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DIREITO DAS

OBRIGAÇÕES

FRANCO PEREIRA
EXPEDIENTE

Coordenador(a) de Conteúdo Revisão Textual


Ísis Carolina Massi Vicente Elias Lascosk
Projeto Gráfico e Capa Ilustração
Arthur Cantareli Silva Eduardo Aparecido Alves
Editoração Fotos
Alexandre Donzelli Shutterstock
Design Educacional
Amanda Peçanha
Curadoria
Ávila Tobias

FICHA CATALOGRÁFICA

U58 Universidade Cesumar - UniCesumar.


Núcleo de Educação a Distância. PEREIRA, Franco.
Direito das Obrigações / Franco Pereira. - Indaial, SC: Arqué, 2023.

272 p.

ISBN papel 978-65-6083-132-2


ISBN digital 978-65-6083-133-9

“Graduação - EaD”.
1. Direito 2. Obrigação 3. EaD. I. Título.

CDD - 342.141

Bibliotecária: Leila Regina do Nascimento - CRB- 9/1722.

Ficha catalográfica elaborada de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Impresso por:
RECURSOS DE IMERSÃO

AP RO F U NDA NDO EU INDICO

Utilizado para temas, assuntos Utilizado para agregar


ou conceitos avançados, levando um conteúdo externo.
ao aprofundamento do que Utilizando o QR-code você
está sendo trabalhado naquele poderá acessar links de
momento do texto. vídeos, artigos, sites, etc.
Acrescentando muito
aprendizado em toda a sua trajetória.

P E N SAN DO J UNTO S

Este item corresponde a uma PL AY NO CONHECIMENTO

proposta de reflexão que pode


ser apresentada por meio de uma Professores especialistas e
frase, um trecho breve ou uma convidados, ampliando as
pergunta. discussões sobre os temas
por meio de fantásticos
podcasts.

ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

INDICAÇÃO DE FIL ME
Utilizado para desmistificar
pontos que possam gerar
confusão sobre o tema. Após o Uma dose extra de
texto trazer a explicação, essa conhecimento é sempre
interlocução pode trazer pontos bem-vinda. Aqui você terá
adicionais que contribuam para indicações de filmes que se
que o estudante não fique com conectam com o tema do
dúvidas sobre o tema. conteúdo.

E M FO CO INDICAÇÃO DE L IVRO

Utilizado para aprofundar o Uma dose extra de


conhecimento em conteúdos conhecimento é sempre
relevantes utilizando uma bem-vinda. Aqui você terá
linguagem audiovisual. indicações de livros que
Disponibilizado por meio de QR- agregarão muito na sua vida
code. profissional.

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CAMINHOS DE APRENDIZAGEM

7UNIDADE 1

INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

35UNIDADE 2

CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES QUANTO AO OBJETO . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES QUANTO AOS ELEMENTOS . . . . . . . . . . . . . . 72

105
UNIDADE 3

CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES QUANTO À EXIGIBILIDADE E AO CONTEÚDO . 106

TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132

161
UNIDADE 4

ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162

MODALIDADES ESPECIAIS
DE PAGAMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188

215
UNIDADE 5

TEORIA GERAL DO INADIMPLEMENTO


DAS OBRIGAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 216

EFEITOS DO INADIMPLEMENTO
DAS OBRIGAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242

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UNIDADE 1
TEMA DE APRENDIZAGEM 1

INTRODUÇÃO AO DIREITO
DAS OBRIGAÇÕES

MINHAS METAS

Reconhecer a importância das obrigações no contexto das relações entre pessoas.


Compreender o conceito de obrigações e a sua distinção entre obrigações morais e civis.
Conhecer a evolução histórica da teoria das obrigações e como ela se desenvolveu ao longo
do tempo.
Identificar os elementos constitutivos das obrigações, incluindo as figuras do credor e do
devedor, a prestação e a responsabilidade.
Entender a sistemática das garantias no cumprimento das prestações, incluindo as diversas
formas de garantia e suas implicações jurídicas.
Estudar as fontes das obrigações, compreendendo como elas podem se originar de um
negócio jurídico ou da responsabilidade civil.
Analisar casos práticos envolvendo obrigações e aplicar os conceitos aprendidos para solu-
cionar questões jurídicas relacionadas.

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UN I C ES UMA R

INICIE SUA JORNADA


Viver é se obrigar. A nada simples experiência da vida em sociedade impõe ao
sujeito uma série de obrigações. Aliás, com tranquilidade, é possível sustentar
que a existência da sociedade somente é possível em função das obrigações que
todos os indivíduos têm.

Obrigação de respeitar os pais, de cuidar dos filhos, de obedecer às regras de trân-


sito, de não incomodar o vizinho no descanso noturno, de não invadir os limites da
propriedade alheia, enfim, a lista é muito extensa e quase ilimitada. Conforme as
escolhas e os contextos de vida de cada um, essas obrigações ainda se intensifi-
cam, se complexificam e variam mais ainda.

É nesse cenário que o estudo do direito das obrigações ganha relevo. É a área
do direito dedicada à regulamentação das obrigações de ordem patrimonial, as
quais, conforme será visto adiante, podem derivar das mais diversas formas de
manifestações de ações de um ou alguns indivíduos.
Este estudo é um importante desafio porque trata da base para a compreensão e
aplicação de quase todo o direito. Isso se dá porque o direito das obrigações contém
regras que são gerais, conceitos que são básicos e aplicáveis a todas as outras áreas.
Quer ver um exemplo? Quando se diz que os cônjuges são solidariamente
responsáveis pelas dívidas que eles contraírem com despesas domésticas, embo-
ra se trate de uma regra patrimonial estabelecida em direito de família, todo o
regime da obrigação solidária é dado pelo direito das obrigações.
O mesmo acontece quando se diz que os fornecedores são solidariamente
responsáveis pelos danos causados ao consumidor, uma regra contida no Código
de Defesa do Consumidor, mas que reporta ao conceito de obrigação solidária
do direito das obrigações, o qual ainda veremos neste tema.
Para nós, importam as obrigações que tenham caráter patrimonial, isto é,
aquelas que podem ser resolvidas em uma prestação economicamente apreciá-
vel. Assim, não estão incluídas no curso aquelas obrigações que são puramente
morais, sem consequência economicamente apreciável, como a obrigação de que
os cônjuges sejam fiéis um ao outro.

