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FÁBIO ALEXANDRE COELHO

Professor do Centro Universitário de Bauru - ITE


Graduação, Mestrado e Doutorado
Procurador do Estado – SP
TEORIA GERAL DO PROCESSO
FÁBIO ALEXANDRE COELHO
7ª EDIÇÃO - 2021
Livraria e Editora Diffère – CNPJ 34.650.618/0001-19
Todos os direitos reservados

Ficha catalográfica elaborada por Fatima Aparecida Anselmo CRB/8 10250


PODER JUDICIÁRIO

Considerações gerais
No ordenamento jurídico brasileiro é adotada a classificação tripartite
das funções estatais proposta por Montesquieu, em que o poder do Estado é
exercido pelo Legislativo, pelo Executivo e pelo Judiciário, de forma
independente e harmônica, a fim de que seja afastado o arbítrio que
decorreria de sua concentração. Trata-se do chamado sistema de freios e
contrapesos , consoante posicionamento adotado pelos norte-americanos
para ressaltar a necessidade de harmonia e equilíbrio entre os poderes.
O princípio da separação de poderes é previsto expressamente no art.
2º da Constituição Federal de 1988, que estabelece: “São Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário”. De acordo com o modelo adotado, o Poder Judiciário é o
responsável pela solução dos conflitos de interesses.
Poder Judiciário e princípio da inafastabilidade da jurisdição
A importância do Poder Judiciário é ressaltada principalmente pela
adoção no ordenamento jurídico pátrio do princípio da inafastabilidade da
jurisdição, de acordo com o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, da CF). O princípio
não significa apenas que temos o direito de ingressar no Poder Judiciário
solicitando que aprecie uma suposta lesão ou ameaça a um direito, mas,
sobretudo, que tome providências que afastem a ofensa ou ameaça ao
direito que alegamos possuir caso a pretensão formulada seja acolhida.
Do princípio da inafastabilidade da jurisdição são extraídos quatro
entendimentos importantíssimos:
1º A jurisdição é monopólio do Estado .
A jurisdição é uma das funções que expressam a soberania do Estado.
É por isso que seu exercício é um monopólio do Estado. Todavia,
“Anteriormente ao período moderno havia jurisdição que não
dependia do Estado. Os senhores feudais tinham jurisdição dentro de
seu feudo: encontravam-se jurisdições feudais [senhores feudais] e
jurisdições baronais [barões]. Lembre-se que os donatários das
Capitanias Hereditárias no Brasil colonial dispunham da jurisdição
civil e criminal nos territórios de seu domínio. No período
monárquico brasileiro, tínhamos a jurisdição eclesiástica ,
especialmente em matéria de direito de família, a qual desapareceu
com a separação entre Igreja e Estado. Agora só existe jurisdição
estatal, confiada a certos funcionários, rodeados de certas garantias:
os magistrados” [659] .
Embora a jurisdição seja um monopólio do Estado, é possível a
utilização de outros mecanismos para a solução dos conflitos, como a
arbitragem e a mediação, que são meios alternativos de pacificação social.
2º A jurisdição está vinculada ao Poder Judiciário
O princípio da exclusividade da atividade jurisdicional foi acolhido
no Estado brasileiro. Este princípio está relacionado à Revolução Francesa,
através da qual foi atribuída ao povo a soberania, que é exercida pelo
Estado, a quem incumbe, através do Poder Judiciário, monopolizar a
administração da justiça [660] .
3º Há o direito de acionar o Estado para que exerça a jurisdição
A ação é um direito conferido às pessoas de movimentar o Estado
para que preste a tutela jurisdicional através do processo, afastando as
situações que envolvam lesão ou ameaça a direito.
4º O Estado está obrigado a prestar a tutela jurisdicional
A partir do momento em que o texto constitucional dispõe que
nenhuma alegação de existência de lesão ou de ameaça a um direito será
afastada da apreciação do Poder Judiciário, obriga-o a prestar a tutela
jurisdicional todas as vezes que for acionado.
Outro aspecto importante é que o princípio da inafastabilidade da
jurisdição também abrange em seu contexto formas adequadas de tutela
jurisdicional – ex.: medidas cautelares e antecipação de tutela, que se
enquadram como tutelas provisórias -, a fim de que a atuação estatal seja
efetiva e ocorra no menor tempo possível, uma vez que o princípio da
inafastabilidade não consagra o mero acesso ao Poder Judiciário, mas o uso
de meios adequados, eficazes e rápidos para a prestação da tutela
jurisdicional.
Atuação do Poder Judiciário
No exercício da função jurisdicional, o Poder Judiciário aplica de
forma independente as normas jurídicas, mesmo que o litígio envolva a
administração pública e seus diferentes órgãos, já que a República
Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF), o
que determina que acima dos interesses dos poderes e de seus exercentes
coloca-se o império do Direito.
Em particular, costuma-se ressaltar a defesa da liberdade e a proteção
dos direitos humanos como as mais importantes funções do Poder
Judiciário [661] . No entanto, são extremamente importantes também as
funções de defesa da ordem jurídica e a solução dos conflitos através da
imposição das normas jurídicas às demandas que lhe são submetidas.
A unidade do Poder Judiciário
Ao indicar quais são os órgãos do Poder Judiciário, ou órgãos da
jurisdição, a Constituição Federal inclui também os Tribunais e juízes dos
Estados, trabalhando, assim, com a ideia de unidade do Poder Judiciário.
Dessa forma, embora tenhamos a justiça federal e a estadual, há um único
Poder Judiciário brasileiro, visto que a jurisdição se liga à soberania, que,
sendo única, faz com que o mesmo ocorra com a atividade jurisdicional.
De acordo com o art. 22, I, da Constituição Federal, compete
privativamente à União legislar sobre direito processual, o que faz com que
tenhamos uma única lei processual, ao lado de uma única jurisdição (una
lex, una jurisdictio ). Dito de outra forma, em primeiro lugar há a unidade
funcional do Poder Judiciário, pois embora existam vários órgãos judiciais,
todos integram um mesmo Poder Judiciário. Além disso, será necessária a
unificação da interpretação conferida às normas jurídicas, tarefa que ficará a
cargo dos tribunais superiores, uma vez que o direito processual aplicado
em todo o território nacional é o mesmo.
Por fim, o Poder Judiciário, por estar ligado à soberania do Estado,
fica vinculado ao princípio da aderência ao território , no que se refere ao
espaço físico de exercício da jurisdição, o que faz com que aprecie, a
princípio, somente os conflitos que ocorrem no território nacional.
Funções do Poder Judiciário e função jurisdicional
O Poder Judiciário tem como função principal a solução dos conflitos
de interesse (atividade cognitiva) e a satisfação dos direitos (atividade
executiva). Pode ainda desempenhar uma atividade protetiva ou cautelar.
Todavia, ao lado dessas funções, tidas como principais, específicas ou
típicas, existem as atípicas, pois não é absoluta a separação de poderes. É
por isso que o Poder Judiciário também exerce funções próprias do Poder
Executivo – ex.: organização dos seus serviços – e do Poder Legislativo –
ex.: elaboração dos regimentos internos dos tribunais. Esta situação ocorre
para evitar que um poder interfira em outro, afastando sua independência.
No Brasil existem tribunais administrativos que não afastam o
controle posterior por parte do Poder Judiciário. Como exemplo do exposto,
há no Estado de São Paulo o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), que julga
os recursos interpostos contra as exações tributárias, permitindo ao
contribuinte contestá-las, administrativamente, mediante a exposição do seu
inconformismo. Ex.: a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo afirma
que determinado posto de gasolina não está emitindo nota fiscal. Sendo
assim, verifica o montante do imposto que não foi recolhido e efetua o
lançamento do imposto devido, assim como das multas aplicáveis ao caso
concreto (art. 202 do CTN). Caso queira contestar a imposição fiscal, a
empresa poderá recorrer na esfera administrativa. Entretanto, se não
conseguir sucesso administrativamente a empresa poderá ainda se socorrer
do Poder Judiciário.
