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História do Direito Português

PARTE I
I. Periodificação Adotada pelos Profs. Ruy e Martim de Albuquerque
 Período Pluralista (1140-1415) – várias fontes de Direito
 Período Monista (1415-Hoje) – Estado concentra em si o poder
legislativo

II. Especifidade do Fenómeno Jurídico no Período Pluralista


 Existem 4 fontes de direito:
 Costume – direito consuetudinário (normas não escritas, aceites
pela comunidade, são aplicadas com força de lei)
 Direito Prudêncial – origem na lei romana e na sua interpretação
 Direito Supra-Estadual – proveniente da Igreja Católica atarvés
do direito canónico
 Direito Local – lei criada por juristas para resolver casos concretos
 Quais as consequências da existência de uma pluralidade de fontes?
 Inexistência de qualquer poder central que emanasse o direito
com força obrigatória geral;
 Várias instituições com vocação legislativa;
 Juristas interpretavam e criavam a lei;
 O Homem tem um fim metafísico (tudo possui uma dimensão
espiritual);
 A república cristã era a unidade na qual o Homem encontra
máxima realização;
 O rei era um mero senhor no meio de outros, seus iguais.

III. Transição para o Período Monista


Esta transição inicia-se com a submissão do costume, direito prudêncial e direito
supra-estadual ao poder do/s governante/s, sendo que o jurista deixa de poder criar
leis para passar apenas a interpretá-las (ao serviço dos fins políticos e
administrativos do Estado). Deste modo, surge aqui o conceito moderno de Estado,
acabando por proclamar a redução do direito aos factos jurídicos por ele
promulgados, identificando o direito com a lei (imposição da unidade religiosa).
Não obstante, também é de relevar a contribuição dos Descobrimentos, dando uma
nova perceção aos europeus sobre o mundo que os rodeia, demonstrando também
que nem todos os povos estão interessados na destruição do cristianismo (novos
horizontes de convivência).
IV. Subdivisão do Período Monista
2 Épocas 1415-1820
Marco de Viragem: revoluções liberais
1820-Hoje

V. Elementos Específicos da Primeira Época do Período Monista


 Estrutura e funcionamento do direito público mantém-se inalterável (ideia
de república cristã e dos seus dogmas);
 Juristas mantiveram as suas funções de comentário glosa (interpretar a
lei romana com explicações doutrinárias) e de casumismo (julgar casos
concretos sem legislação aplicável);
 Estabiliza-se o direito privado com a criação de ordenações (compilação
do conjunto de leis em que se baseava o direito privado de então) –
principal acontecimento que inicia a época monista
Com a expansão marítima, os monarcas têm necessidade de uma legislação
específica, encontrando solução no direito romano, pois entendiam-no como
sendo relativamente completo, criando uma primeira efetiva centralização do
poder.

VI. Elementos Específicos da Segunda Época do Período Monista


 Juristas passam a ser meros intérpretes da lei já legislada (respeito pela letra
da lei);
 Monismo Material – criação de uma constituição e de um código civil, que
concentravam em si o direito público e privado, fazendo da lei a principal
fonte de direito (sistematização da lei);
 Monismo Formal – apenas o Estado podia legislar, havendo um novo
processo de formação de lei, em que, ou o Estado cria as leis ou dá esse
poder a órgãos supra ou infra-estaduais.

VII. Antecedentes do Direito Português


 Povos anteriores à Conquista Romana (povos que habitavam a Península
Ibérica):
 Tartéssios – povo mais culto e adiantado da Península Ibérica e
encontravam-se ao sul;
 Iberos – localizados na orla oriental, expandindo-se para o interior,
através da Catalunha e de Aragão;
 Celtas – ocupavam o Noroeste e o Sudoeste;
 Celtiberos – fusão entre Celtas e Iberos, tornando-se num dos
grupos mais importantes da Península;
 Franco-Pirenaicos – extremo norte da Península (Navarra e
Vascongadas).
 Colonizações Estrangeiras (colonizadores que mais contribuíram para o
progresso cultural e económico dos povos indígenas):
 Fenícios – comerciantes e navegadores da Ásia Menor, que acabou
por alcançar a hegemonia mercantil no Mediterrâneo. Os seus
interesses económicos, no séc. IX a.C., levaram-nos a estabelecer
colónias e feitorias ao longo da costa africana (Cartago). Fixaram-se
na costa meridional, fundando Cádis e outras cidades;
 Gregos – por objetivos comerciais, criaram colónias na Andaluzia
Oriental e expandiram-se para o Norte, ao longo da costa;
 Cartagineses.

VIII. Poderes e Crenças: Multiplicidade e Unidade


Após a Queda de Roma, a Europa entro na Idade Média (476-1453).
Senhorios – propriedade fundiária de um senhor nobre ou do alto clero, que se
podia compor por terras aráveis, bosques e um ou mais aglomerados populacionais.
O proprietário concedia parcelas do seu terreno aos camponeses, que em troca lhes
pagavam prestações em dinheiro, alimento ou trabalho. O senhor também detinha
autoridade sobre os homens que a habitavam, podendo julgar/aplicar penas, lançar
impostos/taxas e recrutar homens para o exército.
Ducados e Condados – os duques e os condes faziam parte dos escalões
superiores da nobreza medieval, possuindo senhorios imensos, que englobavam
terras agrícolas, aldeias, vilas e cidades importantes, chegando a afrontar o poder
régio.
Reinos – unidades políticas extensas governadas por um rei, que detém uma
autoridade suprema. A constituição de um reino corresponde a um processo de
identificação entre o rei, território e seus habitantes.
Império – no séc. XX, Otão I aliou-se ao Papa e, desta união, nasceu o Sacro
Império Romano-Germânico, que procurava restaurar a união da Europa. No
entanto, a rivalidade de poder entre o Imperador e o Papa, juntamente com a
oposição dos senhores locais, impediram o sucesso deste Império. A Oriente, o
imperador bizantino nunca reconheceu este Império, considerando que era o único
herdeiro do poder romano e que os germânicos nunca deveriam liderar os cristãos.
Assim, este Sacro Império era apenas um conjunto de territórios liderados por
príncipes locais que escolhiam entre si um imperador.
Comunas – associação dos habitantes da cidade que juravam lealdade entre si e
reclamavam direitos perante o senhor. As lutas comunais expandiram-se até às
cidades obterem a Carta Comunal, que estipulava as garantias de autonomia
administrativa. O termo comuna passou a designar cidade com alguma autonomia.
Imprecisão de Fronteiras – anexações, guerras ou acordos políticos alteravam a
configuração dos territórios independentes. Também sucedia a nível interno: junção
de senhorios traçava leves delimitações.
IX. O Papel da Religião na Coesão Interna do Mundo Ocidental
A religião cristã uniu na mesma fé, sob o Papa, toda a cristandade Latina, sendo que
a evangelização europeia e o movimento de reconquista na Península Ibérica
alargaram a predominância da fé cristã. A afirmação da Igreja Cristã apoiou-se no
contínuo poder papal, com a Reforma Gregoriana, sendo que o Papa Gregório VII
disciplinou a atuação do poder sobre a Cristandade.
Assim, a Igreja era a instituição mais poderosa e organizada do Ocidente:
 Centro reconhecido – Roma – e chefe supremo – Papa;
 Exerce o seu poder sobre todos o Ocidente e habitantes;
 Possui meios humanos (clérigos) e materiais (cobrança da dízima);
 Rege-se por um Código de Leis Próprias (Direito Canónico) que individualiza
os seus membros face à restante população.

X. A Cristandade Ocidental face ao Bizâncio


Bizâncio (Constantinopla), era a capital do Império Romano do Oriente, cuja religião
seguida era a cristã e a língua falada era o grego. O chefe do Império recusou-se a
aceitar a submissão ao bispo de Roma, levando à criação do Cristianismo Ortodoxo
(séc. XIX), ainda havendo uma rivalidade entre estas duas Igrejas, hoje em dia.

XI. A Cristandade Ocidental face ao Islão


A religião islâmica nasceu no séc. VII e, do séc. VIII ao séc. XII, o Islamismo
expandiu-se pela Arábia, Norte de África e parte da Ásia. No entanto, desde o séc.
XI, o movimento das Cruzadas, impulsionado pelo Papa Urbano II, combateu o
poder dos muçulmanos, assim, quem morresse a lutar pela fé cristã tinha os seus
pecados perdoados. Esta luta atingiu a Península Ibérica, o Sul da Europa, as Rotas
do Mediterrâneo e, em 1492, concluiu-se a Reconquista na Península Ibérica (718-
1492).

