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Como funciona a análise fundamentalista

de ações
Entenda como os investidores analisam balanços e
fazem contas para avaliar se determinada empresa está
ou não barata
Por Julia Wiltgen
access_time Publicado em - 30 dez 2013, 11h22
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São Paulo – Nem todo mundo que investe por conta própria na bolsa é especialista em
economia, negócios e finanças. Por isso mesmo, os relatórios de analistas de mercado
acabam se tornando essenciais para ajudar na hora de escolher os melhores papéis e as
empresas mais sólidas. Quem busca investimentos com boa rentabilidade no longo
prazo – como forma de poupança ou mesmo de formação de uma previdência
complementar – provavelmente vai se identificar mais com a análise fundamentalista,
escola mais tradicional dos estudos de mercado. É claro que nem todo mundo será capaz
de se transformar em um Warren Buffet, grande entusiasta dessa complexa vertente de
análise. Mas vale a pena compreender alguns dos conceitos que a norteiam.

A análise fundamentalista busca, basicamente, avaliar a saúde financeira das empresas,


projetar seus resultados futuros e determinar o preço justo para as suas ações. Para isso,
os analistas levam em consideração os chamados fundamentos da empresa, isto é, todos
os fatores macro e microeconômicos que influenciam no seu desempenho. A partir de
uma minuciosa análise de todos eles, é possível projetar os resultados da companhia no
longo prazo, em geral num período de cinco a dez anos. “A análise fundamentalista é
uma foto do momento da empresa, que permite aos analistas projetar o futuro”, resume
Samy Dana, professor de finanças da FGV-SP.

Por buscar entender todos os fatores que influenciam o desempenho dos negócios de
uma companhia, a análise fundamentalista encara o investimento em ações de uma
maneira especial: o investidor se torna sócio da empresa. Uma boa análise leva em
conta tanto fatores macro quanto microeconômicos. “Nós sabemos que as empresas não
dependem só delas mesmas. Em um momento de crise, por exemplo, mesmo aquelas
que tomam atitudes acertadas podem ter problemas”, explica Dana.

Assim, de um lado, o analista avalia fatores como inflação, taxas de juros, câmbio,
Produto Interno Bruto (PIB), finanças públicas e decisões governamentais; de outro,
olha para as características do setor em que a empresa atua, seus concorrentes e para os
resultados da empresa, como balanços, dividendos, lucro, governança corporativa etc. A
análise da empresa leva em conta, portanto, tanto o lado quantitativo – seus números –
quanto o qualitativo – seus controladores, executivos, a composição do conselho
administrativo e assim por diante. “Damos cada vez mais ênfase ao lado qualitativo,
pois muitas vezes é o motivo de as ações da empresa serem baratas”, alerta Rafael
Rodrigues, diretor de renda variável da gestora de recursos Rio Bravo.
Mas como todos esses fatores impactam no preço das ações e nas perspectivas de
rentabilidade dos investimentos? É relativamente simples. Esses dados ajudam os
analistas a determinar o “preço justo” das ações e, com isso, identificar se elas estão
super ou subavaliadas pelo mercado. Embora as informações usadas como base pelos
fundamentalistas sejam todas públicas, análises profundas levam não só à identificação
de bons negócios para seus acionistas, como também à descoberta do que o mercado
não está precificando.

Por exemplo, uma empresa com saúde financeira impecável pode estar subavaliada
devido a problemas de governança de conhecimento dos grandes investidores, ou
simplesmente por causa de eventos atípicos que não se refletem nos balanços, mas que
serão passageiros. Cabe ao bom analista saber diferenciar. A avaliação do “preço justo”
da ação também permite identificar investimentos relativamente mais seguros. “Busca-
se uma discrepância entre o valor intrínseco da companhia e seu preço de mercado.
Quanto maior essa diferença, maior a margem de segurança do investimento”, explica
Rafael Rodrigues.

A análise fundamentalista também fornece alguns indicadores que permitem ao


investidor avaliar quanto valem suas ações, quanto elas podem gerar em dividendos, em
quanto tempo ele pode recuperar o que investiu e assim por diante. É interessante
conhecê-los para poder mensurar, na prática, os resultados de seu investimento. Os
dados para calcular esses indicadores provêm dos demonstrativos financeiros das
empresas, que também fornecem alguns conceitos que os investidores devem conhecer,
como lucro operacional, ativo, passivo, patrimônio líquido, receita bruta e assim por
diante.

Análise das demonstrações financeiras

Enraizada na tradição contábil, a análise fundamentalista no Brasil tem como um de


seus pontos de partida a análise das demonstrações financeiras das empresas, também
conhecida como análise de balanços. As principais demonstrações financeiras são o
Balanço Patrimonial (BP) e a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE).