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 1

Neste tema, localizaremos as obrigações no Código Civil, a forma como a


resolução das obrigações evoluiu da punição física do devedor para a satisfação
por meio do patrimônio, os elementos que constituem uma obrigação e, por fim,
as fontes dela, de onde é que elas se originam. É importante que você compreenda
que o conteúdo traz em si uma abordagem quase filosófica, principalmente na
caracterização do que seria uma relação obrigacional, de modo que o exercício
de imaginar situações que se encaixem dentro do que se está lendo e estudando
é muito importante para a aprendizagem.

P L AY N O CO NHEC I M ENTO

Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de


aprendizag.em.

VAMOS RECORDAR?
O Código Civil possui princípios que são próprios e o direito das obrigações tem
várias regras de aplicação que se relacionam a esses princípios. O artigo Os
princípios fundantes no direito das obrigações, de autoria do Prof. João Carlos
Bianco, resgata os princípios introdutórios do Código e aborda como eles se
aplicam ao direito das obrigações.

DESENVOLVA SEU POTENCIAL

NOÇÕES GERAIS DE OBRIGAÇÕES

Definir obrigações, na acepção jurídica do termo, não é uma tarefa tão simples
como pode parecer. Isso porque, no universo do Direito, a definição de algo, ou
melhor, de um instituto, tem uma enorme relevância para que fique bem especi-

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ficado em quais situações e/ou em quais relações aquele instituto tem aplicação
e, ainda, qual a extensão dessa aplicação nessa determinada situação/relação.

É comum que algumas definições jurídicas derivem da legislação que regulamenta


aquele fenômeno, como, por exemplo, ocorre no caso do conceito da palavra
“meado”, cujo art. 132, §2º, do Código Civil, a define como o décimo quinto dia de
qualquer mês. No caso de obrigações, no entanto, a legislação não contém um
artigo específico que indique o que essa palavra significa, quais são as implicações
contidas dentro do termo.

Tanto assim o é que a parte do Código Civil que regulamenta o direito das obri-
gações (Livro I da Parte Especial, entre os arts. 233 e 420) já se inicia com as
classificações das obrigações, sem abordar o conceito do que seriam as obriga-
ções propriamente ditas. Dessa forma, a definição do instituto ficou a cargo dos
autores, da doutrina.
Para Diniz (2023, s. p.), as obrigações são “relações jurídicas de ordem patri-
monial, que têm por objeto prestações de um sujeito em proveito de outro”, defi-
nição complementada por Pereira (2017, p. 25), para o qual as referidas prestações
são economicamente apreciáveis.

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Como podemos observar, na acepção jurídica, as obrigações são relações que


sujeitos estabelecem entre si com a previsão de uma prestação de um para com
o outro. É a relação em que alguém, o devedor, se obriga a dar algo, a fazer algo
ou a deixar de fazer algo em proveito de outra pessoa, o credor.
Nesse ponto, é importante termos em mente que, por se tratar de uma relação
estabelecida a partir da conduta humana, as possibilidades são diversas. Nem toda
obrigação será configurada de forma tão simples, isto é, uma pessoa obrigada a
prestar algo a outra, podendo variar tanto quanto ao número de envolvidos e de
prestações quanto às características destas.
Assim, ao imaginarmos um negócio realizado entre duas pessoas para a com-
pra e venda de um veículo, estamos imaginando uma relação de direito obriga-
cional estabelecida, pois há sujeitos, o vendedor e o comprador, e há prestações às
quais eles se obrigaram: de um lado, a obrigação de entregar o veículo; do outro, a
de pagar o preço. Inclusive, o exemplo é interessante para demonstrar que, como
no caso, a maioria das relações obrigacionais são compostas por prestações recí-
procas, isto é, ambos os lados se obrigam a algo.
É importante ressaltar, ainda, que nem todas as obrigações surgem de um
acordo de vontade entre as partes, em que a relação é estabelecida livremente entre
duas pessoas, como em um contrato. Há casos em que a simples ação de uma pes-
soa pode fazer surgir a relação jurídica, com a obrigação de prestar algo a alguém.

É o caso, por exemplo, de quando uma pessoa ofende a integridade física da


outra, causando-lhe dano. Mesmo sendo o ofendido e o ofensor desconhecidos
entre si, a ofensa e o dano fazem surgir o vínculo obrigacional, cuja prestação é a
reparação do dano, o que se dá, em regra, por meio do pagamento de quantia em
dinheiro, como está previsto no art. 927, caput, do Código Civil.

Características Essenciais da Obrigação

Tendo em mente que a obrigação é uma relação que Obrigação é uma


tem por objeto uma prestação, já se torna mais tran- relação que tem
quila a tarefa de identificar as características essen- por objeto uma
ciais das obrigações. Entender tais características é prestação
importante porque há outras relações jurídicas com

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conteúdo patrimonial que até se assemelham às relações obrigacionais, mas não são
regidas pelas mesmas regras, assunto que será melhor abordado adiante.
A relação obrigacional é pessoal, pois é uma relação em que uma pessoa se
vincula a outra, e não a um objeto ou uma coisa. É uma relação de pessoa a pessoa,
em que aquele que receberá o objeto da prestação poderá, no caso de descumpri-
mento, exigir a prestação ou o equivalente a ela da pessoa que se obrigou.
É também uma relação transitória, ela nasce já com a expectativa de ter
um fim, o qual se dá, em regra, com o cumprimento. Não se admite relação
obrigacional perpétua, que não esteja sujeita ao decurso do tempo ou que
simplesmente não contenha previsão de término.

Um bom exemplo da transitoriedade da relação obrigacional é o caso do contrato


de prestação de serviço. O art. 598, caput, do Código Civil, prevê que o prazo máxi-
mo que pode ser previsto no contrato de prestação de serviços é o de quatro anos e,
caso as partes não combinem um prazo, elas podem, a qualquer momento, encer-
rá-lo, bastando que haja aviso prévio (art. 598, parágrafo único, do Código Civil).

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Imagine, por exemplo, que você realizou um contrato de prestação de serviços de


contabilidade com um cliente. Nesse caso, ou deverá constar do contrato o prazo
máximo de duração, que é de quatro anos, ou, caso não conste, tanto você quanto
o seu cliente poderão encerrá-lo quando quiserem, pois nenhuma pessoa pode
ser obrigada a uma prestação perpétua.