XII. Ação do Conde D. Henrique e de D. Afonso Henriques para a


Definição do Espaço Português
Em 1906, o Conde D. Henrique foi recompensado pela sua ação militar por Afonso
VI de Leão e Castela, que lhe concedeu o governo do Condado Portucalense e a
mão da sua filha bastarda, D. Teresa, em casamento. Assim, D. Henrique cumpriu
as suas funções de vassalo, não deixando de lutar pela expansão e autonomia do
seu território.
D. Afonso Henriques, filho de D. Henrique e D. Teresa, alcançou a independência
do território, tornando-se o primeiro rei de Portugal e conseguiu definir um espaço
para o país através de uma luta em 3 frentes:
 Contra a mãe: após a morte de D. Henrique, D. Teresa ficou na direção do
condado, iniciando-se a ação política de D. Afonso Henriques. Ao opôr-se à
união de sua mãe com o galego Fernão Peres de Trava, derrota os
partidários de D. Teresa na Batalha de S. Mamede (1128);
 Contra Afonso VII de Leão e Castela – como os laços de vassalidade tinham
caráter hereditário, Afonso Henriques devia ser fiel às suas obrigações para
com Afonso VII de Leão e Castela (seu primo e filho do rei da Galiza), mas
tal não sucedeu:
 1137 – Acordo de Tui (Afonso Henriques tinha deveres para com o
seu suserano);
 1140 – Afonso Henriques invade Galiza (retaliação);
 1142 – Afonso Henriques tenta sobres as vassalidades para com o
Papa;
 1143 – Afonso Henriques é reconhecido como rei (Conferência de
Zamora);
 1179 – é concedido o reino de Portugal a D. Afonso Henriques (Bula
Manifestis Probatum).
 Contra os Muçulmanos – reconquista Lisboa, Alcácer do Sal e Évora.

XIII. Avanços da Reconquista e o seu Termo


D. Sancho I – conquistou até ao Algarve, mas perderam-se as praças conquistadas
a Sul do Tejo, exceto Évora;
D. Afonso II – absteu-se de intervir pessoalmente na Batalha de Navas de Tolosa;
D. Sancho II – avançou até ao Alentejo e Algarve oriental, mas acabou por ser
deposto pelo Papa em 1245;
D. Afonso III – concluiu a conquista do Algarve e terminou a reconquista portuguesa.

XIV. Condições do Estabelecimento Definitivo das Fronteiras em Portugal


Apesar do final da reconquista não coincidir com o estabelecimento definitivo das
fronteiras de Portugal, a posse de zonas limítrofes levou a litígios, como foi o caso
do Algarve:
 1252 – Afonso X de Leão e Castela e suserano do rei mouro de Granada
reivindicou o ex-reino algarvio de Niebla;
 1253 – no tratado de paz, o Papa consegue que Afonso X se torne sogro de
Afonso III, renunciando às pretensões sobre o Algarve;
 1263/64 – Afonso X transfere para D. Dinis as obrigações de vassalagem;
 1267 – Afonso X transfere para D. Dinis os direitos sobre o Algarve (Tratado
de Badajoz);
 1297 – fixação dos limites territoriais (Tratado de Alcanizes).

XV. Povoamento e Organização do Território


 País predominantemente Rural e Senhorial – constituído por antigos
senhoriais da nobreza e clero e novos senhorios eclesiásticos, constituídos
à medida do avanço em direção ao sul;
 País Urbano e Concelhio – alternativa ao país rural e senhorial (terras a sul
do Mondego e Norte beirão e transmontano).
Processo de Formação do País Senhorial
Os senhorios formaram-se através da ocupação de terras conquistadas aos
Muçulmanos pelos Cristãos (presúria), ou seja, terras sem dono. Os senhorios também
se distinguiam pela origem social do seu proprietário:
 Reguengos – terras eram do rei;
 Honras – terras honradas pela presença do senhor nobre;
 Coutos – pertenciam à Igreja.
Poder Senhorial
 Imunidade dos Senhorios – como os senhores detinham o poder público, os
funcionários régios não poderiam lá exercer funções militares, fiscais e judiciais
(perda de poderes da realeza). Esta concessão de imunidade fazia-se aos
senhores através de uma carta de Couto, e esta prática concedia 3 privilégios:
isenção de encargos a pagar à Coroa por todos os seus moradores, o direito de
exercício de poderes senhoriais (comando, punição e coação) e a proibição da
livre entrada de funcionários régios nos domínios senhoriais e da interferência
no exercício dos poderes senhoriais.
 Poder sobre os Homens – o senhor substituía-se ao rei e detinha alguns
poderes soberanos: poder de comando (forma de poder político),o poder de
punição (forma de poder judicial) e o poder de coação (forma de poder fiscal).
 Poder sobre a Terra – escravos/servos (terras do senhor) e colonos livre (terras
arrendadas), garantiama própria sobrevivência e a dos seus senhores
(agricultura). Tinham o dever de receber e alimentar o seu senhor, usar o
moinho, lagar, forno, prensa, caminhos e pontes senhoriais, com o pagamento
de novos tributos (banalidades).

PARTE II
I. Justiça
Na época medieval, a justiça era o fundamento da vida social e tudo o que existe
tem origem divina (acima do mundo dos Homens está o mundo de Deus), assim,
esta era mais importante que a própria noção de direito (mera ferramenta na busca
da justiça).
Também se entendia que a salvação das almas era a maior prioridade e só poderia
ser concretizada através da virtude (hábito de praticar o bem). Ao invés, existe o
vício, o hábito de praticar o mal. Assim, entende-se que a virtude era uma garantia
da própria justiça e esta acabava por ser a defesa do bem comum.

II. Justiça Particular (Perspetiva do Indivíduo)


Uma das teorizações deste conceito mais conhecidas foi a de Ulpiano, ao encarar a
justiça particular como “a constante e perpétua vontade de dar a cada um o seu
direito”, ou seja, a vontade de cada um ter um mínimo indispensável para satisfazer
as necessidades básicas. O “seu” era entendido como a focalização no indivíduo do
bem comum (salvação da alma), assim, era tudo quanto necessário à realização do
fim do Homem, ditado pela Natureza respetiva e de tudo o que lhe é útil apenas lhe
ser devido enquanto não prejudica os demais.

III. Modalidades de Justiça


 Comutativa – necessidade de garantir o equilíbrio entre as pessoas
(igualdade)
 Distributiva – justiça tendo em conta as desigualdades naturais entre as
pessoas (impõe que os representantes da comunidade repartam os
encargos segundo a capacidade de resistência de cada membro e os bens
públicos e prémios de acordo com a respetiva dignidade e mérito)
 Espiritual – salvação das almas
 Política – trabalho em prol da comunidade
 Contenciosa – litígios judiciais

 Subjetiva – comportamento padrão do próprio sujeito (Álvaro Pais)

 Látria – justiça para com Deus


 Dulia – justiça para com os merecedores de honra e consideração
 Obediência – justiça e respeito para com os superiores
 Disciplina – justiça e respeito para com os inferiores
 Equidade – justiça para com os iguais
 Objetiva – postura de reta conduta; para o direito romano, o modelo de
conduta a seguir seria o do Bonus Pater Familias (ideia do homem médio).

IV. Direito Suprapositivo e Direito Humano


 Direito Divino – representa o escalão último do jurídico; influenciava a
formação do Direito Natural, emanante ao homem.
 Da Lei Eterna ao Direito Natural
 Lei Eterna – é a razão e vontade de Deus que manda conservar a ordem
natural e proíbe que ela seja perturbada (lei que governa o mundo);
 Lei Natural – resulta da participação da lei eterna no Homem, permitindo-lhe
distinguir o bem do mal (inscrita por Deus no coração do Homem);
 Lei Divina – revelação da palavra de Deus ao Homem, através da Sagrada
Escritura (deriva da participação da lei eterna);
 Lei Humana – confluência harmoniosa das leis anteriores

V. Pluralidade de Entendimentos Quanto ao Direito Natural


Apesar do conceito de Direito Natural não ser unívoco, converge no facto de é algo
inerente ao Homem, tendo em conta que o Homem é um animal social,
necessitando de obedecer a princípios que lhe são anteriores e regem a vivência
em sociedade (Direito Natural).
A discussão quanto a estas conceções advém das interpretações de Gaio (Direito
Natural é eminentemente racional) e Ulpiano (Direito Natural baseia-se no instinto,
comum a seres racionais e irracionais).
Dupla conceção:
 Profana – Direito Natural era a razão que se encontrava no próprio
Homem, fruto da natureza de Deus (Alain de Lille);
 Sacral – no Direito Natural encontrava-se a resposta para alguém que se
revia em Deus; tem como agente e causa eficiente Deus (Santo Agostinho).
O Direito Natural afirma-se como algo transcendente aos titulares do poder e como
verdadeira ordem normativa, obrigatória ou vinculatória, tratando-se de um setor jurídico
que se sobrepunha à vontade dos governantes e dos súbditos.

VI. Valor Jurídico dos Atos Contra a Lei Divina e Natural


O ordenamento positivo só pode subsistir e possuir valor se estiver articulado com
a regra natural e divina. Os teóricos medievais entendiam que não se estava
obrigado a observar, nem se devia observar, quando houvesse desconformidade
para com estas regras.

VII. Importância da Lei Divina e da Lei Natural


As leis divinas e naturais eram consideradas superiores à legislação dos monarcas
e ao próprio costume. Em Portugal, um exemplo deste caso foi a Vindita Privada, ou
seja, o costume dos nobres poderem exercer a vingança privada através de duelos
(justiça pelas próprias mãos). Assim, D. Afonso IV tentou abolir esta prática ao
invocar a violação clara dos direitos natural e divino.