Órgãos judiciais
Nos termos do art. 92 da Constituição Federal de 1988, são os
seguintes os órgãos que integram o Poder Judiciário:
“I – o Supremo Tribunal Federal; I-A – o Conselho Nacional de
Justiça; II – O Superior Tribunal de Justiça; III – os Tribunais
Regionais Federais e Juízes Federais; IV – os Tribunais e Juízes do
Trabalho; V – os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI – os Tribunais e
Juízes Militares; VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito
Federal e Territórios”.
O artigo transcrito consagra o princípio da legalidade dos órgãos
jurisdicionais, de acordo com o qual somente integram o Poder Judiciário
os órgãos arrolados pela Constituição Federal. “Assim, se qualquer outro
órgão com atribuições judicantes não estiver enquadrado em nenhum dos
incisos mencionados, tenha a nomenclatura que tiver, não será integrante do
Poder Judiciário” [662] .
A independência do Poder Judiciário e suas garantias
Ao Judiciário devem ser asseguradas garantias para que seja
resguardada a sua independência e a imparcialidade de seus membros, pois,
caso contrário, não conseguiria exercer de maneira adequada as atribuições
que lhe foram conferidas. Para tanto, o sistema constitucional brasileiro
prevê duas ordens de garantias: a) as primeiras servem para proteger o
Poder Judiciário dos demais poderes e mesmo dos particulares; b) as
segundas ligam-se aos exercentes das funções jurisdicionais, especialmente
aos magistrados, que não podem sofrer pressões dos órgãos do próprio
Poder Judiciário.
As garantias oferecidas ao Poder Judiciário e a seus membros, assim
como à sociedade,
“correspondem à denominada independência política do Poder e de
seus órgãos, a qual se manifesta no autogoverno da Magistratura, nas
garantias da vitaliciedade, da inamovibilidade e irredutibilidade de
subsídios e na vedação do exercício de determinadas atividades, que
garantem às partes a imparcialidade do juiz” [663] .
Há ainda a independência jurídica dos juízes, que lhes confere
liberdade para julgar, pois estão limitados apenas ao ordenamento jurídico,
embora o sistema processual, por exigência constitucional, estabeleça que
devam indicar na decisão os fatores que serviram como base para a
formação do seu convencimento.
“STAMMLER traçou os seguintes corolários [consequências] do princípio da
independência jurídica do magistrado: a) o juiz deve submeter-se apenas à sua própria
convicção; b) nas dúvidas e incertezas sobre a interpretação de uma lei, o juiz não se
submete ao critério de outros, mas ao seu próprio, estando, pois, abolido o jus respondendi
[solicitar a outro juiz que responda suas dúvidas a respeito de determinado conflito]; c)
nenhum juiz está obrigado a aceitar as decisões de outros juízes e tribunais, como norma de
[664]
decidir, quando contrárias à sua convicção” .
É significativo notar, no entanto, que a Emenda Constitucional nº 3,
de 17 de março de 1993, que instituiu a Ação Declaratória de
Constitucionalidade, acrescentou um § 2º ao art. 102 da Constituição
Federal, estabelecendo que:
"as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito
vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao
Poder Executivo".
Posteriormente, em 8 de dezembro de 2004, por meio da Emenda
Constitucional nº 45, o art. 102, § 2º, da Constituição Federal foi alterado
para constar que:
“As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações
declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal”.
Da mesma forma, o art. 10, § 3º, da Lei nº 9.882, de 03 de dezembro
de 1999, que trata do processo e julgamento da arguição de
descumprimento de preceito fundamental, estabeleceu em seu texto que a
decisão que for proferida terá eficácia erga omnes e efeito vinculante em
relação aos demais órgãos do Poder Público.
Outra importante limitação à independência jurídica dos juízes
relaciona-se à existência das súmulas vinculantes. Realmente, nas hipóteses
em que as súmulas – entendimento uniforme firmado pelos tribunais a
respeito de determinadas matérias – são vinculantes, incumbe aos
integrantes do Poder Judiciário unicamente segui-las.
A propósito, prevê o art. 103-A da Constituição Federal que:
“O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação,
mediante decisão de dois terços de seus membros, após reiteradas
decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de
sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação
aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como
proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em
lei”.
É por força do exposto que foi previsto no art. 103-A, § 3º, que da
decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que, indevidamente a
aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a
procedente, cassará a decisão judicial reclamada e determinará que outra
seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.
As súmulas vinculantes foram disciplinadas pela Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de
2006, que, regulamentando o art. 103-A da Constituição Federal, trata da edição, revisão e
cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal.
Na verdade, cada vez mais o legislador cria mecanismos de
vinculação para os juízes, sendo exemplo do exposto o art. 927 do Código
de Processo Civil, que dispõe que:
“Os juízes e tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal
Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os
enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de
assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e
em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV -
os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial
aos quais estiverem vinculados”.
O dispositivo transcrito versa sobre a vinculação dos órgãos judiciais:
a) às decisões proferidas no controle concentrado de
constitucionalidade - ação declaratória de constitucionalidade, ação
declaratória de inconstitucionalidade e arguição de descumprimento de
preceito fundamental;
O controle concentrado de constitucionalidade recebe essa denominação por ser exercido
diretamente pelo Supremo Tribunal Federal, o guardião do texto constitucional. Em todas
as situações descritas, é exercido o direito de ação, por um dos legitimados, que pede que
seja afastada uma possível ofensa ao texto constitucional, que pode decorrer de ação ou
omissão.
b) aos enunciados das súmulas vinculantes (do Supremo Tribunal
Federal) e aos enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em
matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional ;
Como o Supremo Tribunal Federal dá a última palavra a respeito do sentido e do alcance
do texto constitucional e o Superior Tribunal de Justiça sobre as normas
infraconstitucionais de caráter federal que não estejam submetidas a uma justiça
especializada – justiça eleitoral, militar ou trabalhista -, o legislador entendeu por bem
considerar que todas as súmulas desses dois tribunais devem ser obrigatoriamente
observadas, e não apenas as rotuladas como vinculantes, uma vez que refletem o
entendimento do órgão a respeito de uma determinada matéria e, consequentemente, devem
ser seguidas por todos os juízos e tribunais que estão a eles vinculados no aspecto
hierárquico.
c) aos precedentes (teses ou entendimentos) firmados em incidente de
assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas, em
julgamento de recursos extraordinário e especial que sejam repetitivos ou
pelo plenário ou órgão especial do tribunal a que estiverem vinculados .
Em determinadas hipóteses, o legislador considera que uma manifestação anterior de um
órgão judicial a respeito de uma matéria possui caráter vinculante. Sendo assim, faz com
que o que foi decidido anteriormente (precedente) tenha que ser observado no futuro
(posteriormente). Esta vinculação somente pode ocorrer quando foi firmada uma tese
(entendimento, posicionamento) sobre alguma questão jurídica, por se considerar que os
fatos são sempre diferentes, e o legislador a considerar de observância obrigatória, como
ocorre nas situações anteriormente listadas.