Além disso, é uma relação prestacional, em que uma das partes ou ambas, reciproca-
mente, devem prestar algo, seja fazendo, deixando de fazer ou dando algum objeto.
Na situação anterior, por exemplo, as obrigações são recíprocas, pois se tem as pres-
tações como a execução dos serviços por parte do contratado, ou seja, é um “fazer
algo”, e o pagamento pelos serviços por parte do contratante, isto é, “um dar algo”.
Por fim, é uma relação patrimonial, tanto porque o que tem de ser pres-
tado tem um valor econômico quanto porque, no caso de descumprimento
da obrigação, a consequência será refletida no patrimônio daquele que se
obrigou. É justamente por esse motivo que não existe prisão ou castigos cor-
póreos como forma de pagamento.
Aliás, é importante mencionar que, embora seja prevista a prisão do devedor
de pensão alimentícia (art. 5º, LXVII, da Constituição Federal), tal não se dá como
forma de pagamento da obrigação, mas, sim, para estimular que o devedor o faça.
A prisão do devedor de alimentos, por exemplo, não extingue/quita o débito, já
que o conteúdo patrimonial da obrigação não pode ser considerado satisfeito
com a restrição da liberdade.
Sistematizando as características, tem-se que a relação obrigacional é uma
relação pessoal, de caráter transitório, cuja natureza é prestacional, e o conteúdo,
sempre patrimonial.

A Evolução do Direito das Obrigações

Ao longo da história da humanidade, buscaram-se formas para tratar das relações


obrigacionais estabelecidas. Isso porque, conforme já mencionado anteriormente,
tais relações nem sempre são tão simples, e a problemática do descumprimento
é uma constante, principalmente quanto à consequência dele.

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No direito romano arcaico, o descumprimento da obrigação tinha como conse-


quência a punição física do devedor. Se hoje a ideia é de que a satisfação da
obrigação se dá com a tomada forçada do patrimônio do devedor, e ainda com
algumas ressalvas, naquela época (considere o período anterior a 428 a. C.), o cre-
dor detinha poder quase absoluto sobre o devedor, estabelecendo-se uma relação
de sujeição de uma pessoa a outra.

Pereira (2017, p. 27-28) ensina ainda que, em razão dessa relação de sujeição, o
devedor estava sujeito às mais diversas formas de castigos físicos para a satisfação
da obrigação, inclusive ocorrendo situações em que a vida dele era tirada e o seu
corpo dividido em partes iguais correspondentes ao número de credores.
Somente com a edição da Lex Poetelia Papiria é que a sanção pessoal foi
substituída pela patrimonialidade. A partir de então, a obrigação passou a ser
entendida como uma prestação, de modo que a garantia do cumprimento dela
estaria inserida no patrimônio do devedor.

A P RO F UNDA NDO

A Lex Poetelia Papiria foi uma lei romana aprovada no ano 326 a.C., que aboliu a
prática de escravizar os cidadãos romanos por dívidas. Antes dessa lei, caso um
cidadão não pagasse suas dívidas, ele e sua família podiam ser vendidos como
escravos para pagá-la.
A lei estabeleceu a proibição dessa prática, determinando que os cidadãos ro-
manos endividados deveriam ser presos e suas dívidas deveriam ser perdoadas
após um período de tempo. Essa lei marcou um avanço significativo na proteção
dos direitos dos cidadãos romanos, garantindo que a liberdade não pudesse ser
tirada por questões financeiras.
Assim, a Lex Poetelia Papiria é considerada um marco histórico na luta pela
justiça social e pela proteção dos direitos humanos, pois, ao abolir a escravidão
por dívidas, ela estabeleceu um importante princípio de que a liberdade não
deve ser negada a ninguém por causa de questões financeiras.

Conforme ressaltam Farias e Rosenvald (2015, p. 26):

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"[...] substitui-se a noção de vínculo pela ideia de relação obrigacional. O devedor


não está mais submetido à pessoa do credor, mas subordinado à prestação. Daí o
interesse do devedor em exonerar-se da relação obrigacional."
Desse modo, atualmente, na ocorrência do inadimplemento da obrigação, o
credor poderá recorrer aos mecanismos do Estado para buscar a prestação no
patrimônio do devedor, ao que se dá o nome de execução forçada. Na execução
forçada, havendo patrimônio do devedor disponível, o Estado, por meio do Poder
Judiciário, o colocará à disposição do credor até que a obrigação seja extinta.
No atual estágio evolutivo, já se entende ainda que nem todo o patrimônio do
devedor pode ser atingido em uma execução forçada, isto é, colocado à disposição
para a satisfação da obrigação. Há bens que a legislação considera impenhoráveis,
isto é, que não podem ser forçadamente tomados, como é o caso, em regra, da
única residência em que vive a família do devedor (art. 1º da Lei nº 8.009/90).

VAMOS RECORDAR?
Você sabia que determinados bens a lei considera inalcançáveis para o paga-
mento de dívidas?

O direito das obrigações, portanto, evoluiu para a sua concepção patrimonial, na


qual o que deve ser buscado é a satisfação da obrigação por meio do patrimônio
e sempre assegurando ao devedor a proteção da sua dignidade. Não se admitem
mais tentativas de execução forçada da obrigação por mecanismos que possam
levar o devedor a um estado de miséria, pois não se busca mais a punição do
devedor, mas, sim, a extinção do vínculo pelo cumprimento.

As Garantias nas Obrigações

Toda relação obrigacional possui, pelo menos em princípio, uma garantia. Isso por-
que se sabe que, caso o devedor não cumpra com a prestação, o credor poderá, na
execução forçada, atingir o patrimônio dele, sendo este a primeira e básica garantia.

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As relações, porém, nem sempre são tão simples


Toda relação
assim. É bastante comum que determinadas obriga-
obrigacional possui,
ções sejam estabelecidas sem que haja patrimônio pelo menos em
correspondente para tanto ou que, com o passar do princípio, uma
tempo, o patrimônio do devedor deixe de ser sufi- garantia.
ciente para garantir o cumprimento da prestação.
É nesse contexto que a ideia de estabelecimento de garantias específicas
ganha força. Para reduzir os riscos de que a prestação não seja cumprida, são
criadas formas de reforço do cumprimento, as quais podem ser divididas em três
grandes categorias: as pessoais, as mobiliárias e as imobiliárias.

Imagine um contrato de empréstimo bancário de alto valor, com previsão de pa-


gamento, pelo devedor, em longas prestações, as quais podem perdurar por dé-
cadas. Ao exigir a assinatura de uma outra pessoa que não seja a que contratou
o empréstimo, a quem damos o nome de fiador, a fim de que essa pessoa pos-
sa ser responsável pela dívida, caso o devedor-contratante não cumpra com as
prestações, materializa-se no contrato o que chamamos de garantia pessoal ou
garantia fidejussória.