VIII. O Princípio da Imutabilidade e Inderrogabilidade do Direito Divino


e do Direito Natural
Estes princípios são relativos ao grau de valoração dos conteúdos, que não sofreram
alterações (inalteráveis). No entanto, com a evolução histórica, o Direito Natural e o
Direito Divino foram-se atualizando.
Quanto ao Direito Divino, por um lado, os teleólogos estabeleciam uma distinção
entre móveis (mutáveis – aconselhavam/demonstravam o que se podia ou não
fazer) e os imóveis (imutáveis – dogmas inalteráveis da Igraja, com caráter
imperativo). Por outro lado, os canonistas distinguiam, quanto às normas
jusnaturalistas, as que ditam, proíbem ou interdizem e as que demonstram,
aconselham e permitem.
Quanto ao Direito Natural, foi efetuada, por S. Tomás de Aquino, outra separação,
em preceitos primários (de fácil perceção e não comportam qualquer possibilidade
de alteração – direito à vida) e secundários (exigem esforço do Homem para os
perceber, admitindo possibilidade de alteração – usucapião).
Apenas o Papa poderia, perante um certo caso concreto, dispensar alguém
(monarca) da observância de uma norma de direito natural/divino, e fazer aplicar
outra. Essa dispensa podia ser através da Magna Carta, a Justa Causa ou a Causa
Probabilis.

IX. “Ius Gentium” (Direito Suprapositivo)


O ius gentium era considerado o Direito dos Homens, que precedia à lei escrita
(universal), ou seja, seria o direito consuetudinário no seu âmbito mais alargado,
inferior ao Direito Natural e Divino, mas superior ao Direito Civil. Assim, este direito
surge após e em consequência do pecado original

X. Direito Canónico
O Direito Canónico é um conjunto de normas jurídicas relativas à Igreja, ou seja, é
um complexo de cânones aprovados, estabelecidos ou propostos pela Igreja, sendo
que a divisão das suas fontes segundo os modos de formação pode ser em fontes
essendi (causas, origem e autoria das normas) e segundo modos de revelação
fontes cognoscendi (textos ou documentos onde se regista o direito).
 Fontes Essendi
 Sagradas Escrituras (Bíblia) – engloba o Antigo Testamento
(preceitos cerimoniais, judiciais e morais) e o Novo Testamento (faz-
se o decalque do direito divino, ou seja, o direito revelado por Deus,
do direito divino-apostólico, ou seja, o desenvolvimento pelos
apóstolos do direito divino, e do direito apostólico, ou seja, normas
criadas pelos apóstolos;
 Tradição – conhecimento translático, escrito ou oral, que se transmite
pelas gerações, podendo ser inhesiva (explicitamente nas Sagradas
Escrituras), declarativa (implicitamente nas Sagradas Escrituras) e
constitutiva (posterior às Sagradas Escrituras);
 Costume – usos próprios da comunidade eclesiástica, tendo de ter
antiguidade, racionalidade e consensualidade
 Decretos – normas que o Papa determina por conselhos de cardeais
sem que qualquer questão lhe tenha sido colocada, para eliminar
cânones discordantes;
“Corpus Iuris
Canonici”  Decretais – normas que o Papa determina sozinho ou com os
cardeais para um questão que lhe tenhha sido colocada, destinada à
generalidade dos fiéis (Decreto Geral) ou a um círculo limitado de fiéis
(Decreto Especial);
 Cânones – determinações feitas pelo Papa em concílio (assembleias
eclesiásticas alargadas) ou em cúria (assembleias restritas), para
emitir leis com força obrigatória para a Igreja;
 Doutrina – trabalho interpretativo dos juristas, sendo que os doutores
canonistas dividiam-se em decretistas (escrevem sobre o Decreto de
Graciano) e decretalistas (escrevem sobre decretais). Com a aliança
entre a lei secular e a lei canónica surge o “Utrumque Ius” (produto
da separação da concorrência ou rivalidade das duas grandes ordens
jurídicas medievais);
 Concórdias – acordos celebrados entre rei e clero nacionais
(natureza local);
 Concordatas – acordos entre rei e Santa Sé, representada pelo Papa,
ou seja, acordos de caráter internacional para estabelecer direitos e
obrigações de cada uma das partes envolvidas.
Cúria de Coimbra (1211) – integração do direito canónico em Portugal, que
levou à supremacia na aplicação nos tribunais com força obrigatória geral.
Beneplácito Régio – insituto jurídico que limita a aplicação do direito canónico,
visto que, D. Pedro I, ao criá-lo, pretendia instituir que as regras apostólicas só seriam
publicadas através da aprovação do rei. Assim sendo, ocorreu uma contestação por
parte do clero, que foi colmatada por D. Pedro I ao argumentar que este garantia a
autenticidade dos textos canónicos e evitava a entrada de letras apostólicas falsas. Após
múltiplas diligências por parte da Igreja para a revogação pelos monarcas portugueses,
apenas com D. João II foi efetuada esta revogação.
Costume – fonte de direito de geração espontânea, que surge e se desenvolve
fora da atividade e da fiscalização do Estado, protegendo as liberdades e direitos do
povo face aos abusos das classes mais priviliegiadas (direito não escrito). Quanto ao
valor jurídico do costume, na falta de lei, este aplicava-se como lei, podendo funcionar
como intérprete da lei e ser integrado nas lacunas dos foros, corrigi-los e revogá-los.
Requisitos:
 Antiguidade – tinha que ser plural e antigo, para ter caráter de prática reiterada,
repetida e condição de obrigatoriedade (10 anos);
 Racionalidade – conforme direito natural;
 Consensualidade – tinha de ter o consenso da comunidade e do legislador.

Formas de Direito Judicial – estilo (espécie de direito não escrito – prática de um


tribunal que cria um estilo de decisão que passa a ser costume orientador da froma
como se iria processar, sendo os seus requisitos a racionalidade, conformidade com
o direito suprapositivo e a pluralidade), façanhas (decisões que deveriam passar a
funcionar como padrão de referência e são apenas aplicadas a casos duvidosos ou
omissos) e os alvidros (decisões dos tribunais arbitrais, sendo que as decisões se
sustentavam no costume e poderiam ser aplicadas futuramente por outros juízes).

XI. Direito Outorgado e Pactuado


Direito Outorgado – concessão da norma e resulta da outorga de algo através de
um ato oficial.
 Cartas de Privilégio – documentos que atribuíam prerrogativas, liberdades,
franquias e isenções de qualquer ordem, traçando um regime jurídico
específico para cada território a certa comunidade;
 Cartas de Povoação – visavam atrair população para zonas pouco povoadas
e fixavam normas que definiam o estatuto dos colonos quanto à exploração
das terras;
 Forais – carta de um município, estando relacionada com a autonomia
territorial. Eram cartas de privilégio outorgadas pelo rei, senhor eclesiástico
ou feudal, para regular as relações entre o Estado e os particulares. A norma
foral prevalecia à do rei, tendo um caráter subsidiário pois aplicava-se em
casos de lacunas no ordenamento foral. Fontes: costume, direito prudêncial,
outras cartas de privilégio e façanhas;
 Foros – relação dos costumes dos forais através de normas, sendo iniciativas
dos habitantes dos municípios, onde criavam ou alteravam as normas
existentes no município, de acordo com o conhecimento que tinham das leis
e costumes locais. Fonte: direito local, costume.
Direito Pactuado – acordo entre as partes, estabelecendo um pacto jurídico entre
quem elabora as normas e quem as recebe e as faz aplicar.

XII. Receção do Direito Canónico em Portugal


A penetração do Direito Canónico em Portugal afirmou-se tal que, na Cúria de 1211,
houve necessidade de hierarquizá-lo em relação ao direito do rei (prevalência do
direito do rei). Para além dos reis, o anticlericalismo da população e as heresias em
relação ao credo religioso também eram um grande obstáculo, evidenciando que a
resistência ao Direito Canónico era, na verdade, à hegemonia do clero. No entanto,
o Direito Canónico foi aplicado em Portugal nos tribunais civis e eclesiásticos, sendo
que, quanto a estes últimos, muitas matérias eram de competência especial da
jurisidição eclesiástica e, certas pessoas (membros do clero) só podiam ser julgadas
por tribunais da Igreja. Por outro lado, nos tribunais civis, o Direito Canónico aplica-
se como direito preferencial, determinado na Cúria de Coimbra de 1211, na qual,
Afonso II decidiu que as suas leis não valeriam se fossem feitas ou estabelecidas
contra os direitos da Igreja.
Mais tarde, o Direito Canónico passou a direito subsidiário, sendo apenas aplicado
na falta de direito nacional, entrando em concorrência com o Direito Romano.
O fenómeno de receção foi essencialmente académico, visto que os juristas mestres
na universidade estudavam e divulgavam o Direito Canónico.

XIII. Ars Inveniendi


É a arte de intentar dos jurisprudentes, ou seja, a sendo a metodologia de trabalho
usado pelos glosadores (trabalhos interpretadores do Corpus Iuris Civilis).
Elementos:
 Leges – preceitos jurídicos eram analisados enquanto elementos de um
facto, obedecendo auma gramática especulativa (técnica de interpretação);
 Rationes – argumentos de equidade, direito natural, oportunidade e lógica,
sendo a arte de criar argumentos para responder a um caso concreto;
 Auctoritas – saber socialmente reconhecido, sendo que, a aceitação
concreta, passava pela autoridade de quem a defendia (juristas).

