
inferências. As dissociações podem ser simples ou duplas.
Dissociação simples:
• Mau desempenho numa tarefa deixando o desempenho noutra tarefa intacto. É
possível inferir que a(s) área(s) afetada(s) pela lesão são importantes para a
função cuja tarefa registou um mau desempenho.
• E.g.,
• Paciente com a lesão A apresenta défices na função X, mas não na função
Y.
• Sugere que a(s) área(s) afetada(s) pela lesão A são importantes para a
função X e que as funções X e Y são, pelo menos, parcialmente
independentes.
• Limitações:
• Assume que as duas tarefas têm igual grau de dificuldade;

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• Não permite determinar qual o nível de especificidade da relação entre o
comportamento e a área cerebral/lesão.

Dissociação dupla:
• Dois casos ou grupos com padrão de perturbação oposto apresentam mau
desempenho em tarefas diferentes. É possível inferir que a(s) área(s) afetada(s)
por cada lesão são importantes para a função cuja tarefa registou um mau
desempenho em cada grupo.
• E.g.,
• Paciente com lesão A apresenta défices na função X, mas não na função Y,
enquanto o paciente com lesão B apresenta défices na função Y, mas não na
função X.
• Sugere que a(s) área(s) afetada(s) pela lesão A são importantes para a
função X, que a(s) área(s) afetada(s) pela lesão B são importantes para a
função Y e que as funções X e Y são, pelo menos, parcialmente
independentes.
• Vantagens:
• Dá-nos uma inferência mais robusta;
• Esta dissociação permite perceber a relação não está relacionada ao grau de
dificuldade das tarefas;
• Permite determinar o nível de especificidade da relação entre o
comportamento e a área cerebral/lesão.

Teste neuropsicológicos:
• Os testes neuropsicológicos estandardizados e as tarefas experimentais (e.g.,
exatidão e tempos de reação) têm um papel fundamental na
avaliação/quantificação objetiva de alterações cognitivas, emocionais e
comportamentais.
• Estes apresentam utilidade para fins clínicos e de investigação.
• Os testes neuropsicológicos são, tipicamente, administrados numa sessão
individual e são selecionados caso a caso e em função de múltiplos aspetos (e.g.,
tempo com o paciente, escolaridade do paciente, etc).
• Limitações: há vários pré-requisitos que devem ser cumpridos como a
concentração, a compreensão e a motivação e esforço; e.g., se o paciente não é

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capaz de se concentrar, os défices que podem resultar poderão não ser resultados
da lesão (serve a mesma explicação para os restantes requisitos).
• As dez categorias neuropsicológicas comummente avaliadas são:
• Raciocínio abstrato e conceptualização (e.g., resolução de problemas,
funções executivas);
• Atenção (e.g., seletiva, sustentada, deslocada ou negligenciada);
• Atividades diárias (e.g., ir à casa de banho, vestir-se, comer);
• Angústia/distúrbios emocionais ou psicológicos (e.g., depressão,
impulsividade);
• Linguagem (e.g., discurso recetivo ou expressivo, afasias);
• Memória (e.g., verbal, visual, funcional);
• Motor (e.g., destreza, velocidade, força);
• Orientação (e.g., consciência do lugar, tempo);
• Sensação e perceção (e.g., acuidade visual, paladar/olfato, táctil);
• Visuoespacial (por exemplo, construção, descobrir/encontrar rotas,
reconhecimento facial).
• Exemplos de testes neuropsicológicos: Efeito de Stroop e Montreal Cognitive
Assessment (MoCA)
Efeito de Stroop:
• O processo de leitura, que é automático, está a competir com o processo de
nomeação da cor.
• São apresentadas aos sujeitos três listas diferentes. Uma com cores escritas na
cor correspondente, outra com XXX coloridos e outras com cores escritas em
cores diferentes. É pedido que os sujeitos nomeiem as cores nas quais as
palavras estão escritas.

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MoCA:
• Este instrumento avalia diferentes domínios cognitivos: atenção e concentração,
função executiva, memória, linguagem, capacidade visuoespacial, raciocínio
abstrato, cálculo e orientação.

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Objetivos da avaliação neuropsicológica em contexto clinico:
• Determinar o nível de funcionamento cognitivo e identificar a disfunção
cerebral, contribuindo para localiza-la quando possível.
• Facilitar o acompanhamento e a reabilitação do doente.
• Identificar défices subtis quando outros meios de diagnostico produzem
resultados ambíguos.
• Identificar organizações cerebrais atípicas que possam existir em esquerdinos
ou pessoas que tiveram traumatismos cerebrais na infância.
• Corroborar resultados de EEG em perturbações como epilepsia focal.
• Documentar a recuperação de funções após lesão cerebral ou avaliar a evolução
dos défices em doenças neurodegenerativas.
• Promover outcomes realistas → ajuda a colocar objetivos realistas e a planear a
vida do paciente da melhor maneira.
Técnicas de neuroimagem:
• São técnicas que permitem medir/registar a estrutura ou função do sistema
nervoso, de forma direta ou indireta.
• Usadas em várias disciplinas (e.g., medicina, neurociências, psicologia, etc).
• Neuroimagem estrutural: foco na estrutura do cérebro (e.g., mostra contraste
entre diferentes tecidos como matéria cinzenta e matéria branca).
• Neuroimagem funcional: foco na função cerebral, muitas vezes para
compreender a relação entre a atividade neural e as funções cognitivas (brain in
action).
• Contribui para a compreensão do cérebro em condições de saúde e doença.
• Exemplos de técnicas de neuroimagem: eletroencefalografia (EEG), estimulação
magnética transcraniana (TMS), tomografia axial computorizada (TAC),
tomografia por emissão de positrões (PET) e ressonância magnética (MRI).
Eletroencefalografia (EEG):
• Registo e medida contínuos da atividade elétrica do cérebro
a partir do couro cabeludo.
• Deteta atividade elétrica dos neurónios na área cerebral
subjacente.
• Regista pequenas despolarizações e hiperpolarizações da
voltagem da membrana (potenciais graduados) → os
potenciais graduados são rítmicos e ocorrem no neurónio
pós-sináptico.
• Se muitos neurónios estão ativos ao mesmo tempo, o sinal
elétrico é forte o suficiente para ser registado à superfície do
crânio.
• O sinal do EEG é a soma dos potenciais graduados rítmicos
de muitos milhares de neurónios.
• Deteta diferentes estados de consciência e ajuda a detetar epilepsia.
• Potenciais Evocados (event-related potentials, ERPs):
• Atividade elétrica é provocada pelos experimentadores.

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• Mudanças breves no sinal EEG em resposta a um estimulo
sensorial discreto.
• Um ERP não é fácil de detetar porque o sinal esta misturado
com muitos outros sinais de EEG do cérebro e, portanto, o
estimulo é repetido várias vezes e depois faz-se a média das
respostas registadas.
• Os ERPs produzem ondas positivas (P) e negativas (N) no
período que se segue ao evento, com uma resolução de ms.
→ as ondas negativas estão normalmente representadas em
cima e as positivas em baixo.
• Vantagens:
• Excelente resolução temporal;
• Medida relativamente direta da atividade neural.
• Relativamente barato e facilmente disponível.
• Menor suscetibilidade ao movimento.
• Silencioso.
• Desvantagens:
• Baixa resolução espacial.
• Menos sensível a estruturas profundas e/ou subcorticais (dificilmente o sinal
de zonas mais profundas chega à superfície para ser registada pelo EEG).
• Localização indireta das fontes/áreas responsáveis por um determinado
sinal.
Estimulação magnética transcraniana (TMS):
• Método não invasivo de estimulação cerebral.
• Um gerador (“bobina”, coil) é colocado próximo da
cabeça do paciente. A passagem de pulsos elétricos pelo
gerador leva a mudanças no campo magnético à volta do
gerador, que atravessam o crânio e mudam a atividade
elétrica dos neurónios adjacentes. → interfere com a
função cerebral.
• Permite criar “lesões virtuais temporárias” numa dada área
e estudar as suas consequências.
• Ajuda perceber qual a “função” de determinada área.
• Vantagem:
• Não se limita a captar a atividade do cérebro quando um indivíduo está a
realizar uma tarefa, ajudando a inferir causalidade entre uma determinada
área e um determinado comportamento.
• Desvantagem:
• Não é possível estimular todas as áreas do cérebro (áreas mais profundas ou
subcorticais não conseguem ser estudadas através desta técnica).

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Tomografia Axial Computorizada (TAC):
• Imagem das diferenças na absorção de raios-X pelos
tecidos.
• A resolução é suficiente para localizar tumores
cerebrais e lesões, mas não permite, por exemplo,
distinguir bem entre matéria cinzenta e matéria branca.
• Apenas regista imagens estáticas do cérebro.
• A densidade de substância cinzenta do cérebro não
difere suficientemente da densidade da substância
branca para que uma tomografia computadorizada
possa distinguir claramente os dois, e assim o córtex e
sua substância branca subjacente aparecem como um
cinza mais ou menos homogêneo.
• O líquido ventricular é menos absorvente, portanto, os
ventrículos e fissuras ficam mais escuros na tomografia
computadorizada.
• Cada ponto desta imagem representa um círculo de tecido com 1 mm de
diâmetro. Chamada de voxel, essa área é uma medida da resolução da imagem,
em que cada pixel representa um voxel.
• Vantagem:
• Precisão das imagens na identificação de anomalias nos tecidos e lesões.
• Desvantagem:
• Emissão de raios-X.
Tomografia por emissão de positrões (PET):
• Permite estudar a atividade metabólica em áreas cerebrais recrutadas durante
funções como a linguagem.
• É uma medida indireta de mudanças no fluxo sanguíneo correlacionadas com
processos cognitivos.

• Técnica imagiológica que produz imagens tridimensionais da funcionalidade de


áreas cerebrais.

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• Uma pequena quantidade de água, com moléculas radioativas, é injetada na
corrente sanguínea. Não representa qualquer perigo porque as moléculas, tais
como o isótopo radioativo oxigénio-15 (15O), decompõem-se em apenas alguns
minutos e são rapidamente eliminadas do corpo. Um computador reconstrói
uma imagem codificada por cores representando áreas de maior e menor fluxo
sanguíneo. → o vermelho indica maior atividade cerebral
• Permite avaliar alterações na ativação dos circuitos de determinados
neurotransmissores (e.g., dopamina).
• O PET infere, em vez de medir diretamente, a atividade neural local, com base
no pressuposto de que o fluxo sanguíneo aumenta onde a atividade neuronal
aumenta.
• Vantagens:
• Boa resolução espacial.
• Permite obter muitas imagens do cérebro durante tarefas cognitivas.
• Mostra o cérebro em funcionamento.
• Desvantagens:
• Técnica indireta de medição da atividade cerebral
• O material radioativo é muito caro
• É uma técnica invasiva.
• O material radioativo desintegra-se rapidamente.
Ressonância Magnética (MRI):
• Na ressonância magnética (MRI), um grande íman (M) e um pulso específico de
radiofrequência (R) geram um sinal cerebral que produz uma imagem (I).

• A MRI é utilizada para estudar a anatomia do cérebro e a função neural de forma


não invasiva, e como não faz uso de radiação ionizante, é suficientemente segura
para ser usada repetidamente em voluntários e pacientes, tanto adultos como
crianças.
• O tubo cilíndrico de um scanner MRI inclui um magneto que cria um campo
magnético muito forte em torno da área que pretendemos analisar.
• O campo magnético afeta o núcleo magnético dos átomos de hidrogénio (os
núcleos atómicos alinham-se na direção do campo).

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• Aplica-se um segundo campo magnético através de sequencias de pulsos breves
de radiofrequência. Os átomos absorvem a energia do pulso e reemitem um sinal
de radiofrequência (ressonância).
• O sinal de radiofrequência emitido pelos átomos de hidrogénio é captado por
uma antena (receiving coil).
• Dependendo da sequencia de pulsos usada, o scanner deteta diferentes
propriedades dos tecidos permitindo distingui-los na imagem (e.g., matéria
branca e matéria cinzenta no cérebro).
• O contraste entre diferentes tecidos é determinado pelo ritmo a que os átomos
excitados voltam ao seu estado de equilíbrio (relaxation time), ritmo que
depende do ambiente/tecido onde os átomos se encontram.
• O que é uma imagem de MRI?
• Imagens como matrizes de números que correspondem a diferentes
localizações espaciais. Os números podem ser representados em termos de
valores de cinzento (comum em imagens MRI estruturais) ou de cores
(comuns em imagens MRI que representam mapas estatísticos).
• Elemento básico da imagem é o ‘voxel’ – análogo tridimensional do pixel.
• Quanto mais pequeno o tamanho do voxel, maior é a resolução da imagem
(mas é necessário mais tempo no scanner para a adquirir)
• Vantagens:
• Boa resolução espacial.
• Técnica sensível a áreas corticais e subcorticais.
• Aquisição/observação de todo o cérebro.
• Ampla disponibilidade.
• Não é invasiva.
• Desvantagem:
• Medida indireta da atividade neuronal.
• Baixa resolução temporal.
• Em cada voxel podem caber milhares de neurónios (não é possível focar
num só neurónio ou mesmo em meia dúzia deles).
• Medição correlacional de uma determinada tarefa/comportamento e uma
área cerebral (e não causal).
Ressonância magnética funcional (fMRI):
• Maior atividade cerebral → maior necessidade de
oxigénio → aumento na quantidade de aporte
sanguíneo com oxigénio.
• Hemoglobina é diamagnética quando oxigenada e
paramagnética quando desoxigenada → diferença
nas propriedades magnéticas leva a diferenças no
sinal de ressonância magnética de acordo com o
nível de oxigenação do sangue.
• Como o nível de oxigenação se relacionada com os
níveis de atividade neural, estas diferenças podem

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ser usadas para indexar a atividade cerebral → sinal Blood Oxygenation Level
Dependent (BOLD).
• Vantagens:
• Boa resolução espacial.
• Sensibilidade cortical e subcortical semelhante.
• Aquisição/observação de todo o cérebro.
• Ampla disponibilidade.
• Desvantagens:
• Baixa resolução temporal.
• Acusticamente ruidosa.
• Medida indireta da atividade neural.
Na era da neuroimagem, a avaliação comportamental e neuropsicológica continua
a fazer sentido? Sim!
• A neuroimagem, por si só, muitas vezes não permite prever de forma exata
(nem quantificar) as alterações comportamentais e cognitivas associadas a uma
dada lesão. → olhar só para a imagem não é suficiente para perceber as
implicações de uma lesão
• São necessárias hipóteses, modelos e teorias dos processos cognitivos para
interpretar os dados de neuroimagem.
• Quantificação objetiva de capacidades cognitivas só pode ser feita através de
avaliação neuropsicológica.
• As medidas de neuroimagem (quer da estrutura, quer da função) e a avaliação
neuropsicológica são complementares. → os dados comportamentais são
sempre complementares dos dados da neuroimagem.

3. O cérebro normal
Divisão anatómica do sistema nervoso:

Sistema
Nervoso

Sistema nervoso Sistema nervoso


central (SNC) periférico (SNP)

Cérebro Medula Sistema nervoso Sistema nervoso


espinal autónomo (SNA) somático (SNS)

Sistema nervoso Sistema nervoso


simpático parassimpático

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Divisão funcional do sistema nervoso:
Sistema
Nervoso

Sistema nervoso Sistema nervoso somático Sistema nervoso


central (medeia o (transmite as sensações e autónomo (equilibra as
comportamento) produz movimento) funções internas)

Cérebro Medula Nervos Nervos Divisão Divisão


espinal cranianos espinais simpática parassimpática
(arousing) (calming)

Sistema nervoso: rede de comunicação complexa com um funcionamento integrado.


Sistema nervoso central (SNC): núcleo de processamento responsável pelas ações,
sensações, sentimentos e pensamentos. É constituído pelo cérebro e pela medula
espinal. Funções: receção, armazenamento, e análise dos sinais sensoriais que chegam
do SNP e emissão de sinais motores.
Sistema nervoso periférico (SNP): é constituído pelos nervos que permitem a
comunicação entre o SNC e o exterior. Inclui funções aferentes (que permitem sentir o
que acontece no interior e exterior do corpo) e funções eferentes (que permitem
responder através dos músculos e glândulas). Divide-se em sistema nervoso autónomo e
sistema nervoso somático.
Sistema nervoso somático (SNS): permite que ocorram as interações entre o SNC e o
meio exterior através de nervos sensoriais (que conduzem a informação ao SNC) e dos
nervos motores (que conduzem a informação do SNC).
Sistema nervoso autónomo (SNA): garante a homeostasia (equilíbrio interno),
controlando funções involuntárias como o batimento cardíaco, a pressão arterial, a
respiração e a digestão. Divide-se em sistema nervoso simpático e sistema nervoso
parassimpático.
Sistema nervoso simpático: domina durante os momentos de tensão e tem como
funções a preparação do corpo para uma emergência e a resposta a um estímulo do
ambiente quando o organismo se sente ameaçado, excitando e ativando os órgãos
necessários à resposta. Prepara o corpo para a ação. Resposta “fight-or-flight”; E.g.,
ritmo cardíaco aumentado; dilatação dos brônquios; dilatação pupilar; aumento da
sudação (glândulas sudoríparas); maior pressão sanguínea; menor afluxo de sangue a
nível dos órgãos internos e extremidades. O controlo da ativação simpática ocorre ao
nível dos nervos torácicos e lombares.
Sistema nervoso parassimpático: visa reorganizar as atividades desencadeadas pelo
sistema nervoso simpático relaxando o organismo. Relaciona-se diretamente com a
capacidade de regulação do organismo face às condições ambientais em que se
encontra. Função calmante (conservação de energia). Resposta “rest and digest”. E.g.,
diminuição do ritmo cardíaco; maior afluxo de sangue para o trato gastrointestinal;

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constrição dos brônquios; constrição pupilar; maior secreção da glândula salivar; menor
pressão sanguínea. O controlo da ativação parassimpática ocorre ao nível dos nervos
cranianos e sacrais.
Análise e condução de informação:
• Corpos celulares:
• No SNC, grupos grandes e bem definidos de corpos celulares formam
camadas ou núcleos (nuclei/clusters) no SNP, a estes clusters chama-se
gânglios.
• Análise local da informação.
• Fibras/Tratos:
• Conjuntos grandes de axónios que projetam de e para os núcleos/camadas
do SNC (e.g., trato piramidal conduz informação do córtex para a espinal
medula; corpo caloso conduz informação entre os dois hemisférios).
• Conduzem informação de uma parte do SNC para outra.
• Fibras que entram e saem do SNC são chamadas nervos.
Descrever localizações no cérebro:
• As localizações anatómicas das camadas, núcleos e
vias do cérebro são descritas dentro de três quadros
de referência: em relação a outras partes do corpo do
animal, em relação à localização relativa, e em
relação à perspetiva de um espectador.
• A) descreve as estruturas cerebrais como
orientadas em relação a partes do corpo do
animal. Em latim, rostro é "bico", caudum é
"cauda", dorsum é "costas", e ventrum é
"estômago". Consequentemente, as partes
rostral, caudal, dorsal, e ventral do cérebro
estão localizadas em direção a essas partes do
corpo. Ocasionalmente, os termos superior e
inferior são utilizados para referir estruturas
localizadas dorsalmente ou ventralmente.
• B) descreve as estruturas cerebrais como
orientadas em relação ao rosto humano.
Estruturas anteriores ou frontais estão à frente,
estruturas posteriores estão localizadas atrás,
estruturas laterais estão ao lado e estruturas
mediais estão localizadas no centro.
• C) descreve as estruturas cerebrais como orientadas em relação à perspetiva
de um espectador. Uma secção coronal é cortada num plano vertical, a partir
da coroa da cabeça para baixo, revelando uma visão frontal do cérebro. Uma
secção horizontal (o corte é ao longo do horizonte) produz uma visão dorsal,
olhando para baixo no cérebro a partir de cima. Uma secção sagital é
cortada longitudinalmente, de frente para trás, e revela uma visão medial, de
lado.

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• Ipsilateral: estruturas localizadas do mesmo lado do sistema nervoso/corpo
(direito ou esquerdo).
• Contralateral: estruturas localizadas em lados opostos.
• Proximal: estruturas próximas uma da outra.
• Distal: estruturas afastadas uma da outra.
• Aferente: movimento/informação em direção ao cérebro (vias sensoriais).
• Eferente: movimento/informação do cérebro para a periferia (vias motoras).
Componentes e divisões do cérebro:
• Cérebro de um embrião:
• Apresenta apenas 4 divisões: o Prosencéfalo, o Mesencéfalo, o
Rombencéfalo e a Espinal Medula.

• Cérebro de um feto:
• Apresenta 6 divisões, uma vez que o Prosencéfalo e o Rombencéfalo se
dividiram em duas estruturas.
• O Prosencéfalo dividiu-se em Telencéfalo e Diencéfalo e o Rombencéfalo
dividiu-se em Metencéfalo e Mielencéfalo.
• Deste modo, o cérebro de um feto é constituído pelo Telencéfalo,
Diencéfalo, Mesencéfalo, Metencéfalo, Mielencéfalo e pela Espinal Medula.

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• Cérebro totalmente desenvolvido:
• Apresenta as mesmas 6 divisões que o cérebro de um feto, o Telencéfalo, o
Diencéfalo, o Mesencéfalo, o Metencéfalo, o Mielencéfalo e a Espinal
Medula.
• O Telencéfalo corresponde cérebro anterior e é composto pelo neocórtex,
gânglios da base, sistema límbico, bulbo olfativo e ventrículos laterais.
• O Diencéfalo, o Mesencéfalo, o Metencéfalo e o Mielencéfalo
correspondem ao tronco cerebral.
• O Diencéfalo é composto pelo tálamo, hipotálamo, glândula pineal e
terceiro ventrículo.
• O Mesencéfalo é composto pelo tectum, tegmentum e o aqueduto cerebral.
• O Metencéfalo é composto pelo cerebelo, ponto do tronco cerebral e quarto
ventrículo.
• O Mielencéfalo é composto pelo medula oblongata e o quarto ventrículo.