A ideia da garantia pessoal, cuja fiança é apenas um dos exemplos, é a de assegurar


o cumprimento da obrigação por meio do patrimônio de mais uma pessoa, além
do devedor. Daí porque se chama pessoal, porque é o estabelecimento de uma
relação de pessoa (credor) para pessoa (fiador), de modo que este último,
caso seja ao final sujeito à execução forçada da obrigação, adquire alguns direitos
contra o devedor primitivo, conforme veremos mais adiante.
As garantias mobiliárias e imobiliárias são diferentes, pois elas são bens que
são vinculados à obrigação. Assim, caso o devedor não cumpra com a prestação
assumida, o bem que ele indicou como garantidor da obrigação é que ficará,
conforme o caso, à disposição do credor.

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Se alguém contrata um financiamento para a aquisição de um veículo, por


exemplo, é comum que seja inserida no acordo uma cláusula denominada
alienação fiduciária. Por meio da alienação fiduciária, que no exemplo é sobre
um bem móvel (veículo), o banco ficará com a posição de proprietário do
bem até que a obrigação seja extinta, ou seja, as prestações sejam pagas; no
caso de não cumprimento das prestações, o banco credor poderá requerer
a busca e a apreensão do veículo em ação judicial específica para tanto e se
consolidar na propriedade plena e exclusiva dele.
A ideia da garantia imobiliária é parecida, mas a diferença é que um bem imó-
vel é que é colocado à disposição do credor para o caso de não cumprimento da
prestação. Nesse caso, será feita uma anotação (averbação) na certidão de registro
do imóvel de que aquele bem foi dado em garantia de uma determinada obrigação,
de modo que qualquer pessoa interessada terá conhecimento de que aquele imóvel
está garantindo uma obrigação e pode se sujeitar a uma execução forçada.

Vê-se, assim, que as garantias exercem a importante função de diminuir os riscos


em uma relação obrigacional, já que o patrimônio do devedor, que é o que se su-
jeita ao cumprimento da obrigação, nem sempre é suficiente. Para a finalidade da
disciplina, a garantia pessoal é a mais relevante, pois há regras específicas para a
hipótese em que o garantidor, a quem chamamos de terceiro interessado (fiador,
por exemplo), cumpra com a obrigação no lugar do devedor.

OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DAS OBRIGAÇÕES

Uma relação obrigacional é composta por uma estrutura que contém os elemen-
tos subjetivo, objetivo e abstrato. O elemento subjetivo diz respeito às pessoas
envolvidas na obrigação, ao passo que o elemento objetivo é a própria prestação.
Há ainda um terceiro elemento, o abstrato, imaterial ou jurídico, que é o
que torna a obrigação exigível. Conforme será abordado adiante, há obrigações
que, apesar de existentes, não podem ser consideradas exigíveis, inaugurando
uma classificação diferente de obrigações: as naturais.

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Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo da obrigação é composto pelo cre-


O elemento
dor e pelo devedor. É possível haver mais de um credor subjetivo da
e mais de um devedor na mesma obrigação, além de obrigação é
que eles integrem simultaneamente ambas as posições. composto pelo
Aliás, são raras as relações obrigacionais em que credor e pelo
o credor é exclusivamente credor, não havendo reci- devedor
procidade. Embora a ideia de devedor esteja ligada à
pessoa cuja obrigação é a de pagar, é importante ter em mente que essa obrigação,
quase sempre, corresponde a uma contraprestação, estando, então, caracterizada
a situação em que ambas as partes têm prestações em seu favor.

Para exemplificar, basta imaginar um contrato de compra e venda de imóvel. Nes-


sa situação, a proprietária do bem é a credora da quantia a ser paga pelo ad-
quirente, ao passo que este é o credor do bem imóvel em si.

A essa situação, em que ambas as partes da obrigação se obrigam a prestações


recíprocas, dá-se o nome de sinalagma.

VOCÊ SABE RESPONDER?


Você consegue imaginar outras situações em que ambas as partes, credor e
devedor, se confundem e se obrigam mutuamente?

Farias e Rosenvald (2015, p. 51) pontuam, ainda, que os sujeitos da relação podem
ser pessoas naturais ou jurídicas, e a capacidade civil plena (maioridade) não é
requisito para contrair obrigação. Além disso, até os sujeitos que a lei considera
sem personalidade jurídica podem figurar em algum polo da obrigação.
Sobre as pessoas jurídicas, é importante mencionar que, atualmente, existe uma
prevalência da sua autonomia patrimonial, isto é, as obrigações contraídas por elas são
delas mesmas e não dos sócios/pessoas físicas que as compõem. Dessa forma, nem
sempre uma obrigação contraída por uma pessoa jurídica pode ser exigida do sócio.

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VOCÊ SABE RESPONDER?


Você sabia que, em regra, uma obrigação da pessoa jurídica não deve ser co-
brada dos sócios dela, mas, sim, da própria pessoa jurídica?

Por fim, é certo que os sujeitos da obrigação devem sempre ser determinados ou
determináveis. Determinado é aquele sujeito que já se sabe quem é, as suas carac-
terísticas e qualificação; determinável, aquele que, embora, inicialmente, não se
saiba de quem se trata, será possível identificá-lo quando da execução da obrigação.

Um contrato firmado entre partes especificadas é uma obrigação com sujeitos deter-
minados. Já uma promessa de recompensa publicada na internet e dirigida a quem
encontrar um objeto perdido, por exemplo, é uma obrigação que contém um sujeito
apenas determinável, pois ele, inicialmente desconhecido, passará a ser conhecido e
determinado quando da devolução do bem e do cumprimento da promessa.