De qualquer modo, mesmo que a decisão de um tribunal não seja
vinculante, sendo meramente persuasiva, por tentar induzir outros órgãos a
aceitá-la, seu posicionamento prevalece, pois pode modificar as decisões
que lhe são contrárias quando estiverem relacionadas a órgãos que lhe estão
subordinados sob o aspecto hierárquico. Sendo assim, o que acaba
efetivamente valendo em caso de recurso é a decisão do responsável pela
revisão da decisão, como ressalta o art. 1.008 do Código de Processo Civil,
que apresenta a seguinte redação: “O julgamento proferido pelo tribunal
substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de
recurso”.
Encerrando, é preciso observar que no plano administrativo há
hierarquia entre os diferentes órgãos do Poder Judiciário. O oposto não
poderia ocorrer, por ser necessária a existência da competência hierárquica
ou de mando, já que do contrário não teríamos a unidade do Poder
Judiciário.
As garantias do Poder Judiciário como um todo
Além das garantias conferidas aos juízes (independência sob a ótica
individual), a Constituição Federal assegurou ao Poder Judiciário a
prerrogativa do autogoverno (independência da instituição), garantida
através do exercício de atividades normativas e administrativas, voltadas
para a auto-organização e autorregulamentação de suas atividades,
“tendentes a garantir a plena independência do Poder Judiciário entre os
órgãos do Estado” [665] .
As garantias conferidas ao Poder Judiciário procuram evitar que possa
existir qualquer forma de interferência no conteúdo das decisões judiciais,
sobretudo pelos demais poderes do Estado.
Dentre as hipóteses de auto-organização e autorregulamentação
figuram as seguintes:
a) autonomia administrativa
A autonomia administrativa exterioriza-se, em especial, nas seguintes
situações: eleição dos órgãos de direção dos tribunais; elaboração dos
regimentos internos pelos tribunais; organização das secretarias, dos
serviços auxiliares e dos juízos vinculados; propor a criação de novas varas;
preencher os cargos necessários à administração da justiça; conceder
licenças, férias e afastamentos a seus membros (art. 96, I, da CF) e, ainda,
propor: a alteração do número de membros dos tribunais inferiores; a
criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares
e dos juízos que lhe forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de
seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver;
a criação ou extinção dos tribunais inferiores; a alteração da organização e
da divisão judiciárias (art. 96, II, da CF);
b) autonomia financeira
A autonomia financeira está relacionada, em especial, à elaboração de
sua proposta orçamentária e à administração dos seus recursos financeiros.
Contudo, os gastos do Poder Judiciário estão limitados a 6% da receita
líquida da União ou do Estado a que esteja vinculado o órgão jurisdicional
(arts. 19 e 20 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 - Lei de
Responsabilidade Fiscal ) e a proposta orçamentária dos tribunais deverá
ser elaborada dentro dos limites estabelecidos conjuntamente com os
demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias (art. 99, § 1º, da CF).
c) iniciativa legislativa
Prevê o art. 96, II, da Constituição Federal, que o Supremo Tribunal
Federal, os demais tribunais superiores (Tribunal Superior do Trabalho,
Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior
Militar) e os Tribunais de Justiça são dotados de iniciativa legislativa
quanto à: a) alteração do número de membros dos tribunais inferiores; b)
criação e extinção de cargos e fixação de vencimentos de seus membros,
juízes e servidores auxiliares; c) criação ou extinção de tribunais inferiores;
d) alteração da organização e divisão judiciária.
Todas as garantias conferidas ao Poder Judiciário procuram assegurar
que mantenha uma convivência harmônica e independente em relação aos
demais poderes e, assim, possa exercer a contento suas atribuições.
As garantias dos magistrados
Além das garantias políticas conferidas ao Poder Judiciário, a
Constituição concedeu garantias aos magistrados, que se dividem:
“Em duas espécies: as garantias dos magistrados, propriamente ditas ,
que se destinam a tutelar sua independência, inclusive perante outros
órgãos judiciários, e determinados impedimentos que visam a dar-lhes
condições de imparcialidade, protegendo-os contra si mesmos e
garantindo consequentemente às partes seu desempenho imparcial”
[666]
.
As garantias propriamente ditas conferidas aos magistrados
correspondem à vitaliciedade, à inamovibilidade e à irredutibilidade de
subsídios (art. 95, caput , da CF). Os impedimentos, por sua vez, conforme
o art. 95, parágrafo único, da Constituição Federal, dizem respeito à
proibição do exercício de outro cargo ou função, salvo o magistério, ao
recebimento de custas ou participação em processo, ao desempenho de
atividade político-partidária, ao recebimento, a qualquer título ou pretexto,
de auxílios ou contribuições de pessoas físicas, e de entidades públicas ou
privadas, ressalvas as exceções previstas em lei e ao exercício da advocacia
no juízo ou tribunal do qual se aposentou ou exonerou antes de decorridos
três anos do afastamento.
Garantias de independência da magistratura
Por meio das garantias de independência procura-se evitar que o juiz
se submeta às determinações ou orientações provenientes de outros poderes
(independência externa), de outros órgãos do Poder Judiciário
(independência interna) [667] , da população (independência externa), da
sociedade civil (independência externa) e dos meios de imprensa
(independência externa). Com esta finalidade, no texto constitucional são
arroladas as seguintes garantias para os magistrados: a) vitaliciedade; b)
inamovibilidade; c) irredutibilidade de subsídios.
a) vitaliciedade
A vitaliciedade corresponde à garantia de que o juiz só perderá o
cargo em razão de sentença judicial transitada em julgado. Para obter a
garantia e mantê-la basta que o magistrado esteja atuando em consonância
com o ordenamento jurídico.
A garantia da vitaliciedade é conferida, em regra, aos magistrados
somente após ultrapassarem o estágio probatório, que é de dois anos. Para
tanto, terão que participar de curso oficial ou reconhecido por escola
nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados (art. 93, IV, da
CF). Durante o período do estágio probatório, os magistrados poderão ser
afastados por decisão do tribunal a que estiverem vinculados.
Alguns membros da magistratura adquirem a vitaliciedade após entrarem em exercício. É o
que ocorre, por exemplo, com os Ministros do Supremo Tribunal Federal, pois não teria
sentido que um integrante do aludido tribunal tivesse que passar por um estágio probatório,
já que o escolhido deve gozar de notório saber jurídico e reputação ilibada.
A vitaliciedade é uma importante condição para o exercício imparcial
da função judicante, pois esta requer garantias especiais de permanência e
definitividade no cargo. Deste modo, busca preservar a instituição judiciária
e não simplesmente a pessoa do juiz. Por isso, uma vez vitalício, o juiz só
poderá ser afastado de suas funções judicantes por vontade própria e apenas
perderá o cargo em razão de sentença judiciária, aposentadoria compulsória
ou se for posto em disponibilidade [668] - ex.: é extinto o órgão judicial em
que o juiz exercia as suas funções. Quanto à colocação em disponibilidade,
requer decisão por voto favorável da maioria absoluta dos membros do
respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla
defesa (art. 93, VIII, da CF).
b) inamovibilidade
A inamovibilidade impede que o juiz seja removido de um lugar para
outro, salvo se houver o seu consentimento. A garantia, porém, somente se
aplica aos juízes titulares, uma vez que os substitutos podem ser removidos
a qualquer momento do local em que se encontrem, tendo em vista que
substituem os titulares quando se afastam por motivo de férias, licenças etc.
No contexto da inamovibilidade estão compreendidos:
“O grau [1º e 2º grau], a sede [ex.: juiz que exerce sua jurisdição na
área central de São Paulo não pode ser removido], a comarca ou a
seção judiciária [ex.: comarca de São Paulo], o cargo [ex.: juiz das
execuções penais], o tribunal e a câmara [fracionamento interno dos
tribunais. Ex.: Câmara de Direito Público]. A inamovibilidade não
pode sofrer exceção sequer em caso de promoção, sem consentimento
do magistrado” [669] .