• Estes constituintes podem ainda ser agrupados segundo os 3 componentes


principais ou segundo as divisões embrionárias primitivas:
3 componentes 5 divisões Divisões embrionárias
principais anatómicas primitivas
2 hemisférios Telencéfalo Cérebro anterior
Diencéfalo (Forebrain)
Mesencéfalo Mesencéfalo (Midbrain)
Tronco cerebral
Metencéfalo Cérebro posterior
Mielencéfalo (Hindbrain)

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Tronco cerebral:
• Cérebro posterior:
• Cerebelo:
• Superfície com sulcos.
• Contém cerca de quatro vezes mais neurónios que o córtex cerebral.
• Contém matéria cinzenta, matéria branca e núcleos subcorticais que
estão ligados a outras partes do cérebro.
• Necessário para movimentos finos e coordenados.
• O cerebelo desempenha um papel na coordenação motora e na
aprendizagem motora e pode participar na coordenação de outros
processos mentais.
• Os danos que lhe são causados resultam em problemas de equilíbrio,
defeitos posturais, e deficiências da atividade motora qualificada.
• As partes cerebelares que recebem os impulsos dos recetores sensoriais
controlam os reflexos posturais e coordenam grupos musculares
funcionalmente relacionados.

• Formação reticular:
• Atravessa o centro do tronco cerebral, da medula até ao diencéfalo.
• Contribui para os ciclos sono-vigília → mantem a "excitação geral" ou
"consciência".
• Os danos nesta área podem resultar em inconsciência permanente.
• Ponte:
• Ligação entre os inputs do cerebelo e o resto do cérebro.
• Medula/Bulbo raquidiano:
• Contém núcleos que regulam funções vitais como a respiração e o
funcionamento do sistema cardiovascular.
• Os danos nesta região cerebral param a respiração e as funções
cardíacas, podendo assim resultar em morte.

18
• Mesencéfalo:
• Tectum:
• Recebe informação sensorial dos olhos e dos ouvidos.
• Os colículos superiores são importantes para a visão, uma vez que
recebem projeções a partir da retina do olho, e os colículos inferiores
são importantes para a audição, uma vez que recebem projeções do
ouvido.
• Os comportamentos mediados pelos colículos incluem a localização de
objetos no espaço circundante e a orientação para esses objetos, sejam
eles visuais ou auditivos.
• Tegmentum:
• Relacionado com as funções motoras: o “red nucleus” está envolvido na
coordenação motora (controla os movimentos dos membros), a
substância nigra faz a ligação com o cérebro anterior e a substância
cinzenta periaquedutal modula respostas de dor e comportamentos
defensivos.

• Diencéfalo:
• Tálamo:
• Estrutura maior do diencéfalo.
• Composto por 20 núcleos.

19
• Quase toda a informação sensorial (exceto a olfativa) passa pelo tálamo
antes de ser enviada para o córtex.
• “Hub” que interliga regiões cerebrais: um grupo de núcleos recebe
projeções sensoriais e envia a informação para as áreas corticais
apropriadas, alguns núcleos enviam a informação entre áreas corticais e
outros núcleos enviam informação entre o córtex e regiões do tronco
cerebral.
• E.g.:
• O corpo geniculado lateral (LGB) recebe projeções visuais; o
corpo geniculado medial (MGB) recebe projeções auditivas; os
núcleos posteriores ventrolateriais (VLP) recebem projeções de
tato, pressão, dor e temperatura corporal. Por sua vez, estas
áreas projetam-se para as regiões visuais, auditivas, e
somatosensoriais do córtex.
• As áreas visuais do córtex interligam-se com outras regiões do
cérebro através do núcleo pulvinar (P).

• Hipotálamo:
• 22 núcleos e sistemas de fibras que
passam pelo hipotálamo participam em
muitos aspetos do comportamento
motivado, incluindo o comportamento
sexual, sono, regulação da temperatura
corporal, emoções, movimento e
alimentação.
• Em conjunto com a glândula pituitária
controla muitas funções endócrinas e
envia sinais nervosos para o sistema
nervoso autónomo.
Telencéfalo:
• Gânglios da base:
• O “caudate nucleus” recebe projeções de todas as áreas do córtex e envia as
suas próprias projeções através do “putamen” e do “globus pallidus” para o
tálamo e de lá para as áreas corticais frontais.
• Os gânglios basais também têm ligações recíprocas com o cérebro médio,
especialmente com a substância nigra no tegmento.

20
• Importantes para o controlo e coordenação de padrões de movimentos:
tónus muscular, postura e sequenciação de movimentos complexos numa
ação.
• Movimento excessivo: doença de Huntington e síndrome de Tourette.
• Perda de movimento: doença de Parkinson
• Importantes para a aprendizagem associativa (formação de hábitos).

• Sistema límbico:
• Tem um papel destacado no controlo das respostas fisiológicas ao stress,
nos comportamentos de aprendizagem e motivação e nas respostas
emocionais (e.g., medo, agressividade, etc).
• O sistema límbico desempenha um papel em comportamentos
autorreguladores incluindo a emoção, memórias pessoais, comportamento
espacial e comportamento social.
• Entre as suas estruturas principais encontram-se a amígdala (conjunto de
núcleos na base do lobo temporal que participam na emoção) e o hipocampo
(uma estrutura situada na região medial anterior do lobo temporal que
participa na memória pessoal e na navegação espacial).
• O córtex cingulado, uma faixa de três camadas de córtex límbico que se
encontra imediatamente acima do corpo caloso ao longo das paredes
mediais dos hemisférios cerebrais, está envolvido no comportamento sexual,
entre outras interações sociais.
• Modelo do circuito límbico proposto por Papez: os corpos mamíferos
hipotalâmicos ligam-se ao hipocampo através do córtex cingulado, e o
hipocampo liga-se ao hipotálamo através do fórnix.

21
• Neocórtex:
• Os dois hemisférios cerebrais quase simétricos, esquerdo e direito, estão
separados pela fissura longitudinal e cada um está subdividido em quatro
lóbulos: frontal, parietal, temporal e occipital.
• Os lóbulos frontais são delimitados posteriormente pelo sulco central,
inferiormente pela fissura lateral, e medialmente pelo sulco cingulado.
• O limite anterior dos lóbulos parietais é o sulco central, e o seu limite
inferior é a fissura lateral.
• Os lóbulos temporais são delimitados dorsalmente pela fissura lateral. Na
superfície lateral do cérebro, não há limites definidos que separem os
lóbulos occipitais dos lóbulos parietais e temporais.

• As fissuras são as “fendas” mais profundas do cérebro, os sulcos são as


“fendas” mais superficiais do cérebro e os giros são as saliências do cérebro.
• A sua localização e formas das fissuras, sulcos e giros variam um pouco nos
dois hemisférios do cérebro de uma pessoa e a localização, tamanho e forma
dos giros e dos sulcos variam substancialmente nos cérebros de diferentes
pessoas.
• Os giros adjacentes diferem na forma como as células são organizadas
dentro deles, e a mudança de um tipo de arranjo para outro é normalmente
no sulco.
• Os maiores giros na superfície externa do neocórtex são mostrados na figura
(A), e os da superfície medial são mostrados na (B).
• Note-se que o giro cingulado, parte do sistema límbico localizado
imediatamente acima do corpo caloso, atravessa a superfície interna de
todos os quatro lóbulos.
• A figura (C) ilustra os principais sulcos e fissuras na superfície lateral do
córtex, e a figura (D) localiza alguns dos principais sulcos e fissuras na
superfície medial.

22
• Áreas primárias: recebem projeções dos sistemas sensoriais ou enviam
projeções motoras para os músculos; o córtex motor envia projeções para os
sistemas motores do tronco cerebral e da espinal medula.
• Áreas secundárias: são adjacentes às áreas primárias, interconectadas com
elas, e envolvidas na elaboração da informação recebida das áreas primárias;
no caso da área motora primária, a área motora secundária envia informação
para ela.
• Áreas terciárias (ou córtex associativo): córtex não especializado para
funções sensoriais ou motoras; relacionam-se com atividades complexas
(e.g., linguagem, planeamento, memória).

As áreas de projeção primária


recebem o input sensorial ou
projetam para sistemas
motores da coluna vertebral.

Áreas secundárias
interpretam os inputs ou
organizam movimentos.

Áreas associadas (não


coloridas) modulam a
informação entre áreas
secundárias.

23
• Organização celular:
• Os neurónios no neocórtex estão dispostos em seis camadas.
• As diferenças regionais entre as seis camadas incluem as formas,
tamanhos, e ligações das células.
• As funções das camadas relacionam-se com a entrada e saída de
informação.
• Camadas V e VI: enviam axónios para outras áreas cerebrais; ambas as
camadas e os neurónios piramidais que as compõem são
particularmente grandes e distintivos no córtex motor (que envia
projeções para a espinal medula).
• Camada IV: axónios recebem input dos sistemas sensoriais e de outras
áreas corticais; as áreas corticais ricas em neurónios, desta camada,
chamam-se “córtex granular”.
• Camadas I, II, III: recebem input principalmente da camada IV; muito
desenvolvidas em áreas secundárias e terciárias do córtex (funções
integrativas).

• A densidade regional de células em diferentes regiões do córtex levou à


criação de mapas citoarquitectónicos que parcelam o córtex em muitas
sub-regiões, como é o caso do mapa de Brodmann.
• Para realizar a sua análise, Brodmann dividiu o cérebro no sulco central
e depois examinou as metades anterior e posterior separadamente,
numerando novas conformações de células tal como as encontrou, mas
sem seguir um caminho metódico sobre a superfície (os números do
mapa de Brodmann não têm um significado especial).
• No entanto, as regiões de Brodmann correspondem bastante às regiões
descobertas mais tarde com o uso de técnicas não citoarquitectónicas,
incluindo a estimulação elétrica, o rastreio do trato, e a análise dos
danos cerebrais. Por exemplo, a área 17 corresponde à área de projeção
visual primária, enquanto que as áreas 18 e 19 correspondem às áreas
de projeção visual secundária. A área 4 é o córtex motor primário. A
24
área de Broca é a área 44, uma região do córtex terciário. Existem
relações semelhantes para outras áreas e funções.

• Conexões:
• Dada a especialização funcional regional do córtex, as ligações entre e
dentro das suas regiões vão muito no sentido de explicar como são
produzidas funções de nível superior.
• Quatro tipos de projeções axónicas interligam regiões neocorticais:
• Ligações longas entre um lóbulo e outro.
• Ligações relativamente curtas entre uma parte de um lóbulo e
outra.
• Ligações inter-hemisféricas (comissuras) entre um hemisfério e o
outro.
• Ligações através do tálamo.
• A maioria das ligações inter-hemisféricas liga pontos homotópicos nos
dois hemisférios, isto é, pontos que correspondem um ao outro na
estrutura da imagem-espelho do cérebro. A ligação é especialmente
forte para regiões que representam a linha média do corpo. Assim, as
comissuras atuam como um fecho de correr, ligando as representações
do mundo formadas em cada hemisfério. As duas principais comissuras
inter-hemisféricas são o corpo caloso e a comissura anterior.

As fibras de axônio ...de uma parte de


ligam um lóbulo do um lóbulo para
cérebro a outro, ... outra parte...

...e de um hemisfério
do cérebro para o
outro.

25
• O cérebro cruzado:
• Cada hemisfério responde principalmente à estimulação sensorial
proveniente do lado contralateral do corpo e controla a musculatura
desse lado do corpo.
• No rato cerca de 95% das fibras óticas de um olho projetam-se para o
hemisfério oposto. Nos humanos apenas cerca de 50% das fibras óticas
de cada olho projetam para o hemisfério oposto (as vias corticais são
dispostas de modo a assegurar que cada hemisfério obtenha informação
visual do campo visual oposto).
• Num arranjo semelhante, cerca de 90 por cento das fibras do sistema
motor e somatossensorial cruzam-se na medula espinal humana. As
projeções do sistema auditivo vão para ambos os hemisférios, mas a
excitação auditiva de cada orelha envia um sinal mais forte para o
hemisfério contralateral.
• Esta anatomia resulta em numerosos cruzamentos de fibras sensoriais e
motoras ao longo da linha média do sistema nervoso. Funcionalmente,
esta organização cruzada significa que os danos a um hemisfério
produzem sintomas relacionados com a perceção e o movimento do
lado oposto do corpo.

4. Bases neuronais da atenção e das funções


executivas
Processos automáticos:
• São rápidos, inconscientes e automáticos.
• Estão envolvidos nas decisões do dia-a-dia (mais rotineiras).
• Estão propensos a erros.
• Não são intencionais.
• Não dependem da capacidade atencional (as tarefas podem ser combinadas sem
interferência ou competição de recursos).

26
Processos controlados:
• São lentos, conscientes e exigem esforço.
• Estão envolvidos em decisões complexas.
• São fiáveis uma vez que estão menos propensos a erros.
• São intencionais.
• Têm capacidade limitada (a realização de uma tarefa diminui disponibilidade de
recursos para outra tarefa).
Funções executivas:
• A atenção é regulada por um “sistema supervisor” que permite que
comportamentos planeados e intencionais se sobreponham a tendências
automáticas de resposta (Shallice, 1988).

NOTA:
Nem toda a atenção envolve regulação executiva

Atenção:
• “Todos sabem o que é a atenção. É a tomada de posse pela mente, de forma clara
e vívida, de um entre o que parecem vários objetos ou comboios de pensamento
simultaneamente possíveis. A focalização e concentração da consciência fazem
parte da sua essência. Implica a retirada de algumas coisas para lidar
eficazmente com outras e é uma condição que tem um verdadeiro oposto no
estado confuso, atordoado e com o estado do cérebro disperso” (William James,
1890).
• “A concentração do esforço mental em eventos sensoriais ou mentais” (Soslo,
1988).
• Tipos de atenção:
• Atenção dispersa: associada a um estado de alerta ou de vigília geral;
capacidade de estar atento e em busca de estímulos.
• Atenção concentrada/seletiva: capacidade (limitada) de concentrar recursos
mentais em estímulos específicos considerados importantes (em detrimentos
de outros).
• Atenção exógena: de natureza bottom-up; pode ser involuntariamente
captada por um estimulo externo.
• Atenção endógena: de natureza top-down; voluntariamente controlada em
direção a um estimulo; também conhecida como controlo atencional ou
atenção executiva.
• Atenção sustentada: capacidade de estar atento a um estímulo ou tarefa
durante um longo período de tempo.
• Atenção alternada: capacidade de mudar o foco atencional entre dois ou
mais estímulos.
• Atenção dividida: capacidade para dividir a atenção por mais do que uma
tarefa ou estímulos simultaneamente.

27
Bases neuronais da atenção:

Lobo frontal
Funções executivas,
pensamento, planeamento, Córtex sensorial
Córtex motor Lobo parietal
organização e resolução de Sensações
Movimento Perceção, fazer o mundo
problemas, emoções e
fazer sentido, aritmética,
controlo comportamental,
ortografia
personalidade

Lobo occipital
Visão

Lobo temporal
Memória, compreensão,
linguagem

• Proposta de três redes neuronais que se relacionam com diferentes aspetos da


atenção (Posner & Rothbart, 2007):
• Alerta: alcançar e manter um estado de alta sensibilidade aos estímulos que
chegam até nós (incoming stimuli).
• Orientação: seleção especifica de informação do input sensorial.
• Executiva: mecanismos de monitorização e resolução de conflito entre
pensamentos, sentimentos e respostas.
• Anatomia das três redes atencionais:
• Alerta: regiões frontais (receção de informação do sistema ventral;
processos de deteção), regiões parietais (atenção visuo-espacial) e regiões
talâmicas (sinalização sensorial e regulação de estados conscientes).
• Orientação: regiões parietais e temporais posteriores (movimentos oculares,
processamento espacial e atenção visual).
• Executiva: regiões frontais (processos de controlo executivo, monitorização,
julgamento e decisão).

28
Lobo parietal Campo ocular
superior frontal Giro cingulado
anterior
Área posterior

Junção Área frontal


temporoparietal

Tálamo

Pulvinar Córtex pré-frontal

Colículo
superior
Alerta
Orientação
Executiva

• Attencion network task (ANT) → Petersen & Posner (2012); Geva et al. (2013):
• Tarefa: decidir qual é a direção da seta central.
• Alerta: presença vs. ausência de pistas sem informação espacial (mero
estado de alerta).
• Orientação: presença vs. ausência de pistas com informação espacial
(direcionamento atencional).
• Executiva: diferenças na presença de flankers congruentes ou incongruentes.

• Atenção endógena e exógena (1):


• Tarefa: decidir se o quadrado central do alvo era cinzento; manter o olhar na
cruz de fixação.
• Participantes: especializavam-se na tarefa antes de começarem a
experiência.
• Pista (cue) da condição endógena: cruz de fixação tornava-se verde ou
vermelha.
• Pista (cue) da condição exógena: um dos quadrados ficava com o contorno
branco (devia ser ignorado).

29
• Condição anti: semelhante à condição exógena, mas os participantes deviam
utilizar a pista e desviar o olhar para o quadrado contrário (combina
elementos de ambas as condições).
• Escolha não-enviesada das regiões de interesse.

• Regiões comuns: rede frontoparietal, incluindo o sulco intraparietal (IPS),


campo ocular frontal (FEF) e área motora suplementar (SMA).
• Alterações na atividade relacionadas com a tarefa (task-related) foram
maiores em regiões do hemisfério esquerdo.
• Atenção endógena: atividade frontal > atividade parietal.
• Atenção exógena: atividade frontal < atividade parietal.

• Via endógena (dorsal): influenciada por


expectativas, conhecimento prévio e
objetivos presentes.
• plPs: sulco intraparietal posterior
• SPL: lóbulo parietal superior
• PoCes e PrCes: sulso pós-central e pré-
central.
• SFs: sulco frontal superior.

30
• Via exógena (ventral): reage a estímulos
inesperados e salientes.
• TPJ: junção temporo-parietal.
• IPs: sulco intraparietal.
• FEF: campo ocular frontal.
• MFg: giro medial frontal.
• IFg: giro inferior frontal
• Tarefa: ler um capitulo do libro Mansfield Park de Jane Austen em modo
concentrado (close reading) ou de forma relaxada (pleasure reading).
• Sobreposição entre close reading e via endógena (dorsal) e entre pleasure
reading e via exógena (ventral).
• Close reading → áreas a branco.
• Pleasure reading → áreas a preto.

• P1: “custo da atenção; prestar atenção a um estímulo; processamento low-


level.
• N1: estímulos não-previstos; mobilização da atenção.
• N170: reflete o processamento de faces e de outros estímulos para os quais
se tem um grande nível de expertise visual.
• P2: modulado por atenção; correspondência (match) entre estímulo; reação a
características particulares dos estímulos.
• N2: alocação atencional; identificação de estímulos; desvios atencionais
(flexibilidade) e inibição.
• P3: atenção seletiva; maior elaboração na avaliação de estímulos;
atualização da memória de trabalho; efeitos de carga cognitiva.

31
NOTA:
P1, P2 e P3 → via endógena (dorsal)
N1, N170 e N2 → via exógena (ventral)

• Paradigma exemplificativo para investigar atenção em ERPs:


• Participantes fixam a cruz central e são instruídos a olhar para o campo
visual esquerdo ou direito. Estímulos são apresentados num lado ou no
outro rapidamente.
• Neste exemplo, os ERPs elicitados pelo campo visual esquerdo geram
um maior P1, N1 e P2 quando a atenção é voluntariamente mobilizada
para o estímulo (i.e., “olhe para a esquerda”) do que quando é ignorado
(i.e., “olhe para a direita”).

• Go / No-go association task:


• Apresentação de blocos que continham combinações de palavras:
• Mother + good
• Others + good
• Mother + bad
• Others + bad
• Tarefa: em cada bloco, os participantes eram instruídos a pressionar a tecla
de espaços apenas quando aparecessem palavras relativas a uma
determinada combinação.
• E.g., neste exemplo, se a combinação fosse mother + good só deveriam
pressionar a tecla nas palavras “mother” e “delight”.

32
• A natureza das palavras (mãe vs. outros) não afetou o processamento visual
e atencional precoces (i.e., as propriedades físicas das palavras),
apresentando a mesma amplitude em N1.
• Existiram diferenças ao nível do P2 e N2 (ambos maiores para “ mãe”), o
que sugere que ocorreu uma maior alocação de recursos atencionais para
esta palavra.

• 3 fases no processamento de expressões faciais:


• Tarefa: visualização de alvos e distratores e pergunta(s); T2 com atraso de 2
a 6 ecrãs (primeiro causa défice atencional).
• A deteção correta de T1 prejudica a deteção de T2.
• Attencional blink effect: reflete o custo temporal na alocação da atenção
seletiva; esta falta de recursos atencionais momentânea permite investigar o
efeito de recursos atencionais no processamento de expressões faciais.

• 1ª etapa (P1 e N1):


• > medo; alegria=neutra.
• Processamento rápido, automático e “grosseiro”.
• Deteção de valência negativa/ameaça (negative-bias).
• 2ª etapa (N170):
• Alegria = medo; > neutra.
• Distinção de emocionalidade face a neutralidade (em lag2 apenas o
medo é detetado).
• 3ª etapa (P3):
• Medo > alegria > neutra.
• Processamento adicional da valência emocional.
• Diminuído em lag2 e em dual-task.