Balanço Patrimonial (BP): reflete a posição financeira da empresa em determinado


momento, em geral no fim do ano ou de um período prefixado. É formado por ativo
(propriedade mensurável monetariamente), passivo (dívidas com terceiros) e patrimônio
líquido (PL). O patrimônio líquido evidencia a riqueza da empresa, uma vez que é
formado pelo capital investido pelos proprietários, acrescido do lucro retido, isto é, o
lucro que não é distribuído pelos acionistas. Assim, a equação simplificada é ATIVO –
PASSIVO = PATRIMÔNIO LÍQUIDO. E a leitura do balanço é feita da seguinte
forma:

Balanço Patrimonial
Ativo Passivo

Bens (máquinas, terrenos, estoques, dinheiro, Contas a pagar, fornecedores de matéria-


ferramentas, veículos, instalações etc.) + prima (a prazo), impostos a pagar,
direitos (contas a receber, duplicatas a financiamentos, empréstimos etc.
receber, títulos a receber, ações, depósitos em
contas bancárias, títulos de crédito etc.). Divide-se em:

Divide-se em: – Circulante: contas pagas mais


rapidamente (salários, impostos etc.).
– Circulante: contas que já são dinheiro (caixa,
bancos etc.) + contas que se converterão em – Exigível a Longo Prazo: contas pagas
dinheiro rapidamente (títulos a receber, num prazo mais longo (financiamentos
estoques etc.). É o ativo mais líquido. etc.).
Patrimônio Líquido (PL) (capital
– Realizável a Longo Prazo: contas que se próprio)
transformarão em dinheiro mais lentamente
(valores a receber no longo prazo). Menor Capital (injetado pelos proprietários) +
grau de liquidez. Lucro reinvestido (resultante da
atividade da empresa)
– Permanente: itens que dificilmente se
tornarão dinheiro porque normalmente não são O PL seria, grosso modo, o equivalente,
vendidos, mas que são usados para as no lado do passivo, ao “Permanente” no
atividades operacionais da empresa (prédios, lado do ativo. São as obrigações com os
máquinas etc.). Praticamente nenhuma proprietários, que, evidentemente, não
liquidez. são exigíveis.

Demonstração do Resultado em Exercício (DRE): é o demonstrativo apurado ao final do


exercício, em geral de um ano, que mostra se a empresa teve lucro ou prejuízo. Não
acumula de um exercício para o outro. A fórmula é simples: receita – despesa =
resultado (lucro). Porém, existem vários “tipos” de lucros. Esses valores são obtidos à
medida que são subtraídas determinadas espécies de despesas. Deste jeito:

Demonstração do Resultado em Exercício (DRE)


Receita bruta resultado das vendas ou prestações de serviços incluindo impostos
e sem excluir possíveis devoluções ou descontos nos preços das
mercadorias e serviços
(-) Deduções impostos sobre vendas, devoluções e descontos comerciais
(=) Receita líquida receita real da empresa, base de cálculo para o Lucro Bruto
(-) Custo das vendas custo da mercadoria ou serviço
(=) Lucro bruto
(-) Despesas necessárias para administrar a empresa, vender os produtos ou
Operacionais prestar os serviços e financiar as operações
(=) Lucro resultante apenas da atividade operacional da empresa
operacional
(-) Despesas não receitas e despesas resultantes de outras atividades que não a
operacionais atividade operacional da empresa, como venda de ativos
(+) Receitas não imobilizados, correção monetária etc.
operacionais
(=) Lucro antes do
imposto de renda
(LAIR)
(-) Provisão para o
Imposto de Renda
(IR)
(=) Lucro depois do
imposto de renda
(-) Participações de debêntures, empregados e administradores, partes
beneficiárias, contribuições para instituições ou fundos de
assistência ou previdência de empregados
(=) Lucro líquido sobra líquida à disposição dos acionistas

Os analistas também costumam estudar a Demonstração de Origens e Aplicação dos


Recursos (DOAR), a Demonstração de Lucros e Prejuízos Acumulados e a
Demonstração de Mutações do Patrimônio Líquido. A primeira explica a variação do
Capital Circulante Líquido da empresa, isto é, o fluxo de caixa. Esse demonstrativo
ajuda o analista a entender como e por que a Posição Financeira mudou de um exercício
para outro. O segundo apura o destino do Lucro Líquido, somando-o ao Lucro
Acumulado (cujo destino ainda não foi definido) e definindo o saldo efetivamente
disponível aos proprietários da empresa. Já o terceiro mostra todo acréscimo e
diminuição do PL, assim como a formação de reservas, inclusive aquelas não originadas
pelo lucro.