XIV. Direito Prudencial


O Direito Prudencial é um direito criado nas universidades que foi aceite, tendo em
conta que ajudou a consolidar o poder político e foi produzido sob duas qualidades
reconhecidas aos prudentes: inventio (capacidade de criar e descobrir novas
soluções mais justas para os casos concretos) e auctoritas (saber socialmente
reconhecido).
Para criar direito, os prudentes recorreram à dialética (arte de discussão, tendo a
função de contraposição de argumentos , na base de um debate controversístico e
discursivo), retórica (arte de persuadir e convencer, sendo a forma de discurso que
incorpora elementos de natureza psicológica), lógica (disciplina de pensar sem
contradições) e tópica jurídica (observação do problema de todos os ângulos para
recolher o maior número possível de argumentos em busca de uma solução).
Géneros jurídicos e literários adotados pelos jurisprudentes:
 Glosas – pequenos comentários clarificadores de uma pequena passagem
do conteúdo do texto;
 Comentarius – forma discursiva, ultrapssando a mera interpretação do texto
(dissertações do tema);
 Quaestio – aplicação do princípio do contradictio para apurar a verdade,
podendo reportar-se a um questão de facto ou direito.
Momentos da receção do Direito Prudencial em Portugal:
 1º Momento – conhecimento (séc. XIII);
 2º Momento – influência sobre a legislação portuguesa (reinado de D. Afonso
III);
 3º Momento – receção na ordem interna, do direito português (reinado de D.
Dinis).

XV. Origem do Direito Romano Justiniano


Inicialmente, o direito romano foi concebido para ser aplicado aos cidadãos
romanos, sendo depois expandido, levando ao surgimento do ius gentium, que
visava a aplicação aos povos com relações com Roma e que não faziam parte da
cidadania romana. Seguidamente, surge o direito romano vulgar, sendo o mesmo o
direito romano puro visto da perspetiva dos povos com contato com a cultura latina,
ou seja, era uma adulteração feita pelos povos autóctones.
No séc. VI, surge o Código Justiniano, criado por Justiniano, que era uma nova
elaboração das leis romanas e, mais tardiamente, passou a ser denominado “Corpus
Iuris Civilis”, que tinha como elementos: Codex (constituições imperiais anteriores a
Justiniano), Digestum (desenvolve-se a doutrina de jusristas romanos), Institutiones
(manuais escolares) e Novelaes (constituições posteriores a Justiniano).

XVI. Organização Política da “Respublica Christiana”


Teses do poder político na Idade Média:
 Teses Hierocráticas – defende que o Papa devia ser considerado um
mediador entre Deus e os Homens, recebndo o poder de Deus e delegando
depois aos governantes. Assim, esta tese colocava a Igreja numa posição
de supremacia em relação à comunidade internacional. No entanto, se a
atuação do rei for desconforme ao juramento régio prestado ao Pontífice,
este poderia retirar-lhe o poder temporal. Estas teses têm como base a
conceção romana de hereditas (aceitação do Papa como vigário-geral de
Cristo, de quem tinha recebido os poderes) e de officium (separação entre a
personalidade do Papa e a sua auctoritas, não perdendo poderes devido à
sua conduta). Um dos meios de sustento destas teses foi a declaração da
Doação de Constantino, tendo em conta que este imperador doou ao Papa
Silvestre o domínio territorial sobre o Ocidente europeu, sendo que a questão
levantada é se Constantino estaria a confirmar o domínio temporal do
Papado ou se estava a doar o poder temporal ao Papa;
 Teses Anti-Hierocráticas – defendiam a colocação do Imperador como
autoridade máxima na comunidade internacional e sustentavam a ideia de
que Deus distribuía o poder espiritual aos Pontíficies e o poder temporal aos
governantes, não havendo intermediários nessa concessão, procurando
então uma laicização da sociedade;
 Naturalismo Político – corrente das teses anti-hierocráticas, pois opunha-
se, também, à supremacia do Papado, distinguindo-se por defender um
poder ascendente, ou seja, Deus depositava o poder temporal na
comunidade e esta delegava-o aos governantes, sendo que o poder
espiritual era concebido por Deus e delegado diretamente aos Pontíficies;
 Média Via Tomista (S. Tomás de Aquino) – posição intermédia entre as
teses hierocráticas e anti-hierocráticas e defende que os poderes espiritual
e temporal têm uma base, uma origem e funcionam de formas diferentes,
porém, a sociedade civil dependia da socierdade eclesiástica, pois o rei, para
governar bem, não podiatomar medidas contrárias ao que o Homem
Medieval considerava como sendo o bem comum (salvação da alma). Esta
tese exigia que matérias do poder temporal como o pecado, usura e
usucapião, fossem tuteladas pelo Papa.
 Caso Português:
 1ª Fase – Hierocrática (formação da nacionalidade e Bula
Manifestis Probatum, permitiram reconhecer a superioridade do
Papado);
 2ª Fase – Média Via Tomista (rei nomeado pela Corte a seguri às
guerras dinásticas – 1383/85, sendo a comunidade política que
legitima o rei).
XVII. Ius Regni
Direito Legislativo – produto da vontade humana, positivado (escrito) e elaborado
pelo poder político. No período pluralista, o conhecimento da lei era efetuado
oralmente pelos procuradores do rei que as liam, sendo que a frequência com que
o faziam estava relacionada com a importância da lei.
Código Visigótico
 Bases do Direito Visigótico:
1. Código de Eurico (476) – princípios germânicos;
2. Breviário de Alarico (506) – as fontes eram constituições imperiais e
obras de juristas romanos;
3. Código de Leovilgildo (572/86) – revisão do Código de Eurico;
4. Código Visigótico (664) – baseava-se em códigos anteriores e teve
maior influência em Portugal.
As populações cristãs sob o domínio muçulmano continuaram a reger-se pelo Código
Visigótico nos séculos de Reconquista antecedentes à fundação da nacionalidade
portuguesa.
o Teorias quanto à aplicação do Código Visigótico em Portugal:
1ª - diversas referências no século XII, através de documentos respeitantes ao território
português que indicaram a frequente invocação do Código Visigótico, mostrando
continuidade. No entanto, houve um corte no século XIII, devido ao crescimento da
legislação nacional e à redescoberta do direito romano Justinianeu;
2ª – muito invocado até ao século XII mas, no século XIII, perdeu influência, devido às
leis régias e ao direito romano Justinianeu, nomeadamente, com os decretos de Soeiro
Gomes.
Antes da fundação da nacionalidade portuguesa, vigoraram as leis contidas no Código
Visigótico e as Leis de Leão (reinado de D. Afonso V – 1057), Coiança (reinado de D.
Fernando I – 1050) e Oviedo (reinado de Urraca – 1115). Estas leis tinham origem nas
Cúrias (indivíduos ligados ao lado secular da existência, sendo que a matéria tratada é
da dimensão civil da existência e sanções civis/materiais) ou no Concílios (maioria
ligada à vida eclesiástica e a matéria tratada era de dimensão espiritual da vida e
sanções religiosas). No entanto, esta distinção é artificial porque os concílios também
contavam com colaboradores laicos e cúrias com membros do clero.

XVIII. Leis Gerais Portuguesas


Numa primeira fase, as leis gerais tinham um papel modesto porque a principal
preocupação dos reis era a luta pela expansão territorial e a expulsão dos
muçulmanos do território peninsular, concentrando em si todos os poderes.
Com D. Afonso II, na Cúria de Coimbra de 1211, estas leis ganharam maior relevo,
procedendo-se à promulgação das primeiras Leis Gerais do Reino, que atribuíram
ao rei a detenção do poder político e a supremacia da jurisdição, fortalecendo os
poderes da Coroa. O rei impunha respeito pela dignidade humana e normas
jurídicas, submetendo-se às mesmas. Nesta Cúria, decidiu-se que as leis não
valeriam se não fossem conformes ao Direito da Igreja, ou seja, as leis não podiam
ser publicadas e não entrariam em vigor se não fossem racionais.
Compilação das leis em duas grandes obras:
 Livro das Leis e Costuras – agrupa sem critério de sistematização as leis
elaboradas entre os reinados de D. Afonso II e D. Afonso IV;
 Ordenações de D. Duarte – organiza leis por reinados e, dentro destes,
sistematiza-as por matérias.
Requisitos para a elaboração da lei, que levam à sua força vinculante:
 Vontade régia;
 Conselho (conselheiros do rei tinham de ser ouvidos);
 Cortes (resultavam de deliberações da Corte, com cumprimento obrigatório);
 Antiguidade (baseada no costume);
 Racionalidade (leis de acordo com a razão).
Quanto à aplicação da lei no tempo, algumas leis eram de aplicação geral (escala
nacional) e outras de aplicação geográfica restrita, sendo que ambas tinham origem no
poder central (rei e Cortes). No entanto, ainda existiam as posturas, para aplicação
regional ou local.
Quanto à interpretação da lei no espaço, esta era autêntica (pelo rei) ou doutrinal (pelos
juristas), sendo que só entrava em vigor após ser conhecida e não era retroativa. A partir
do século XIV, algumas declararam que só seriam aplicadas em casos futuros (princípio
da não retroatividade da lei).