33
Funções executivas:
• “A função executiva é entendida como um termo geral que engloba uma série de
sub-competências interrelacionadas necessárias para uma atividade orientada
para objetivos” (Anderson, 1989).
• “(…) refere-se a uma família de processos mentais top-down necessários quando
se tem de se concentrar e prestar atenção ou quando, caso se recorresse ao
instinto ou à intuição, tal seria imprudente, insuficiente ou impossível”
(Diamond, 2013).

Core Executive Functions


(Diamond, 2013; Myiake et al., 2000 / 2012)

Memória de Inibição
trabalho (MT) Capacidade de Flexibilidade
Capacidade de controlar e inibir cognitiva
manter e manipular deliberadamente (shifting;switching)
mentalmente a respostas (atenção, Capacidade de
informação. Envolve comportamentos, alternar (shift) entre
a atualização da pensamentos, as diferentes tarefas,
informação relevante emoções) operações ou estados
para a tarefa através dominantes, mentais (mental sets)
da monitorização, automáticas ou de forma flexível e de
codificação, revisão e prepotentes quando é adaptação a novas
substituição dessa necessário ou mais regras/condições.
informação. apropriado.

• As funções executivas estão envolvidas na monitorização, manipulação de


informação, criação e resposta a objetivos, evitar ações indesejadas, correção de

34
erros, otimização do desempenho, alternância de forma flexível, tomada de
decisão, planeamento, organização, gestão de tempo, autorregulação, regulação
emocional, resolução de conflitos, resolução de problemas, etc (Brown, 2001;
Diamond, 2013; Purdy, 2011).
Bases neuronais das funções executivas:
• Córtex pré-frontal dorsolateral: flexibilidade, manter e alternar entre
“configurações” (mindsets), planeamento, inibição de resposta, memória de
trabalho, organização, raciocínio, resolução de problemas e pensamento abstrato.
• Córtex anterior cingulado: inibição de respostas inapropriadas, monitorização do
desempenho, processos de decisão e comportamentos motivados.
• Cortez orbitofrontal: processos de decisão (emoção e recompensa), controlo de
impulsos, manutenção de “configurações” e monitorização do comportamento.

• Tarefa cued-match to sample e Paradigmas de switching:


• Tarefa: participantes devem prestar atenção a diferentes estímulos / realizar
diferentes tarefas consoante as instruções ou pistas (cue) dadas; neste caso,
há blocos em que se deve avaliar a forma do alvo, blocos em que deve
avaliar a cor e blocos em que a instrução é alternada (switching).
• Avalia: flexibilidade, inibição, atenção alternada e seletiva.

35
• Condições de switching: maiores ativações no córtex pré-frontal
dorsolateral (DLPFC) e ventrolateral (VLPFC), córtex anterior cingulado
(ACC) e giro supramarginal (SMG).

• Processos envolvidos na leitura de material linguístico:


• Tarefa: leitura de listas de palavras, de frases não relacionadas entre si e de
narrativas coerentes.
• Aumento progressivo de regiões envolvidas. Para além de zonas
“linguísticas”, frases e narrativas elicitaram ativações em regiões
relacionadas com processos executivos (e.g., córtex pré-frontal dorsolateral
e ventrolateral).

• Tarefa n-back:
• Tarefa: participantes devem monitorizar uma sequência de estímulos e
decidir se o estímulo presente é o mesmo que apareceu n ecrãs atrás.
• Em 0-back devem apenas fazer correspondência com estímulo previamente
definido mas nas restantes condições estas correspondências são feitas em
relação a estímulos que apareceram 1 (1-back), 2 (2- back), 3 (3-back; ou
mais) ecrãs antes.
• Avalia: memória de trabalho (atenção/monitorizar), codificar, manter
temporariamente, inibir, suprimir/descartar e corresponder.

36
• Desempenho comportamental: adultos mais novos tiveram melhor
desempenho que adultos mais velhos.
• P3: maior amplitude em adultos mais novos (linha preta), comparativamente
a adultos mais velhos (linha cinzenta).
• A amplitude refletirá uma maior capacidade de alocação de recursos para a a
atualização da memória de trabalho.

• Tarefa Go/No-Go:
• Tarefa: estímulos com características específicas e diferentes são
apresentados sucessivamente; participantes são instruídos a responder (e.g.,
pressionar uma tecla) quando aparecem determinados símbolos (Go) e a não
pressionar tecla nenhuma quando aparecem outros (No-Go).
• Avalia: aspetos atencionais, mas também executivos (inibição, flexibilidade
cognitiva, conflito).

37
• NoGo N2 > ensaios NoGo; > não fumadores; não há efeito do tipo de
imagem.
• NoGo P3 > ensaios NoGo; não fumadores = fumadores; não há efeito do
tipo de imagem.
• NoGo N2: estádio mais precoce e reflexivo do processo de inibição de
resposta.
• NoGo P3: estádio mais tardio do processo inibitório, possivelmente
relacionado com a inibição propriamente dita.

• Default-mode network vs. task positive network:


• Menos ativa durante execução de tarefas orientadas por objetivos (goal-
oriented - e.g., atenção visual; memória de trabalho - vs. task-positive
network).
• Durante muito tempo pensou-se que estaria ativa apenas em situações de
vigília nas quais há repouso (resting-state) e “desconexão” com o mundo
exterior, como sonhar acordado (daydreaming) ou divagação (mind-
wandering).
• Mais recentemente, descobriu-se que esta rede é ativada quando tarefas
autobiográficas ou que envolvem memória de trabalho social e correlaciona-
se com outras redes, como redes de funcionamento executivo.
• Self: informação autobiográfica, autorreferência, refletir sobre as próprias
emoções.
• Envolve o córtex cingulado posterior, precúneo, córtex pré-frontal
medial, giro angular.
• Pensar em outras pessoas: teoria da Mente, refletir sobre as emoções de
outros, raciocínios morais categorias e avaliação social.
• Envolve o córtex cingulado posterior, precúneo, giro angular, córtex
pré-frontal medial, junção temporo-parietal, córtex temporal lateral,
lobo temporal anterior.
• Relembrar o passado e imaginar o futuro: memória episódica, compreensão
de histórias.

38
• Envolve o córtex cingulado posterior, precúneo, córtex pré-frontal
medial, giro angular, hipocampo, parahipocampo, córtex retroesplenial,
lobo parietal inferior posterior

Desenvolvimento da atenção e das funções executivas:

Função Emergência Maior desenvolvimento Aquisição


Inibição 9 meses 3 – 6 anos 6 – 8 anos
Flexibilidade 3 / 4 anos 7 – 9 anos Adolescência
Memória de trabalho 3 – 5 anos Ao longo da infância Adolescência
Planeamento 4 anos 7 – 10 anos Adolescência

• De forma geral, o desenvolvimento da atenção e das funções executivas


apresenta uma curva de U invertido → ∩.
• Relaciona-se com a maturação cerebral e fatores ambientais (Posner et al.,
2014).
• O sistema atencional é alvo de um desenvolvimento substancial ao longo da vida
(Posner et al., 2014; Reynolds & Romano, 2016).
• Crianças pequenas apresentam grandes dificuldades no controlo inibitório e o
seu aparecimento e desenvolvimento são preditivos de diversos outcomes (e.g.,
académicos, relacionais) ao longo da vida (Davidson et al. 2006).

39
• A capacidade de manter informação mentalmente aparece muito cedo (Nelson et
al., 2012), mas a capacidade de manipulação apresenta uma progressão
prolongada e lenta (Cowan et al., 2011).
• Durante o desenvolvimento (particularmente na adolescência) os diferentes
sistemas cerebrais são alvo de integração graças a uma maior e mais eficiente
conexão entre áreas, aumento de densidade axonial e aumento de mielinização
(De Luca et al., 2008). É nesta altura que capacidades executivas mais
complexas (e.g., raciocínio, planeamento) se desenvolvem mais plenamente
(Anderson, 2002).
• Todas as funções executivas apresentam declínio na idade avançada (Diamond,
2013), sobretudo a capacidade de controlo inibitório (Hasher et al., 1991). A
flexibilidade cognitiva é a última a entrar em declínio (De Luca et al., 2008).

5. Défices e disfunções da atenção e das funções


executivas
Um caso pioneiro, Phineas Gage (1823-1860):
• Gage, aos 25 anos, sofreu um acidente no qual uma barra de ferro entro pela sua
face esquerda e trespassou o seu cérebro.
• Este sobreviveu e continuou capaz de falar, caminhar e permanecer coerente.
• No entanto, a sua personalidade mudou radicalmente.
• A sua disposição, os seus gostos e aversões, os seus sonhos e aspirações
mudaram e Gage passou a ser “ (…) impaciente relativamente a restrições ou
conselhos quando eles entravam em conflito com os seus desejos, por vezes
determinantemente obstinado, outras ainda caprichoso e vacilante, fazendo
muitos planos para ações futuras que tão facilmente eram concebidos como
abandonados, em detrimento de outros que pareciam mais viáveis”.
Origem dos défices ou das disfunções:
• Os défices ou disfunções podem ter origem em lesão ou traumas, em doenças,
no envelhecimento ou no desenvolvimento.
Disfunções da atenção:
• As perturbações da atenção são das condições neurológicas mais comuns e
devastadoras.
• Incluem os estados de confusão, as síndromes atencionais parciais (domain-
specific), a heminegligência, a extinção e PHDA.
Disfunções executivas:
• Síndrome Disexecutivo.

40
Estados de confusão:
• O estado de confusão (ou delírio) é uma mudança global no estado mental em
que o principal défice cognitivo é uma mudança no tom de atenção global.
• É o distúrbio mais comum.
• Métodos de avaliação:
• Confusion assessment method (CAM):
• É composto por 4 itens:
• Inicio agudo e curso flutuante
• Desatenção
• Pensamento desorganizado
• Níveis alterados de consciência.
NOTA:
Os pacientes devem ter sempre o inicio agudo e
curso flutuante e desatenção.

• Os pacientes devem ter inicio agudo e curso flutuante, desatenção e


pensamento desorganizado ou inicio agudo e curso flutuante,
desatenção e níveis alterados de consciência.
• A historia colateral é muitas vezes a melhor maneira de obter uma
historia de inicio agudo e curso flutuante.
• A desatenção é caracterizada pela distração fácil e/ou dificuldades em
acompanhar o que é dito.
• Isto pode ser facilmente identificado através da observação ou por
métodos específicos (e.g., pedindo ao paciente que conte os meses do
fim para o inicio).
• O pensamento desorganizado pode ser visto nos estados de confusão
através, por exemplo, de uma conversa incoerente ou confusa, ou do
fluxo ilógico de ideias ou ainda por uma conversa imprevisível, em que
o sujeito vai saltando para assuntos que não estão relacionados.
• O nível alterado de consciência pode ser identificado por o paciente
estar muito sonolento ou por estar muito hiperativo e alerta.
• 4AT:
• Ferramenta que usa uma pontuação formal para perceber se o paciente
sofre de estados de confusão.
• São avaliados quatro itens: estado de alerta (observar se os pacientes
estão marcadamente sonolentos ou agitados/hiperativos), AMT4 (é
perguntada a idade, a data de nascimento, o ano atual e o sitio onde
nasceu), a atenção (pede-se que diga os meses do fim para o inicio
começando em dezembro) e mudança aguda ou curso flutuante
(evidência de mudança significativa ou flutuação no estado de alerta,
cognição ou outra função mental que surgiu nas últimas 2 semanas e
ainda evidente nas últimas 24 horas).
• Este teste tem como pontuação máximo 12 e uma pontuação acima de 4
indica que o paciente sofre de estados de confusão/delírio.

41
• Características comuns:
• Pensamento incoerente.
• Perturbações percetivas (ilusões ou alucinações).
• Perturbações de julgamento ou insight diminuído.
• Distratibilidade e agitação.
• Descoordenação.
• Geralmente não inclui sinais neurológicos lateralizados e as funções
sensoriais e motoras primárias estão intactas.
• Causas ou origens comuns:
• Encefalopatia tóxico-metabólica: insuficiência renal, insuficiência hepática,
septicemia, desordens endócrinas, anemia grave, distúrbios eletrolíticos e de
balanço hídrico, abstinência de drogas ou intoxicação.
• Fatores de stress ambientais: distúrbios do ritmo circadiano (por exemplo,
na unidade de cuidados intensivos), imobilização e privação sensorial (por
exemplo, alterações súbitas na visão ou audição).
• Lesões cerebrais multifocais: meningite, encefalite, traumatismo craniano
fechado, derrames múltiplos (p. ex. chuva de êmbolos), e hemorragia
subaracnoídea.
• Epilepsia: o estado de confusão pode ser observado após uma convulsão
generalizada ou no caso de um estado de epilepsia não convulsiva.
• Lesões que ocupam espaço: hematoma subdural.
• Lesões cerebrais focais: lesões do giro parahipocampal-fusiforme-lingual no
hemisfério cerebral, ou lesões do lado direito do córtex parietal posterior e
pré-frontal inferior.
• Estudos de imagiologia e de lesão:
• Imagiologia com 9 pacientes (Doyle, 1996):
• Região tempero-parietal esquerdo (5) e direito (4)
• Córtex frontal esquerdo (1) e direito (3)
• Córtex occipital direito (2).
• Duas ou mais destas regiões.
• Lesões focais no córtex parietal posterior direito ou córtex pré-frontal
inferior direito, ou girus fusiforme lingual parahipocampal esquerdo e
direito (Gitelman, 2003).
• Consistente com rede cerebral da atenção: lesão em qualquer parte da rede
pode produzir estado confusional, apesar de algumas regiões serem mais
criticas (e.g., córtex tempero-parietal).

42
Heminegligência:
• Incapacidade de se orientar para, responder a, ou relatar estímulos na região
espacial contralateral à lesão.
• Tarefas de avaliação:
• Provas de barragem.

• Cópia de desenho.

• Desenho a partir da memória.

• Apontar para ou identificar estímulos.

• Leitura.
• Características comuns:
• Multimodal, podendo afetar qualquer ou todas as modalidades sensoriais
(mas o défice não é sensorial).
• Pode afetar comportamento motor mas o défice não é motor.

43
• Mais comum a negligência do hemicampo especial esquerdo (após lesão do
hemisfério direito).
• Anosognosia.
• Causas ou origens comuns:
• AVC.
• Lesões em diversas regiões corticais e subcorticais da rede atencional,
geralmente no hemisfério direito:
• Córtex parietal posterior / junção temporoparietal.
• Frontal eye fields (B8).
• Córtex motor cingulado e suplementar.
• Gânglios da base.
• Tálamo.
• Midbrain e culículo superior.
• Exemplo:

• Estudo de fMRI com paciente com heminegligência:

Extinção:
• Pode ocorrer conjuntamente ou isoladamente com heminegligência.
• Incapacidade de detetar um estímulo no hemicampo contralateral à lesão quando
outro estimulo é concomitantemente apresentado no lado ipsilateral à lesão.
• Capaz de detetar estímulos apresentados isoladamente em cada um dos lados do
espaço.

44
PHDA:
• Perturbação de desenvolvimento caracterizada por problemas atencionais,
atividade motora excessiva e/ou dificuldades no controlo comportamental /
inibição.
• Três tipos comuns:
• Predominantemente hiperativo/impulsivo.
• Predominantemente desatento.
• Combinado.
• Causas ou origens comuns:
• Perturbação de desenvolvimento.
• Características comuns:
• Perturbações atencionais e/ou executivas:
• Falta de atenção generalizada (sistema de arousal).
• Não dá atenção a detalhes e comete inúmeros erros na ausência de
dificuldades semânticas (atenção seletiva).
• Dificuldade em manter atenção (atenção sustentada).
• Parece não ouvir mesmo quando se lhes dirige diretamente (orientar e
alternar atenção).
• Dificuldade em seguir instruções e organizar e gerir tarefas
(planeamento).
• Perturbações motoras:
• Movimentos excessivos de mãos e pés.
• Dificuldade em manter-se sentado e movimentos corporais quando o
faz.
• Levanta-se e anda quando se espera que esteja sentado/a.
• Corre e salta em situações desadequadas.
• Fala excessiva.
• Origem e correlatos:
• Redução de matéria cinzenta no córtex frontal e parietal.
• Desequilíbrio nos neurotransmissores dopamina e adrenalina.

• Tarefas de avaliação:
• Entrevistas e relatos.
• Tarefas atencionais.

45
• Tarefas executivas.
• Medidas cerebrais.
• Exemplos:
• Labirinto WISC-II.

• Fluência verbal.

• Figura complexa de Rey.

• TMT.

46
Síndrome Disexecutivo:
• Disfunção generalizada do funcionamento executivo.
• Na sequencia de lesões frontais (síndrome do lobo frontal), mas raramente
confinadas a estas.

• Associado a diversos quadros (Elliot, 2003; Hanna-Pladdy, 2007):


• Lesões.
• Envelhecimento.
• Demência fronto-temporal.
• Alzheimer.
• Doença de Parkinson.
• PHDA.
• Personalidade anti-social.
• Alguma psicopatologia: esquizofrenia, espectro do autismo, perturbações de
humor (depressão, bipolar), obsessão-compulsão, etc.
• A disfunção executiva tem sido associada a uma série de perturbações, e é
geralmente atribuída à patologia frontal estrutural ou funcional. A
neuroimagem, com PET e fMRI, confirmou a relação; contudo, as tentativas de
ligar aspetos específicos do funcionamento executivo a focos pré-frontais
discretos têm sido inconclusivas. Em vez disso, a visão emergente sugere que a
função executiva é mediada por redes dinâmicas e flexíveis, que podem ser
caracterizadas utilizando integração funcional e análises de conectividade
eficazes (Elliot, 2003).
• Características comuns:
• Cognitivas:
• Dificuldade em focar e suster atenção.
• Impulsividade e problemas de inibição.
• Dificuldade em alternar flexivelmente, de planeamento e de
monitorização e correção de erros.
• Dificuldade em: criar objetivos e segui-los, priorizar e gerir horários,
gerar espontaneamente informação, seguir regras e deduzir passos
lógicos, resolver problemas, tomar decisões, inferir estados mentais dos
outros (ToM).
• Emocionais:
• Dificuldade na regulação emocional.

47
• Perturbações de humor, exacerbação de emoções e sentimentos
negativos, falta de empatia.
• Comportamentais:
• Instabilidade psicomotora, comportamentos rígidos e repetitivos,
hipoatividade com apatia, dependência de estímulos ambientais (e.g.,
imitação), desinibição comportamental e comportamento desadequado.
• Outras:
• Alterações de personalidade.
• Critérios para a síndrome disexecutiva comportamental e cognitiva:
Comportamental Cognitiva
Altamente sugestivo
Hipoatividade global com apatia e/ou Inibição de resposta
abulia
Hiperatividade global com Dedução e geração de regras
distratibilidade e/ou instabilidade
psicomotora
Comportamento estereotipado e Manutenção e mudança de sets
perseverante
Dependência ambiental (comportamento Geração de informação (tarefas de
de imitação e utilização) fluência)
Défices de apoio e áreas em desenvolvimento
Distúrbios de controlo emocional (apatia, Planeamento
euforia, moria, capacidade emocional)
Distúrbios de comportamento social Iniciação de resposta e estado de alerta
permanente
Distúrbios do comportamento sexual, Coordenação em tarefas duplas
alimentar e urinário
Confabulação espontânea, paramnésia Processos estratégicos de memória
redutiva episódica (recuperação e seleção de
memória)
Anosognosia, anosodiaforia Teoria da mente e processos
metacognitivos

NOTA:
Altamente sugestivo → deficiência demonstrada em pelo menos 2 estudos que mostram uma
relação significativa entre a deficiência e a lesão da rede subcortical frontal (tipicamente
comparação entre lesões anteriores e posteriores).
Défices de apoio e áreas em desenvolvimento → deficiência demonstrada num grupo (ou
subgrupo) de pacientes em comparação com controlos saudáveis ou resultados controversos
através de estudos ou de um número limitado de estudos.

• Tarefas de avaliação:
• Entrevistas.
• Baterias de teste de avaliação:
• Behavioral Assment of Dysexecutive Syndrom (BADS).
• Frontal Systems Behavioral Scale
• Tarefas atencionais.
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• Tarefas executivas.
• Wisconsin Card Sorting Test.
• Prova de fluência verbal fonémica.
• Tarefa de Stroop.
Teste Itens Instruções Resposta Pontuação
WCST Números Corresponder Combinar Categorias,
geométricos em cartões de cartões com Erros
128 cartões de resposta a cor, forma e
resposta quatro cartões- número
chave
Prova de Letras Dizer o máximo Gerar palavras Número total
fluência específicas de palavras começando de palavras
verbal possível, com "F, A, S" geradas
começando com em 60 (menos erros
uma letra segundos para e repetições)
específica cada letra
Stroop 3 folhas de 100 Ler palavras, Leitura de Tempo total
artigos (palavras cores e palavras palavras e em segundos;
pretas, manchas coloridas nomeação de pontuação da
de cor, palavras impressas em cores diferença de
coloridas) tinta de cor interferência
incongruente
• Medidas cerebrais.
Controvérsia:
• A sua existência é o tópico de controvérsia:
• Dano frontal sem défice; sintomas associados a diversas disfunções;
variabilidade de sintomas; poucos casos, o que dificulta a determinação de
relações lesão-comportamento (Stuss & Alexander, 2007).
• Circularidade de argumento; inconsistência e inespecificidade das medidas
de funções executivas após lesões frontais (Alvarez & Emory, 2006).
• Confounds múltiplos limitam a validade ecológica das provas
neuropsicológicas que avaliam FE (e.g., fracionam artificialmente e de
forma ambígua um Sistema que é integrado; Burgess, 1997).
• O domínio do síndrome é pouco claro (parece abranger tudo… e varia de
estudo para estudo) (Godefroy et al., 2010).
• Diferentes processos → Diferentes perturbações (Stuss & Alexander, 2007)?
• Energização:
• Iniciação e sustentação de uma resposta.
• Lobo frontal medial superior.
• Estabelecimento de tarefas:
• Estabelecimento de uma relação estímulo-resposta.
• Lobo frontal lateral esquerdo.
• Monitorização:
• Verificação da tarefa ao longo do tempo e ajustamento do
comportamento.

