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Petição pela anulação da PACC por ser ilegal e anticonstitucional

Peticionários:

Nuno Miguel Gonçalves Ribeiro

João Nuno Rafael Oliveira

Carina Eduarda da Silva Marques

Ricardo Rodrigues dos Santos

Rui Manuel Antunes Rodrigues

Comissão de Educação, Ciência e Cultura

Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, Deputado Abel Baptista

Coordenadores e membros dos Grupos Parlamentares representados na comissão.

Audição - I

Na qualidade de primeiro peticionário, venho por este meio contextualizar e reiterar as


alegações sustentadas por esta petição.

A petição pela anulação da PACC, Prova de Avaliação de Conhecimentos e Competências,


surge no culminar de uma sequência de eventos, iniciados pela decisão do MEC em instituir
uma prova, que, devido à sua natureza e estrutura, colocou em causa um conjunto de valores
e princípios. Afirmamos que a versão aplicada, além de não respeitar os princípios sob os quais
foi prevista no Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos
Básico e Secundário, promove a desigualdade na sua resolução.

Em primeiro lugar, com esta prova, o MEC vem lançar o sentimento de suspeição sobre a
qualidade e legitimidade das avaliações emanadas das instituições de ensino superior,
instituições que são tuteladas pelo próprio estado. Facto que o Sr. Ministro da Educação
reconheceu publicamente em entrevista a um canal televisivo. É também de recordar que os
cursos tutelados pelo MEC nunca ofereceram qualquer tipo de formação à maioria dos cursos
sobre as dimensões que vêm agora examinar na PACC. Nunca promoveram nas universidades
as competências que na PACC agora consideram transversais.

Em segundo lugar, o MEC determinou inicialmente que a PACC deveria ser aplicada a todos os
professores contratados, sob a premissa de implementar qualidade e rigor no ensino público.
Incompreensivelmente, o MEC abdicou dessa premissa após uma negociação pouco
transparente com um único sindicato, acabando por rever a sua posição e determinando que a
prova seria aplicada afinal apenas aos docentes com menos de cinco anos de serviço. Na
prática, a prova passaria a visar apenas aqueles que não conseguem habitualmente, por
questões que lhes são alheias, serem colocados nas escolas públicas, deitando por terra a ideia
inicial que a prova promoveria rigor e qualidade no ensino. Questionamos como é possível
promover rigor no ensino por intermédio de um exame que é aplicado aos que não fazem
parte do ensino? Do MEC não emanou nenhuma explicação satisfatória para tal recuo,
justificando esta decisão com a negociação que efetuou com apenas um sindicato, como
contrapartida de algo que não foi clarificado. Promove-se desde logo uma clara desigualdade
dentro do universo dos professores contratados com esta decisão injustificada.

Em terceiro lugar, a desigualdade no processo verifica-se em várias circunstâncias:

 Houve docentes que, por insuficiência económica, não conseguiram pagar o


emolumento de 20 euros por uma componente geral da prova, mais 15 euros por cada
grupo de recrutamento relativo à componente específica. Não houve contudo,
qualquer apoio ou isenção concedido pelo MEC a quem se encontrasse nessas
condições.
 Não houve a divulgação devida de critérios que regulassem a justificação da falta à
PACC por motivos de gravidez. Houve casos em que docentes com gravidez de risco
foram dispensados da PACC, mas a licença de maternidade em que algumas docentes
se encontravam não foi respeitada e houve docentes que foram excluídas em pleno
exercício desse direito, não lhe tendo sido dado qualquer alternativa.
 A componente geral da PACC foi então aplicada aos docentes com menos de cinco
anos de serviço, sob enorme falta de condições para a realização da mesma, e sem
conhecerem quaisquer critérios de correção, ou sequer quem iria fazer a correção das
suas provas. Posteriormente o MEC decidiu abdicar da componente específica, por
motivos que não esclareceu devidamente.
 Muitos docentes que na primeira “chamada” foram impedidos de realizar a prova por
falta de condições, não foram chamados a realizar a segunda “chamada”, tendo sido
excluídos sem qualquer explicação satisfatória.

Em quarto lugar, após a publicitação das listas definitivas de ordenação de docentes na


reserva de recrutamento, aqueles que não realizaram a PACC (por considerá-la ilegal), e
aqueles que não aprovaram na mesma, viram-se excluídos da possibilidade de celebrarem
contratos futuros com o MEC durante o corrente ano letivo.