XIX. A Realeza
Os reis iniciaram uma luta para se tornarem monopolistas do poder, em que o
príncipe é livre da lei e a sua vontade tem força de lei, sendo que a sua atividade
legislativa aumentou com o Direito Romano.
Por outro lado, o rei administrava a justiça, estatuía o direito e aplicava-o (fonte
última e exclusiva da juridicidade) mas, no entanto, estava subordinado à lei divina
e ao Direito Natural.
Através da ideia de S. Paulo de que rei é o vigário de Deus, foi possível concluir que
Deus não só é dono do reino como também executa na Terra a vontade de Deus
(pautar pela conduta divina e prestar contas a Deus). Em Portugal, a fórmula vigário
de Deus aparece como fim a cumprir, sendo que o rei tem de cumprir o direito e a
justiça, ser exemplo de Deus e prestar contas. Assim, surge o officium, que indica
que o rei tem de agir de acordo com o objetivo da sua existência (realização do bem
comum).
Cúria Régia – junção dos grandes oficiais da Coroa, familiares e magnatas
eclesiásticos e seculares à governação do rei (Cúria do Conde D. Henrique).
Oficiais de Coroa – mordomo-mor, alferes-mor, escriba, notário régio e vedor (fim
do reinado de D. Afonso Henriques).
Sucessão Régia – a transmissão do poder na Alta Idade Média fazia-se através de
herediatariedade (o sangue como facto designativo) e eleição (povo escolhe o
príncipe). Em Portugal, optou-se pela sucessão hereditária, sendo que na bula em
que o Papa reconhece o novo reino, afirmou-se o princípio da hereditariedade
(preferência da linha masculina e da primogenitura).
Investidura Régia – ato pelo qual o poder passa de um governante para outro,
sendo que a cerimónia se chama levantamento (ratificação dos direitos do novo rei).
Em Portugal, a autoridade do rei é tão abstrata que não a concebe com a separação
dos símbolos representativos: espada (vitória sobre os inimigos); ceptro
(autoridade). O ato de elevação mais importante foi o juramento régio, em que o rei
se compromete a guradar os foros, usos e costumes do reino, governar bem os
povos e ministrar-lhes a justiça.

XX. As Cortes
As Cortes tiveram origem na Cúria Régia, que era o órgão consultivo do rei em
matéria administrativa e judicial, sendo o mais alto tribunal do país, sendo que, em
1385, o rei já fora designado pelas Cortes.
As sessões podiam ser restritas e em permanência (rei, membros da família real,
grandes oficiais régios e magnatas eclesiásticos e civis – cúria ordinária, que é a
base de conselho do rei, com funções administrativas e judiciais) ou alargadas e
especiais (convocadas pelo rei para assuntos de maior importância – cúria
extraordinária, que é a base das Cortes, com funções políticas e legislativas).
As Cortes eram os parlamentos, assembleias convocadas pelo rei, com pessoas por
ele escolhidas e para fins por ele marcados, servindo apenas para o aconselhar e
não para limitar a sua atuação, com regularidade, nomeadamente para votar
impostos. Em Portugal, as Cortes surgiram após a assembleia de Leiria de 1254,
em que D. Afonso III teve o auxílio de bispos, próceres, prelados, ordens militares e
homens bons dos concelhos do reino, sendo que, nas Cortes de 1261, os
representantes do povo exerceram direito em matéria tributária.

XXI. Organização da Justiça


O rei é o juiz supremo do reino e a sua autoridade levou a que o mesmo controlasse
a justiça, designasse juízes e exercesse diretamente a função de juiz na cúria régia
administrava a justiça e todos os membros tinham de prestar serviço no julgamento).
No entanto, a justiça também se aplicava ao rei, através da organização judicial que
permitia o recurso sobre uma decisão de um tribunal local aos tribunais centrais e
designarem-se os sobrejuízes, a partir do século XIII (separação de poderes).
Juízes Ordinários – função a nível local (senhores locais e juízes da terra), sendo
que a fiscalização da sua atividade era feita pelos corregedores, que verificavam a
atividade dos senhores e dos juízes de fora (ambos nomeados pelo rei).
Tribunais Municipais – vigiavam o cumprimento das cartas de privilégio, dadas ao
município.

XXII. Administração do Reino


Com Afonso III, a inclusão dos privados do rei leva a que a cúria restrita passe a
conselho régio, sendo que os privados ainda não são um verdadeiro órgão e são
recrutados de entre os membros da cúria, vassalos do rei, clérigos, entre outros.
Conselho Régio – tribunal supremo, órgão político que trata de matéria legislativa
ao lado ou acima do rei, repousa na privância (fidúcia do príncipe nos seus privados)
e funda-se na opinião. Deste modo, os conselheiros eram homens prudentes e
sabedores das matérias. Não obstante, nas Cortes de Coimbra, o povo afirmou que
o rei precisava de bons conselheiros e o rei nomeou menos de metade dos
propostos.
Administração Senhorial – disseminação dos direitos da soberania (fragmentação
de conteúdo e distribuição por vários indivíduos), em cujo património passa a fundir-
se. O senhorio tem imunidade e o senhor exerce direitos que competiam ao rei em
matéria de jurisidição, tributária e na administração em geral, sendo que aplicava ou
fazia aplicar a justiça e cobrava tributos. Os seus funcionários eram morodmos e
vigários.
Administração Concelhia – o concelho era a assembleia dos homens-bons
(titulares do maior número de direitos locais).

XXIII. Grupos Sociais


A divisão inicial foi feita em clero, nobreza e povo, mas surgiu um quarto grupo, que
eram os intelectuais, que gozavam de privilégios do clero e da nobreza e eram
juristas, com direito a isenções e estatuto social).
- Clero –
No clero enquadravam-se os que se dedicavam ao culto divino e professores
universitários, membros das ordens militares e ministeriais. As razões internas do
prestígio do clero vieram da fé dos povos, riquezas e erudição, sendo que a razão
externa era o prestígio do Papa.
O baixo clero englobava párocos e membros das ordens mais pobres mas, por outro
lado, este também se dividia em secular (vivia no meio do povo) e regular (afastado
do mundo).
 Privilégios:
 De foro (membros julgados por tribunais eclesiásticos);
 Isenção de impostos;
 Direito de Asilo (criminosos que se refugiavam em lugares santos
estavam isentos de justiça secular).
 Incapacidades:
 Matrimonial;
 Sucessória (herdar);
 Aquisição de bens de raiz;
 Profissional (comércio).
 Abusos:
 Manipulava imunidades e privilégios;
 Violava culto divino.
- Nobreza –
Os graus de nobreza eram ricos-homens (membros da cúria régia) e infanções
(inferiorez, nobres de linhagem, fidalgos), sendo que estes últimos formaram o grupo de
nobres que apoiou D.Afonso Henriques.
 Factos Aquisitivos:
 Altos cargos;
 Posse de certos bens;
 Sangue; atribuição monárquica por serviço prestado (guerra).
 Privilégios:
 Isenção de impostos;
 Tribunal próprio (foros).
 Deveres:
 Obrigações de fidelidade e vassalagem;
 Código de honra;
 Limitações profissionais.
- Povo –
População Ingénua: cavalaria-vilã (mais próximo da nobreza; riqueza em bens de raiz;
isenções tributárias; obrigação de manter cavalo de guerra e armas próprias) e peões
(trabalhadores livres da terra; aristocracia local).

XXIV. Institutos Jurídicos


Institutos Familiares – formas de organização social que se projetam em normas
ou complexos normativos, resultando laços civis de parentesco, produtores de
consequências nas esfera patrimonial e social de sujeitos.
Família – relevância política como fator fundamental da organização social e
princípio de defesa e conservação das pessoas e bens (clan – agrupa pessoas com
o mesmo antepassado, através de vínculos religiosos).
Família Patriarcal – fundada na autoridade do chefe, que agrega à sua volta e sob
a sua autoridade um grupo de pessoas e meios patrimonais;
Família Conjugal – institucionalização da relação dos cônjuges e cujos efeitos
típicos e imediatos se estendem a graus limitados de parentesco.

Esponsais – recíproca promessa de casamento a celebrar entre os futuros cônjuges


ou entre quem os represente legalmente (primeira fase do matrimónio).
 Período Pós-Clássico – começa-se a legislar para comparar efeitos dos
esponsais aos do matrimónio;
 Direito Germânico – casamento só se efetua após a traditio (transmissão da
mulher e família de origem para o domínio familiar do marido);
 Direito Visigótico – ato deve contrair-se por escrito ou perante testemunhas
para assegurar a sua publicidade (entrega do anel e redigida a escritura
dotal);
 Época Não-Gótica – costume de “donatatio ante nubtias” (doação do noivo
para a noiva de um conjunto de bens, numa perspetiva de segurança no
cumprimento da promessa do casamento; segundo Constantino, a mulher
só teria direito a metade da donatio em caso de viuvez e a cerimónia do
beijo tinha de ter acontecido – lei do ósculo);
 Direito Canónico – era necessária a cópula carnal após a troca mútua da
promessa de casamento.
Casamento – estado entre duas pessoas, que será uma comunhão de vida e refere-se
a um complexo de direitos e deveres de ordem pessoal e patrimonial.
 Direito Visigótico – o casamento tradicional excluía o consentimento da mulher,
dominando a ideia de patrimonialidade e compra e venda;
 Direito Canónico – grande importância do consenso e livre expressão da
vontade, mas havia dúvidas quanto à ideia de liberdade, devido à mentalidade
da sociedade da época e ao facto do poder parental ser exercido até ao
matrimónio.
Casamento Clandestino – casamentos não celebrados no templo perante o sacerdote
ou com testemunhas. Estes não eram nulos, mas devido à ausência de formalidades,
originavam-se sanções espirituais (forma de combate da Igreja).
Relações Patrimoniais dos Cônjuges – os cônjuges mantinham propriedade exclusiva
dos bens que levavam para o casamento, mas a sua administração pertencia ao marido.
A mulher não podia contratar, afiançar, estar em juízo ativa ou passivamente sem
consentimento do marido, a não ser que fosse comerciante. Oos bens adquiridos pelos
cônjuges no matrimónio passariam a ser comuns, à exceção dos adquiridos por doação
ou sucessão.
Poder Paternal – regula relações familiares.
 Direito Romano – autoridade do pater sobre os membros da família e assume
titularidade de todos os bens e relações patrimoniais do grupo com o exterior (a
sua esfera não se extingue com o casamento dos filhos);
 Direitos Germânicos – fundamenta-se na necessidade de ordem doméstica e de
disciplina familiar;
 Direito Visigótico – recai sobre educação, proteção e direção dos filhos, sendo
que o pai tinha a patria potestas e a mulher tinha alguns direitos no domínio da
autorização matrimonial. Se a mulher se tornasse viúva apenas tutelava os filhos
menores.