49
• Lobo frontal lateral direito.
• Dois síndromes (Ardila, 2013)?
• Disfunção executiva metacognitiva:
• Capacidade cognitivas básicas.
• Córtex frontal dorso-lateral.
• Disfunção executiva emocional/motivacional:
• Emoções e controlo comportamental.
• Córtex frontal medial (córtex anterior cingulado) e orbitofrontal.

6. Bases neuronais da perceção visual


Olho, retina e recetores:
• A visão começa quando a luz passa através da cobertura protetora do olho.
• Esta cobertura, a córnea, é uma cúpula clara que protege o olho.
• A luz passa então através da pupila, a abertura no centro da íris e continua
através da lente cristalina e do humor vítreo.
• O humor vítreo é uma substância semelhante a um gel que compreende a maior
parte do olho.
• Eventualmente, a luz concentra-se na retina, onde a energia eletromagnética da
luz é convertida em impulsos eletroquímicos neuronais (Blake, 2000).
• A visão é mais aguda na fóvea, que é uma região pequena e fina da retina, do
tamanho da cabeça de um alfinete. Quando se olha diretamente para um objeto,
os olhos rodam para que a imagem caia diretamente sobre a fóvea. Embora a
retina seja tão espessa como uma única página de um livro, é constituída por três
camadas principais de tecido neuronal.
• A primeira camada de tecido neuronal - fechada à frente, virada para fora da
superfície do olho - é a camada de células ganglionares, cujos axônios
constituem o nervo ótico.
• A segunda camada é constituída por três tipos de células interneuronais. As
células amácrinas e as células horizontais fazem ligações laterais únicas (isto é,
horizontais) entre áreas adjacentes da retina na camada média das células. As
células bipolares fazem ligações duplas para a frente e para fora com as células
ganglionares, bem como para trás e para dentro à terceira camada de células da
retina.
• A terceira camada da retina contém os fotorreceptores, que convertem a energia
luminosa em energia eletroquímica que é transmitida pelos neurónios para o
cérebro.
• Existem dois tipos de células recetoras visuais na retina do olho: cones e
bastonetes.
• Cada olho contém cerca de 120 milhões de bastonetes e 8 milhões de cones. Os
bastonetes e os cones diferem não só na forma, mas também nas suas
composições, localizações e respostas à luz.
• Dentro dos bastonetes e cones encontram-se foto-pigmentos, substâncias
químicas que reagem à luz e transformam a energia eletromagnética física num
impulso neural eletroquímico que pode ser compreendido pelo cérebro.

50
• Os bastonetes são longos e delgados, com fotorreceptores. Estão mais
concentrados na periferia da retina do que na região foveal.
• Os bastonetes são responsáveis pela visão noturna e são sensíveis a estímulos
claros e escuros.
• Os cones são pequenos e espessos fotorreceptores e permitem a perceção da cor.
Estão mais concentrados na região foveal do que na periferia da retina (Durgin,
2000).

• As mensagens neuroquímicas processadas pelos bastonetes e cones da retina


viajam através das células bipolares até às células ganglionares (Goodale, 2000).
• Os axônios das células ganglionares no olho formam coletivamente o nervo
ótico para aquele olho.
• Os nervos óticos dos dois olhos unem-se na base do cérebro para formar o
quiasma ótico.
• Neste ponto, as células ganglionares da parte interior ou nasal da retina –
hemirretina nasal – atravessam o quiasma ótico e estendem-se ao hemisfério
oposto do cérebro.
• As células ganglionares da parte exterior ou temporal da retina – hemirretina
temporal – vão para o hemisfério do mesmo lado do corpo.
• A lente de cada olho inverte naturalmente a imagem do mundo ao projetar a
imagem para a retina. Desta forma, a mensagem enviada ao seu cérebro é
literalmente de cabeça para baixo e para trás.

51
Vias de projeção para o cérebro:
• O lado esquerdo da imagem é processado tanto pela hemirretina nasal do olho
esquerdo como pela hemirretina temporal do olho direito.
• O lado direito da imagem é processado tanto pela hemirretina temporal do olho
esquerdo e pela hemirretina nasal do olho direito.

• Todas as células da retina projetam-se para o disco ótico na parte de trás do olho
onde se juntam com outros axónios para formar o nervo ótico.

52
• Os nervos óticos de cada olho convergem num ponto chamado quiasma ótico.
• O quiasma ótico organiza o fluxo de informação a partir das metades esquerda e
direita do mundo visual, referidas como o campo visual esquerdo (LVF) e o
campo visual direito (RVF) respetivamente.
• As fibras projetam-se então ao longo das vias óticas até ao núcleo geniculado
lateral (LGN) do tálamo. A partir daqui axônios são enviados ao longo das
radiações óticas para o córtex visual.

• A informação da hemirretina nasal do olho esquerdo e a informação da


hemirretina temporal do olho direito vão para o hemisfério direito do cérebro.
• A informação da hemirretina nasal do olho direito e a informação da
hemirretina temporal do olho esquerdo vão para o hemisfério esquerdo do
cérebro.
• Deste modo, a informação da parte esquerda da imagem vai para o hemisfério
direito enquanto a informação da parte direita da imagem vai para o hemisfério
esquerdo.
• Quando a informação passa o quiasma ótico, passa a chamar chamar-se trato
ótico e quando passa o núcleo geniculado lateral, passa a chamar-se radiação
ótica.
• Via retino-geniculada / geniculo-estriado:
• Esta via transmite as informações da retina para o córtex visual primário
(V1, área 17 de Brodmann), passando pelo núcleo geniculado lateral (LGN).
• O LGN tem seis camadas bem definidas: as camadas 2, 3, e 5 recebem
fibras do olho ipsilateral, e as camadas 1, 4, e 6 recebem fibras do olho
contralateral.
• A topografia do campo visual é reproduzida em cada camada de LGN: as
partes centrais representam o campo visual central, e as partes periféricas
representam o campo periférico.

53
• As células LGN projetam-se principalmente para a camada IV do córtex
visual primário (área de Brodmann 17 ou V1), que é muito grande em
primatas e aparece estriado (daí um dos seus nomes alternativos, córtex
estriado).
• O campo visual é novamente representado topograficamente em V1.
• A parte superior do campo visual é representada abaixo da comissura
calcarina e a parte inferior é representada acima da comissura calcarina, no
lobo occipital.
• A radiação ótica que termina abaixo da comissura calcarina, segue a via
temporal.
• A radiação ótica que termina acima da comissura calcarina, segue a via
parietal

• Via tectopulvinar:
• Participa na deteção e orientação para a estimulação visual.
• Vai do olho para o culículo superior no tectum médio do cérebro e atinge as
áreas visuais nos lobos temporal e parietal através de retransmissões no
complexo lateral posterior pulvinar do tálamo.
• A projeção adicional do culículo para o córtex através do núcleo pulvinar
talâmico fornece informação ao córtex sobre a localização espacial absoluta
(independente do olhar visual do espectador) dos objetos.

• Neurónios implicados no processamento pré-cortical da informação visual:


• Células fotorrecetoras: cones e bastonetes.

54
• Células bipolares.
• Células ganglionares.
• Células do núcleo geniculado lateral do tálamo.
Áreas corticais visuais:
• Córtex visual primário:
• O processamento visual primário ocorre no córtex visual primário que se
encontra no lobo occipital do cérebro → córtex estriado + área 17 de
Brodmann (V1).

• Uma secção transversal do córtex estriado tirada com a maior ampliação


mostra células dispostas em camadas. As camadas 2 e 3 são indistinguíveis;
a camada 4A é muito fina. A camada espessa e leve no fundo é de matéria
branca.

55
• Áreas corticais visuais:

Organização neuronal da perceção visual:


• O que é que os sinais neuronais representam?
• Hipótese da especialização:
• A informação visual está distribuída por diferentes subsistemas.
• A perceção opera de forma analítica.
• Evidências:
• A organização do núcleo geniculado lateral.
• As múltiplas vias para e no córtex visual.
• Organização do núcleo geniculado lateral:
• O núcleo geniculado lateral (LGN) está organizado em seis camadas
celulares distintas.
• Três camadas recebem o input de uma retina e as outras três recebem o
input da outra retina → camadas 2,3 e 5 recebem o input do olho ipsilateral
enquanto as camadas 1,4 e 6 recebem o input do olho contralateral.
• Cada camada do LGN contém um mapa topográfico da retina.
• O sistema multi-camadas do LGN não é apenas redundante. Há diferentes
tipos de células em cada camada.
• As camadas ventrais do LGN (1 e 2) contêm neurónios maiores do que as
camadas dorsais (3, 4, 5 e 6).
• Deste modo, as camadas ventrais são designadas por camadas magno
celulares (M) e as camadas dorsais são designadas por camadas parvo
celulares (P).

56
• Implicações:
• Quais as diferenças funcionais entre os sistemas M e P do NGL?
• A via P é mais sensível à cor e aos pequenos detalhes; a maior parte
do input que recebe provém dos cones. Esta associa-se à via ventral
(via “o quê”), que prossegue até ao córtex temporal inferior.
• A via M é mais sensível às informações sobre o movimento; a
maior parte do input que recebe provém dos bastonetes. Esta
associa-se à via dorsal (via “onde”) que prossegue até ao córtex
parietal posterior.
• E que consequências funcionais para as vias corticais?
• Tem sido demonstrado que as células ganglionares tipo M projetam
para as camadas magno celulares do LGN e as células ganglionares
tipo P projetam para as camadas parvo celulares do LGN, o que
parece indicar que o processamento paralelo em canais de
informação distintos, que começa na retina, é mantido através do
LGN.

57
• Organização a nível cortical:

• Analises progressivamente mais complexas de V1 para V4.


• As áreas V1 e V2 estão envolvidas num estagio inicial do
processamento visual e contem diferentes grupos de células que
respondem à cor e à forma.
• As áreas V3 e V3A contêm células que respondem à forma
(especialmente às forma de objetos em movimento).
• A área V4 contêm células que respondem à cor é à orientação; está
envolvido no reconhecimento de formas.
• A área V5 (MT ou MST) á especializada no movimento visual e,
portanto, as suas células respondem ao movimento. Algumas células na
área MT parecem mesmo responder não à direção real do movimento,
mas sim à direção percebida (e.g., na área MT, muitas células que
normalmente mostram uma seletividade para as direções verticais
responderão de forma convincente a dois estímulos que se movem a 45
graus, ou seja, à direção aparente do movimento). As células desta área
são sensíveis não só ao movimento linear, mas também ao movimento
radial (para ou a partir de um ponto) e ao movimento circular (no
sentido dos ponteiros do relógio ou anti-horário). São também ativadas
seletivamente por configurações complexas de movimentos, tais como
ocorrem no seu ambiente à medida que caminha através delas.
• Células hipercomplexas em V5 (MT) com alta seletividade de resposta.
• Integração de informação: preservação topográfica.

58
• No córtex visual, além das células simples e complexas na área visual
primária (V1 ou área 17 ou córtex estriado) e na área visual secundária 18
(V2), há células hipercomplexas na área visual secundária 19 (V5 ou MT)
que respondem apenas se um estímulo luminoso apresentar uma dada razão
de superfície iluminada para superfície escura, ou se estiver a vir de um
determinado ângulo, ou se incluir formas móveis.
• Algumas dessas células hipercomplexas também são sensíveis apenas a
linhas de um certo comprimento, de modo que se o estímulo se estender
além desse comprimento, a resposta das células é reduzida.
• Células hipercomplexas ocorrem quando axônios de várias células
complexas com diferentes orientações e campos visuais adjacentes
convergem num único neurônio.
• Essas células hipercomplexas fornecem mais um nível de processamento de
informações.
• Em cada nível, cada célula “vê” mais do que as células nos níveis abaixo
dela, e as células de nível mais alto têm o maior poder de abstração. Essa
capacidade é gerada pelas conexões neuronais em cada estágio ao longo das
vias visuais desde os olhos até os vários córtex visuais do cérebro.
• Estes níveis de abstração podem ser resumidos da seguinte forma: a retina e
o LGN “veem” a posição de um objeto, as células simples veem o seu eixo
de orientação, as células complexas veem o movimento deste eixo, e as
células hipercomplexas veem as bordas e ângulos do objeto.

59
Em resumo:
• Sistema complexo de processamento em paralelo.
• Múltiplas vias no sistema visual.
• Cada via (e, como tal, cada região do córtex visual) é especializada no
tratamento de determinado tipo de informação.
• A análise da informação entre diferentes vias procede de forma concorrente.
• Análises progressivamente mais complexas à medida que informação vai
sendo transmitida.
Processamento visual elevado → duas vias corticais:
• Ungerleider & Mishkin (1982):
• Via “o quê”:
• Via ventral ou occipito-temporal.
• Fasciculo longitudinal inferior.
• Perceção e reconhecimento de objetos (determinar a identidade dos
objetos) + processamento da forma e da cor dos objetos.
• Culmina no córtex temporal inferior.
• Via “onde”:
• Via dorsal ou occipito-parental.
• Fasciculo longitudinal superior.
• Perceção do espaço e da configuração dos objetos no espaço +
processamento do movimento.
• Orientação da ação e atenção visual.
• Culmina no córtex parietal.

60
“Onde”

• Evidências fisiológicas:
• Características dos neurónios parietais e temporais:
• Parietais:
• Respondem de modo não seletivo.
• 60% têm campos recetivos que excluem a região foveal
(respondem a periferia do campo visual).
• Adequadas para detetar a presença de um estímulo, sobretudo
daqueles que acabam de entrar no campo de visão
• Temporais:
• Respondem seletivamente a estímulos complexos (padrões
diversificados de seletividade).
• Campos recetivos incluem sempre a fóvea.
• Esta representação desproporcionada da visão central parece ser
ideal para um sistema de reconhecimento de objetos.
• Dissociações funcionais → estudos com animais:
• Lesões bilaterais do lobo parietal → X Tarefa de discriminação de marcos.
• Lesões bilaterais do lobo temporal → X Tarefa de discriminação de objetos.

61
• Localização espacial: correspondência linha-ponto → córtex parietal.
• Objeto: correspondência de rostos → córtex temporal inferior e medial.

• Estudos de lesão → duplas dissociações:


• Lesões no córtex parietal: défice na representação espacial e das relações
espaciais dos objetos (e.g., ataxia ótica).
• Lesões no córtex temporal: défice no reconhecimento de objetos (agnosia).
Papel da via subcortical:
• Estudos com animais:
• Lesão cortical V1 e V2:
• X Discriminação de estímulos.
• ✓ Localização de estímulos.
• Lesões fibras para culículo superior:
• ✓ Discriminação de estímulos.
• X Localização de estímulos.
• Blindsight:
• Weiskrantz utilizou o termo “blindsight” para descrever o fenómeno de um
individuo ser capaz de relatar detalhes de objetos que aparecem nas áreas
cegas do seu campo visual, apesar de não ter experiência consciente de os
ver.
• Assim, o termo blindsight “refere-se à rara capacidade de pacientes com
lesão na área V1 de desempenhar tarefas visuais (…) mesmo que esses
pacientes aleguem não ver conscientemente os estímulos pertinentes” (Ko &
Lau, 2012).
• Os danos no córtex estriado esquerdo resultarão em cegueira no campo
visual direito de ambos os olhos e os danos no córtex estriado direito
resultarão em cegueira no campo visual esquerdo de ambos os olhos.
• Estas áreas de cegueira são chamadas scotoma.
• Cegueira cortical mas função visual residual.
• Caso D.B (Weiskrantz, 1986):

62
• O paciente DB tinha uma área de cegueira na parte inferior de seu canto
visual esquerdo em consequência de uma cirurgia que envolveu a
remoção de parte de seu córtex visual primário direito (BA17 ou V1)
para aliviar sua frequente enxaqueca grave.
• Em essência, DB conseguia detetar a presença de vários objetos e
também indicar sua localização aproximada apontando. Ele também
conseguia discriminar entre objetos em movimento e parados e podia
distinguir linhas verticais de horizontais.
• No entanto, as habilidades de DB eram limitadas – ele não conseguia
distinguir entre retângulos de diferentes tamanhos ou entre triângulos
com lados retos ou curvos.
• Tais achados sugerem que DB processava somente características de
baixo nível dos estímulos visuais e não conseguia discriminar a forma.
• Vimos que DB apresentava mais habilidades para realizar várias tarefas
visuais. Apesar disso, ele não relatou experiência consciente em seu
campo de visão cego.
• De acordo com Weiskratz et al (1974), “quando lhe foi mostrado um
filme do seu julgamento sobre a orientação das linhas [apresentando-as
no seu campo visual intato], ele ficou completamente atônito”.
• Excisão da maior parte do córtex estriado no hemisfério direito.
• Cegueira cortical para quase todo o campo visual esquerdo

• Duas explicações possíveis:


• Processamento na via culicular subcortical.

63
• Função cortical residual:
• Processamento em áreas corticais extra-estriadas.
• Processamento em tecido “poupado” do córtex estriado.
• Hipótese acerca das funções da via subcortical:
• Identificar onde o estimulo está.
• Gerar movimentos oculares para atender ao estimulo.
• Colaboração com os sistemas visuais corticais (Rafal, Davis, et al.,
1990).
• Rafal et al, 1990:
• Outros sistemas visuais podem continuar a funcionar mesmo na
presença de lesões no córtex visual primário.
• O sistema de orientação culicular permanece intacto em pacientes
hemianopicos.

7. Défices no processamento visual


Duplas dissociações:
• Lesões no córtex parietal:
• Défice na representação espacial e das relações espaciais dos objetos.
• Lesões no córtex temporal:
• Défice no reconhecimento visual de objetos (agnosias visuais).
Paciente de Holmes (1918):
• Sofre de ataxia ótica.
• Tem a visão intacta no centro do campo visual.
• É capaz de identificar os objetos se solicitado, coordenar a ação com o próprio
corpo (e.g., comer) e de corrigir o “alcance” com base em informação
propriocetiva.
• Não é capaz de notar objetos no raio de visão, seguir os objetos com o olhar e de
julgar a profundidade.
• Não tem orientação visual no espaço.
• “Quando lhe foi pedido para tocar ou agarrar a minha mão ou um lápis segurado
na frente dos seus olhos, ele apalpou loucamente em busca da mão ou do lápis,
e, em regra, levou a sua mão para além destes quando estavam ao seu alcance,
64
mas cometeu erros em todas as direções no julgamento da sua posição. No
entanto, se a sua mão entrou em contacto com o meu braço, moveu os seus
dedos prontamente ao longo deste até chegarem à minha mão ou ao objeto que
ela segurava” (Holmes, 1918).
Paciente DF (Goodale & Milner, 1992):
• Sofre de agnosia.
• Tem acuidade visual.
• É capaz de identificar cores primárias e nomear os objetos a partir do tato.
• Não é capaz de nomear objetos, de descrever figuras nem de reconhecê-las.
Agnosias visuais:
• A agnosia é definida como o défice no reconhecimento de objetos, estando
intactos o processamento sensorial, os processos de analise da cor, forma e
movimento e a representação mnésica (conhecimento).
• A agnosia visual é limitada à modalidade visual.
• Classificação clássica (Lissauer, 1890):
• Processamento visual segundo Lissauer:
• 1º juntar a informação numa imagem.
• 2º associar essa imagem a memórias armazenadas para compreender o
significado.
• Agnosia apercetiva:
• Défice no processamento percetivo.
• Défice no desenvolvimento de representação visual do objeto.
• Agnosia associativa:
• Défice no acesso visual à memoria.
• Défice no uso da representação visual para reconhecer os objetos →
“uma perceção normal despojada do seu significado” (Teuber, 1968).
• Conceções mais recentes:
• Farah (2004):
• Diferentes tipos de processos percetivos podem resultar em diferentes
tipos de agnosia.
• Muitos casos classificados como agnosia associativa resultam de
défices em processos percetivos, mas higher-level.
• Agnosia da forma visual vs. agnosia associativo.
• Warrington (1978):
• Défice de categorização percetiva (e não de processamento visual
básico).

65
Agnosia apercetiva:
• Perfil de desempenho:
• Tem acuidade visual.
• Funções visuais primárias intactas.
• Consegue perceber a cor, tamanho e textura de um objeto.
• Tem conhecimento visual.
• Não é capaz de reconhecer os estímulos visuais ou até formas simples.
• Não consegue copiar o desenho de um objeto.
• Não é capaz de emparelhar estímulos visuais simples.
• Não consegue discriminar estímulos visuais simples.
• Bateria de testes:
• Tarefa de nomear objetos → apresenta-se um conjunto de imagens e o
paciente tem de nomear os objetos.

• Tarefa de copiar objetos → apresenta-se desenhos de objetos tanto simples


como complexos na sua posição normal e o paciente tem de os copiar.

• Tarefa de emparelhamento → apresenta-se um desenho um coelho e depois


apresenta-se quatro alternativas de desenhos de 4 animais diferentes,
incluindo o coelho e o paciente tem de escolher a imagem correspondente;
apresenta-se a imagem de um objeto e 2 desenhos, um do mesmo objeto e
outro de um objeto semelhante, em posições atípicas (e.g., vista aérea do

66
objeto) e o paciente tem de escolher qual corresponde ao 1º objeto
apresentado

• Tarefa de same/diferent → apresenta-se um desenho e outro igual mas em


espelho ou um desenho e outro diferente mas com uma forma semelhante e
o paciente tem de dizer se é o mesmo objeto ou são objetos diferentes.