 É de notar, que à data do início da primeira fase do concurso de reserva de


recrutamento, a PACC encontrava-se suspensa, e os docentes concorreram sob essa
premissa. Todavia, foram incompreensivelmente excluídos. O MEC revogou
ilegalmente as condições que regulavam o processo de candidatura no momento em
que este se iniciou, incluindo um item eliminatório já no decorrer do processo.
 A PACC assumiu então o seu papel de fator eliminatório único no concurso de
docentes, por oposição a todas as qualificações académicas destes, que se distribuíam
por licenciaturas, pós-graduações, mestrados e doutoramentos.

Posto tudo isto, e considerando o peso atribuído a esta versão da PACC na possibilidade de
acesso à carreira docente nas escolas tuteladas pelo estado, os peticionários aqui
representados fizeram uma análise rigorosa do conteúdo e estrutura da versão apresentada
pelo MEC, chegando à conclusão que a mesma não respeita, nem o espírito da PACC prevista
no Estatuto da Carreira Docente, nem a Constituição Portuguesa.
O MEC anunciou aos candidatos a candidatos que a prova avaliaria, segundo consta no
Estatuto da Carreira Docente, e que cito: “A prova visa verificar o domínio de conhecimentos
e capacidades fundamentais para o exercício da função docente”.

Haveria lugar a uma componente geral, que avaliaria as capacidades lógicas, matemáticas e
críticas, e resolução de problemas em âmbitos não disciplinares. Não houve porém qualquer
alusão à necessidade do domínio do português, tanto na sua vertente gramatical como
discursiva (o que acaba por se referir ao Português como como assunto não disciplinar – mas
que todavia é disciplinar para os docentes de Português).

 A componente específica examinaria temáticas específicas a cada grupo de


recrutamento.
 No entanto, por motivos que o MEC nunca esclareceu devidamente, apenas a
componente geral foi aplicada, quando existiu um acordo tácito entre o MEC e os
inscritos para a prova, que seriam examinados numa componente específica. Esta
circunstância é comprovada pelo facto do MEC ter cobrado na inscrição o valor
relativo à realização de uma componente específica. (O que poderia levar agora a falar
em ações de má fé).
 A competência pedagógica, ética e científica não foram incluídas nas dimensões que o
MEC considera importantes para determinar a competência geral de um docente, algo
que qualquer ser pensante reconhecerá imediatamente como ridículo.
 As questões propostas na componente geral beneficiam claramente os professores de
algumas áreas em detrimento de outras, enumerando como exemplo os casos dos
docentes de matemática, português e filosofia. É fácil chegar a esta conclusão pois as
questões da componente geral são afetas aos professores destas disciplinas, matérias
que eles próprios ensinam, e, que de alguma forma, fogem um pouco do âmbito da
maioria das outras disciplinas e níveis de ensino. É por demais evidente que serão
resolvidas com mais facilidade pelos professores destas áreas, colocando-os em
posição de desigualdade vantajosa face a todos os outros.

Se nos remetermos à Constituição da República, constatamos que existe um atropelo ao


Artigo 13º da Constituição, o princípio da igualdade, nomeadamente o número 2 deste
artigo, que passo a citar:

 “2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer


direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua,
território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação
económica, condição social ou orientação sexual.”
 A instrução académica dos professores das áreas atrás mencionadas coloca-os numa
posição de vantagem injusta na realização desta “versão” aleijada da PACC. É
impossível afirmar que todos os docentes estão em condições de igualdade quando as
questões de um exame comum a todos são da área de especialização de apenas alguns
deles. Não se pode deduzir que haja justiça e igualdade na aplicação de uma prova
onde alguns são peritos relativamente a todos os outros.
O MEC viola também o Artigo 43.º da Constituição. Liberdade de aprender e ensinar,
nomeadamente o nº 2 deste artigo, que passo a citar:

 “2. O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer


directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.”

 Ao impor uma prova com esta natureza de parcialidade, o MEC está a programar a
educação segundo diretrizes filosóficas e ideológicas. Essa clara programação, onde se
insere o recrutamento de docentes, evidencia-se pelo simples facto do MEC defender
um número restrito de temáticas e matérias como fundamentais na avaliação da
competência de um professor, escrutinadas sob a forma da PACC na sua componente
exclusivamente geral.
 Não existiu componente específica, pedagógica, ou até uma componente que avaliasse
a ética profissional, algo fundamental para determinar se um docente está apto ou não
a cumprir as funções que tem que desempenhar.