A inamovibilidade não permite sequer a remoção de um juiz para
outra vara, mesmo que localizada no mesmo foro, salvo para atender ao
interesse público. Sendo assim, um juiz de São Paulo, por exemplo, não
pode ser removido de sua vara (1ª) para atuar em outra (3ª). Por fim, a
inamovibilidade impede, inclusive, que determinados processos sejam
retirados de um juiz e encaminhados a outro, salvo se houver determinação
legal nesse sentido (ex.: impedimento, suspeição, incompetência).
Não obstante a existência da garantia da inamovibilidade, o art. 93,
VIII, da Constituição Federal permite que o magistrado seja removido,
independentemente de sua concordância, se houver interesse público,
baseado em decisão por voto favorável da maioria absoluta dos integrantes
do tribunal a que estiver vinculado o juiz ou do Conselho Nacional de
Justiça.
c) irredutibilidade de subsídios
A irredutibilidade de subsídios tem como finalidade impedir que
ocorram descontos no valor recebido pelo magistrado, prejudicando sua
imparcialidade, ao atingir seu subsídio (denominação atribuída aos valores
por ele percebidos em decorrência do exercício da função), que garante sua
independência financeira.
A palavra subsídio é utilizada no texto constitucional para representar o valor recebido por
determinados servidores públicos (juízes, promotores etc.) e pelos agentes políticos
(prefeitos, vereadores, deputados etc.). A Constituição Federal prevê que deve
corresponder a uma parcela única para evitar que sejam acrescidas diferentes vantagens
patrimoniais aos rendimentos mensais daqueles que o recebam, o que se costuma chamar
de penduricalhos, levando a ganhos abusivos.
Todavia, não há impedimento para a incidência dos tributos
genéricos, que são os que incidem, a princípio, sobre todas as pessoas,
como é o caso do imposto sobre a renda.
Impedimentos e imparcialidade
Conforme o parágrafo único do art. 95 da Constituição Federal, é
vedado aos juízes: I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou
função, salvo uma de magistério; II - receber, a qualquer título ou pretexto,
custas ou participação em processo; III - dedicar-se à atividade político-
partidária; IV – receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou
contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas
as exceções previstas em lei; V – exercer a advocacia no juízo ou tribunal
do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo
por aposentadoria ou exoneração.
Os impedimentos impostos aos juízes são aplicados com a finalidade
de assegurar a sua independência e imparcialidade, servindo, desse modo,
como importante garantia para os litigantes e para a própria sociedade.
MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público na Constituição Federal


A Constituição Federal trata especificamente do Ministério Público
nos artigos 127 a 130-A, que integram o Capítulo IV, referente às funções
essenciais à justiça, que, por sua vez, faz parte do Título IV, correspondente
à organização dos poderes.
Ao se referir ao Ministério Público, o art. 127 da Constituição Federal
afirma ser uma “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Além da análise das funções exercidas, que será feita logo em
seguida, é importante analisar o que se entende por instituição. Para tanto,
utilizaremos como referência os ensinamentos de Marcel Prélot, para quem
uma instituição é caracterizada pelo fato de que numa determinada
coletividade outra “vida” se acrescenta às vidas de seus componentes. A
instituição existe independentemente, exercendo, todavia, influência sobre
as partes incorporadas [701] .
A colocação feita a respeito de uma instituição aplica-se
perfeitamente ao Ministério Público, já que a Constituição Federal prevê
que o órgão possui caráter permanente e arrola as suas incumbências. Em
suma, existe um órgão, com estrutura própria, que foi criado para o
atendimento dos objetivos traçados pelo legislador constituinte, a exemplo
do que ocorre com outras pessoas jurídicas, como as fundações.
Quanto às funções exercidas pelo Ministério Público, a Constituição
Federal prevê, em primeiro lugar, a defesa da ordem jurídica como uma de
suas incumbências. Por falar nisso, a atuação do Ministério Público no
exercício dessa função é mencionada expressamente no art. 179 do Código
de Processo Civil, uma vez que está prevista a atividade de fiscal da correta
aplicação da ordem jurídica (custos legis [702] ). O mesmo ocorre nos casos
de propositura de ações de controle da constitucionalidade pelo Procurador-
Geral da República – chefe do Ministério Público Federal - e na sua oitiva
em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal, o
principal órgão responsável pela defesa do ordenamento jurídico, uma vez
que lhe incumbe dar a última palavra a respeito do texto constitucional.
A ordem jurídica defendida pelo Ministério Público não se resume
apenas à lei, abrangendo também outras fontes normativas, inclusive os atos
normativos secundários – que consistem em normas que não podem inovar
a ordem jurídica, servindo apenas para a fiel execução dos atos normativos
primários, que são representados especialmente pelas leis -, como os
regulamentos, portarias etc. Assim, a ordem jurídica é considerada num
sentido amplo, abrangendo os mecanismos estatais – sobretudo as leis – e
os de controle da conduta reconhecidos pelo Estado, como é o caso dos
acordos coletivos de trabalho.
No que se refere à defesa do regime democrático, corresponde à
proteção direcionada à defesa das “regras do jogo” ou procedimentos
democráticos, dentre os quais figuram os seguintes: a) escolha dos membros
do Poder Legislativo; b) direito de votar e ser votado; c) pluralismo
político; d) voto de igual valor; e) plebiscito, referendo e iniciativa popular;
(f) liberdade para escolher os representantes; g) defesa dos direitos das
minorias.
A Constituição Federal dispõe ainda que cabe ao Ministério Público a
defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Na primeira
circunstância está plenamente justificada a presença do Ministério Público,
visto que se trata de situações de interesse da sociedade. Em se tratando de
interesses individuais, evidencia a Constituição que somente quando forem
indisponíveis – assim considerados os que não podem ser objeto de
disposição, alienação, como o direito à vida, à liberdade e a proteção da
integridade física e psíquica - é que poderão ser tutelados pela instituição,
como ocorre quando o Ministério Público ingressa em juízo solicitando que
um Estado seja condenado a fornecer medicamentos para uma pessoa que
não pode adquiri-los.
Num sentido amplo, ressalta-se que os valores por último indicados –
a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis – se manifestam
[703]
:
a) no ingresso em juízo buscando a aplicação da pena (persecução
penal), através da formulação de uma pretensão punitiva em nome do
Estado, o que ocorre, por exemplo, quando o membro do Ministério
Público, como titular da ação penal de iniciativa pública, ingressa em juízo
solicitando a condenação de Jonas em virtude de ter supostamente praticado
o crime de homicídio.
b) na atuação no juízo civil como curador de certas instituições
(registros públicos, fundações, família etc.).
Quando exerce a função de curador, o Ministério Público defende
bens e interesses essenciais para a sociedade. Exemplo do exposto é a
atuação na defesa de questões que envolvem as relações familiares, como é
o caso do divórcio, da separação e da guarda de menores.
c) na defesa de certos bens e valores fundamentais, como o meio
ambiente, os valores artísticos, estéticos, históricos e paisagísticos.
Também na função de defensor dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, o Ministério Público, como parte ou fiscal da ordem jurídica,
participa dos processos que digam respeito ao meio ambiente, aos valores
artísticos, estéticos, históricos e paisagísticos, a fim de atuar na proteção
desses bens jurídicos.
d) na defesa de certas pessoas, como os consumidores, os ausentes, os
incapazes, os trabalhadores acidentados no trabalho etc.
Na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis o
Ministério Público tutela (protege) os consumidores (pessoas que adquirem
produtos ou serviços como destinatário final), os ausentes (pessoas que
desapareceram de seu domicílio), os incapazes (incapacidade absoluta ou
relativa), os que sofreram acidentes de trabalho (infortunados) etc.