• Dependência na continuidade local:


• São distraídos por linhas irrelevantes ou detalhes e não conseguem
“conectar” características relevantes.

• Pode ser acompanhado por acromatopsia.


• Reconhecimento pode ser conseguido:
• Com base em características não morfológicas (cor, tamanho, textura).
• Traçando com os dedos ou mãos o contorno do objeto (dependência na
continuidade local).
• Caso particular do défice de categorização percetiva (Warrington):
• Paciente consegue discriminar as formas geométricas simples mas não
consegue discriminar os objetos.

67
• É capaz de reconhecer/emparelhar os objetos em orientações convencionais
mas não é capaz de reconhecer/emparelhar os objetos em orientações
atípicas ou iluminados de forma a produzir sombras “estranhas”.
• Interpretação dos défices:
• Lissauer:
• Falha em conectar toda a informação numa imagem.
• Estímulo visual não é visto como um todo com significado (objeto
não é visto como um objeto).
• Farah:
• Processamento visual higher-level insuficiente para desenvolver
representação do objeto.
• Incapacidade de agrupar ou integrar componentes do objeto
(contorno, cor, profundidade) num todo.
• Warrington:
• O paciente é capaz de extrair e analisar os traços elementares, no
entanto, não é capaz de extrair as características criticas e de
estruturar os traços extraídos numa representação coerente.
• O paciente é capaz de extrair as características criticas apenas
quando são salientes no input, não sendo, portanto, capaz de as
extrair se estas características tiverem de ser inferidas ou extraídas
a partir de um input percetivo limitado.
• Warrington (Warrington, 1985; Warrington and James, 1986):
• Agnosia apercetiva deve ser restrita aos casos nos quais o reconhecimento
está comprometido apenas quando a orientação é atípica ou a iluminação
inapropriada (i.e., perturbação da categorização percetiva).
• A agnosia apercetiva tradicional é uma pseudo-agnosia pois estes pacientes,
para além da perturbação do processamento visual complexo, têm também
uma perturbação de funções percetivas visuais básicas.
• No entanto, visões contemporâneas consideram o défice de categorização
percetiva uma disfunção diferente e não uma agnosia apercetiva.
Agnosia associativa:
• Défice de reconhecimento de objetos que não pode ser atribuído a problemas de
processamento percetivo básico.
• Problema em usar as representação visuais criadas para reconhecer os objetos.
• Perfil de desempenho:
• Acuidade visual intacta.
• Consegue perceber as características físicas do estimulo.
• Capaz de copiar desenhos (mesmo complexos) de objetos.
• Consegue identificar os objetos.
• É capaz de emparelhar os objetos semelhantes e desenho-objeto.
• Consegue descrever os objetos (i.e., forma, contorno externo e internos,
posição, e número de estímulos).
• Não é capaz de reconhecer os objetos.
• Incapaz de perceber e copiar figuras complexas.

68
• Não consegue emparelhar com base na função ou em outras propriedades
semânticas dos objetos.
• Bateria de testes:
• Tarefa de copiar objetos → apresenta-se desenhos de objetos tanto simples
como complexos na sua posição normal e o paciente tem de os copiar.

• Tarefa de traçar o contorno das figuras → requer juntar diferentes partes de


um objeto simultaneamente ignorando a parte sobreposta de outro objeto.

• Tarefa de correspondência → escolher os objetos que correspondem às


figuras sobrepostas.

• Três critérios de inclusão (Farah, 1990):


• Dificuldade em reconhecer objetos visualmente apresentados, quer em
tarefas verbais (nomeação de desenhos ou objetos reais), quer em tarefas
não verbais (agrupamento de objetos por categoria semântica, ou
gestualização da função).

69
• Reconhecimento de objetos intacto noutras modalidade sensoriais (tato,
audição, a partir de definição verbal).
• Perceção visual intacta (copiar objetos ou desenhos).
• O défice pode variar em severidade, afetando, em ordem de decrescente de
dificuldade, o reconhecimento de desenho de contorno, fotografias, e objetos
reais (Levine & Calvanio, 1989).
• Objetos comuns podem ser mais facilmente reconhecidos do que objetos menos
familiares.
• Frequentemente acompanhado de acromatopsia.
• Frequentemente confundido com afasia anómica → usar tarefas verbais e não
verbais de reconhecimento de objetos.
• Interpretação dos défices:
• Desconexão entre representação visual e memória (Lissauer; Warrington).
• Défices em processos percetivos, mas higher-level: problema na
decomposição extensiva de partes, quando inúmeras partes têm de ser
codificadas; falha na perceção estruturada de forma a ativar a rede de
conhecimento semântico (Farah).
• Integrar detalhes locais numa representação global (Ridoch & Humphreys,
1987) – agnosia integrativa.
• Perturbação da representação estrutural.
Avaliação clínica:
• Teste dos campos visuais (deverá estar dentro da norma).
• Reconhecimento a partir de fotografias e desenhos de objetos, animais, faces,
cores, e cenas visuais complexas.
• Cópia de objetos simples.
• Identificação de objetos a partir de outras modalidades sensoriais (táctil,
auditiva) e descrições verbais.
• Emparelhamento de objetos a partir da semelhança ou estrutural ou
semântica/função.
• Testes neuropsicológicos:
• Benton (Benton et al, 1994):
• Dificuldades percetivas e espaciais.

70
• Boston naming test (Kaplan et al., 1983):
• Agnosia associativa versus afasia anómica.

• Boston Diagnostic Aphasia Test (Goodglass and Kaplan, 1983):


• Cenas complexas: simultaneoagnosia.

• Baterias de avaliação:
• Métodos formais que caracterizam os diversos componente subjacente ao
défice no reconhecimento de objetos e, como tal, permitem identificar
diferentes formas de agnosia.
• Baterias de avaliação do processamento percetivo:
• Pyramids and Palm Trees Test (Howard & Patterson, 1992): acesso a
representações semânticas a partir de palavras e figuras.
• Visual Object and Space Perception Battery—VOSP (Warrington &
James, 1991): perceção de objetos e espaço.
• VOSP Subtestes de perceção de objetos:
• Lestras incompletas.
• Silhuetas (animais e objetos): identificação.
• Decisão de objetos: identificar e nomear objeto real entre 3
distratores não reais.
• Silhuetas progressivas: identificação.

71
• Birmingham Object Recognition Battery—BORB (Riddoch &
Humphreys, 1993): reconhecimento de objetos.
• Aspetos low-level da perceção visual: emparelhamento mesmo-
diferente de orientação, tamanho, posição, comprimento.

• Aspetos intermediate-level da perceção visual: emparelhamento de


objetos em diferentes orientações.

• Acesso a conhecimento: decisão de objetos, emparelhamento com


base na função, nomeação.

72
Neuropatologia:
• Principais áreas visuais:

• Áreas visuais corticais e afins:


• Áreas visuais corticais:
• Córtex visual primário (V1):
• Localização: lobo occipital medial.
• Função: análise cortical inicial da entrada visual.
• Observação: envolvido na orientação, seletividade e
binocularidade.
• Córtex de associação visual:
• Localização: lobo occipital lateral.
• Função: análise especializada da informação visual.
• Observação: envolvido na forma, movimento, cor e na análise da
profundidade.
• V2:
• Localização: perto da área V1.
• Função: processamento de dados por ordem superior do que V1.
• Observação: as células respondem a todas as principais
modalidades visuais.
• V3:
• Localização: perto da área V2.
• Função: perceção do movimento e da profundidade, a partir de
análises com baixo contraste.

73
• V4:
• Localização: giros lingual e fusiforme (lóbulo temporal)
• Função: estimativa do tamanho e perceção da cor.
• V5:
• Localização: junção lateral dos lobos temporal, parietal e occipital.
• Função: deteção do movimento.
• Observação: lesões bilaterais causam akinetopsia.
• V6:
• Localização: aspeto caudal do lobo parietal superior.
• Função: movimento próprio, características 3D, seleção de alvos
em buscas visuais.
• V8:
• Localização: lobo occipital ventromedial
• Função: perceção da cor.
• Observação: lesões bilaterais causam achromatopsia.
• Áreas relacionadas:
• Campo ocular frontal:
• Localização: porção caudal do giro frontal médio.
• Função: movimentos oculares volitivos.
• Observação: sacadas orientadas para o espaço contralateral.
• Lateral temporal:
• Localização: giros temporais médio e inferior
• Função: identificação do objeto.
• Observação: sistema “o quê”
• Parietal:
• Localização: lobos parietais superior e posterior
• Função: localização do objeto
• Observação: sistema “onde”, direciona a atenção visual.
• Agnosias visuais: perturbações na via ventral (VP – córtex temporal lateral).
• Agnosia apercetiva / da forma visual:
• Difusas e posteriores.
• Proeminência de lesões da matéria branca (disconexão).
• Causas comuns: AVCs, anoxia, intoxicaçãi por CO2.
• Causas raras: tumor.
• Agnosia associativa:
• Lesões bilaterais (mas também unilaterais) envolvendo a junção occipito-
temporal e matéria branca subjacente.
• Destruição dos cortices de associação visuais (sobretudo porções ventrais,
que ligam estímulo-memória), na região occipito-temporal.
• Lesão bilateral do fascículo longitudinal inferior que liga o córtex occipital
de associação a áreas temporais mediais (desconexão).
• Causas comuns: Enfarte bilateral das artérias cerebrais posteriores.
• Causas raras: hemorragia, tumor.

74
Défices no processamento do espaço e da atenção visual:
• Perceção do movimento:
• Áreas V5 ou áreas adjacentes envolvidas (Plante t al., 1993).
• Lesão V5 ou lesão 4cm anterior ao polo occipital: “movimento enquanto
sequência de imagens estáticas”.
• Julgamento da orientação:
• Processamento percetivo no lobo parietal direito.
• Capacidade para julgar o ângulo dos objetos no espaço.
• Tarefa de orientação de linhas de Benton:
• Apresenta-se uma linha desenhada em qualquer orientação possível e o
paciente tem de olhar para o desenho e escolher qual a orientação da
linha desenhada (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 ou 11).
• Pacientes com ataxia ótica têm dificuldades nesta tarefa mas conseguem
realizá-la uma vez que a forma como percebem a orientação está ligada
ao input visual.
• Paciente NL (e.g., Turnbull et al., 1996):
• Tendência para rodar as cópias que realizaram de desenhos.
• Perante uma fotografia na orientação errada têm tendência para
desenhar a figura na orientação certa (desrespeitando a instrução de
cópia).
• Desempenho pobre em julgamento de orientação.
• Análise da orientação é diferenciada de outras perceções?
• Orientação é processada mais lentamente que a cor mas rapidamente
que o movimento (Moutoussi & Zeki, 1997).
• Parte da via dorsal (via “onde”).
• Módulo para a orientação.
• Colabora com o reconhecimento de objetos (via ventral) através da
deteção de objetos em posições atípicas ou rodados.
• Orientação topográfica:
• Processamento percetivo no lobo parietal direito.
• Capacidade para nos orientarmos em termos da nossa localização espacial.
• Teste de espaço extrapessoal (Semmes et al., 1955):
• Apresenta-se um desenho com um determinado circuito e os pacientes
tem de reproduzir esse circuito movendo-se na sala (como fazemos
quando nos orientamos segundo um mapa);
• Pacientes com ataxia ótica têm muita dificuldade uma vez que não
conseguem criar uma representação do espaço e não podem usar uma
estratégia compensatória de uso de marcos pois estes não existem.
• Envolve julgamento das relações espaciais, direção, e orientação.
• Dificuldade de aprendizagem de percursos → lesão habitual:
parietal/occipital medial, bilateral ou direita, com lesão posterior do
hipocampo (Barrash, Damásio, Adolphis & Tranel, 2000).
• Perceção 3D:
• Processamento percetivo no lobo temporal direito.

75
• Capacidade para construir representação 3D: disparidade binocular e
estereoscopia global.
• Tarefa de legos:
• Apresenta-se um desenho ou um modelo de uma montagem de lego e
vê-se se o paciente consegue montar o lego.
• Os pacientes com ataxia ótica têm dificuldade porque não conseguem
criar uma representação tridimensional do objeto.
• Estereogramas (Julesz, 1971):
• Capacidade para construir representação 3D: disparidade binocular e
estereoscopia global.
• Teste de estereoscopia de letras aleatórias (e.g., Carmon & Bechtoldt, 1969).
• Dificuldade na tarefa de letras: remoção da porção anterior do lobo temporal
direito (Pitto et al. 1991).
• Visionamento de estereogramas: maior ativação das áreas posteriores
direitas (Pitto et al., 1993).
• Rotação mental 3D → dominância hemisférica
• Lesões do hemisfério direito (Ratcliff, 1979)
• Pacientes split-brain (Corballis & Sargent, 1989)
• Distorção do espaço → apraxia construcional:
• Processamento percetivo no lobo parietal direito.
• Dificuldade em realizar construções (desenhar, cópia de desenho com
blocos, desenho de modelos 3D).
• Envolve: perceção, movimentos motores coordenados, julgamento da
orientação e de relações espaciais, e atenção
• Doença de Alzheimer (inclui atrofia cortical dos lobos temporais e
parietais).
• Afluxo sanguíneo parieto-temporal deficitário (PET; Gragnaniello et al.,
1998)
• Lesões direitas: distorção das relações espaciais.
• Lesões esquerdas: simplificação do desenho; desenho incompleto
• Copia de desenhos:
• Apresenta-se um desenho de um objeto simples (e.g., um triangulo com o
vértice para cima e um triangulo invertido ) ou um objeto complexo (e.g.,
uma casa na sua orientação normal e uma casa invertida);
• Pacientes com ataxia ótica conseguem copiar os objetos com a sua
orientação normal, mas não conseguem desenhar o objeto invertido
(desenham na orientação normal uma vez que recorrem ao conhecimento
semântico para copiarem o objeto depois de perceberem de qual se trata).

76
8. Bases neuronais da memória
A memoria é um processo dinâmico e refere-se ao conhecimento que é armazenado no
cérebro e os respetivos processos de aquisição, consolidação e recuperação.

Modelo Unitário Sistemas Múltiplos

Sistemas múltiplos:
• A mais ampla classificação da memória distingue a memória transitória de curto
prazo da informação sensorial, motora ou cognitiva recente da memória
relativamente permanente de longo prazo.
• As memórias conscientes e a longo prazo podem ser explícitas - eventos e factos
que se podem recordar espontaneamente - e episódicas, para experiências
pessoais (o seu primeiro dia na escola), ou semânticas, para factos (a Inglaterra
está na Europa).
• As memórias implícitas e não conscientes (digamos, andar de bicicleta)
consistem em habilidades aprendidas, respostas condicionadas, e eventos
recordados por solicitação. A memória emocional para as propriedades afectivas
dos estímulos ou eventos (o seu primeiro beijo) é viva e tem características de
memória implícita e explícita.

Bases neuronais gerais da memória:


• O Sistema Límbico encontra-se associado às emoções, aprendizagem e
memória.
• Conjunto de estruturas em ambos os lados do Tálamo que formam um “anel”
cortical.
• Tálamo: deteção e transmissão de sinais motores e sensoriais (e.g., visão).
77
• Hipotálamo: homeostase (e.g., regulação da fome); sistema nervoso central (e.g.,
pressão arterial).
• Amígdala: aprendizagem emocional e memória (e.g., medo).
• Giro cingulado: foco em eventos emocionais e associação da memória a
características sensoriais (olfato e dor); comunicação entre o tálamo e
hipocampo.
• Fórnix: importante para alguns aspetos da memória, mas as suas funções não são
ainda claras; comunicação entre o hipotálamo e o hipocampo.
• Hipocampo: principal responsável pelo processamento da memória.

• O Hipocampo é uma estrutura límbica que se localiza no lobo temporal medial.


• A sua estrutura é comparada ao cavalo-marinho → junção das palavras “hipo” –
cavalo e “kampos” – mar.
• O Hipocampo consiste em dois giros:
• Ammon’s Horn (CA): CA1, CA2, CA3, CA4.
• Dentate gyrus: Giro Denteado (DG)
• Cada giro possui células distintas (estrutura e função):
• Ammon’s Horn: Células Piramidais.
• Giro Denteado: Células Granulares.
• O hipocampo é o principal responsável pelo processamento da memória,
nomeadamente no que diz respeito à passagem da memória a curto-prazo para a
memória a longo prazo.

78
• O Hipocampo comunica com o córtex através de duas vias principais:
• Perforant pathway (via perfurante):

Cortéx Giro C.
CA3 CA1 Subículo Cortéx
Entorrinal Denteado Entorrinal

Hipocampo

• Fimbria Fórnix:
• Conecta o hipocampo ao tálamo, córtex pré-frontal, núcleos da base e
hipotálamo.
• É através destas vias que o hipocampo funciona como uma ponte entre
o neocórtex posterior e o córtex frontal, gânglios basais e o tronco
cerebral.
• O que acontece às nossas memórias ao longo do tempo é uma questão
fundamental para a Psicologia e Neurociência.
• Consolidação da memória: processo pelo qual uma memória temporária é
transformada numa memória mais estável e de longa duração.

• A representação neuronal desta memória mais estável é referida como


Engrama.

79
• Mudanças físicas e/ou químicas estáveis provocadas pela aprendizagem
subjacente à formação de uma nova memória.
• A memória agrupa-se em populações específicas de neurónios → Células
Engrama.
• Recuperação da memória: processo pelo qual uma memória é recuperada e
recordada.

• Quando o estímulo que originou a memória está de novo presente as Células


Engrama são reativadas e ocorre o processo de recuperação da memória.

80
• Representações neuronais da memória distribuídas por diferentes áreas cerebrais
→ Múltiplos Sistemas da Memória.
• Diferentes técnicas moleculares para a identificação de células ativas
durante a aprendizagem ou recuperação da memória.
• Identificação de neurónios ativos em diferentes áreas cerebrais durante
eventos de aprendizagem (hipocampo, amígdala, córtex pré-frontal …).
• As mesmas áreas cerebrais são reativadas durante tarefas de recuperação da
memória previamente adquirida..
• Populações de neurónios específicas são necessárias para a expressão
comportamental de uma memória específica.
• As mesmas redes neuronais (Células Engrama) que participam na
aprendizagem também participam na recuperação da memória.

Sistemas múltiplos da memória:


• Parcialmente independentes.
• Mediados por diferentes regiões cerebrais.
• Memoria sensorial:
• A informação sensorial recebida é armazenada na memória sensorial.
• Permite guardar informação sensorial quando o estímulo original já não está
presente.
• Memoria a curto-prazo:
• Permite o armazenamento de uma quantidade limitada de informação
durante um curto período de tempo.
• Abrange vários sistemas da memória (working memory).
• Capacidade de reter uma quantidade limitada de informação durante um
curto período de tempo.
• Capacidade de reter e manipular uma quantidade limitada de informação
durante um curto período de tempo.
• Interface entre a perceção, a memória a longo-prazo e a ação.

81
• Bases neuronais:
• AR - Articulatory Rehearsal (controlo
articulatório).
• CE – Central executive (executivo
central).
• PS – Phonological Store
(armazenamento fonológico).
• IS – Inner Scribe, Spatial Rehearsal
(memória espacial).
• VC – Visual Cache (storage)
(armazenamento visual).
• As funções associadas a cada
componente não devem ser vistas
como exclusivas a uma área cerebral.
• Não são rótulos que representam todas
as áreas cerebrais associadas a uma
função em particular.
• A memória a curto prazo é mediada
por diferentes áreas cerebrais (através
da via dorsal e ventral).
• A memória de trabalho pode estar relacionada com a via ventral
(reconhecimento de objetos) ou dorsal (motor) do processamento
sensorial.
• Estas duas vias projetam para o córtex pré-frontal (diferentes áreas).

• Diferentes áreas pré-frontais estão associadas a diferentes tipos de


memória a curto prazo.
• Patricia Goldamn-Rackic (1992):
• Avaliação da memória para a localização de objetos e identificação
de objetos.
• Localização – apontar para um padrão específico no cartão.

82
• Identificação – apontar para um padrão específico de acordo com
uma pista fornecida.

O macaco fixa o Após o estímulo Finalmente, deve


seu olhar no X. (S) desaparecer, olhar para a
o macaco deve localização
manter a fixação espacial onde o
durante alguns estímulo
segundos. costumava estar.

• Michael Petrides e colegas (1993):


• Técnicas de neuroimagem para avaliar competências similares nos
Humanos.
• Codificação da visão espacial localizada no córtex pré-motor – área 8
(via dorsal).
• Codificação do reconhecimento de objetos localizado no córtex pré-
frontal dorso-lateral – área 9 e 46 (via ventral).

• (A) Os resultados das experiências de gravação de uma única célula


mostram que a área 8, que recebe projeções do córtex parietal, participa
na memória de curto prazo ou na localização do objeto no espaço (fluxo
dorsal). As áreas 9 e 46 participam na memória de curto prazo para
reconhecimento visual de objetos (fluxo ventral) e recebem informação
do córtex temporal inferior. (B) Os resultados das experiências de
83
gravação PET mostram que a área 8 procura um objeto quando é
apresentado um estímulo, e as áreas 9 e 46 lembram-se de objetos
identificados em sequência.
• A via dorsal e ventral do córtex parietal e lobo temporal projetam para
diferentes áreas corticais pré-frontais e suportam dois tipos diferentes
de memória a curto-prazo.
• Central executive:
• O mais importante e menos compreendido sistema da memória de
trabalho.
• Supervisory Activating System (SAS):
• Monitorização e coordenação dos “sistemas escravos” –
phonological loop e visualspatial sketchpad.
• Proposto por Baddeley (2000) como um sistema de controlo
atencional.
• Permite que a memória de trabalho selecione certos estímulos em
detrimento de outros.
• Caso K.F:
• Shallice and Warrington (1970).