XXV. Sistema Penal


Regime de Auto-Tutela – a reparação dos crimes tinha a tendência de ser derivada
à autodefesa do próprio defendido ou de grupo familiar em que se integrava, sem
recurso aos esquemas da justiça pública.
Da Vingança Privada ao Monopólio Estatal da Punição
O primeiro passo para a publicização do direito de punir está no facto da comunidade
começar a estabelecer as condições em que a vingança privada pode ser exercida.
De seguida, exige-se que esta vingança seja proporcional á ofensa cometida.
Terceiramente, a autoridade comunitária passa a propôr e depois a exigir que a
ofensa seja ressarcida através da respetiva execução. Finalmente, estabeleceu-se
um regime de arbitragem (1º - meramente facultativa, sendo o árbitro uma entidade
privada; 2º - caráter obrigatório; 3º - pública).
Perda de Paz Relativa (Vingança Privada) – apenas permitida em casos graves,
sendo que, para que a vingança pudesse efetivar-se, o ofendido teria que fazer um
desafio fromal perante a assemblia do concelho e, após ser desafiado, havia uma
declaração de inimizade.
 O que decorre desta declaração?
1. Sanção pecuniária (adiar vingança);
2. Desterro por um determinado período;
3. Inimizade, pela qual o autor do delito, após ser declarado inimigo
iriaser perseguido.
 Como podia cessar a perda de paz relativa?
1. Pagamento em dinheiro, equivalente à ofensa;
2. Composição coporal – quando o criminoso não tivesse bens era
publicamente agredido;
3. Composição por missas – o agressor rezava a mando do ofendido;
4. Composição por prisão – forma de cárcere privado.
Perda de Paz Absoluta – para delitos muito graves e retirava todos os direitos do
infrator (inimigo público), sendo que os seus bens e casa eram destruídos e este era
perseguido e morot por membros da comunidade.
Publicização do Ato de Punir – existiam várias penas públicas oficialmente impostas
pela comunidade: pena de morte, penas pecuniárias, penas corporais, penas privativas
de liberdade, penas infamantes.
Assim, as leis vieram extinguir as formas de auto-tutela para monopolizar o poder
punitivo (reação régia), assim sendo, a defesa da justiça pública também levou ao
impedimento das formas de auto-tutela, através da utilização correta dos ofícios dos
juízes pelos mesmos e a aplicação conveniente da justiça. Em 1325, houve uma lei a
favor da ilicitude da vingança mas, o costume ainda permitia os fidalgos, levando o rei
a reagir negativamente face à vingança em geral mas, com a má reação dos fidalgos,
estes cede com condições. Em 1355, uma lei enumerou os crimes públicos, tornando
obrigatória a investigação oficiosa do juiz independente da queixa dos ofendidos.

PARTE II
I. A Lei
Na primeira parte do período monista, a lei passa a ser um preceito autoritário e
norma/regra obrigatória imposta pela vontade do superior (imperador, reis, príncipes
e comunidades não submetidas ao império), sendo que a lei, para ser válida,
necessita de obedecer a certos requisitos. Em matérias de índole financeira e
tributária, a lei é prerrogativa das Cortes, ou seja, admite-se que algumas leis são o
cerne da sociedade e do aparelho político, não podendo ser derrogadas ou
alteradas, chegando-se então à noção de lei fundamental, verdadeiro precedente da
lei constitucional.
O fortalecimento da posição do legislador atinge o seu cume com D. José I, sendo
que a lei passa a depender da vontade do legislador, podendo este pôr as condições
que quiser.
Forma de Redação:
 Cartas – duravam mais de 1 ano e utilizava-se o nome próprio;
 Alvarás – tinham força de lei, efetuam-se dentro do ano e utiliza-se o nome
do soberano;
 Provisões – diplomas expedidos pelos tribunais;
 Decretos – não levavam no princípio o nome do rei, dirigiam-se a ministro ou
tribunal e estabeleciam coisa singular a respeito de pessoa /negócio ou
interpretar a lei;
 Cartas Régias;
 Resoluções – determinações do rei, em que ele respondia às consultas que
os tribunais lhe faziam;
 Portarias e Avisos dos Secretários de Estado – ordens expedidas por estes
em nome do rei.
Requisitos:
 Observância do bem comum (justiça da norma);
 Em Portugal, Diogo Lopes Rebelo indica que a lei deve ser honesta, justa e
possível conforme à natureza (final do século XV).
Condições para uma lei ser fundamental (D. Rodrigo Pinheiro):
 Fim tem de ser o bem comum;
 Agente não pode exceder autoridade do legislador;
 Matéria não pode proibir a virtude;
 Forma: na concessão de honras e imposição dos encargos a lei guarda
proporção que se observa nos súbditos.
Distinção de Luís Cerqueira:
 Tirano Quod Titulum – leis não têm legislador legítimo e não obrigam em
consciência;
 Tirano Quod Dominium – leis ordenadas por tirano e justas obrigam em
consciência.
Publicação – registo nos livros da Chancelaria Régia e notificação a certas autoridades.
Nas Ordenações Manuelinas, o Chanceler Mor tinha de publicar as leis e nas
Ordenações Filipinas o Chanceler Mor tinha de publicar as leis no próprio dia da emissão
e enviá-las aos Corregedores. Os principais tribunais tinham registos próprios,
nomeadamente a Casa da Suplicação com o Livro de Posses e Livrinho da Relação, e
a Casa do Cível com os Livros das Esferas.
Vigência – efetividade no país após 3 meses da publicação na Chancelaria da Corte.
Dispensa de Lei – como a lei é uma manifestação da vontade do príncipe, este pode
isentar/dispensar o seu cumprimento, sendo o requisito para tal a justa causa
(racionalidade e realização do bem comum).
Regimento Quatrocentista da Casa da Suplicação – simples escrito particular com
regulamentação interna do mais alto tribunal do país. Está dividido em duas partes:
competência orgânica e funcional da Casa da Suplicação e alegações gerais para julgar.
O autor do regimento indica que o rei mandava pôr nas sentenças a lei, ou dito de
Bártolo, declaração ou lei do reino.