Elemento Objetivo

A prestação é o elemento objetivo da obrigação e pode se caracterizar como um


fazer algo/uma tarefa, um não fazer algo e um dar algo. A obrigação de fazer e a
de dar são classificadas como obrigações que são positivas, pois o devedor deve
praticar um ato, ao passo que a obrigação de não fazer é uma obrigação negativa,
na qual a prestação do devedor é deixar de fazer alguma coisa.
Imagine que você contratou um pintor para a execução de uma obra de arte
mediante o pagamento de determinado preço. Nesse caso, os elementos objetivos
são a execução dos serviços, isto é, a obrigação de fazer, e o pagamento da quantia
acordada, a obrigação de dar.
Ainda no mesmo exemplo, imagine que a obra está exposta no muro da sua
residência e, diariamente, um desafeto vai até lá e, aos poucos, provoca manchas
na pintura. Nesse caso, poderá ser exigido do desafeto, em razão do ato ilícito
por ele praticado, que ele deixe de provocar danos na pintura (obrigação de não

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fazer) e que ele repare os já causados (obrigação de fazer) ou custeie os reparos


(obrigação de dar). Tartuce (2019) também orienta que a prestação, para ser ju-
ridicamente válida, deve ser lícita, possível e determinada ou determinável. Além
disso, a forma como estabelecida a obrigação tem de ser aquela como determina
a lei ou a forma que não seja proibida.
Dessa forma, se uma obrigação tem como objeto uma prestação ilícita, ela não
possui validade jurídica e não pode ser exigida de maneira forçada. Como exemplo,
é possível citar a celebração de contrato de pessoa viva, que é aquele em que o futu-
ro herdeiro, antes mesmo do falecimento do autor da herança, negocia com outra
pessoa os seus direitos hereditários (nulidade prevista no art. 426 do Código Civil).
As prestações impossíveis, tanto juridicamente quanto naturalmente, também
não podem ser objeto da obrigação.

Imagine uma pessoa que, por necessidade financeira, resolve alugar pequenos
pedaços da própria pele para tatuadores treinarem os serviços. Caso essa pessoa
resolva não mais prosseguir com a obrigação, retirando-se do negócio, não há
como os locadores exigirem que ela continue com a locação, pois o direito proíbe
esse tipo de disposição do próprio corpo.

As obrigações naturalmente impossíveis são aquelas em que a própria natureza


impede o cumprimento, como seria o caso de alguém que celebra um contrato
de transporte, a pé, de uma mercadoria até a Sibéria.
Por fim, há obrigações que, embora sejam jurídicas e previstas em lei, não
podem ser consideradas conteúdo de uma obrigação do direito das obrigações.
É o caso dos deveres oriundos do casamento, como a fidelidade (art. 1.566 do
Código Civil), em que não há maneira de exigir o cumprimento coercitivamente.

Elemento Abstrato

O terceiro elemento da obrigação é o vínculo jurídico que possibilita a exigi-


bilidade da prestação. Tartuce (2019, s .p.) explica que a melhor expressão desse
vínculo é a prevista no art. 391 do Código Civil, que diz que todos os bens do
devedor respondem no caso de inadimplemento da obrigação.

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Esse vínculo é dividido em dois vieses que podem se convergir em uma relação
obrigacional, sendo eles o débito (Schuld) e a responsabilidade (Haftung). Assim,
uma vez que o devedor deixar de cumprir a prestação, surgirá o débito e, pela sua
responsabilidade pelo débito, os seus bens ficam sujeitos à execução forçada pelo
credor, havendo, portanto, débito e também responsabilidade.

Há duas situações, no entanto, que chamam a atenção, sendo a primeira o caso


em que os bens do devedor não responderão pelo inadimplemento da obrigação,
mesmo ela existindo, e a segunda o caso em que os bens de outro sujeito, que não
o devedor, é que respondem pelo inadimplemento.
Na primeira situação, em que os bens do devedor não responderão pelo ina-
dimplemento, ocorre o que se chama de débito sem responsabilidade. A obrigação
existe, o débito existe, mas não há meios de submeter o patrimônio do devedor
ao adimplemento da obrigação porque não existe a responsabilidade.

Imagine a situação em que você, devedor em uma relação obrigacional, não cum-
priu com o objeto da prestação, ficando inadimplente. Com o seu inadimplemento,
o débito passou a existir, porém, o credor, jamais buscou a execução forçada da
obrigação e décadas se passaram, tornando a dívida prescrita.

Após a ocorrência da prescrição, ocorre a perda da responsabilidade pelo débito,


tendo como consequência para o credor a impossibilidade de buscar a satisfação
da obrigação no patrimônio do devedor por meio da execução forçada. Não
significa, no entanto, que o débito deixou de existir, mas, tão somente, a respon-
sabilidade, sendo o caso de um débito sem responsabilidade.
No caso da prescrição, é importante destacar que a perda da responsabilida-
de pelo débito não implica na proibição de que o credor cobre por ele, mas não
poderá fazê-lo de maneira forçada.

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UN I C ES UMA R

P E N SA N DO J UNTO S

Mesmo que o credor tenha o legítimo direito de continuar cobrando por um


débito prescrito, só que de forma extrajudicial, caso ele o faça de maneira a
constranger o devedor, como, por exemplo, por meio de diversas ligações ao
longo do dia e por postagens na internet, você entende que a cobrança deixa
de ser legítima e o ato se torna ilícito?

Outro exemplo de débito sem responsabilidade é o caso de dívida de jogo ou de


aposta, hipóteses em que o perdedor não poderá ser cobrado judicialmente, não
poderá ter o seu patrimônio sujeito ao pagamento do débito, embora a dívida exista.
Em todos esses casos mencionados, o credor não fica impedido de tentar
cobrar amigavelmente do devedor, enviando-lhe notificações moderadas, comu-
nicações eletrônicas e congêneres. Somente não poderá utilizar de um processo
judicial para forçadamente buscar o adimplemento da obrigação. No caso de uma
obrigação decorrente de uma relação de consumo, o nome do devedor/consu-
midor também não poderá permanecer inscrito no cadastro de inadimplentes
(art. 43, §1º e 5º, do Código de Defesa do Consumidor).
Além disso, caso o devedor resolva cumprir com a prestação, ele não poderá
requerer o reembolso do valor com argumento na ausência de responsabilidade
patrimonial. A regra está contida no art. 882 do Código Civil, que diz que não se
pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita ou cumprir obrigação
judicialmente inexigível.

Se o devedor, por exemplo, cobrado por uma dívida que já está prescrita, real-
iza o pagamento desta e, posteriormente, verifica que ela já estava prescrita, ele
não terá o direito de pedir o ressarcimento do valor. Isso porque a ausência de
responsabilidade, conforme já tratado anteriormente, não significa a extinção do
débito, o qual continua a existir.

Já a segunda situação é quanto à existência de responsabilidade sem dívida, hipó-


tese em que um sujeito não-devedor venha a responder, com o seu patrimônio,
por débito que, a princípio, não é dele.