• Memória a longo prazo intacta.


• Memória a curto prazo comprometida.
• Armazenamento fonológico (tarefa de digit span).
• Repetição de pseudo-palavras altamente comprometida.
• Diferentes sistemas da memória a curto-prazo para o processamento de
informação visual e verbal.
• Memoria a longo-prazo:
• Permite o armazenamento das memórias a longo prazo.
• Abrange a memória implícita e explícita.
• Diferentes áreas cerebrais associadas a diferentes tipos de memória a longo
prazo.
• Memoria implícita / não-declarativa:
• Memória procedimental (habilidades/competências).
• Condicionamento classico (e.g., efeito de Pavlov).
• Habituação (habituação a um estimulo).
• Bases neuronais:
• Neocórtex, gânglios da base, cerebelo.
• Petri e Mishkin (1994) - propõe circuito neuronal para a memória
implícita que inclui o neocórtex e gânglios da base.

84
O fluxo de informação através do
circuito da memória implícita começa
com as entradas dos sistemas sensoriais
e motores, que não são considerados
As áreas anatómicas gerais
como fazendo parte do circuito.
da memória implícita.

• Memoria explicita / declarativa:


• Memoria episódica: pessoal; eventos da nossa vida.
• Memoria semântica: impessoal; factos, eventos públicos, etc.
• Bases neuronais:
• Lobo temporal medial (hipocampo, giro dentado e subículo).
• Petri e Mishkin (1994) - propõe circuito neuronal para a memória
explícita tendo por base as estruturas do lobo temporal.

85
Áreas anatómicas gerais
de memória explícita. Fluxo de informação, começando com
as entradas dos sistemas sensoriais e
motores que não são considerados
parte do circuito da memória explícita.

• Henry Molaison (H.M.) → 1926-2008:


• O caso H.M. é fundamental para a compreensão dos diferentes tipos de
memória.

• Avaliação neuropsicológica:
• QI típico (118 - Weschler Adult Intelligence Scale).
• Capacidade de atenção intacta.
• Visão e audição preservadas.
• Aprendizagem de novas tarefas motoras.
• Incapacidade de recordar eventos que ocorreram 1-2 anos antes da
cirurgia.
• Incapacidade total para recordar eventos ocorridos após a cirurgia

86
• Adquiriu algum conhecimento semântico pós-lesão.
• Recordação guiada: recuperação do apelido de famosos (conhecidos
pós-lesão) a partir do nome próprio.
• Precisão de 87% no reconhecimento de nomes.
• Capaz de aprender novas memórias procedimentais (memória a longo
prazo).
• Traçar o formato de uma estrela ao olhar para a mão num espelho
(número de erros registado).
• Repetição ao longo dos dias.
• O desempenho melhorou com as repetições, mas H.M. não se lembra de
ser capaz de realizar a tarefa.
• Resumindo:
• Incapacidade de formar memórias de longo prazo declarativa,
sobretudo episódica.
• Alguma capacidade de aprendizagem semântica.
• Memória procedimental intacta.
• Dificuldades na formação de novas memórias, mas não na
recuperação de memórias antigas.
• Existem múltiplos tipos de memória mediados por diferentes
sistemas neuronais.
• Lesão cerebral seletiva pode resultar na perda de capacidade de
memória.
• Clive Wearing (1938-):
• Incapaz de formar novas memórias, associar memórias, e de controlar
as suas emoções.

87
• Perdeu a capacidade de transformar memória a curto-prazo em memória
a longo-prazo.
• Possui a memória implícita preservada (aprendizagem de tarefas
motoras).
• A memória de Clive Wearing tem uma duração mais curta.
• Episodic Buffer:
• Interação entre a memória de trabalho e memória a longo prazo.
• Foi a 4ª componente a ser adicionada ao modelo de Baddeley (2000).
• Buffer → retém informação/memórias temporariamente.
• Episodic → agrega a informação em “episódios”.
• Global Workplace.
• Phonological loop:
• Informação auditiva.
• Armazenamento fonológico:
• Perceção da fala.
• Capacidade Limitada (5-9 items).
• Armazena a informação por um curto espaço de tempo.
• Controlo articulatório:
• As palavras escritas são transformadas num ”código articulatório”
antes de passarem para o armazenamento fonológico.
• Responsável pelo “ensaio” para preservar a informação no
armazenamento fonológico.
• Retém informação visual e auditiva.
• Visualspatial sketchpad:
• Armazenamento temporário de informação visual e espacial.
• Manipulação de informação visuoespacial.
• É possível manipular informação visual e espacial armazenada na
memória a longo prazo.
Memória espacial:
• Memória responsável pela recordação da localização de objetos e de lugares.
• O sentido de localização (“sense of place”) e a capacidade de navegação são
funções cerebrais fundamentais.
• Existem sistemas neuronais específicos para a representação e codificação da
nossa localização em relação ao ambiente externo.
• As Place Cells e Grid Cells são determinantes na forma como percecionamos e
relembramos a nossa posição num contexto e os eventos que experienciamos
nesse contexto.
• Mapas espaciais no cérebro - permitem o sentido de localização e a capacidade
de navegação.

88
• O´Keefe e Dostrovsky (1971) - Identificação de Place Cells ao analisar a
atividade celular na porção dorsal do hipocampo (CA1).
• Diferentes Place Cells ativam-se em sítios diferentes.
• A combinação de atividade em muitas Place Cells cria um mapa interno
neuronal que representa um contexto/local específico.
• O hipocampo pode conter múltiplos mapas representados por combinações de
atividade em diferentes Place Cells que estiveram ativas em diferentes
momentos e diferentes contextos.
• May-Britt Moser e Edvard Moser (2002) – Ativação das Place Cell pode ocorrer
através de atividade externa ao hipocampo?

• O´Keefe e Dostrovsky (1971) - Identificaram as Place Cells na porção dorsal do


hipocampo (CA1).
• O bloqueio das projeções do Córtex Entorrinal para CA3 não elimina as Place
Field em CA1.
• Atividade neuronal no Córtex Entorrinal – Grid Cells.
• Uma Grid Cell ”dispara” quando o animal chega a locais específicos. Estes
locais de ativação formam um padrão hexagonal.
• As Grid Cell fornecem um “sentido métrico” aos mapas espaciais no
hipocampo.
• As Grid Cell fazem parte de uma rede neuronal no córtex entorrinal onde
também se incluem Head Directions Cells, Border Cells.
• Head directions Cells (Subículo) – ativam-se quando a cabeça do animal aponta
para uma direção.
• Border Cells (Subículo) – ativam-se na presença de muros/bloqueios de
passagem.
• Woollett & Maguire (2011) → estudo longitudinal com recurso a Ressonância
Magnética (estrutural):
• Taxistas de Londres – Treino intensivo para aprender a navegar entres os
milhares de sítios da cidade.
• Os estudantes foram submetidos a ressonância magnética estrutural antes de
começarem o treino intensivo, e novamente 3-4 anos mais tarde.
89
• Comparação de três grupos: Estudantes qualificados; Estudantes não
qualificados; Participantes controlo.
• Antes do treino intensivo, não existiam diferenças entre os três grupos
(medidas cognitivas e estrutura cerebral).
• Os taxistas que passaram no exame “The Knowledge” evidenciaram um
aumento significativo do volume do hipocampo bilateralmente.
• Excelente modelo de estudo dos princípios da Plasticidade Cerebral e
Memória Espacial.
Memória emocional:
• As memórias emocionais contém aspetos da memória implícita (não-consciente)
e memória explícita (consciente).
• Dois sistemas da memória independentes:
• Amígdala: especializado no processamento das emoções.
• Complexo hipocampal: necessário para a memória declarativa/episódica.

• Em eventos emocionais estes dois sistemas interagem de forma subtil e são


cruciais para a formação das memórias.
• Amígdala:
• Estrutura do cérebro relacionada com aprendizagem emocional e com a
memória (hipocampo e córtex pré-frontal).
• A amígdala é constituída por vários núcleos:
• Complexo basolateral (lateral, basal, núcleo basal acessório)
• Núcleo Cortical
• Núcleo Medial
• Núcleo Central.
• A amígdala está relacionada com o sistema de memória implícita através
das suas conexões com os gânglios da base.
• A amígdala projeta para estruturas que são responsáveis por produzir
respostas autônomas:
• Substântia cinzenta periaquedutal (e.g. comportamento agressivo).
• Hipótalamo (e.g. hormonas de stress).

90
• Medo condicionado:
• Um estímulo nocivo é associado a um estímulo neutro e provoca uma
resposta emocional.
• O animal é colocado numa caixa e é apresentado um estímulo neutro (e.g.
melodia).
• O estímulo neutro é associado a um estímulo nocivo (e.g. choque).
• Quando o estímulo neutro é de novo apresentado (na ausência do estímulo
nocivo), o animal apresenta uma resposta de medo (e.g. > pressão arterial).
• Um estímulo novo apresentado no mesmo contexto não provoca resposta de
medo no animal (e.g. luz).
• O envolvimento da amígdala no processamento emocional reforça a
network da memória ao modular a consolidação da memória.

91
• Complexo hipocampal:
• Pode ser caracterizado como o sistema primário da Memória.
• O complexo hipocampal é necessário para a memória declarativa/episódica.
• Principal responsável pela recordação das memórias.
• Grande parte da investigação que estuda as interações amígdala - complexo
hipocampal focam-se em como a amígdala influencia a memória episódica.
• As memórias dependentes do hipocampo podem também influenciar a
função da amígdala.

• Interação amígdala-complexo hipocampal:


• Através da instrução verbal, o sujeito pode adquirir uma representação
episódica do significado emocional de um evento sem qualquer experiência
direta aversiva.
• Num estudo com recurso a ressonância magnética (funcional) e atividade
elétrica da pele, os autores analisaram a atividade da amígdala através de
uma tarefa de medo induzido.
• Durante a tarefa, os participantes não recebem qualquer estímulo aversivo.
• Contudo, são informados de que um evento aversivo pode acontecer em
conjugação com um estímulo neutro.

92
• Na condição de ameaça (quadrado azul) há uma maior ativação da amígdala
em comparação com as condições seguras (quadrado amarelo e “rest”).
• Esta ativação está também associada a uma maior condutância da pele -
resposta fisiológica ao medo.
• Apesar do conhecido envolvimento da amígdala na memória emocional, a
aquisição de representações cognitivas de situações aversivas não parece
depender da amígdala.
• Mas é importante não esquecer: a amígdala encontra-se associada à
expressão do medo face às situações aversivas imaginadas/antecipadas.
• Lesões:
• O estudo de pacientes com lesões focadas na amígdala ou no hipocampo
demonstram como estes dois sistemas são independentes.
• Lesão na amígdala:
• Os participantes não apresentam uma resposta fisiológica ao medo.
• São capazes de recordar que o quadrado azul prediz um choque no
pulso.
• Lesão no hipocampo:
• Os participantes apresentam uma resposta fisiológica ao medo.
• Não são capazes de conscientemente recordar que o quadrado azul
prediz um choque no pulso.
Habilidades especiais da memória:
• Memória “Flashbulb”.
• Habilidade especial de memória semântica – Savant Syndrome.
• Memória Autobiográfica Superior (Hipertimesia).
Memórias cintilantes (“flashbulb”):
• Representação muito detalhada e vívida de um evento emocional.
• “Memórias para circunstâncias onde há a perceção de um evento muito
inesperado e impactante” (Brown e Kulik’s,1977).
• Excecionalmente vívidas e detalhadas, resistentes ao esquecimento e formadas
através de mecanismos biológicos específicos.
• Mas:
• A maioria destas características inicialmente descritas por Brown e Kulik’s
têm sido amplamente debatidas.
• A evidência que existe quanto a estas características descritas como
exclusivas das memórias cintilantes é ainda escassa e controversa.
• Eventos não inesperados.
• Eventos sem consequências reais.
• Não há evidência robusta para um mecanismo biológico único associado a este
tipo de memória.
• Sharot e colegas (2007), conduziram um estudo acerca as memórias cintilantes
relativas ao ataque das torres gêmeas, com recurso a Ressonância Magnética
Funcional.
• Duas condições em que os participantes recordam:

93
• Memórias autobiográficas do 11 de setembro.
• Memórias autobiográficas do verão passado (condição controlo).
• Na altura do ataque, os participantes estavam a diferentes distâncias em
relação ao world trade center. Foram por isso categorizados em dois grupos:
• Downtown (mais perto do WTC).
• Midtown (mais longe do WTC).
• Os participantes avaliaram as suas memórias de acordo com vários fatores
propostos de caracterizar a recordação de memórias cintilantes.

• Os dados comportamentais indicam que a recordação de memórias do 11 de


setembro difere significativamente das outras memórias recordadas, mas apenas
para os participantes que estavam perto do WTC.
• > valência negativa das memórias.
• > níveis de ativação (arousal).
• > número de palavras para descrever as memórias.
• > número de memórias com descrição sensorial e ameaça direta.

94
• Os dados de neuroimagem indicam que quem estava perto do WTC mostrou
uma maior ativação da amígdala esquerda durante a tarefa de recuperação de
memórias do 11 de setembro, em comparação com as outras memórias.
• A experiência pessoal tem um papel preponderante na formação de memórias
com as qualidades inicialmente atribuídas às memórias “flashbulb”, incluindo a
ativação dos mecanismos do sistema límbico.
Savant Syndrome → “Savantismo”:
• Solomon Shereshevsky (1886-1958)
• Condição onde um indivíduo com incapacidade mental demonstra competência
cognitivas excecionais – geralmente em relação à memória.
• Pertubação rara: 1 em cada 1 milhão de pessoas.
• Causa: Perturbações do neurodesenvolvimento (espectro do Autismo), danos
cerebrais ...
• “Calendários Humanos”.
• Formação de memória explícita que não conseguia esquecer.
• Sinestesia.
Memoria autobiográfica superior (hipertimesia):
• Capacidade de recordar detalhes muito específicos de eventos autobiográficos.
• Frequentemente o indivíduo consegue descrever qualquer episódio, incluindo o
dia da semana e a data em que ocorreu.
• O indivíduo não utiliza estratégias de memória específicas.
• Desempenho normativo em testes de memória.

95
9. Défices na memória
Amnésia:
• Perda de memória que pode ser total ou parcial, constante ou episódica,
temporária ou permanente.
• Origem não orgânica:
• Traumatismo (acidente de viação, guerra, etc).
• Origem orgânica:
• Doença (encefalite viral, AVC, meningite, alzheimer, etc).
• Amnésia anterógrada:
• Incapacidade de formar novas memórias pós-
lesão.
• Eventos do presente rapidamente esquecidos.
• Impossibilidade de adicionar nova informação
declarativa à MLP.
• Amnésia retrógrada:
• Incapacidade de recuperar memórias pré-lesão.
• Informação declarativa do passado é esquecida.
• Gradiente temporal de esquecimento: informação
mais recente é esquecida primeiro.
• Dificuldade de testar: diferenças nas experiências
individuais
• Amnésia hipocampal:
• Origem: hipocampo.
• Casos clássicos: H.M; Clive Wearing
• Padrão típico:
• Amnésia anterógrada (e eventualmente retrógrada).
• Alguma preservação da memória semântica.
• Preservação da memória procedimental e memória de trabalho.
• Amnésia diencefálica:
• Origem: tálamo medial e eventualmente corpos mamilares.
• Casos Clássicos: síndrome Wernicke-Korsakoff.
• Padrão Típico:
• Amnésia global (anterógrada e retrógrada); Confabulação e
anosognosia.
• Preservação da memória de trabalho.
Alzheimer:
• Doença neurodegenerativa que provoca uma deterioração global, progressiva e
irreversível de diversas funções cognitivas.
• Forma mais comum de demência (60% - 70% dos casos de demência).
• Etiologia ainda não é totalmente compreendida (fatores genéticos e contextuais).
• Diagnóstico – avaliação neuropsicológica e técnicas de imagiologia cerebral.

96
• A perda de memória é dos primeiros sintomas a surgir.
• Morte neuronal progressiva.
• Córtex Entorrinal: uma das primeiras áreas cerebrais danificada pela doença.
• Sintoma: Ficar perdido em locais familiares.
• Amnesia anterógrada está relacionada com défices/lesões no córtex temporal
medial e a amnésia retrógrada está relacionada com défices/lesões nas
associações temporais e áreas corticais frontais.

Síndrome de Wernicke-Korsakoff:
• Distúrbio neuropsiquiátrico associado à carência de vitamina B1 (tiamina) no
cérebro, frequentemente causada por consumo excessivo de álcool e má
alimentação.
• Amnésia anterógrada e retrógrada.
• Confabulação.
• Discurso com pouco conteúdo.
• Apatia.
• Anosognosia.
• Lesões diencefálicas (núcleo talâmico anterior e corpos mamiliares).
• Atrofia dos lobos frontais.
• Memória a longo prazo menos afetada, em comparação com a memória a curto
prazo.

97
Os exames PET de um paciente
saudável (imagem maior) e de um
paciente Korsakoff (em baixo)
revelam uma atividade reduzida
nos lobos frontais do cérebro
doente. (Os lobos frontais
encontram-se no centro inferior de
cada scan.) Vermelho e amarelo
representam áreas de maior
atividade metabólica; a atividade é
menor nas áreas mais escuras.

Três teorias da amnésia:


• System consolidation theory (Squire & Bayley, 2007):
• O hipocampo consolida novas memórias, o processo pelo qual estas se
tornam permanentes.
• Quando a consolidação está completa, as memórias são armazenadas noutro
local (neocórtex).
• Logo, as memórias mais antigas tendem a “sobreviver” face a uma lesão no
hipocampo.
• Multiple-trace theory (Nadel & Moscovitch, 1997):
• Diferentes tipos de memória são codificados em diferentes áreas cerebrais.
• Memórias alteram-se ao longo da vida.
• Diferentes tipos de memória são suscetíveis diferencialmente aos danos
cerebrais.
• Reconsolidation theory (Tronson & Taylor, 2007):
• De cada vez que uma memória é utilizada é também reconsolidada.
• A memória entra numa fase ”instável” e é novamente armazenada como
uma nova memória.
• Múltiplos traços mnésicos para o mesmo evento.
• Devido à complexidade do armazenamento da memória, são expectáveis
diferenças individuais ao nível da amnésia anterógrada e retrógrada após um
evento traumático.
Amnésia infantil:
• Incapacidade de relembrar eventos da infância (memórias episódicas).
• Os sistemas da memória desenvolvem-se a ritmos diferentes ao longo da vida.
• Memórias episódicas dos primeiros anos de vida poderão perder-se porque o
sistema central de consolidação de memórias episódicas não está totalmente
desenvolvido.
• O cérebro poderá ter um papel ativo na eliminação de memórias, com o objetivo
de maximizar o espaço para o armazenamento de novas memórias (mais
recentes).
• Neurogénese hipocampal como precursor da amnésia infantil.

98
• Novos neurónios são continuamente adicionados ao giro denteado.
• Remodelação dos circuitos do hipocampo.
• Neurogénese leva à degradação ou esquecimento das memórias anteriormente
consolidadas.

• Modelo com ratos:


• Aumento da neurogénese → aumento da degradação de memórias.
• Diminuição da neurogénese depois da formação de novas memórias →
diminuição da degradação de memórias.
• Neurogénese hipocampal → degrada as memórias pré-existentes.

• Competição entre os neurónios existentes e os novos neurónios, seguida pela


substituição de sinapses em circuitos de memória pré-existentes.
• Akers e colegas (2014) conduziram um estudo acerca amnésia infantil em
espécies precociais.
• Nas espécies precociais a maioria das células granulares são formadas antes
do nascimento.
• Níveis mais reduzidos de neurogénese hipocampal após o nascimento.
• Estes animais não evidenciam esquecimento das memórias como nas
restantes espécies não precociais.
• O aumento artificial de neurogénese após a formação de memórias induziu
amnésia infantil nestas espécies.
• Conclusão: a neurogénese hipocampal regula o esquecimento de memórias
na vida adulta.

99
10. Linguagem e as suas bases neuronais
Raramente pensamos nos processos linguísticos porque nos parecem automáticos e,
portanto, tomamos a linguagem como garantida.
A linguagem é um sistema muito complexo, como podemos ver pelos seguintes
exemplos:
• Caso do paciente K.H.:
• K.H., um arquitecto nascido na Suíça, foi professor de arquitectura numa
grande universidade dos Estados Unidos. Embora o alemão fosse a sua
primeira língua e fosse fluente em francês e italiano, a sua língua principal
tinha-se tornado o inglês.
• Tinha sido um excelente aluno, excelente na escrita e meticuloso na
ortografia e na gramática. Quando a sua mãe se queixou que ele estava a
cometer erros ortográficos e gramaticais nas suas cartas para ela, escritas em
alemão, ele ficou espantado. Suspeitou que estava a esquecer-se do alemão e
resolveu impedir que isso acontecesse.
• Algumas semanas mais tarde, K.H. pediu a um colega para rever um
manuscrito que tinha acabado de completar, escrito em inglês. O seu colega
comentou que K.H. devia estar a trabalhar demasiado porque o manuscrito
estava cheio de erros incaracterísticos. Mais ou menos ao mesmo tempo,
K.H. notou que o lado direito do seu rosto era "engraçado". Um neurologista
encontrou um pequeno tumor na junção da área do rosto motor e da área de
Broca no hemisfério esquerdo.
• O tumor era benigno e foi removido cirurgicamente. Nos primeiros dias
após a cirurgia, K.H. estava densamente afásico: não conseguia falar nem
compreender a linguagem oral ou escrita. Embora tivesse sido avisado de
que a afasia era provável e que seria temporária, estava visivelmente
perturbado. No final da primeira semana, conseguia compreender a
linguagem oral, mas o seu discurso era ainda ininteligível, e não conseguia
ler.
• No final da segunda semana, K.H. estava a falar alemão fluentemente mas
tinha dificuldades com o inglês, embora fosse certamente compreensível.
Ainda não conseguia ler em nenhuma língua, mas acreditava que conseguia
ler em alemão e só podia ser convencido do contrário quando era informado
de que o livro que supostamente estava a ler estava de pernas para o ar! A
sua leitura e o inglês melhoraram lentamente, mas mesmo agora, anos mais
tarde, K.H. acha a ortografia em qualquer língua difícil, e a sua leitura é
mais lenta do que seria de esperar para uma pessoa da sua inteligência e
educação.