Os principais múltiplos

De posse das informações dos demonstrativos financeiros, os analistas podem verificar


a saúde financeira de uma empresa, por exemplo, comparando os demonstrativos de um
ano para outro, para ver a evolução das contas, ou comparando demonstrativos de
empresas diferentes de um mesmo setor, para verificar qual delas teve um melhor
desempenho naquele exercício. Aliás, a análise sempre é mais confiável quando se
considera também os concorrentes da empresa analisada e o seu desempenho ao longo
dos anos.

A partir dos dados dos balanços, é possível também calcular uma série de índices e
múltiplos. É importante ressaltar que isoladamente nenhum desses indicadores é
suficiente para avaliar se os papéis de uma empresa são “bons” para se investir ou não.
É preciso, portanto, considerar o conjunto de dados para tentar traçar um cenário,
comparar indicadores de diferentes empresas de um mesmo setor e a variação deles de
um ano para outro.

Conheça alguns dos principais índices e múltiplos da análise fundamentalista:


Ebitda (na sigla em inglês, Lucro antes de impostos, juros, depreciação e amortização):
o Ebitda representa o Lucro Operacional, acrescido de depreciação e amortização
inclusas no custo dos produtos vendidos e nas despesas operacionais. Ele é expresso em
percentual do faturamento, ou seja, quanto de lucro restou de cada real gerado pela
atividade operacional da empresa. Vale lembrar que para bancos não é possível calcular
o Ebitda.

Esse indicador é considerado eficiente porque mostra o real potencial de geração de


caixa de uma empresa, uma vez que indica quanto dinheiro é efetivamente gerado por
sua atividade principal. Seu mérito é desconsiderar a dedução das despesas financeiras,
de depreciação e de impostos. Isso porque, na hora de contabilizar essas deduções, é
possível ser bastante flexível, o que não torna o Lucro Líquido o indicador mais
consistente. Quando se compara empresas de países diferentes, então, o Ebitda se torna
uma ferramenta ainda mais importante.

Considera-se que esse indicador pode medir com precisão a produtividade e a eficiência
do negócio. No entanto, o Ebitda não considera o montante de reinvestimento requerido
pela depreciação. Em outras palavras, não considera se a empresa reserva uma parte de
sua receita para reinvestir, por exemplo, na renovação de suas máquinas e equipamentos
que, com o tempo, certamente sofrerão desgaste. “Além disso, não mostra se a empresa
está muito endividada, por exemplo. Ela pode estar em situação delicada”, acrescenta
Paulo Esteves, analista da corretora Gradual.

Valor de empresa sobre Ebitda (VE / Ebitda): relaciona o valor de empresa com sua
capacidade de geração de caixa, aferida pelo Ebitda. O valor de empresa equivale ao
valor de mercado acrescido de sua dívida líquida, ou seja, o valor pertencente aos
acionistas e aquele pertencente aos credores. O valor de mercado, por sua vez, é
expresso pela cotação da ação multiplicada pela quantidade total de ações.

Margem Bruta: relaciona Lucro Bruto com as vendas em um determinado exercício.


Demonstra quanto, de cada real vendido, permaneceu na empresa na forma de Lucro
Bruto.

Margem Bruta = Lucro Bruto / Vendas Líquidas

Se o resultado for, por exemplo, 0,06, significa que, de cada real vendido ou de serviço
prestado, 6 centavos sobram de lucro para a empresa. Pode-se fazer o mesmo cálculo
utilizando-se, em vez do Lucro Bruto, o Lucro Operacional e o Lucro Líquido, obtendo-
se, respectivamente, a Margem Operacional e a Margem Líquida.

Valor Patrimonial da Ação (VPA): representa o valor intrínseco da ação.

VPA = Patrimônio Líquido / Quantidade de Ações

Se as ações são negociadas acima de seu VPA, significa que o mercado tem boas
expectativas em relação à empresa e, por isso, os investidores aceitam pagar mais do
que a ação teoricamente valeria. Do contrário, significa que o mercado tem expectativas
negativas em relação à empresa ou a seu setor. No entanto, o investidor não deve se
enganar: ações negociadas a cotações muito acima de seu VPA podem indicar euforia.
Quando isso acontece, pode ser que a empresa não consiga entregar os resultados
esperados. No caso de uma crise, o choque no preço dessas ações é especialmente
desastroso para o investidor.

Preço por Valor Patrimonial da Ação (P/VPA): indica a relação entre o preço da ação
(sua cotação no mercado) e seu valor patrimonial.

Fórmula: Preço da ação / VPA

Se o resultado for acima de 1, significa que a ação está sobreavaliada pelo mercado.
Abaixo de 1, indica que está subavaliada.