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 1

No caso do fiador, a relação jurídica que ele estabelece com o credor é a de


fiador, não de devedor. Ocorre que, havendo o descumprimento da prestação por
parte do devedor, o patrimônio do fiador passa a ser responsável pelo pagamento
do débito, assumindo ele a posição passiva do polo obrigacional.

FONTES DAS OBRIGAÇÕES

Superadas as questões conceituais e relativas aos elementos das obrigações, sem-


pre considerando que elas são vínculos jurídicos entre pessoas, é necessário ve-
rificar, por fim, quais são as fontes delas.
Tartuce (2019, s .p.) explica que a palavra fonte é uma expressão que indica o
elemento gerador, o fato jurídico que deu origem ao vínculo obrigacional.
Embora a maioria dos exemplos concentre os contratos como a fonte das
obrigações, porque, de fato, é a principal, eles não são as únicas. Conforme
já mencionado anteriormente, até mesmo um ato ilícito pode originar um
vínculo de direito obrigacional.
A lei pode ser entendida como a primeira fonte das obrigações, por vezes
tendo de ser acompanhada de outro instrumento jurídico e por vezes criando a
prestação por si, sozinha. No caso da obrigação de pagar alimentos, por exemplo,
a lei é autossuficiente, não necessitando que tal obrigação derive de um acordo
entre as partes, embora a exigibilidade deles, em uma execução forçada, depen-
da de um título executivo (um documento que defina a exatidão da obrigação,
podendo ser uma decisão judicial ou um acordo entre as partes).
É justamente por isso que alguns autores não consideram a lei como uma
fonte das obrigações, pois ela até traz em si a responsabilidade, mas não define o
débito. Certo é, no entanto, que todas as obrigações nascem da lei, pois nenhuma
manifestação teria força jurídica se não fosse o poder obrigatório que a lei lhe
reconhece (PEREIRA, 2017, p. 50).
Os contratos são considerados as fontes principais do direito das obrigações.
Por definição, o contrato é um negócio jurídico realizado entre partes e que con-
tém o estabelecimento de prestações que quase sempre são mútuas, recíprocas,
podendo ser ele escrito ou verbal, a depender do conteúdo dessas prestações.

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UN I C ES UMA R

Mesmo atos mais simples da vida, como, por exemplo, a aquisição de um


refrigerante em um supermercado, é considerado o estabelecimento de um vín-
culo contratual, uma fonte de obrigações. Há outros casos em que a legislação já
impõe formas especiais de celebração, sem as quais o contrato é inválido, como na
compra e venda de um imóvel cujo valor seja maior do que 30 salários mínimos.

AP RO F U NDA NDO

De acordo com a legislação brasileira, a escritura pública é a forma obrigatória


em negociações que envolvem a constituição, transferência, modificação ou
renúncia de direitos reais sobre imóveis com valor acima de trinta vezes o salário
mínimo (Art. 108, Código Civil).
Além de assegurar segurança jurídica às partes envolvidas, a escritura pública
torna a transação pública e constitui título hábil para transferência da titular-
idade no Cartório de Imóveis, ou seja, é por meio dela que o imóvel passa a
pertencer oficialmente ao comprador.
Vale ressaltar que há exceções a essa regra. Em casos de negociações que ul-
trapassem o valor de trinta salários mínimos, mas que envolvam contratos de alien-
ação fiduciária emitidos por instituições financeiras, é possível realizar a transação
por meio de um instrumento particular, que também possui validade jurídica.

Além disso, os títulos de crédito também são fontes de obrigações, sendo os mais
conhecidos o cheque e a nota promissória. São documentos que estabelecem uma
prestação definida e exata, e que se diferem dos contratos porque eles podem cir-
cular na sociedade, ampliando a relação jurídica estabelecida, acrescendo novos
sujeitos aos polos da obrigação.

Um cheque, por exemplo, a cada vez que é emitido por endosso, vai passando por
uma ampliação no número de sujeitos obrigados à prestação que está descrita nele.

As declarações unilaterais de vontade também são fontes de obrigação, o que


demonstra que, para a existência do vínculo, não é necessário haver um acordo
de vontade de duas partes. A promessa de recompensa, por exemplo, obriga a
pessoa que realizou a declaração.

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 1

Por fim, mencione-se os atos ilícitos, que são fontes muito importantes do
direito das obrigações em razão da grande relevância prática delas. Por definição,
o art. 186 do Código Civil prevê que, aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
O vínculo jurídico entre a pessoa que comete o dano e a vítima nasce no
momento da ocorrência desse dano, com o ato, mas a responsabilidade já é de-
corrente da lei. O art. 927, caput, do Código Civil, prevê que, aquele que, por ato
ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, o que se dá, em regra, na
forma patrimonial.
Ao dirigir de forma imprudente, violando as leis de trânsito, e causar um aci-
dente, a ação do motorista e a ocorrência do dano são suficientes para o estabele-
cimento do vínculo obrigacional entre as partes envolvidas, ficando o causador do
dano obrigado à reparação de todos os danos, tanto os materiais quanto os morais.

E M FO CO

Confira a aula referente a este tema. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo


digital do ambiente virtual de aprendizagem

NOVOS DESAFIOS
A compreensão das obrigações no âmbito jurídico é de suma importância para o
desenvolvimento das relações patrimoniais entre pessoas. Como visto, as obriga-
ções são relações que estabelecem uma prestação a ser realizada por uma parte em
favor da outra, sendo caracterizadas por elementos subjetivo, objetivo e abstrato.
O elemento subjetivo diz respeito às pessoas envolvidas na relação obrigacio-
nal, enquanto o objetivo é a própria prestação. Já o elemento abstrato, imaterial
ou jurídico é o que torna a obrigação exigível, ou seja, possibilita o acionamento
do Judiciário em caso de inadimplemento.
É importante destacar que a relação obrigacional é pessoal, pois se estabelece
entre pessoas, e transitória, uma vez que tem início com a expectativa de ter um fim