A atuação do Ministério Público, no que diz respeito à tutela dos
interesses sociais e individuais indisponíveis, volta-se para a proteção [704] :
a) do fraco (idade, estado intelectual, inexperiência, pobreza,
impossibilidade de agir ou compreender).
A fraqueza é considerada em sentido amplo, abrangendo não apenas
fatores como idade, estado intelectual, inexperiência, impossibilidade de
agir ou compreender, mas também a pobreza.
b) de direitos e situações de abrangência comunitária, transindividual
(difuso, coletivo ou individual homogêneo), de difícil preservação por
particulares.
Os interesses transindividuais são aqueles que transcendem
(ultrapassam) a esfera individual, o que pode prejudicar a sua proteção
pelos particulares. Ex.: pacote de farinha com quantidade menor que a
indicada na embalagem, o que torna a lesão aos particulares tênue (pequena,
insignificante), não justificando o ingresso dos próprios prejudicados em
juízo.
Interesses defendidos pelo Ministério Público
O Ministério Público originou-se de uma ordonnance (ordem,
decreto) de 25 de março de 1302, da lavra do rei francês Felipe, o Belo, que
o encarregou da defesa judicial dos seus interesses – sendo, assim,
considerado um agente do rei (gens du roi ) -, bem como “dos interesses do
Estado, separados da pessoa e dos bens do soberano” [705] .
[706]
Há autores que sustentam que a origem do Ministério Público está relacionada : a) aos
procuradores caesaris (procuradores dos imperadores), que defendiam em Roma o
patrimônio e os interesses dos imperadores em juízo; b) a determinados funcionários do
[707]
Egito antigo (4.000 anos A.C. ).

Os interesses inicialmente defendidos pelo Ministério Público


estavam relacionados principalmente à figura do soberano e,
posteriormente, ao Chefe do Poder Executivo. A propósito, até bem pouco
tempo essa incumbência de defender os interesses do titular do Poder
Executivo estava presente no sistema jurídico pátrio. No art. 138, § 2º [708] ,
da Constituição Federal de 1967, em sua redação originária, constava
expressamente que o Ministério Público Federal representaria em juízo a
União. Na Constituição Federal de 1988, ao contrário, o art. 129, IX [709] ,
veda a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
Desta forma, é patente que o Ministério Público atua modernamente na
defesa dos interesses superiores da sociedade e não mais do Poder Público.
Esta situação merece ser ressaltada, visto que os interesses dos eventuais
exercentes do Poder Público, em qualquer de suas esferas e áreas, podem
vir a se confrontar com o interesse social. Por isso é comum que o
Ministério Público ingresse contra o Poder Público, o que ocorre,
sobretudo, nas questões relacionadas à saúde e à educação.
Princípios institucionais do Ministério Público
Prosseguindo na análise do texto constitucional, analisaremos a seguir
os princípios institucionais do Ministério Público (art. 127, § 1º).
Realmente, aponta a Constituição Federal que são princípios institucionais
do Ministério Público: a) a unidade; b) a indivisibilidade; e c) a
independência funcional.
Os diferentes princípios arrolados apresentam, em síntese, os
seguintes contornos:
a) unidade
Todos os membros do Ministério Público fazem parte de uma só
corporação, sendo que a manifestação de qualquer dos integrantes equivale
à atuação do próprio Ministério Público;
b) indivisibilidade
O Ministério Público é o todo, não devendo ser considerado de
maneira isolada. O desempenho das atribuições conferidas aos seus
membros é, na realidade, a atuação da instituição. Com isto, permite-se que
os membros da instituição possam ser substituídos sem que ocorra qualquer
prejuízo.
c) independência funcional
No exercício de suas funções os membros do Ministério Público são
livres de qualquer subordinação jurídica, tendo, assim, independência para
exercer suas atribuições. Portanto, assim como ocorre com os magistrados,
são dotados de independência jurídica.
A independência do Ministério Público, como instituição, é também
salientada pela Constituição Federal, de acordo com a qual lhe é assegurada
autonomia funcional e administrativa (art. 127, § 2º). Em continuação, o
texto constitucional prevê que o Ministério Público pode propor ao Poder
Legislativo a criação e a extinção de seus cargos e serviços auxiliares,
provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos (art. 127,
§ 2º).
A autonomia funcional e administrativa permite ao Ministério Público
estruturar-se de maneira a realizar adequadamente as funções que lhe foram
cometidas pelo texto constitucional. Não há interferência externa. É o
próprio Ministério Público que se organiza livremente.
Merece destaque ainda a possibilidade de o próprio Ministério
Público fixar sua política remuneratória e os planos de carreira (ex.:
promotor substituto, de 1ª entrância etc.).
Ministério Público da União e dos Estados
Segundo a Constituição Federal, há dois ramos do Ministério Público:
o da União e o dos Estados (art. 128, I). O primeiro apresenta os seguintes
desdobramentos: a) Ministério Público Federal; b) Ministério Público do
Trabalho; c) Ministério Público Militar e d) Ministério Público do Distrito
Federal e dos Territórios [710] .
O Ministério Público da União é chefiado pelo Procurador-Geral da
República, que é nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes
da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome
pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de
dois anos, permitida a recondução (art. 128, § 1º, da CF).
Embora a investidura seja limitada no tempo, a destituição do
Procurador-Geral da República somente ocorrerá por iniciativa do
Presidente da República e deverá ser precedida de autorização do Senado
Federal, através do voto favorável emitido pela maioria absoluta de seus
membros (art. 128, § 2º, da CF) [711] .
O Ministério Público Federal atua junto ao Supremo Tribunal Federal,
Superior Tribunal de Justiça e Justiça Federal; o Ministério Público do
Trabalho junto à Justiça do Trabalho; o Ministério Público Militar junto à
Justiça Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios junto
à justiça do Distrito Federal e dos Territórios, respectivamente. O Ministério
Público dos Estados exerce suas atribuições junto à Justiça Estadual.
Nos Estados, no Distrito Federal e Territórios (que não existem mais
desde o advento da Constituição Federal de 1988) a escolha do Procurador-
Geral de Justiça (Chefe do Ministério Público Estadual, Distrital ou
Territorial) levará em consideração lista tríplice com o nome de integrantes
da carreira, na forma da lei da respectiva unidade federativa, que será
enviada ao Chefe do Poder Executivo – Governador do Estado - que
nomeará um dos integrantes da lista para mandato de dois anos, permitida
uma recondução (art. 128, § 3º, da CF).
Em se tratando do Ministério Público dos Estados e do Distrito
Federal adota-se uma forma diferente de destituição, em relação ao
Procurador Geral da República, uma vez que poderão ser destituídos por
deliberação da maioria absoluta do Poder Legislativo, na forma da lei
complementar respectiva (art. 128, § 4º, da CF).
Organização do Ministério Público
Dispõe a Constituição Federal que a União e os Estados fixarão a
organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público respectivo por
meio de lei complementar [712] , cuja iniciativa é facultada aos respectivos
Procuradores-Gerais (da República ou de Justiça). Aliás, no âmbito federal
foi elaborada a Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, dispondo
sobre o Ministério Público da União.
Ao organizar o seu Ministério Público, os Estados devem observar a
Constituição Federal e a Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993,
que dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público
dos Estados.
Garantias e vedações aplicáveis aos membros do Ministério Público
No art. 128, § 5º, I, da Constituição Federal encontram-se arroladas as
garantias asseguradas aos membros do Ministério Público. São elas: a)
vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo
senão por sentença judicial transitada em julgado; b) inamovibilidade, salvo
por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado
competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus
membros, assegurada ampla defesa; c) irredutibilidade de subsídios.