II. Ordenações
As ordenações são compilações ou coletâneas das leis do reino que tinham como
objetivo acentuar a prevalência da lei face a outras fontes de Direito, não
obedecendo a uma ordem sistemática de organização, chegando a ter leis
contraditórias enão obedeciam a 3 requisitos para serem considerados um código:
científico, sistemático e sintético.
- Ordenações Afonsinas -
Estas ordenações tinham um total de 5 livros: I. Cargos Públicos; II. Igreja, clérigos,…;
III. Processo Civil; IV. Direito Civil; V. Direito Penal. Também havia uma distinção entre
o I e os restantes Livros.
D. João I encarregou João Mendes da ordenação das leis mas, após a morte deste
último, o Doutor Rui Fernandes concluiu a obra em 1446, sendo o Infante D. Pedro quem
as mandou rever. Por sua vez, em 1447, o trabalho de revisão foi concluído.
Nestas ordenações, o Livro I foi escrito num estilo legislativo (forma de redigir a lei como
se estivesse a ser criada naquele momento, sendo um estilo mais perfeito do ponto de
vista técnico). Por outro lado, os restantes Livros foram escritos num estilo compilatório
(transição da norma jurídica, incluindo versões anteriores, comentários e anotações,
sendo um estilo mais perfeito do ponto de vista histórico).
Estas ordenações tiveram grande importância pois revestiram a tentativa de reduzir o
direito pátrio a um corpo devidamente sistematizado e ordenado.
Fontes:
1. Principais – lei do reino, estilo da Corte e costume antigamente utilizado no
reino. Caso não resolvessem o caso, recorrer-se-ia às fontes subsidiárias.
2. Subsidiárias – o Alvará de 1425 levou à redefinição do sistema de fontes
subsidiárias, sendo que D. João I valorizou a Opinião de Bártolo devido à Carta
Régia de 1426. O Regimento da Casa da Suplicação deu prioridade ao direito
nacional face ao Direito Romano e ordenou os valores das opiniões de Acúrsio
e Bártolo. Deste modo, iniciava-se conjuntamente com o Direito Canónico e
Direito Romano, remetendo para o Utrumque Ius, sendo que o Direito Canónico
tratava de questões espirituais e temporais de pecado, e o Direito Romano
tratava de questões temporais, exceto se, contrariando o Direito Canónico,
originasse matéria de pecado. Se estas fontes não resolvessem, passaríamos à
Glosa de Acúrsio e, caso também não resolvesse, à Opinião de Bártolo,
independentemente da opinião contrárias dos outros doutores (primazia face à
opinião destes), pois era algo já usado. Se a Opinião de Bártolo não determinar
o caso, aplicava-se a resolução régia, que valeria para casos futuros
semelhantes.
- Ordenações Manuelinas -
D. Manuel confiou a vários jurisconsultos o trabalho de reformar e ampliar as
Ordenações. Em 1512/13 foram redigidos os Livros I e II por Valentim Fernandes e em
1514 todos os 5 Livros por Pedro de Bonhomini. Por fim, em 1521, D. Manuel ordena a
revisão definitiva e impressa.
Quanto à técnica legislativa utilizada, houve um progresso pelo facto dos preceitos
terem sido redigidos em estilo decretorial, Estas seguem as Afonsinas dos pontos de
vista sistemático e de conteúdo e diferenciam-se pela supressão de disposições que já
não vigoravam e pela introdução de outras. Existem 2 versões destas ordenações
devido à expulsão dos mouros de Portugal e devido à evolução da dinâmica legislativa
acelerada nessa época. Esta evolução levou à criação da Legislação Extravagante (leis
não incluídas nos grandes corpos legais, mas com força de lei).
Fontes:
1. Principais – mantiveram;
2. Subsidiárias – introduziram a opinião comum dos doutores como critério filtro
de utilização e de tutela da Glosa de Acúrsio (apenas utilizada se não pudesse
ser contrariada opinião comum dos doutores proferida em momento posterior à
Opinião de Bártolo, sendo uma limitação à mesma) e da Opinião de Bártolo.
Outra alteração, recaiu sobre o Direito Canónico e o Direito Romano, deixando-
se de utilizar a distinção entre questões de natureza espiritual e temporal para
determinar a sua aplicação em concreto. Assim, o critério de pecado era a forma
de prevalência do Direito Canónico sobre o Direito Romano.
- Ordenações Filipinas -
Com a criação da Relação do Porto, Lei da Reformação da Justiça e reforma das
Ordenações, D. Filipe I renovou o campo do Direito. Em 1595, as ordenações estavam
terminadas e, em 1603, viram a sua vigência em Portugal com Filipe II de Portugal.
Estas Ordenações mandavam cessar todas as leis extravagantes menos as
Ordenações da Fazenda, Artigos das Sisas e leis do Livro da Casa da Suplicação. Não
obstante, com a reforma filipina, houve necessidade de cortar a ligação entre poder
temporal (Direito Romano) e poder espiritual (Direito Canónico).
As principais fontes principais e subsidiárias mantiveram-se, mas introduziram-se
conceitos mais específicos que recaiam sobre o estilo da Corte, que passou a ter
correspondência com o costume judiciário (prática reiterada nos tribunais superiores e
seguiram, posteriormente, pelos tribunais inferiores), tinha de ser plural (usado por mais
de um tribunal), antigo (pelo menos 10 anos) e conforme à razão e à lei. Para ser fonte
principal, o costume tinha de ser plural, antigo (mais de 100 anos) e conforme à razão
e à lei. As fontes hierárquicas mantiveram a sua hierarquia, menos a Opinião de Bártolo,
que ficou mais reforçada devido à valorização das suas opiniões na prática jurídica.
Estas ordenações eram uma cópia atualizada e retocada, mas, por vezes, o trabalho
dos compiladores foi pouco claro, sendo que não ficou isento de contradições e falta de
inovação fizeram com que estes defeitos fossem denominados “filipinos”.

III. Reformas Pombalinas


A Monarquia tirou legitimidade da auctoritas pontifícia verificando-se a
superlatividade do Papa face aos governantes seculares. Assim, a ação de Marquês
de Pombal, no domínio da política interna, foi orientada para o reforço do poder do
Estado, no qual o controlo e subordinação do poder da Igreja (pretensões e
interesses de alguns príncipes e orgulho nacional de vários países, levou à
contestação da autoridade romana nos planos espiritual e temporal) e da nobreza,
foram vetores essenciais, assim como a forte intervenção reformista nos domínios
institucionais.
Com o Terramoto de 1755, Marquês de Pombal pôde reconstruir a Baixa lisboeta,
com um projeto que concretizava a ideia iluminista da racionalidade e do rigor e
evidencia um novo conceito de espaço urbano. O atentado ao rei D. José permitiu-
lhe uma afirmação inequívoca de poder.
No campo jurídico, surge a Lei da Boa Razão (18 de agosto de 1769) e a Reforma
dos Estudos Universitários. A polarização do Direito e da ciência jurídica surge, em
Portugal, com os “estrangeirados”, que eram letrados e cientistas nacionais que pela
sua permanência no estrangeiro conheciam a mentalidade e as novas correntes de
pensamento europeias.

IV. Lei da Boa Razão (18 de agosto de 1769)


Boa Razão – aquela que consiste nos princípios que contêm verdades essenciais e
inalteráveis, que a ética dos romanos estabeleceu e o Direito Divino e Natural
formalizaram para servirem de regras morais, civis e o Cristianismo.
Esta lei é uma manifestação das ideias jusnaturalistas e iluministas, representando
o dogma supremo da atividade interpretativa e integrativa. Este diploma visou o
impedimento de irregularidades em matérias de assentos e quanto à utilização do
direito subsidiário e fixou normas sobre a validade do costume e os elementos a que
o intérprete podia recorrer para o preenchimento de lacunas, que eram:
 Primazia do direito pátrio e estilos da Corte (costume de origem judiciária,
não podia contraria a lei, tinha de ter mais de 10 anos, ser plural e, após
1757, conforme à boa razão; tinha força de lei e, em 1605, tinham de ser
aprovados e estabelecidos por Assento de Mesa Grande);
 Assentos da Casa da Suplicação (a Casa da Suplicação era o tribunal
supremo e os assentos só tinham valor normativo através de confirmação
deste tribunal, sendo estes os únicos que valiam. Não obstante, estes
assentos eram recurso para o rei);
 Costume (a partir de 1769, para valer como fonte de direito tinha de ser
conforme à boa razão; não contrariar a lei e ter mais de 100 anos; deixa de
existir o costume contra legem; para ter força de lei tinha de ser segundo a
vontade do rei; ter mínimo de 2 atos para ser juridicamente vinculante);
 Casos omissos (se o direito pátrio não der solução, recorre-se ao direito
subsidiário, sendo que o Direito Romano só se aplica quando conforme à
boa razão; o Direito Romano e o direito internacional eram fontes
subsidiárias);
 Lacunas políticas, económicas, mercantis ou marítimas – o Direito Romano
era recusado, pois era considerado inadequado à disciplina destas matérias
recentes, devido à sua antiguidade;
 Direito Canónico deixou de ser fonte subsidiária e é da competência dos
tribunais eclesiásticos. O critério de pecado acabou devido a esta lei (lei civil
de competência do tribunal civil e lei eclesiástica da competência do tribunal
eclesiástico);
 Glosa de Acúrsio e Opinião de Bártolo (proibição do uso da Glosa, Opinião
de Bártolo e opinião dos comuns doutores, por serem detentores de
imperfeições jurídicas face aos conhecimentos históricos e linguísticos,
assim como a ignorância das normas fundamentais do direito natural e
divino).

V. Reforma dos Estudos Universitários


Esta reforma foi implementada por Marquês de Pombal, sendo que foi implementada
uma comissão – Junta de Providência Literária – para levantar as causas da
decadência do ensino universitário português e definir o critério adequado à sua
reforma, ficando então responsável pela elaboração dos novos Estatutos da
Universidade. Em 1711, a Junta apresentou o seu parecer, criticando o estado da
Universidade de Coimbra e a sua organização, defendendo o ensino da Teleologia
em faculdade própria e a não interferência da Igreja na Universidade.
Esta reforma foi favorável aos estudos, passando a ser 6 faculdades (Matemática,
Filosofia, Medicina, Leis, Cânones e Teleologia) e criou-se a cadeira de Direito
Natural e das Gentes e o ensino das Instituições de Direito Pátrio e da História do
Direito.
O ensino romano passou a ser estudado à luz dos princípios da corrente do “usus
modernus Pandectarum”, abandonando o método bartolista.
Quanto ao método de ensino, passou a ser obrigatório fornecer aos estudantes uma
visão geral de cada disciplina, procedendo-se à explicação científica das conclusões
retiradas.
Usus modernus Pandectarum – movimento que surgiu no século XVII, seguindo o
pensamento humanista, e criticando o trabalho dos prudentes, defendendo a
necessidade de atualização do Direito Romano. S seus defensores indicavam que
o Direito Romano era subsidiário ao direito régio, mas só se deveria aplicar se fosse
atualizado, devendo-se assim distinguir o Direito RVIIomano caduco do que fosse
suscetível de aplicação moderna.

VI. Racionalismo Jurídico


Este movimento surgiu no século XVIII, sendo a manifestação jurídica do iluminismo,
realçando a importância da razão, que devia ser considerada a reta razão, iluminada
pelo conhecimento humano e não pelo divino. Os racionalistas do Direito Natural
defendiam a existência de um direito natural eterno e imutável assente na razão
humana. A Lei da Boa Razão e a Reforma dos Estatutos da Universidade foram
manifestações racionalistas.
Assim sendo, o racionalismo jurídico pretendia afastar o Direito Romano e substituí-
lo pelo Direito Nacional.
Verney criticou o ensino do Direito em Portugal e afirma-se contra Bártolo, opinião
comum dos doutores, excessivo romanismo, silogística jurídica, excessivas citações
e ausência de conhecimentos históricos.