100
• Conseguir ler quando nos apresentam imagens (que não são palavras):

• O caso Yanny vs. Laurel:


• Há pessoas que, face ao mesmo estímulo sonoro, ouvem Yanny e outras
ouvem Laurel.

A fonte “Laurel” A gravação ambígua Uma simulação de


Um espectrograma de Tocar o clip "Laurel" “Yanny”
um clip de em altifalantes e Para comparação, um
vocabulário.com da regravá-lo introduziu espectrograma da
palavra "laurel" mostra ruído e exagerou as mesma voz a dizer
fortes frequências mais frequências mais altas. "Yanny" mostra um
baixas e relativamente Essas frequências mais padrão semelhante de
fracas frequências mais altas podem ter levado fortes frequências
altas. a confusão sobre se a altas.
palavra era Laurel ou
Yanny.

O que é a linguagem?
• Linguagem deriva de ‘langue’, uma palavra anglo-saxónica para língua,
referindo-se a uma convenção que descreve a linguagem como o uso de
combinações de sons para comunicar.
• No entanto, a linguagem também inclui a ideia de que a utilização de sons é
guiada por regras (pode ser traduzida noutras modalidades sensoriais, e.g.,
comunicação através de gestos ou de sinais visuais).
• Outras espécies animais têm formas complexas de comunicação, mas nenhuma
usa a linguagem da mesma forma que os humanos.
• Não há definição consensual de linguagem.
• Componentes de uma linguagem baseada no som:

101
• Fonemas → unidades individuais de som cujo encadeamento, em particular
a ordem, produz morfemas.
• Morfemas → pequenas unidades significativas de uma palavra, cuja
combinação forma uma palavra (e.g., base, afixo e/ou inflexão); alguns
morfemas são palavras completas, enquanto outros devem ser combinados
para formas palavras.
• Léxico → coleção de todas as palavras numa determinada língua; cada
entrada léxica inclui toda a informação com ramificações morfológicas ou
sintáticas mas não inclui conhecimentos conceptuais.
• Sintaxe → combinações gramaticais admissíveis de palavras em frases.
• Semântica → significados que correspondem a todos os itens léxicos e a
todas as frases possíveis.
• Prosódia → entoação vocal (o tom da voz) que pode modificar o significado
literal das palavras e frases.
• Discurso → ligação de frases para constituir uma narrativa.
A natureza do som:
• Som como onda mecânica criada por um objeto vibratório (‘sound source’); som
como vibração.
• Propriedades dos sons:
• Frequência/altura tonal; percebido como mais agudo ou grave; representa a
natureza cíclica e repetitiva das vibrações.
• Duração; aspeto temporal do som (‘curto’ ou ‘longo’).
• Intensidade (‘loudness’); percebido como quão ‘forte’ ou ‘suave’ é o som.
• Timbre: característica peculiar que permite distinguir sons que tenham a
mesma altura e intensidade (e.g. a mesma nota produzida por um clarinete e
por um piano).
Sons vocais:
• A anatomia básica que permite ao ser humano produzir som consiste em duas
partes, uma que atua como fonte sonora e outra que atua como filtro.

102
Os sons ouvidos quando
falamos têm padrões de
frequência específicos, …

…que são filtrados …a partir de oscilações


por formantes do produzidas por cordas
trato vocal … vocais na laringe.

A energia sonora ... é filtrado pelo ... para produzir o


da laringe ... trato vocal ... som final.

A laringe no chimpanzé é
posicionada mais acima na
garganta do que a laringe
humana.

• O ar exalado dos pulmões provoca oscilações das cordas vocais (pregas vocais),
pregas da membrana mucosa presas aos músculos vocais, localizadas na laringe,
ou "caixa de voz", o órgão da voz. A taxa de oscilação das pregas vocais (de
cerca de 100 Hz em homens adultos a 500 Hz em crianças pequenas) determina
o tom (baixa a alta frequência) do som produzido.

103
Como percebemos os sons?
• Ouvido externo comporta-se como antena acústica; canal auditivo: condução do
som até à membrana timpânica.
• Membrana timpânica (início do ouvido médio) vibra e mobiliza a cadeia
ossicular do ouvido médio.
• Ouvido interno inclui o vestíbulo e a cóclea. As ondas de pressão deformam
mecanicamente a membrana basilar da cóclea em áreas específicas à frequência
de vibração (tonotopia coclear).

• Órgão de Corti: células ciliadas transformam sinais mecânicos em sinais


nervosos, ativando as dendrites dos neurónios ganglionares. Os axónios destes
neurónios formam parte do nervo craniano VIII (o nervo cócleo-vestibular).
• As células ciliadas têm conexões eferentes e aferentes do e para o tronco
cerebral.
• A primeira paragem da via auditiva primária são os núcleos cocleares no tronco
cerebral, que recebem as entradas dos neurónios ganglionares.
• A maioria das fibras auditivas atravessa aqui a linha média e a sinapse no
complexo olivar superior (segunda paragem).

104
• A terceira paragem é ao nível do mesencéfalo, no colículo inferior (importante
para localização dos sons).
• A última paragem (antes do córtex) é no corpo geniculado medial do tálamo,
antes dos sinais auditivos serem transmitidos para o córtex auditivo.
• Via com organização tonotópica (cada célula capilar dentro da cóclea responde a
uma frequência característica).

“Voice selective areas”:


• Usando fMRI: comparação entre vozes e sons não vocais; paradigma de audição
passiva.
• Sons vocais eram fala ou vocalizações (e.g., gargalhadas); sons não vocais eram
sons do ambiente (e.g., sons mecânicos, sons da natureza).
• Foi encontrada maior atividade cerebral para sons vocais vs. não vocais em
várias regiões do córtex auditivo não-primário, sendo que o máximo de ativação
foi localizado ao longo do sulco temporal superior direito e esquerdo: ‘voice-
sensitive activity’.
• A atividade sensível à voz apareceu mais forte no hemisfério direito do que no
hemisfério esquerdo (ver figura c).
• Ficou demonstrado que o cérebro contém várias regiões que são sensíveis às
vozes.

105
Sons emocionais:
• Usando fMRI: comparação entre vozes emocionais (e.g., gargalhadas, gritos) e
sons não vocais de igual complexidade acústica.
• Ativação mais forte do sulco temporal superior para sons emocionais vs. neutros
– sugere o envolvimento desta região na perceção de informação social e
emocionalmente relevante.

Origens da linguagem:
• O nosso cérebro parece estar naturalmente preparado para a linguagem:
• Adquirida espontaneamente ao longo do desenvolvimento (não requer
aprendizagem formal).
• Não requer esforço.
• Universal (um dos principais traços distintivamente humanos).

106
• Teoria da descontinuidade:
• Propõe que a linguagem terá aparecido repentina e rapidamente ao longo da
evolução humana, tendo surgido apenas nos humanos modernos (últimos
200.000 anos).
• Enfatiza os aspetos únicos (‘species-specific’) da linguagem (e.g., sintaxe).
• Um dos principais defensores desta teoria é Noam Chomsky.
• Teoria da continuidade:
• Propõe que a linguagem terá aparecido gradualmente ao longo da evolução,
podendo ter-se desenvolvido a partir de formas mais primitivas de
comunicação animal (e.g., vocalizações emocionais).
• Enfatiza continuidade entre espécies.
• Abordagem com perspetiva Darwiniana.
• A linguagem é inata ou aprendida?
• Steven Pinker (defende a linguagem como inata) vs. Burrhus Skinner
(defende a linguagem como aprendida).
• FOXP2 e a neuroanatomia da fala e da linguagem:
• Quase metade dos membros de três gerações da família KE são afetados
por uma grave perturbação da fala e linguagem herdada como traço
autossómico (cromossoma não sexual) dominante (Vargha-Khadem et
al., 2005). A perturbação, apresentada por 15 dos 37 membros da
família, é melhor caracterizada como um défice na sequência de
padrões de articulação, tornando a fala por vezes agramatical e muitas
vezes ininteligível. O aspeto orofacial afeta a produção de sequências
sonoras, o que faz com que o défice se assemelhe à afasia de Broca.

• Os membros da família KE afetados tiveram uma má pontuação quando


testados na repetição de não palavras e nos testes de QI verbais e de
desempenho, incluindo sub-testes não-verbais como o preenchimento
de imagens e a disposição das imagens. Também foram prejudicados na
maioria dos testes de funcionamento da linguagem. Os membros
afetados foram prejudicados nos testes de movimento da boca (oral
praxis), incluindo movimentos simples de clicar na língua e sequências
de movimento (tais como rebentar as bochechas, depois lamber os
lábios e depois bater os lábios).
• A análise por ressonância magnética do cérebro dos membros da
família afetados mostrou significativamente menos matéria cinzenta do

107
que a típica nos núcleos caudais, bem como no córtex sensoriomotor,
córtex inferotemporal, cerebelo e córtex inferofrontal esquerdo
(Watkins et al., 2002). Estas regiões cerebrais estão associadas à
produção de movimentos faciais necessários para a linguagem.

• A análise genética da família KE identificou uma mutação que afeta a


capacidade do gene foxhead P2, ou FOXP2, de regular a transcrição de
outros genes. A mutação é um único polimorfismo nucleotídico (SNP),
ou uma alteração de base, que torna a proteína inativa. FOXP2 regula a
expressão de mais de 300 genes durante o desenvolvimento e durante a
aprendizagem, principalmente através do bloqueio da sua expressão, e
os genes regulados por FOXP2 são diferentes em diferentes regiões do
cérebro e também em outras regiões do corpo, incluindo os pulmões.
Isto levou a uma pesquisa entre estes genes para aqueles que podem
estar relacionados com deficiências linguísticas. Um gene regulado por
FOXP2 é o CNTNAP2, que tem estado implicado em perturbações
específicas relacionadas com a linguagem e em perturbações do
espectro do autismo (Nudel e Newbury, 2013).
108
• FOXP2 é altamente conservado, na medida em que é semelhante em
muitas espécies animais não humanas, onde também desempenha um
papel no desenvolvimento de muitas partes do cérebro, bem como de
outros órgãos do corpo. O gene é expresso em áreas do cérebro que
regulam a aprendizagem do canto nas aves, o canto nas baleias, e as
vocalizações ultrassónicas nos ratos. As mutações FOXP2 nestas
espécies afetam a produção de som.
• FOXP2 sofreu duas mutações ao longo da evolução hominídea. Esta
rápida evolução sugere que estas mutações podem ter alterado o circuito
neuronal nas regiões motoras do cérebro para permitir movimentos que
contribuem para a fala humana. A introdução da variante genética
humana, incluindo as duas mutações, em ratos produziu 34 alterações
nos genes expressos nos ratos mutantes, alterações na morfologia
dendrítica das células cerebrais, e alterações na frequência das
vocalizações ultrassónicas.
• A descoberta da mutação do gene FOXP2 na família KE levou à
identificação de outras mutações FOXP2 noutros indivíduos com
distúrbios linguísticos e em alguns indivíduos com esquizofrenia. No
entanto, nem todos os indivíduos com dificuldades de leitura e
aprendizagem têm anormalidades neste gene.
• Experiências com primatas não humanos:
• Vicki, uma chimpanzé criada como se fosse uma criança humana
(Hayes & Hayes, 1950). Aprendeu apenas a dizer 4 palavras em 6 anos
de treino.
• Nim Chimpsky, um chimpanzé estudado por Herbert Terrace et al.
Conseguiu aprender a comunicar por gestos a usar gestos em contextos
apropriados mas é incapaz de algo comparável à ‘linguagem’.
• :. A linguagem é tanto um processo inato como aprendido.
Bases cerebrais da linguagem:
• Deverá haver algo de único no cérebro humano que torna possível a aquisição e
uso da linguagem.
• A evolução do fascículo arqueado revelado com DTI comparativo (Rilling et al.,
2018):
• O fascículo arqueado é um trato de fibras de matéria branca que liga o
córtex temporal lateral ao córtex frontal através de uma projeção dorsal que
se eleva em torno da fissura de Sylvain.
• Estudos de lesões indicam que esta via está criticamente envolvida na
linguagem.
• A projeção temporal do fascículo arqueado atinge o giro temporal superior
(STG), médio (MTG) e inferior (ITG), enquanto a projeção frontal atinge o
córtex ventral pré-motor (BA 6), pars opercular (BA 44), pars triangular
(BA 45) e o giro médio frontal (BA 9).

109
• Os mapas coloridos da direção da difusão do fascículo arqueado
demonstram que, no homem, a parte dorsal do fascículo arqueado foi no
sentido anterior-posterior (cor verde) e transitou para azul onde desceu até
ao lobo temporal.
• No entanto, nos chimpanzés, essa transição é interrompida por uma região a
vermelho, composta por fibras medio-lateralmente dirigidas (local apontado
pela seta amarela).

• Deste modo, é possível perceber que só no cérebro humano é que a via é


contínua e interrupta.
• Os resultados deste estudo indicam que a organização e as terminações
corticais do fascículo arqueado foram fortemente modificadas na evolução
humana.
• Em humanos, o córtex frontal do hemisfério esquerdo está fortemente
ligado, através do fascículo arqueado, com o MTG e ITG esquerdo, ventral
e anterior do córtex geralmente incluído na área de Wernicke.
• O MTG e ITG aumentou desproporcionadamente na linhagem humana,
possivelmente com a adição de novos campos corticais, e que nos humanos
foram estabelecidas novas ligações entre esta região e a área de Broca,
ligando regiões que estão envolvidas no processamento léxico-semântico e
sintático nos humanos modernos.
• Isto explicaria o aparente deslocamento posterior de áreas visuais estriadas
em humanos em comparação com os macacos e é consistente com a
evidência de que tanto o volume de matéria branca do lóbulo frontal como o
do lóbulo temporal aumentaram desproporcionadamente na evolução
humana.
• Os resultados também sugerem que a evolução da linguagem implicou
modificações de áreas corticais e vias que medeiam funções linguísticas
específicas e não foi um subproduto acidental da seleção para o aumento
geral do tamanho do cérebro.

110
NOTA:
A área de Broca corresponde às áreas 44 e 45 de Brodmann e a área de
Wernicke corresponde à área 22 de Brodmann.

• Aspetos históricos:
• Paul Broca (1824-1880):
• Médico e anatomista Francês.
• Conhecido por estudar paciente Victor Leborgne (‘Tan-Tan’): perdeu a
capacidade de falar aos 30 anos, produzindo apenas a sílaba ‘tan’
(compreensão e capacidades mentais intactas).
• Foi hospitalizado mais tarde devido a infeção e gangrena. O braço
direito e a perna direita estava paralisados e recusava-se a sair da cama.
• Broca chamou ‘aphemie’ à perda de fala de Leborgne.
• Leborgne morreu poucos dias depois de ser internado. A autópsia,
conduzida por Broca, revelou uma lesão major na região inferior do
lobo frontal – circunvolução frontal inferior (inferior frontal gyrus),
também conhecida hoje como área de Broca.

• Paciente Tono-Tono:
• Sofreu de afasia de Broca.
• Apenas dizia “tono” durante o seu discurso, mas quando era pedido
para contar este conseguia dizer os números (provavelmente por ser um
processo mais automático).
• Dronkers et al., 2007:
• Revisitou o cérebro do paciente de Broca e voltou a analisá-los com as
ferramentas atuais.
• As marcas coloridas ilustram os principais sulcos do cérebro para
destacar os giros e estruturas-chave e esclarecer a extensão do dano.

111
• As imagens demonstram danos significativos em todo o hemisfério
esquerdo, tanto cortical quanto subcorticalmente.
• O hemisfério esquerdo é claramente menor e distorcido devido à
destruição do córtex e da matéria branca em todo o hemisfério.
• Cortes sagital, axial e coronal através do cérebro revelam lesões no giro
frontal inferior esquerdo (corte A2), lobo parietal inferior profundo
(corte A4) e lobo temporal superior anterior (corte A2).

• Uma comparação da anatomia das lesões revela que também tinha


lesões no fascículo arqueado que conecta as áreas posterior e anterior
do cérebro e que é fundamental para o processo da linguagem.
• A imagem sagital do hemisfério direito [S (RH)] pode ser comparada ao
corte sagital correspondente através do hemisfério esquerdo [S
(LH)]. Os tratos de matéria branca vistos tão claramente no hemisfério
direito estão totalmente ausentes no esquerdo. Há destruição completa
das áreas frontal e parietal profundas, por onde passa o fascículo
arqueado.
• Nas fatias axial (A) e coronal (C), nas quais os dois hemisférios são
representados, também é possível observar a falta de matéria branca em
zonas do hemisfério esquerdo.
• Em contraste, o cerebelo, os lobos occipitais, os lobos temporais
inferiores, os lobos frontal e parietal superiores e o hipocampo estão
intactos em ambos os hemisférios.

112
• Carl Wernicke (1848-1905):
• Médico e anatomista Alemão.
• Também estudou os efeitos de lesão cerebral na fala e linguagem,
depois do trabalho de Broca: descreve pacientes que perderam a
capacidade de compreender fala apesar de terem audição normal.
Também não conseguiam produzir fala com sentido, apesar da
articulação, gramática e prosódia estar intacta.

• Modelo Wernicke-Lichtheim-Geschwind:
• Desconexão entre os dois sistemas de fala (‘motor’ e ‘sensorial’),
devido a lesão no fascículo arqueado → afasia de condução: os sons e
movimentos da fala são preservados, compreensão normal, mas
repetição deficitária.
• Este modelo é baseado inteiramente em dados de lesão.
• O modelo propõe que a compreensão seja (1) extraída dos sons na área
de Wernicke e (2) passada através do fasciculo arqueado para (3) a área
de Broca para ser articulada como discurso.

113
• Outras funções linguísticas acedem também a esta via da compreensão-
fala.
• O modelo Wernicke-Lichtheim-Geschwind tem desempenhado um
papel formativo na direção da investigação linguística e na organização
dos resultados da investigação.

... para na área de Broca ...e passa pelo caminho do


a ser articulada como fascículo arqueado...
discurso.

A compreensão é extraída dos


sons na área de Wernicke ...

Controvérsias do modelo neurobiológico clássico:


• Atualmente, muitos investigadores concordam que este modelo está errado e que
é altura de desenvolver outro → e.g., “Broca and Wernicke are dead, or moving
the past the classic modelo f language neurobiology” (Tremblay & Dick, 2016) e
“o modelo clássico está errado” (Hargoot, 2013).
• Lesões na área de Broca podem afetar não só a produção mas também a
compreensão de fala (Caramazza e Zurif, 1976); e lesões na área de Wernicke
podem também afetar a produção de fala.
• Aspetos importantes da produção e compreensão de fala dependem de circuitos
neurais partilhados (e.g., Menenti et al., 2011).
• Modelo clássico baseia-se em estudos de produção e compreensão de palavras
únicas → a linguagem é muito mais complexa do que isso.
• Não há consenso quanto à localização precisa das áreas de Wernicke e Broca (e
outro desafio é a variabilidade anatómica entre indivíduos).

114
• Foco crescente na conectividade: a ideia de que existe apenas um feixe de
axónios (fascículo arqueado) a suportar a conectividade associada à linguagem é
hoje considerada obsoleta.

115
Dominância do hemisfério esquerdo:
• Há uma dominância do hemisfério esquerdo para a maioria das funções de
linguagem na maioria da população – a origem desta especialização permanece
por determinar.
• Relação com lateralidade:
• Destros: cerca de 95% apresentam a típica dominância do hemisfério
esquerdo para a linguagem.
• Esquerdinos: 70-85% apresentam dominância do hemisfério esquerdo.
Modelos de dupla via / Dual stream models:
• Influenciados por dados de primatas não humanos.
• Vias ‘What’ ‘Where’ na visão e na audição: ideia de que o processamento
cortical de informação auditiva ocorre através de duas vias principais, de forma
semelhante ao que acontece na visão.

• Rauschecker & Scott, 2009:


• Mapas e fluxos no córtex auditivo: primatas não humanos iluminam o
processamento da fala humana.
• A fala e a língua são consideradas capacidades exclusivamente humanas: os
animais têm sistemas de comunicação, mas não correspondem às
capacidades linguísticas humanas em termos de estrutura recursiva e poder
combinatório.
• No entanto, durante a evolução, a linguagem falada deve ter emergido de
mecanismos neurais pelo menos parcialmente disponíveis nos animais.
• A nossa compreensão da perceção da fala, uma faceta importante da
linguagem, beneficiou das descobertas e da teoria em estudos com primatas
não humanos. Entre estes, destacam-se estudos fisiológicos e anatómicos
que mostram que o córtex auditivo dos primatas mostra padrões de estrutura
hierárquica, mapeamento topográfico e fluxos de processamento funcional.
• Um novo modelo liga estruturas nos lóbulos temporal, frontal e parietal
ligando a perceção e produção da fala.