Quanto às vedações, também integram o texto constitucional e são as
seguintes, de acordo com o art. 128, § 5º, II, do texto constitucional: a)
receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens
ou custas processuais; b) exercer a advocacia; c) participar de sociedade
comercial [713] , na forma da lei; d) exercer, ainda que em disponibilidade,
qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; e) exercer
atividade político-partidária; f) receber, a qualquer título ou pretexto,
auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas,
ressalvadas as exceções previstas em lei.
As vedações aplicáveis aos membros do Ministério Público, salvo a
menção à proibição da advocacia e à participação em sociedade comercial
[714]
, na forma da lei, são as mesmas da magistratura. Na verdade, todas as
vedações que incidem sobre o Ministério Público também são válidas em
relação à magistratura.
Funções institucionais do Ministério Público
As funções institucionais do Ministério Público são arroladas na
Constituição Federal, que traz no art. 129 o seguinte rol: a) promover,
privativamente, a ação penal pública; b) fazer com que os Poderes Públicos
(Executivo, Legislativo e Judiciário) respeitem os direitos assegurados na
Constituição; c) defender o patrimônio público e social, o meio ambiente e
outros interesses difusos e coletivos; d) promover ações de
inconstitucionalidade (ações que visem à declaração de constitucionalidade
ou inconstitucionalidade de normas jurídicas) e solicitar a intervenção da
União – nos Estados e Distrito Federal – e dos Estados - nos Municípios -
nas hipóteses previstas na Constituição (ex.: invasão de uma unidade
federativa em outra); e) defender judicialmente os direitos e interesses das
populações indígenas; f) requisitar informações e documentos para instruir
os procedimentos administrativos de sua competência (ex.: procedimento
administrativo aberto para apurar violações ao meio ambiente); g) exercer o
controle externo da atividade policial; h) requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial (procedimento
administrativo voltado para a apuração da materialidade e da autoria de
infrações penais); i) exercer outras funções compatíveis com sua finalidade.
Outra garantia assegurada pela Constituição Federal ao Ministério
Público é que suas funções somente poderão ser exercidas por integrantes
da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo
autorização do chefe da instituição (art. 129, § 2º).
Prevê também o texto constitucional que o ingresso na carreira far-se-
á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação
da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do
bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica, e observada,
nas nomeações, a ordem de classificação (art. 129, § 3º).
Fechando a disciplina específica existente na Constituição Federal, há
previsão, no art. 129, § 4º, no sentido de que os membros do Ministério
Público serão promovidos de entrância a entrância, alternadamente, por
antiguidade e merecimento, e que estão sujeitos às mesmas regras de
aposentadoria dos magistrados.
O art. 130 da Constituição Federal ressalta que as disposições
estudadas se aplicam aos membros do Ministério Público junto aos
Tribunais de Contas, que são órgãos responsáveis, em especial, pelo
controle das contas – receita e despesa – do Poder Público.
ADVOCACIA

Generalidades sobre a advocacia


Quem pretende obter a tutela jurisdicional do Estado deve acionar o
Poder Judiciário, uma vez que não há processo sem autor (nemo iudex sine
actore ). No entanto, não basta exercer o direito de ação para conseguir a
proteção oferecida pelo sistema processual. Ao contrário, é preciso observar
vários requisitos, dentre os quais, possuir capacidade postulatória, expressa
na possibilidade de praticar em juízo todos os atos necessários à defesa do
direito, sendo que a exigência recai ao mesmo tempo sobre o autor e o réu.
No caso específico da capacidade postulatória, sofre a limitação
prevista no art. 5º, XIII, da Constituição Federal, que estabelece ser “livre o
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer”. No caso concreto, a lei a
que se refere o texto constitucional é a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994,
o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil . Esta lei prevê que o direito
de postular em juízo (jus postulandi ) e as atividades de consultoria,
assessoria e direção jurídicas são atos privativos dos advogados, assim
considerados os inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. Por outro
lado, disciplinando a profissão, são impostos vários requisitos para a
inscrição, sendo que dentre eles consta a necessidade de diploma ou
certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino
oficialmente autorizada e credenciada. Portanto, as partes somente poderão
fazer valer em juízo a sua pretensão através de um advogado ou de outro
profissional que também tenha capacidade postulatória, por possuir
formação jurídica, como o membro do Ministério Público, que deve ser
necessariamente um bacharel em direito.
A parcialidade do advogado
Como o advogado defende em juízo o interesse de uma das partes,
buscando o acolhimento de sua pretensão, age de forma parcial no processo.
Neste sentido, o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, prevê
que no processo judicial o advogado contribui, na postulação de decisão
favorável ao seu constituinte, no convencimento do julgador. Em suma,
enquanto o juiz procura dar uma solução imparcial ao conflito, o advogado
exerce atividades em prol de uma das partes, assumindo o papel de defensor
de uma pretensão resistida ou insatisfeita quando atuar em prol do autor
(atividade cognitiva) ou exequente (atividade executiva) ou de defensor de
quem se opõe à pretensão (réu ou executado).
Embora tenha sido ressaltada a defesa do interesse do seu cliente, o advogado também
deverá atuar na defesa da Constituição, da ordem jurídica, do Estado Democrático de
Direito, dos direitos humanos, da justiça social, além de lutar pela boa aplicação das leis e
rápida administração da justiça, conforme previsto no art. 44, I, do Estatuto da OAB (Lei nº
8.906/94).
Por incumbir ao advogado a defesa do interesse do seu cliente, o art.
355 do Código Penal dispõe ser crime o advogado deixar de cumprir,
intencionalmente, com os seus deveres, prejudicando o cliente, assim como
realizar a defesa de interesses contrários no processo, gerando o patrocínio
infiel .
A advocacia na Constituição Federal
Tratando de forma específica da advocacia e de sua relevância, prevê
a Constituição Federal que está incluída entre as funções essenciais à
justiça. Além disso, há uma divisão no texto constitucional que coloca de
um lado a advocacia pública e, do outro, a advocacia privada e a defensoria
pública, embora todos esses profissionais estejam aptos a postular em juízo
e recebam a mesma disciplina genérica quanto ao exercício da atividade
profissional [715] . Aliás, é por isso que analisaremos a advocacia em sentido
amplo, sem deixar, é claro, de fazer considerações especiais a respeito da
advocacia pública e da defensoria pública.
Advocacia pública
A advocacia pública está relacionada à defesa e proteção dos
interesses do poder público. As atividades desempenhadas podem ser
judiciais ou extrajudiciais. A atividade judicial está relacionada à atuação
junto ao Poder Judiciário e a extrajudicial abrange atividades de consultoria
e assessoramento.
A Constituição Federal refere-se inicialmente à Advocacia-Geral da
União ao tratar da advocacia pública. Trata-se da instituição que,
diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União judicial e
extrajudicialmente. Assim, a advocacia pública na esfera da União é
coordenada pela Advocacia-Geral da União (AGU), responsável pelas
atividades judiciais e de consultoria e assessoramento jurídico do Poder
Executivo.
A Advocacia-Geral da União foi criada pela Constituição Federal
para exercer as atividades de representação e consultoria do Poder
Executivo, atividades que eram anteriormente exercidas também pelo
Ministério Público Federal.
A Constituição Federal prevê que a organização e o funcionamento da
Advocacia-Geral da União serão disciplinados em lei complementar.
Assim, em observância a esse comando surgiu, em 10 de fevereiro de 1993,
a Lei Complementar nº 73, versando sobre a Lei Orgânica da Advocacia-
Geral da União.