Considerações

Após análise atenta e contextualizada, percebe-se que a educação vem sendo programada
segundo os valores pessoais do Sr. Ministro, e levando em consideração que já foi Presidente
da Sociedade Portuguesa de Matemática, entende-se a tentação que terá em fazê-lo segundo
as suas convicções pessoais. Todavia, educar é muito mais que um raciocínio matemático ou a
pontuação de uma frase. As competências “Fundamentais” de um docente não se examinam
em apenas duas horas. A ideologia subjacente a esta forma de programar a educação revela a
ausência gritante de um pedagogo na pessoa do Sr. Ministro da Educação.

Também não se compreende por que motivo despreza o MEC toda a avaliação que se faz
anualmente nas escolas em exercício de funções. Avaliação que cobre as vertentes científicas,
pedagógicas, éticas, entre muitas outras, por comparação a uma prova mal programada,
tendenciosa e incompleta.

O Sr. Ministro da Educação demonstra não confiar em nenhuma estrutura educativa para
efetuar uma avaliação fidedigna, e decidiu tomar nas suas mãos todo um processo avaliativo,
que ao invés de ser implementado desde o ingresso na universidade, pelo estágio profissional,
por todos os graus académicos adquiridos, e passando pelo período em exercício de funções
docentes, é processado precipitadamente em meros 120 minutos, de forma irresponsável e
irrefletida. Se o motivo dessa desconfiança se localiza no ensino superior, então que se fiscalize
o mesmo, ao invés de procurar bodes expiatórios para justificar a falta de entendimento que
existe entre o MEC e as estruturas que tutela, algo que tem vindo a tornar-se cada vez mais
evidente nas últimas semanas.

Vimos aqui hoje, na esperança que este assunto seja esclarecido e se cesse de prejudicar
injusta e ilegalmente os docentes visados pela PACC. Se uma PACC que examinasse os
conhecimentos acerca da Constituição fosse aplicada no acesso a determinados cargos, talvez
não estivéssemos aqui hoje.
Audição – II

Nota de Admissibilidade da Petição n.º 423/XII/3ª 4 - II – Análise da petição

(4.) O Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e
Secundário, na alteração aprovada pelo Decreto-lei n.º 15/2007, de 19 de janeiro, prevê
como requisito de admissão a concurso para ingresso na carreira (artigo 22.º), a aprovação
em prova de avaliação de conhecimentos e competências.

(6.) O artigo 3.º do Decreto-Regulamentar n.º 3/2008 dispõe sobre o objetivo da prova,
estabelecendo o seguinte:

“1 - A prova visa verificar o domínio de conhecimentos e capacidades fundamentais para o


exercício da função docente.

2 - A prova tem obrigatoriamente uma componente comum a todos os candidatos que visa
avaliar a sua capacidade para mobilizar o raciocínio lógico e crítico, bem como a preparação
para resolver problemas em domínios não disciplinares.

3 - A prova pode ainda integrar uma componente específica relativa ao nível de ensino, área
disciplinar ou grupo de recrutamento dos candidatos, conforme consta do anexo I ao
presente decreto regulamentar e que dele faz parte integrante.”

Algumas Considerações:

- Não é existência de uma prova, que está prevista no E.C.D., que está a ser contestada pela
petição, mas a prova tal como foi efetivamente aplicada e a desigualdade que promoveu entre
docentes na sua aplicação. O MEC considera que a prova avaliou competências básicas e
transversais a todos os docentes, porém, essa opinião do MEC, não anula a premissa que
alguns são beneficiados relativamente aos restantes.

- Serão fundamentais apenas as dimensões referentes aos problemas em âmbitos não


disciplinares e referentes ao raciocínio lógico-matemático?

- O que constituem âmbitos não-disciplinares para uns são âmbitos disciplinares para outros.

- Não serão importantes para a profissão docente as dimensões pedagógicas, éticas,


científicas, entre outras?

- Não é tudo isto uma forma clara de programar a educação segundo princípios ideológicos?
Algo que viola o nº 2 do artigo 43 da constituição?

- É este o perfil que o MEC preconiza como fundamental para a docência? Um perfil de
professor despersonalizado e sem competências pedagógicas ou científicas?

- Analisando a PACC como instrumento avaliativo eliminatório: Esta assume um carácter


retroativo e contraria todas as disposições legais que conferiam o grau académico de professor
à altura da sua formação académica. O que vai contra as disposições consagradas no Artigo 9º,
alínea b, da Constituição. “Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos
princípios do Estado de direito democrático.”

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