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UN I C ES UMA R

com o cumprimento da prestação. Além disso, a relação é prestacional, envolvendo


prestações de fazer, dar ou não fazer, e patrimonial, já que tem valor econômico.
Vimos que, para garantir que as prestações sejam cumpridas, a execução for-
çada é um mecanismo utilizado pelo credor, na qual o patrimônio do devedor é
utilizado para quitar a dívida. Contudo, nem sempre o patrimônio do devedor é
suficiente para garantir o cumprimento da prestação, o que leva à ideia de esta-
belecimento de garantias específicas, como as pessoais, mobiliárias e imobiliárias.
Abordamos, ainda, as fontes das obrigações, as quais são diversas, podendo
ser a lei, os contratos, os títulos de crédito, as declarações unilaterais de vontade
e os atos ilícitos. Cada uma dessas fontes possui regras específicas que devem
ser observadas pelas partes envolvidas na relação obrigacional. No caso dos
contratos, por exemplo, as partes estabelecem as prestações e condições para o
cumprimento das mesmas. Já nos atos ilícitos, o responsável pelo dano causado
deve reparar o prejuízo causado à outra parte.
Assim, a compreensão das características das obrigações é importante para,
no mundo profissional, distinguir outras relações jurídicas com conteúdo patri-
monial, que não são regidas pelas mesmas regras, como é o caso das obrigações
naturais. É importante que o profissional saiba identificar quando se está diante
de uma obrigação que é juridicamente relevante, bem como que ele compreen-
da a possibilidade de estabelecer garantias nas relações obrigacionais, em suas
diversas possibilidades, impondo a responsabilidade pelo inadimplemento do
débito a outras pessoas ou a determinados bens.
Em suma, as obrigações são uma parte fundamental do direito das relações
patrimoniais, regulamentando a conduta entre as partes e garantindo o cum-
primento das prestações acordadas. A compreensão dos elementos e caracte-
rísticas das obrigações é essencial para a correta aplicação do Direito e para a
solução de conflitos entre as partes.

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VAMOS PRATICAR

1. A expressão obrigação é plurívoca, comportando diferentes significados, mesmo den-


tro da própria ciência jurídica. Genericamente, é possível afirmar que a obrigação con-
fere a ideia de comprometimento de uma pessoa a uma situação moral, religiosa, social
etc. Diversas vezes, utiliza-se o vocábulo no sentido de indicar o documento probatório
da obrigação (quem não se recorda das Obrigações do Tesouro Nacional – OTNs?).
Em outras, fala-se na obrigação para designar o dever de respeitar direitos genéricos
alheios (lembre-se das obrigações recíprocas do casamento e da união estável, como
os deveres de lealdade e respeito).

Considerando que a expressão “obrigações “ é dotada de mais de um significado, bem


como a distinção entre as que são jurídicas e as que não são, explique o conceito téc-
nico-jurídico de obrigações e a distinção entre obrigações morais e civis. Considere em
sua resposta exemplos de situações em que há a fronteira entre esses dois tipos de
obrigações e como o direito as trata.

2. Existem diversas maneiras pelas quais as relações jurídicas obrigacionais podem


surgir no direito civil. Cada uma dessas formas possui características específicas
e requisitos distintos para a sua configuração. O conhecimento dessas diferentes
formas, as chamadas fontes das obrigações, é essencial para a compreensão do direito
das obrigações.

Sobre as fontes das obrigações no direito civil, assinale a alternativa correta:

a) O contrato é considerado a única fonte das obrigações no direito civil.


b) Os títulos de crédito não são fontes de obrigações.
c) Toda obrigação depende de manifestação bilateral de vontades.
d) O contrato é a principal fonte das obrigações e quase sempre o credor e o devedor
se obrigam mutuamente.
e) A lei não estabelece obrigações de caráter moral, sem consequência jurídica.

3. Embora o primeiro aspecto que surge na obrigação seja o débito, ele não pode ser visto
isoladamente, sem a responsabilidade, já que esta garante aquele. Toda obrigação,
como expresso, dá lugar a uma diminuição da liberdade do sujeito passivo e a constri-
ção que pode advir a seu patrimônio é o espelho dessa diminuição. A responsabilidade,
por seu lado, revela a garantia de execução das obrigações, pelo lado do credor, que
muitos consideram como elemento autônomo. A garantia, no entanto, deve ser vista
como o aspecto extrínseco do elemento vínculo.

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VAMOS PRATICAR

Considerando os conceitos de débito e responsabilidade, avalie as afirmativas:

I - O débito é a obrigação de dar, fazer ou não fazer algo, enquanto a responsabilidade


é a consequência jurídica pelo descumprimento do débito.
II - O débito nem sempre é acompanhado pela responsabilidade, podendo existir o débito
sem responsabilidade ou a responsabilidade sem o débito.
III - A prescrição está relacionada à existência do débito, enquanto a responsabilidade
não é afetada pela prescrição.

É correto o que se afirma em:

a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.

4. João e Maria firmaram um contrato de compra e venda de um carro usado. João se


comprometeu a entregar o carro a Maria e ela, por sua vez, se comprometeu a pagar
o valor acordado em até 30 dias após a entrega. João entregou o carro a Maria, mas
esta não pagou o valor acordado dentro do prazo estipulado.

Diante dessa situação, assinale a alternativa que indica corretamente quem é o credor,
quem é o devedor e qual é o objeto da obrigação.

a) Credor: Maria; devedor: João; objeto: entrega do carro.


b) Credor: João; devedor: Maria; objeto: entrega do carro.
c) Credor: Maria; devedor: João; objeto: pagamento do valor acordado.
d) Credor: João; devedor: Maria; objeto: pagamento do valor acordado.
e) Credor: Maria e João; devedor: terceiro; objeto: pagamento do valor acordado.

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VAMOS PRATICAR

5. Paulo alugou um imóvel de Joana por um prazo de 12 meses, mediante o pagamento


mensal de um valor acordado em contrato. No contrato de locação, Paulo indicou Maria
como sua fiadora, que se comprometeu a pagar o valor devido em caso de inadimplên-
cia de Paulo. Após 6 meses de aluguel, Paulo deixou de pagar as últimas três parcelas,
totalizando um valor de R$ 5.000,00.

Nessa situação, indique a alternativa que contemple a posição de Maria na obrigação:

a) Maria é um terceiro interessado, ela não é titular do débito, mas por ele possui res-
ponsabilidade em razão da fiança prestada.
b) Maria é um terceiro interessado, possui a titularidade e a responsabilidade pelo débito.
c) A relação de Maria é com Paulo, o devedor, e não com Joana, a credora.
d) A fiança não é suficiente para fazer com que o patrimônio de Maria responda pelo
débito de Paulo.
e) Maria poderia ser cobrada pelo débito mesmo se Paulo não tivesse deixado de fazer
o pagamento.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e


dá outras providências. DOU. de 12 set. 1990. Disponível em https://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 31 jul. 2023.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. DOU de 11 jan. 2002.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 31
jul. 2023
DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral das obrigações. 38. ed. São Pau-
lo: Saraiva, 2023. E-book.
FARIAS, C. C. de; ROSENVALD, N. Curso de Direito Civil: obrigações. 9. ed. São Paulo: Atlas,
2015.
PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2017.
TARTUCE, F. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 14. ed. Rio de Ja-
neiro: Forense, 2019. E-book.