Dispõe a Constituição Federal também que a Advocacia-Geral da
União é chefiada pelo Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo
Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de
notável saber jurídico e reputação ilibada. Portanto, não é necessário que o
nomeado faça parte da carreira, nem a aprovação do nome pelo Senado
Federal ou qualquer órgão, visto que a escolha se condiciona apenas aos
fatores idade, conhecimento jurídico e reputação ilibada. Ademais, o
profissional escolhido deve ser uma pessoa de confiança do Chefe do Poder
Executivo Federal. Diferentemente, os demais integrantes da instituição
ingressarão na carreira após serem aprovados em concurso público de
provas e títulos. A Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993,
instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, dispondo a respeito
das funções e da estrutura do órgão.
Encerrando a disciplina referente à advocacia pública, a Constituição
Federal salienta que a execução da dívida ativa de natureza tributária –
impostos, taxas e contribuições - ficará a cargo da Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional, observado o disposto em lei (art. 131, § 3º).
Para entender o comando mencionado é necessário observar que tributo, na definição do
art. 9º da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que estabelece normas gerais de direito
financeiro para a elaboração e o controle orçamentário dos entes públicos, é a receita
derivada - assim considerada por não se originar do patrimônio do Estado, como ocorreria,
por exemplo, se um Estado alugasse parte dos imóveis que possui - instituída pelas
entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições nos
termos da constituição e das leis vigentes e matéria financeira, destinando-se o seu produto
ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas por essas entidades.
A dívida ativa tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de
obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais, como a atualização monetária e
juros de mora, e multas, não satisfeitos pelo contribuinte e que é, por isso, objeto de
cobrança judicial a ser feita pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (art. 39 da Lei nº
4.320/64).
A advocacia pública no âmbito dos Estados e do Distrito Federal é
tratada pelo art. 132 da Constituição Federal. A primeira colocação feita por
este dispositivo é que as Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal
serão organizadas em carreira, sendo que o ingresso dependerá da
aprovação em concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases. No que concerne
às funções exercidas, abrangem a representação judicial e a consultoria
jurídica. Por fim, dispõe o parágrafo único do artigo citado que os
Procuradores do Estado terão estabilidade depois de três anos de efetivo
exercício, após a feitura de relatório circunstanciado de avaliação de
desempenho feito pelas Corregedorias junto aos órgãos de atuação.
Embora a Constituição Federal não se refira aos Municípios, também
necessitam de auxílio jurídico nas esferas judicial e extrajudicial. Há,
portanto, advocacia pública no âmbito dos Municípios, sendo aplicáveis aos
advogados existentes os comandos descritos acima.
Advocacia e defensoria pública
O texto constitucional trata de maneira específica da advocacia e da
defensoria pública. Da advocacia em sentido genérico apenas afirma, em
seu art. 133, que seu exercente, o advogado, é indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei.
O texto constitucional foi disciplinado pela Lei nº 8.906, de 4 de
julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil ), que prevê
que a postulação em juízo é privativa dos advogados, salvo em se tratando
das ações de habeas corpus (art. 1º). Todavia, o Supremo Tribunal Federal
(STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1127/DF, entendeu
também que não é privativo dos advogados a postulação perante: a) os
juizados especiais; b) a Justiça do Trabalho; e c) a Justiça de Paz.
Portanto, foram considerados constitucionais, dentre outros, os
seguintes dispositivos:
a) Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 (Juizados Especiais Cíveis
e Criminais). Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as
partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado;
nas de valor superior, a assistência é obrigatória;
b) Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT). Art. 791 – Os
empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a
Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final. Art. 839
– A reclamação poderá ser apresentada: a) pelos empregados e
empregadores, pessoalmente, ou por seus representantes, e pelos sindicatos
de classe; (...).
De acordo com a interpretação realizada pelo Supremo Tribunal
Federal, a ideia de que o advogado é indispensável à administração da
justiça, prevista no texto constitucional, “significa que o legislador
ordinário não pode elaborar normas impedindo a participação do advogado
em qualquer processo, embora possa considerar facultativa a sua
participação” [716] .
Fora as limitações apontadas pelo Supremo Tribunal Federal, são
privativas dos Advogados as atividades: a) judiciais: representadas pela
postulação perante o Poder Judiciário; b) extrajudiciais: compreendendo as
atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
O próximo dispositivo constitucional - o art. 134, caput - reporta-se à
defensoria pública, considerando-a também uma instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, a quem incumbe,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos
e a defesa dos necessitados. Sendo assim, o requisito primordial a ser
observado quando da prestação das atividades inerentes à defensoria
pública é que o postulante do serviço comprove que dele necessita.
A defensoria pública exercerá a orientação jurídica (contenciosa ou
voluntária) e extrajudicial (preventiva). Portanto, não é mais possível falar
unicamente em assistência judiciária e sim em assistência jurídica, uma vez
que serão prestadas também atividades extrajudiciais.
No que se refere à amplitude de atuação da defensoria pública, por
determinação expressa do texto constitucional, será exercida em todos os
graus, judicial e extrajudicialmente, para a defesa dos direitos individuais e
coletivos, de forma integral e gratuita, em prol dos necessitados. Portanto,
perante os órgãos de 1º grau (juízos) e junto aos órgãos de 2º grau
(tribunais). As atividades extrajudiciais serão exercidas perante qualquer
órgão dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como em
relação aos particulares.
Retornando à análise do texto constitucional, em seu texto também
está previsto que lei complementar organizará a Defensoria Pública da
União e do Distrito Federal, além de prescrever normas gerais para sua
organização nos Estados (art. 134, § 1º). Na linha do exposto, a Lei
Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, organizou a Defensoria
Pública da União e do Distrito Federal e estabeleceu normas gerais a
respeito da Defensoria Pública dos Estados.
Por fim, está previsto que o ingresso na Defensoria Pública,
organizada em carreira, ocorrerá mediante concurso público de provas e
títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e
vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.
Natureza jurídica da advocacia
Identificar a essência da advocacia é essencial para que possamos
compreendê-la melhor. Para tanto, convém observar que existem três
posições básicas [717] . A primeira sustenta que a advocacia é uma atividade
privada, exercida por profissionais liberais [718] , através do vínculo
contratual do mandato [719] , combinado com um contrato de prestação de
serviços. Para a segunda corrente, a advocacia tem caráter público e a
relação entre cliente e patrono é também regulada pelo direito público. A
terceira corrente adota uma posição mista (ao mesmo tempo pública e
privada), ao sustentar que a advocacia corresponde a um ministério
(profissão, função) privado, embora de relevância pública. Expressa bem
essa situação o fato de que o instrumento de representação – o mandato – é
outorgado após a escolha do advogado. Todavia, a forma de exercício da
representação é definida em linhas gerais pela lei. Esta última posição
representa o posicionamento agasalhado pelo art. 2º da Lei nº 8.906, de 4 de
julho de 1994 [720] .
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil
Após termos tratado genericamente das atividades próprias do
advogado, examinando em especial o texto constitucional, verificaremos na
sequência alguns dos principais comandos da Lei nº 8.906, de 4 de julho de
1994, que: “Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB)”.