VII. Humanitarismo Jurídico


Este movimento surgiu no fim do século XVIII, desenvolvendo-se no século XIX com
o Iluminismo, defendendo uma atenuação das penas cruéis e infamantes.
Tendo em conta a aplicação desproporcional do Direito Penal nas Ordenações, o
Humanitarismo Jurídico defendia um Direito Penal que consagrasse o princípio da
legalidade, da humanidade e da proporcionalidade na aplicação das penas.

VIII. Questão do Novo Código


Em 1779, D. Maria I nomeou uma comissão para a reforma das Ordenações Filipinas
e a elaboração de um novo código. Esta decisão teve em conta a antiguidade de
algumas leis, a existência de outras que não se sabia se estavam ou não revogadas,
a existência de leis que levantavam dúvidas de interpretação na prática forense e
leis cuja experiência aconselhava a modificar.
Como o trabalho desta comissão não foi produtivo, em 1783 Melo Freire (parte da
comissão revisora) foi incumbido de reformas os Livros II e V das Ordenações
(direito público político-administrativo e direito penal). Assim, em 1789 foi nomeada
uma Junta de Censura e Revisão, da qual fazia parte Ribeiro Santos, que censurou
Melo Freire.
Melo Freire defendia um despotismo esclarecido (monarquia pura), sendo
absolutista, simpatizante de teses hierocráticas, para ele a autoridade do rei vinha
do povo, em Portugal não havia limite para o poder do rei, a sucessão do reino devia
ser decidida pelas atas das Cortes de Lamego e o reino de Portugal pertence ao rei
para nele exercer o livre império e administração. Não obstante, quanto ao monismo
legalista, este indica que os Assentos da Casa da Suplicação têm força para resolver
dúvidas sobre ratio das leis.
Ribeiro Santos era pró-liberal (liberalismo), a favor das teses anti-hierocráticas e
defendia que o poder do rei estava limitado pelas leis fundamentais (convenção
expressa/tácita entre o povo e o soberano, devendo garantir direitos invioláveis,
foros e privilégios do corpo da nação e dos diferentes estados do reino) e que os
povos deram poderes de administração ao rei.
No entanto, ambos consideravam o Direito como monopólio do Estado, quer fosse
produzido exclusivamente pelo rei (Melo Freire), ou dividido entre o rei e as Cortes
(Ribeiro Santos). Ambos concordavam com uma visão monista (contra a sociedade
pluralista), em que a lei era praticamente fonte exclusiva de Direito e com o retiro do
Direito Romano enquanto direito subsidiário.
Quanto ao Direito Criminal, Melo Freire defendia soluções como a pena de morte
para vários delitos e esquartejamento em caso de crime de traição e, Ribeiro Santos,
defendia a abolição da pena de morte, pois era uma guerra contra o cidadão.

IX. Movimento Geral da Codificação


Este movimento encontra raízes na receção das conceções sobre ordem jurídica,
na produção doutrinal e na vontade política de reformar o corpo do direito pátrio,
assim sendo, a codificação serviu para simplificar o conhecimento das leis.
- Direito Comercial -
Em 1833, Ferreira Borges redigiu o Código Comercial, que veio a ser o primeiro
código moderno português. Tendo em conta que o comércio é a principal fonte de
riqueza da população, era necessária uma legislação adequada, criando-se um
código que fixasse os princípios de todas as transações mercantis. Com a
necessidade de segurança das transações, as leis estrangeiras vigoram como
direito subsidiário.
Não obstante, devido à incompleitude da legislação pátria, pretendia-se a existência
de um código com normas relativas ao comércio em terra e marítimo e à organização
e competência dos juízos comerciais (organização judiciária própria e processo
comercial autónomo), através de uma linguagem pura e clara.
Mouzinho da Silveira assinou um Decreto, criando uma comissão para redigir os
códigos comercial e criminal mas, João António de Magalhães propõe a D. Pedro
uma nova comissão, que também acabou por ter de proceder à divisão judicial do
reino. Esta comissão tinha de fazer um projeto de Decreto para regular o exercício
da liberdade do cidadão na publicação dos seus pensamentos e opiniões através da
imprensa.
O Código Comercial, produto de trabalho individual de Ferreira Borges, tinha 3
partes: comércio marítimo, terrestre e organização do foro mercantil e das ações
comerciais.
Fontes: Código francês, projeto de Código Comercial italiano e Código Comercial
Espanhol de 1829; em matéria de organização de foro, não recorreu a fontes
externas.
Este código vigorou até à entrada em vigor do atual código (1888/89).

- Constituição de 1822 e Carta Constitucional de 1826 –


A Constituição de 1822 propunha o enquadramento do território em circunscrições
maiores (distritos), á frente das quais estaria um administrador-geral, atribuindo-se-
lhe intervenção em todos os assuntos da administração pública.
A Carta Constitucional de 1826 denominou as circunscrições maiores (províncias).
- Códigos Administrativos –
Mouzinho da Silveira determinou a divisão do território em províncias, comarcas e
concelhos, sendo que cada um tinha os representantes do governo central
(perfeitos, sub-perfeitos e provedores), revogando definitivamente os forais.
Como reação ao Setembrismo, Mouzinho da Silveira elabora, em 1836, o primeiro
Código Administrativo português, na sequência da redução do número de
concelhos. Assim, propunha-se a divisão do território em distritos, concelhos e
freguesias, tendo à frente um administrador-geral, um administrador e um regedor,
escolhidos pelo governo em listas votadas.
Durante a vigência deste código, surgiu a Constituição de 1838, mantendo os órgãos
existentes e remetendo para a lei ordinária aquando da estrutura municipal e
concelhia.

- Código Penal –
No século XIX, o Direito Penal português tinha na sua base no Livro V das
Ordenações Afonsinas (delitos e penas). A pena de morte era muito utilizada, sendo
que, a prisão, tinha caráter preventivo, podendo ser natureza repressiva. As penas
são de aplicação desigual conforme a condição social do réu e até mesmo
transmissíveis e, não obstante, a tortura é admitida como prova, começando-se a
legislar para colmatar estas situações.
A pena deve ser conforme aos casos, sendo que uma lei de 1606, uma carta de lei
de 1639 e um Decreto de 1668 (é mais favorável a brevidade na imposição da pena),
complementando-se em 1671 (linha do absolutismo político
Também é possível afirmar que houve um- a grande influência do Humanitarismo
Jurídico na execução das penas (abertura a novas doutrinas), sendo que em 1759
já existiam disposições,
Freire de Mello critica o estado caótico da legislação e o obscurantismo da lei, que
não garante a univocidade da sua interpretação (ordenações são condenadas,
rejeitando formas gravosas de reação social). Em 1821, nomeou-se uma comissão,
com sede em Coimbra, para elaborar “Código de Delitos e Penas e da Ordem do
Processo Criminal.
Em 1836 foi introduzida a pena de morte mas, a sua vigência só será quando as
Cortes Gerais não aprovarem um projeto melhor (caráter de transitoriedade). Devido
ao constante fracasso, em 1845 uma comissão foi encarregue de redigir os projetos
do Código Civil e Penal mas, pela mesma razão, em 1853 foi elaborada uma nova
comissão, para o código ser revisto e aperfeiçoado.
À reforma de 1867, associa-te à Reforma Penal (1884) e, em 1886, foi elaborado o
Código Penal.

- Código Civil –
Em 1821 foi constituída uma comissão de justiça civil e foi oferecido às Cortes um
projeto de Bentham. Em 1822, Bastos apresentou às Cortes um código que devia
ser dividido em duas partes (código civil e processo civil) mas, com a Vilafrancada,
a dissolução das Cortes deitou por terra o concurso.
Coelho da Rocha descreve as insuficiências das reformas pombalinas, que
pretenderam substituir o método analítico ligado às tradições da escolástica e o
método de ensino ligado à prática jurídica.
Em 1826, procedeu-se a uma tentativa de elaboração de um Código Civil, nomeando
uma comissão que publicou, em 1827, o seu parecer seguido de um projeto de lei
(moroso).
Em 1828, a legislatura terminou com a reação dos absolutistas, retomando o
assunto através de projeto de lei preparado por uma comissão parlamentar de
legislação, atribuindo prémios pecuniários a quem apresentasse um novo projeto
até 1837. No entanto, tal foi sancionado por D. Maria em 1835.
Em resposta, Correa Telles apresentou às Cortes um projeto de Código Civil, que
acabou por ser remetido à comissão de legislação. Em 1845, foi constituída uma
comissão para redigir os projetos dos códigos civil e penal. Em 1867, deu-se a
elaboração do primeiro Código Civil português e a sua aprovação e publicação.

- Direito Processual –
Este direito é consequência da necessidade de dirimir conflitos resultantes da
violação do direito substantivo ou da insusceptibilidade de determinar o seu real
alcance. Com a Reforma Judiciária de 1832, Nova Reforma Judiciária em 1837,
Novíssima Reforma Judiciária de 1841, contêm disposições relativas à organização
judiciárias (tribunais). Em 1876 surge o primeiro Código de Processo Civil.

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