116
• Via antero-ventral:
• Perceção de objetos auditivos e de fala.
• Organização hierárquica.
• Do som ao significado (‘what’).
• Processamento de vozes/falante.
• Assimetria hemisférica: lateralizada à esquerda
• Via postero-dorsal:
• Processamento auditivo espacial.
• Processamento multi-sensorial.
• Interface perceção-produção.
• Processamento de aspetos motores associados ao input auditivo.
• Do som à ação (‘where’/’how’)
• Hickok & Poeppel, 2007:
• Neste modelo, uma via ventral processa sinais de fala para compreensão, e
uma vi dorsal mapeia sinais de fala acústicos para redes articulatórias do
lóbulo frontal.
• O modelo assume que a via ventral é largamente organizada bilateralmente -
embora existam importantes diferenças computacionais entre os sistemas do
hemisfério esquerdo e direito - e que a via dorsal é fortemente dominada
pelo hemisfério esquerdo.

117
4

4 3

1 1
2

Regiões a verde → áreas na superfície dorsal do giro temporal superior (STG) que
estão envolvida na análise espectro-temporal.
Regiões a amarelo → localizadas na metade posterior do STS e estão envolvidas nos
processos fonológicos.
Regiões a rosa → representam a via ventral, que é organizada bilateralmente com um
fraco viés para hemisfério esquerdo; as porções médias e inferiores posteriores dos
lóbulos temporais (1) correspondem à interface lexical (liga a informação fonológica e
semântica); regiões mais anteriores (2) correspondem à rede combinatória.
Regiões a azul → representam a via dorsal, dominada pelo hemisfério esquerdo; região
posterior (3) corresponde à interface sensoriomotora; regiões mais anteriores (4) do
lóbulo frontal (incluindo a área de Broca) correspondem à rede articulatória.

• A fase inicial do processamento da fala envolve alguma forma de análise


espectro-temporal, que é realizada no córtex auditivo bilateralmente no
plano supratemporal.
• Esta análise espectro-temporal parece diferir entre os dois hemisférios.
• O processamento e representação a nível fonológico envolve as porções
médias a posteriores do sulco temporal superior (STS) bilateralmente,
embora possa haver um fraco viés no hemisférico esquerdo a este nível de
processamento. Subsequentemente, o sistema diverge em duas grandes
correntes, uma via dorsal (azul) que mapeia representações sensoriais ou
fonológicas em representações motoras articulatórias, e uma via ventral
(rosa) que mapeia representações sensoriais ou fonológicas em
representações conceptuais lexicais.

118
• Via ventral:
• Envolve estruturas das porções superiores e médias do lobo temporal.
• Processamento de fala tendo em vista a compreensão (reconhecimento
de fala).
• Análise espectral e temporal: processamento de informação acústica na
circunvolução temporal superior dorsal (dorsal STG).
• Processamento fonológico: análise dos sons da fala no sulco temporal
superior médio-posterior (mid-post STS).
• Interface lexical: fazer corresponder uma sequência de sons a uma
entrada lexical; circunvolução temporal média posterior (pMTG) e
sulco temporal inferior posterior (pITS).
• Rede conceptual: acesso à representação do significado das palavras
armazenada em memória; rede neuronal distribuída.
• Rede combinatória: combinação de informação na circunvolução
temporal média anterior (aMTG) e sulco temporal inferior anterior
(aIST).
• Via dorsal:
• Estruturas do lobo frontal posterior; região mais postero-dorsal do lobo
temporal e do opérculo parietal.
• Transformar informação auditiva em representações articulatórias.
• Produção de fala.
• Falar é essencialmente um ato motor, e a integração de informação
auditiva/sensorial com informação motora é um aspeto importante da
linguagem (e.g., aprender a falar é uma tarefa de aprendizagem motora
e é baseada em input sensorial).
• Interface sensório-motor: região na fronteira temporo-parietal (Spt),
transforma informação auditiva em planos motores.
• Rede articulatória: circunvolução frontal inferior posterior (inclui área
de Broca; pIFG), insula anterior e córtex pré-motor. Suporta o
planeamento e preparação de movimentos articulatórios para produção
de fala (papel específico é controverso, também pode apoiar processos
percetivos).

10. Perturbações da linguagem


Há muitas razões que podem levar a que alguém tenha dificuldades no processamento
de fala, e.g.: dificuldades auditivas, perceção de fala, compreensão de palavras isoladas,
compreensão de frases, aspetos gramaticais, memória de curto-prazo auditiva e memória
de trabalho.
Afasia:
• A afasia é uma deficiência da linguagem, afetando a produção ou compreensão
da fala e a capacidade de ler ou escrever. A afasia é sempre devida a lesões
cerebrais, normalmente provocadas por um AVC, em particular em indivíduos

119
mais velhos. Mas as lesões cerebrais que resultam em afasia podem também
surgir de traumatismos cranianos, de tumores cerebrais, ou de infeções.
• A afasia pode ser tão severo que torna a comunicação com o paciente quase
impossível, ou pode ser muito suave.
• Pode afetar principalmente um único aspeto do uso da linguagem, tal como a
capacidade de relembrar os nomes dos objetos, ou a capacidade de colocar
palavras juntas para formar frases, ou a capacidade de ler.
• Mais comumente, porém, vários aspetos da comunicação são prejudicados,
enquanto alguns canais permanecem acessíveis para uma troca de informação
limitada.
• Especificidade/especialização: não se considera afasia quando as dificuldades de
linguagem resultam de défices intelectuais/cognitivos gerais, problemas
sensoriais (visão e audição), paralisia ou descoordenação da musculatura da
boca ou mão.
• Múltiplas causas possíveis: AVC; traumatismo crânio-encefálico; tumores
infeções; cirurgia; epilepsia; doença neurológica neurodegenerativa (afasia
progressiva primária).
• Classificação das afasias:
• Aspetos chave para a distinção das afasias: fluência, compreensão e
repetição.
• Afasias fluentes: fala fluente mas dificuldades na compreensão verbal ou na
repetição de palavras ou frases ditas por outros.
• Afasias não fluentes: dificuldades na articulação mas compreensão
relativamente preservada.
• Afasias fluentes:
• Afasia de Wernicke:
• Discurso fluente sem perturbações articulatórias.
• Neologismo ou anomalias, ou paráfrases.
• Má compreensão.
• Má repetição.
• Caracterizada pela incapacidade de compreender palavras ou de
organizar os sons em discurso coerente, mesmo que a produção de
palavras permaneça intacta.
• Incapacidade de isolar as características fonémicas significativas e de
classificar os sons em sistemas fonémicos conhecidos.
• A pessoa afetada pode falar, mas confunde características fonéticas,
produzindo aquilo a que frequentemente se chama “salada de palavras”,
palavras inteligíveis que parecem estar juntas ao acaso.
• Uma pessoa que não consegue discernir características fonémicas, não
conhece os grafemas que se combinam para formar uma palavra e,
portanto, pacientes com esta afasia terão défices a nível da escrita.
• Afasia sensorial transcortical:
• Fala fluente sem perturbações articulatórias.
• Boa repetição.
• Paráfrases e anomalias verbais.

120
• Má compreensão.
• A afasia transcortical é curiosa na medida em que as pessoas
conseguem repetir e compreender palavras e nomear objetos mas não
conseguem falar espontaneamente, ou não conseguem compreender as
palavras embora as consigam repetir.
• A compreensão pode ser pobre porque as palavras não conseguem
suscitar associações.
• A produção de palavras significativas pode ser pobre porque, embora a
produção de palavras seja normal, as palavras não estão associadas a
outras atividades cognitivas no cérebro.
• Afasia de condução:
• Fluente, por vezes parando o discurso, mas sem perturbações
articulatórias.
• Paráfrases e neologismos fonémicos.
• Agrupamento fonémico.
• Má repetição.
• Compreensão bastante boa
• A afasia de condução é paradoxal: pessoas com esta desordem podem
falar facilmente, nomear objetos e compreender a fala, mas não podem
repetir palavras.
• A explicação mais simples para este problema é uma desconexão entre
a “imagem percetiva da palavra” e os sistemas motores que produzem
as palavras.
• Afasia anómica:
• Discurso fluente sem perturbações articulatórias.
• Anomia e paráfrases ocasionais.
• As pessoas com afasia anómica compreendem o discurso, produzem
discurso significativo e conseguem repetir o discurso, mas têm grande
dificuldade em encontrar os nomes dos objetos.
• Afasias não fluentes:
• Afasia de Broca:
• Articulação trabalhosa.
• Pode ter perturbações articulatórias ligeiras mas óbvias
• Falta de discurso com afirmações recorrentes ou síndrome de
desintegração fonética.
• Má repetição.
• Paráfrases fonémicas com anomalias.
• Agramatismo.
• Disprosódia
• Afasia motora transcortical:
• Tendência marcada para a redução e inércia.
• Sem perturbações articulatórias.
• Boa repetição.
• Frases incompletas e anomalias.
• A nomeação é melhor do que os discursos espontâneos.

121
• A produção espontânea da discurso é trabalhosa.
• Afasia global:
• Articulação trabalhosa.
• Falta de discurso com afirmações recorrentes.
• Má compreensão.
• Má repetição.

Classificação das afasias

Não fluentes: a produção da


fala está a falhar e é Fluentes: a pessoa é capaz
deficiente; a gramática é de produzir fala conectada; a
prejudicada; o conteúdo das estrutura da frase está
palavras pode ser relativamente intata mas
preservado. carece de significado.

Compreensão da Compreensão da Compreensão da


Compreensão da linguagem
linguagem linguagem linguagem intacta
relativamente deficiente deficiente
intata

Apasia de Apasia de
Apasia de Apasia global: condução: Wernicke:
Broca: repetição grave dificuldade em repetição de
de deficiência da encontrar palavras ou
palavras/frases linguagem palavras; frases deficiente.
deficiente. expressiva e dificuldade em
receptiva; pode Apasia sensorial
Apasia motora repetir frases. transcortical:
transcortical: ser capaz de
comunicar Afasia boa repetição de
forte capacidade anómica: boa palavras ou
de repetição; usando
expressão repetição de frases; pode
pode ter palavras ou repetir perguntas
dificuldade em facial,
entonação e frases; em vez de as
responder dificuldade na responder
espontaneamente gestos.
procura de ("echolallia")
a perguntas palavras;
utilização de
expressões
genéricas (e.g.,
coisa) ou
circunlocução.

122
• Útil para a localização de lesões?
• A linguagem não está circunscrita a um conjunto pequeno de regiões
cerebrais.
• Faz sentido que um comportamento tão abrangente e complexo
como a linguagem não seja o produto de uma pequena e
circunscrita região do cérebro.
• Muitos pacientes com afasia tiveram AVC envolvendo a artéria
cerebral média.
• Há diferenças individuais nesta artéria e ela irriga muitas áreas, o
que contribui para variação nos sintomas e no prognóstico.
• Imediatamente a seguir a um AVC, os sintomas são geralmente
severos mas melhoram consideravelmente com o tempo.
• Assim, os sintomas não podem ser facilmente atribuídos a danos
numa região cerebral em particular.
• Afasia inclui vários sintomas → cada um deles pode ter o seu
substrato cerebral específico.
• Exemplos:
• https://www.youtube.com/watch?v=3oef68YabD0
• https://www.youtube.com/watch?v=JWC-cVQmEmY
• https://www.youtube.com/watch?v=f2IiMEbMnPM
• Avaliação da afasia:
• Baterias de testes da afasia (estrangeiras):
• Contêm vários sub-testes que exploram sistematicamente as
capacidades linguísticas do sujeito.
• Incluem normalmente testes de (1) compreensão auditiva e visual; (2)
expressão oral e escrita, incluindo testes de repetição, leitura,
nomeação, e fluência; e (3) diálogos.
• As baterias de testes são longas e requererem uma formação especial
para serem administradas.
• E.g.,
• Boston Diagnostic Aphasia Test (Goodglass and Kaplan, 1972).
• Functional communicative profile (Sarno, 1969).
• Neurosensory center comprehensive examination for aphasia
(Spreen and Benton, 1969).

123
• Porch Index of Communicative Ability (Porch, 1967).
• Minnesota Test for Differential Diagnosis of Aphasia (Schuell,
1965).
• Wepman–Jones Language Modalities Test for Aphasia (Wepman
and Jones, 1961).
• Testes de avaliação da afasia (estrangeiros):
• São frequentemente utilizados como parte de baterias de testes
neuropsicológicos padrão porque são curtos e fáceis de administrar e de
pontuar.
• Os testes não substituem as baterias de teste de afasia detalhadas, mas
oferecem meios eficazes para descobrir a presença de um distúrbio
linguístico.
• E.g.,
• Conversation analysis (Beeke, Maxim, and Wilkinson, 2007).
• Halstead–Wepman Aphasia Screening Test (Halstead and
Wepman, 1959).
• Token Test (de Renzi and Vignolo, 1962).
• Avaliação da afasia em português:
• Bateria de Avaliação da Afasia de Lisboa (BAAL; Castro-Caldas, 1979;
Damásio, 1973; Ferro, 1989).
• Provas de Avaliação da Linguagem e da Afasia em Português (PALPA-
P; Castro, Caló & Gomes, 2007).

11. Neurocognição Social


A neurociência cognitiva social é um campo interdisciplinar emergente de investigação
que procura compreender os fenómenos em termos de interações entre 3 níveis de
análise:
• Nível social → que se preocupa com os fatores motivacionais e sociais que
influenciam o comportamento e a experiência;
• Nível cognitivo → que se preocupa com os mecanismos de processamento de
informação que dão origem a fenómenos a nível social.
• Nível neuronal → que se preocupa com os mecanismos cerebrais que provocam
processos instintivos ao nível cognitivo.
Implica a realização de estudos e a construção de teorias que fazem referência aos 3
níveis e contrastam com a investigação neurocientífica social psicológica e cognitiva
tradicional que faz referência principalmente a 2 níveis.
A neurociência cognitiva social examina fenómenos e processos sociais utilizando
ferramentas de investigação em neurociência cognitiva, tais como neuroimagem e
neuropsicologia.
Esta revisão examina quatro grandes áreas de investigação no âmbito da neurociência
cognitiva social: (1) compreender os outros, (2) compreender-nos o nosso self, (3)

124
controlarmo-nos a nós mesmos e (4) os processos que ocorrem na interface do self e de
outros.
A cognição social engloba qualquer processo cognitivo que envolva interação, quer a
nível de grupo, quer numa base de um para um. A neurociência cognitiva social engloba
o estudo empírico dos mecanismos neurais subjacentes aos processos cognitivos sociais.
Uma questão-chave é se os processos cognitivos gerais envolvidos na perceção,
linguagem, memória e atenção, são suficientes para explicar a competência social, ou
se, para além destes processos gerais há processos específicos que são especiais para a
interação social.
Porquê utilizar ERP/EEG na abordagem sociocognitiva e questões afetivas?
• O curso temporal dos processos adjacentes:
• A atividade cerebral muda com o tempo à medida que a informação está a
ser processada.
• Estas medidas têm alta resolução temporal e medem diretamente a atividade
cerebral.
• O desempenho dos processos cognitivos / afetivos / sociocognitivos:
• O conhecimento acumulado sobre que processos cada componente do ERP
representa permite fazer inferências.
Perceção do estimulo social:
• Perceção e processamento de estímulos faciais:
• O componente N170 é seletivo para faces (incluindo animais, sorrisos, etc).
• Este componente é mais forte no lóbulo temporal posterior direito.
• O componente N170 é observado tanto para rostos humanos (roxo) como
para rostos de animais (azul), mas não para outros objetos.

125
Curso temporal do reconhecimento de faces:
• Tempo de resposta facial do ERP ao medo e expressões faciais neutras, na
região occipital-temporal esquerda.
• Deteção muito precoce da emoção no cérebro.

Empatia:
• Capacidade de partilhar as experiências emocionais de outro.
• “Colocar-se na situação de outra pessoa”
• Três componentes da empatia:
• Representações partilhadas entre si e outros, com base no acoplamento
perceção-ação.
• Uma consciência de self-outro como semelhante mas separado.
• Uma capacidade de flexibilidade mental para permitir mudanças de
perspectiva e auto-regulação.
Oxitocina:
• A oxitocina é uma hormona peptídica e um neurotransmissor.
• Produzida no hipotálamo e libertado na corrente sanguínea pela glândula
pituitária.
• Efeitos Periféricos: estimulação das contracções uterinas durante o parto e a
produção de leite.
• Efeitos centrais: Modula a cognição social (empatia, confiança, memória dos
sinais sociais, etc.)

126
• Efeitos Pro-sociais:
• Aumento da confiança nos jogos monetários.
• Aumento da memória social para rostos.
• Aumento da capacidade de reconhecer emoções nas expressões faciais.
• Aumento da partilha de emoções auto-reportadas (empatia).

• RMET task:
• https://ulfp.qualtrics.com/jfe/form/SV_bvjlLkbicdDoRNz.
• Para cada imagem, assinale a palavra que melhor descreve o que a pessoa na
imagem está a pensar ou sentir. Pode sentir que mais que um termo é
aplicável, mas só pode escolher um, aquele que considerar mais adequado.

127
• Hipótese de saliência social:
• Vários estudos mostraram que a oxitocina pode induzir efeitos anti-sociais,
incluindo agressão, stress e aumento do ódio fora do grupo em contextos
negativos envolvendo ameaça e competição.

• Os efeitos da oxitocina nem sempre são pró-sociais e podem estar


dependentes do contexto e das características individuais.
• Hipótese de saliência social: A oxitocina regula a saliência dos estímulos
sociais através da sua interação com o sistema dopaminérgico.
Salience attribution task (SAT):
• Objetivo: Determinar o efeito da administração intranasal de oxitocina sobre a
saliência dos estímulos sociais em relação aos estímulos não sociais.
• Hipótese: A administração de oxitocina aumentará a importância dos estímulos
sociais.
• Amostra: 60 homens, caucasianos, 20-35 anos, participantes saudáveis.
• Design do estudo:
• Duplo-blind, com placebo, design intersujeitos.
• Autoadministração de spray nasal contendo 24 IU de OT.
• Tarefa:
• Tarefa monetária de tempo de reação com uma componente social.

• A probabilidade de recompensa monetária depende da cor da imagem.


• Há aprendizagem tanto implícita como explícita:
• Tempo de reação.
128
• Pontuação visual analógica.
• Resultados anteriores:
• Pacientes com esquizofrenia com reduzida saliência adaptativa em relação
aos controlos (Roiser et. al, 2009a).
• A saliência está associada à actividade em todo o circuito 'afectivo' cortico-
estriatal-talâmico (Roiser et. al, 2009b).

• Variáveis independentes:
• Tipo de Estímulo: Cor/Recompensa (Vermelho vs. Azul); Socialidade
(Faces vs. Frutas).
• Droga (Oxitocina vs. Placebo).
• Variáveis dependentes:
• Saliência Adaptativa: implícita (Tempo de Reacção); explícita (Escala
Visual).
• Medidas EEG.
• EDA; Pupilometria; Gaze; ECG
• Hipótese comportamental:
• Efeito principal
• Droga:
• OT irá aumentar a saliência adaptativa.
• Implícito - os rostos serão mais salientes e, portanto, mais
distrativos, resultando em tempos de reação mais longos para os
rostos quando comparados com as frutas.
• Explicito - Os participantes classificarão os rostos como mais
gratificantes, dado que se trata de um estímulo social.
• Resultados preliminares:
• Os estímulos de recompensa levam a tempos de resposta mais rápidos e a
pontuações SRS mais elevadas.
• Efeito principal da Recompensa:
• RT: F(1, 24) = 9.02, p = .006, ηp2 = .273 → Recompensa < Não
recompensa.
• SRS: F(1, 24) = 103.00, p < .001, ηp2 = .811 → Recompensa > Não
recompensa.

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• Hipótese EEG → componente N170:
• Tillman et. al (2019) descobriram que a latência N170 para rostos temerosos
era mais curta após a administração de oxitocina quando comparada com
placebo e rostos neutros (diferença média = −2.50ms, p = 0.004).
• Efeito principal:
• Socialidade: N170 não estará presente para estímulos de fruta, apenas
para estímulos faciais.
• Efeito de interação:
• Droga x Socialidade: A latência N170 será mais curta nos rostos após a
administração de OT.
• Hipótese EEG → componente P3A:
• Observado a 300-600ms após a apresentação dos estímulos, nas regiões
frontais.
• P3a:
• Apelado por estímulos novos, não-alvo e salientes.
• Considerado como reflectindo a captação e orientação da atenção para a
informação desviante dos distractores.
• A sua amplitude reflecte os recursos atencionais que são atribuídos para
esse processamento de orientação - a amplitude aumenta em função do
desvio do estímulo.
• Efeito princial:
• Socialidade: P3a amplitude será maior para estímulos sociais em
comparação com estímulos não sociais.
• Recompensa: P3a amplitude será maior para os estímulos relevantes em
comparação com os irrelevantes.
• Efeito de interação:
• Droga x Socialidade: a amplitude de P3a será maior nos rostos após a
administração de OT.
• Implicações:
• Curso temporal de reconhecimento das emoções.
• Potencial impacto das anomalias da assinatura do ERP para diagnóstico
precoce de perturbações de desenvolvimento.
• Impacto potencial da oxitocina em doenças caracterizadas por
comportamento social anormal (por exemplo, distúrbios do espectro do
autismo, psicopatia, esquizofrenia, ansiedade social).
• Implicações na legislação, na política e na economia.

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