Rentabilidade sobre Patrimônio (RPL): representa a taxa de retorno do acionista,


medindo a capacidade da empresa de gerar lucro a partir de seu patrimônio, ou seja, do
capital investido.

RPL = Lucro Líquido / Patrimônio Líquido

Quanto maior for esse indicador, melhor. Ao aumentar de ano em ano, esse múltiplo
mostra que a performance da empresa foi melhor (pois mostra que o mesmo capital
gerou mais lucro).

Preço / Lucro (P/L): é um dos múltiplos mais importantes da análise fundamentalista.


Indica ao acionista o tempo de retorno do seu investimento, isto é, o número de anos
necessários para que o investidor lucre a partir de sua aplicação.

Fórmula: Preço da ação / Lucro por ação

O Lucro por ação é obtido dividindo-se o Lucro Líquido pela quantidade de ações. Esse
múltiplo é um bom indicador de “preço” da ação, pois, simplificadamente, quanto
menor o P/L, menor o preço. Não se deve, no entanto, comprar uma ação só porque seu
preço está “baixo”. Quando se compara papéis de empresas de um mesmo setor, por
exemplo, um P/L mais elevado em relação a uma das companhias indica o otimismo do
mercado em relação ao seu desempenho.

É bom verificar, no entanto, se houve alguma anormalidade no lucro do último ano,


bem como a expectativa de lucro para o próximo exercício, a fim de definir se a relação
entre os dois indicadores – preço e lucro – vai se manter ou não.

Taxa de retorno (TR): é o inverso do P/L. Assim, a TR mostra, percentualmente, o


quanto se obtém em um ano.

TR = (L/P) x 100

Ou seja, se o P/L de uma empresa é de quatro anos, isso significa que o investimento só
será inteiramente recuperado em quatro anos e que, a partir daí, teoricamente, o
acionista começa a lucrar. Essa mesma empresa terá uma TR de 25%, o que indica que,
em um ano, o acionista recupera 25% de seu investimento.
Dividend Yield (DY): indica o quanto a empresa distribui de dividendos a seus
acionistas, em percentual sobre o valor de mercado da ação.

DY = (Valor total dos Dividendos / Cotação da Ação) x 100

Ou seja, se uma ação vale 100 reais e a empresa distribuiu, no último exercício, 8 reais
em dividendos, o valor do DY será de 8%. Vale lembrar que empresas que mantêm um
elevado DY possuem papéis de menor volatilidade, já que a maior parte dos retornos ao
acionista vem na forma de dividendos e não pelo aumento no valor da ação. DYs
elevados são mais característicos, portanto, de empresas em estágio mais maduro de
negócios, que não investem pesadamente em expansões no médio prazo.

Outros indicadores importantes

Além dos índices de rentabilidade (Margem Bruta, Ebitda, Taxas de Retorno), os


analistas fundamentalistas costumam usar outros indicadores para mensurar a saúde
financeira das empresas. Conheça os outros três grupos de índices:

Índices de Liquidez: usados para avaliar a capacidade de pagamento da empresa, ou


seja, se a companhia terá como saldar seus compromissos. O principal índice é o de
Liquidez Corrente, que mede a capacidade de pagamento de dívidas de curto prazo. Ele
é calculado dividindo-se o Ativo Circulante pelo Passivo Circulante. Em geral, se
estiver acima de 1 significa que a empresa tem dinheiro em caixa para saldar suas
dívidas. É claro que isso depende da capacidade de os recebíveis se converterem
realmente em dinheiro antes da quitação das dívidas. E também do ramo da empresa:
uma companhia de transporte público não vende a prazo, não possuindo, portanto,
recebíveis. Nesse caso, um índice ligeiramente menor que 1 pode não ser problemático.

Índices de Endividamento: permitem avaliar o nível de endividamento da empresa, sua


capacidade de gerar caixa para pagar suas dívidas e para garantir o crescimento
sustentado de suas atividades. É possível medir a percentagem de capital de terceiros no
capital total (que idealmente não deve exceder muito a metade), o quanto de capital
próprio existe em relação ao capital de terceiros (que, em geral, deve ser, no mínimo, de
1 para 1) e o percentual de dívidas de curto prazo no total do endividamento (que, se for
muito elevado, pode comprometer o caixa da empresa).

Índices de Atividade: usados para medir a rapidez com que a empresa recebe pelas
vendas para pagar suas compras e renovar seu estoque. Nesse grupo se inclui o Giro de
Caixa, que mede a rapidez com que o dinheiro recebido pelas vendas ou serviços
prestados é usado para financiar as atividades da empresa. Um giro de caixa alto e uma
liquidez corrente baixa mostram que o dinheiro que entra é logo desembolsado.

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