Em especial, merecem destaque as seguintes previsões do Estatuto da
OAB:
a) impetração de habeas corpus
Não é atividade privativa da advocacia a impetração de habeas
corpus em qualquer instância ou tribunal (art. 1º, § 1º), por se tratar de um
instrumento voltado para a defesa da liberdade.
b) natureza da atividade
O advogado presta serviço público e exerce função social, embora
exerça uma atividade privada, elementos válidos para a definição da
natureza mista da advocacia (parte pública e parte privada), o que faz com
que a advocacia seja ao mesmo tempo um serviço público e uma função
social (art. 2º, § 1º).
c) abrangência do Estatuto
Também se sujeitam ao regime do estatuto os integrantes da
Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da
Defensoria Pública [721] e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de
administração indireta (ex.: sociedades de economia mista, autarquias,
empresas públicas) e fundacional (fundações públicas) (art. 3º, § 1º).
d) necessidade de mandato
Para postular em juízo ou fora dele o advogado deverá provar que
recebeu poderes para praticar atos ou administrar interesses (art. 5º, caput) ,
conforme prevê o Código Civil ao disciplinar o mandato. A procuração é o
instrumento que exterioriza o mandato (art. 653 do CC). Entretanto, em
caso de urgência o advogado deve praticar o ato processual, se
comprometendo a juntar o instrumento de mandato em no máximo 15
(quinze) dias, prorrogáveis por igual período.
Nos casos de assistência judiciária (indicação pelo respectivo serviço,
pela OAB ou pelo juiz) não é necessário que se faça a juntada da
procuração. Todavia, quando a assistência judiciária é prestada por
profissional liberal é necessário que a procuração seja juntada. Também
independerá de instrumento de mandato a constituição de defensor por
ocasião do interrogatório (nomeação apud acta = conforme a ata), como
prevê expressamente o art. 266 do Código de Processo Penal - “a
constituição do defensor independerá do instrumento de mandato, se o
acusado o indicar por ocasião do interrogatório” -, embora o mesmo
entendimento seja válido para as esferas civil e trabalhista.
Os Procuradores dos Estados estão dispensados da juntada de
procuração, uma vez que a representação é legal e não contratual, e os que
exercem a representação judicial das autarquias e fundações públicas, neste
último caso em virtude do art. 9º [722] da Lei nº 9.469, de 10 de julho de
1997. Neste sentido, a Súmula nº 436 do TST estabelece que:
“I - A União, Estados, Municípios e Distrito Federal, suas autarquias
e fundações públicas, quando representadas em juízo, ativa e
passivamente, por seus procuradores, estão dispensadas da juntada do
instrumento de mandato e de comprovação do ato de nomeação; II –
Para os efeitos do item anterior, é essencial que o signatário ao menos
declare-se exercente do cargo de procurador, não bastando a indicação
do número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil”.
A procuração, quando necessária, demonstra que o advogado recebeu
poderes para representar a parte em juízo. Além disso, serve para indicar os
limites dos poderes transferidos por quem a conferiu.
e) procuração com poderes especiais e cláusula ad judicia
A procuração conferida ao advogado pode conter poderes especiais
ou apenas a cláusula ad judicia (art. 5º, § 2º). De acordo com o art. 105 do
Código de Processo Civil, a procuração geral para o foro, conferida por
instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a
praticar todos os atos do processo (procuração ad judicia ), salvo para
receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir,
desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar
quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência
econômica, que devem constar de cláusula específica (procuração com
poderes especiais ).
Existem, porém, outras hipóteses previstas no ordenamento jurídico
brasileiro em que o advogado deverá ter poderes especiais. Como exemplo
do exposto, há as seguintes situações relacionadas ao Código de Processo
Penal: a) quando a ação penal for condicionada a representação, poderá ser
oferecida pelo ofendido ou por procurador com poderes especiais (art. 39);
b) a queixa – peça inicial da ação penal de iniciativa privada – deverá ser
apresentada por procurador com poderes especiais (art. 44); c) a arguição de
falsidade de documento por procurador exige poderes especiais (art. 146).
f) renúncia do advogado
Quando o advogado renuncia ao mandato deve continuar a
representar o mandante por 10 (dez) dias, salvo se for substituído antes do
término desse prazo, a fim de evitar que a parte que está sendo defendida
sofra prejuízo (art. 5º, § 3º).
g) direitos do advogado
Dentre os direitos assegurados ao advogado está a inexistência de
qualquer subordinação em relação aos juízes e membros do Ministério
Público. Tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições
adequadas ao seu desempenho também estão asseguradas. Na realidade, há
um extenso rol de direitos, previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados
do Brasil, que convivem com os assegurados pela legislação processual (art.
7º).
Além de direitos, os advogados, pela própria natureza da função,
estão submetidos a inúmeros deveres, que também constam do Estatuto da
Ordem dos Advogados e da legislação processual.
h) Inscrição como advogado e estagiário
Para se inscrever como advogado é necessário (art. 8º, caput ): I -
capacidade civil; II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido
em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada; III - título
de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro; IV - aprovação em
Exame de Ordem; V - não exercer atividade incompatível com a advocacia;
VI - idoneidade moral; VII - prestar compromisso perante o conselho. A
inscrição como estagiário requer a observância dos requisitos previstos nos
incisos I, III, V, VI, VII e ter sido admitido em estágio profissional de
advocacia (art. 9º, caput ).
i) advogado empregado
Não ocorre a perda da isenção técnica nem a redução da
independência profissional inerentes à advocacia quando o advogado é
empregado (art. 18, caput ). Além disso, a jornada de trabalho não poderá
exceder a duração diária de quatro horas contínuas e de vinte horas
semanais, salvo acordo (sindicato representativo de categoria profissional x
empresa) ou convenção coletiva (sindicato representativo de categoria
profissional x sindicato representativo de categoria econômica) ou em caso
de dedicação exclusiva (art. 20, caput ).
j) honorários advocatícios
A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o
direito aos honorários convencionados (acordados entre a parte e seu
advogado), aos fixados por arbitramento judicial (estipulados pelo juiz) e os
de sucumbência (decorrentes do fato de a parte contrária ter obtido uma
decisão desfavorável) (art. 22).
Quando a presença do advogado é facultativa não cabe condenação
em honorários advocatícios. É o que ocorre na Justiça do Trabalho se o
empregado e o empregador exercerem o jus postulandi [723] , salvo se forem
advogados e estiverem postulando em causa própria, e nos Juizados
Especiais Cíveis (Lei nº 9.099/95) quando o valor da causa não ultrapassa a
20 (vinte) salários mínimos. Além disso, há hipóteses em que embora seja
obrigatória a presença do advogado não há a condenação em honorários
advocatícios, caso do mandado de segurança, da ação popular e da ação
civil pública. Da mesma forma, não há condenação em honorários
advocatícios no processo penal, uma vez que o art. 804 do Código de
Processo Penal prevê apenas responsabilidade quanto ao pagamento das
custas processuais, salvo quando se tratar de defensor dativo, nomeado em
virtude da falta de defensores públicos [724] . Por fim, lembramos que o art.
1º-D da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, prevê que não serão
devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não
embargadas e que o art. 85, § 7º, do Código de Processo Civil, prevê que
não serão devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença
contra a Fazenda Pública que imponha a expedição de precatório se não
houver impugnação.
k) ética do advogado
O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de
respeito. Também lhe incumbe contribuir para o prestígio da classe e da
advocacia (art. 31, caput ).
l) finalidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
Dentre as finalidades da OAB figuram (art. 44, caput ): I - defender a
Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos
humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida
administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das
instituições jurídicas; II - promover, com exclusividade, a representação, a
defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República
Federativa do Brasil.
m) Ó rgãos da OAB
A Ordem dos Advogados do Brasil é composta pelos seguintes órgãos
(art. 45): a) Conselho Federal. Órgão Supremo. Sediado em Brasília e
dotado de personalidade jurídica própria; b) Conselhos Seccionais.
Localizados nos Estados e no Distrito Federal. São dotados de
personalidade jurídica própria; c) Subseções. Integram os Conselhos
Seccionais. São dotadas de autonomia em sua organização e administração;
d) Caixas de Assistência. Criadas pelos Conselhos Seccionais. Requisito
para a criação: mais de mil e quinhentos inscritos no Conselho Seccional.

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