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

1. As obrigações são uma relação jurídica entre duas pessoas, em que uma delas é o credor
e outra é o devedor. O devedor fica obrigado a cumprir uma prestação em favor do cre-
dor, que pode ser uma obrigação de dar, de fazer ou de não fazer algo. A distinção entre
obrigações morais e civis é importante para o direito, uma vez que apenas as obrigações
civis são objeto de tutela jurídica, ou seja, podem ser exigidas em juízo. As obrigações
morais, por sua vez, são objeto de tutela moral, e não jurídica. Ainda assim, a distinção
entre ambas nem sempre é clara, e pode haver situações em que uma obrigação, embora
decorrente de um senso moral, acaba sendo reconhecida como obrigação jurídica em
determinado contexto, como é o caso das obrigações de natureza alimentar.

2. Opção D. O contrato é a principal fonte das obrigações e quase sempre o credor e o


devedor se obrigam mutuamente, o que se chama de sinalagma. Em uma compra e
venda, o vendedor tem a obrigação de dar coisa certa, a que se vende, ao passo que o
comprador tem a obrigação de pagar a quantia certa. A opção A é incorreta porque o
contrato, embora seja a principal, não é a única fonte das obrigações, havendo ainda
o ato ilícito, os títulos de crédito e os atos unilaterais. A B é incorreta pois os títulos de
crédito são fontes de obrigações, como o caso do cheque. A C é incorreta porque nem
toda obrigação surge de manifestação de vontade bilateral, como ocorre no ato ilícito,
em que a conduta do ofensor, por si, já gera a obrigação. Por fim, a E é incorreta porque
a lei estabelece obrigações morais, sem sanção para o descumprimento, como o caso
do dever de fidelidade entre cônjuges (art. 1.304 do Código Civil).

3. Opção C. Apenas as afirmativas I e II estão corretas. O débito é a obrigação de dar, fazer


ou não fazer algo, enquanto a responsabilidade é a consequência jurídica pelo des-
cumprimento do débito. O débito nem sempre é acompanhado pela responsabilidade,
podendo existir o débito sem responsabilidade ou a responsabilidade sem o débito. Na
primeira situação, os bens do devedor não respondem pelo inadimplemento, ocorrendo
o que se chama de débito sem responsabilidade. Já na segunda situação, um terceiro
não-devedor responde com o seu patrimônio por débito que não é dele, ocorrendo a res-
ponsabilidade sem dívida. A prescrição está relacionada à existência da responsabilidade,
uma vez que decorre do descumprimento da obrigação, e após um determinado prazo
sem que o credor tenha exercido o seu direito de cobrar a dívida, a responsabilidade se
extingue. A afirmativa III está incorreta, pois a prescrição está relacionada à existência
da responsabilidade, e não do débito.

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

4. Opção D. Nesse caso, o credor é João, que tem o direito de receber o valor acordado pela
venda do carro, e o devedor é Maria, que assumiu a obrigação de pagar o valor dentro
do prazo estipulado. O objeto da obrigação é o pagamento do valor acordado, e não a
entrega do carro, que já foi cumprida por João. As demais alternativas estão incorretas,
pois confundem os elementos da obrigação.

5. Opção A. No caso apresentado, a posição de Maria é a de terceiro interessado, não titular


do débito, mas por ele responsável, já que ela é uma fiadora, por isso a opção A é a correta
e a B é a incorreta. As opções C, D e E são incorretas, pois a fiança é uma relação entre
o fiador e o credor, que faz com que o patrimônio do fiador possa responder pelo débito,
mas apenas no caso de inadimplemento do devedor.

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UNIDADE 2
TEMA DE APRENDIZAGEM 2

CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES


QUANTO AO OBJETO

MINHAS METAS

Reconhecer as classificações das obrigações quanto ao objeto.

Compreender o conceito da obrigação de dar e de restituir.

Conhecer a diferença entre a obrigação de dar e a de restituir, bem como as consequências do


inadimplemento do devedor, com culpa ou sem culpa.

Analisar as hipóteses de perda, deterioração, melhoramentos e acréscimos na coisa a ser restituída.

Identificar os elementos da obrigação de dar coisa incerta e o direito de escolha.

Estudar obrigação de fazer, diferenciando-a da obrigação de entregar coisa e as consequências


do inadimplemento.

Analisar a obrigação de não fazer e o momento em que se considera ocorrido o descumprimento.

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UN I C ES UMA R

INICIE SUA JORNADA


Um mundo de obrigações. Quando pensamos em realizar o aluguel de
um imóvel, provavelmente, a primeira ideia que se tem é a de que uma das
partes terá de pagar os aluguéis, e a outra parte terá de entregar o imóvel em
condições de habitação. De fato, para um dos contratantes, haverá a obrigação
de pagar os aluguéis, ao passo que, para a outra parte, a obrigação será a de
entregar o imóvel nas condições contratadas.
No curso dessa relação obrigacional, todavia, diversas questões podem sur-
gir e demandar a análise que poderá ir além da mera incumbência de pagar uma
quantia e entregar uma coisa. Imagine a situação hipotética em que o inquilino
decide construir um cômodo no imóvel para a guarda de equipamentos e o
contrato de locação nada menciona sobre construções e ampliações. Nesse
caso, será que o inquilino tem o direito de ser ressarcido? E se fosse uma piscina
ou uma sauna, a regra seria a mesma? E no caso de eventual reparo emergencial
ou reparador nesse imóvel?
Perceba que uma relação iniciada com simples intenções poderá apresentar,
durante seu desenvolvimento, múltiplas e importantes variáveis. Tais situações
verificam-se, aliás, nas mais variadas relações obrigacionais, como, por exemplo,
na situação em que uma pessoa é contratada para trabalhar em uma empresa
com um projeto confidencial. Você já imaginou que essa pessoa contratada pode
ser obrigada a manter sigilo? Já pensou nas consequências, do ponto de vista
contratual, caso essa pessoa contratada quebre o sigilo profissional imposto?
Em sociedade, vivemos, de fato, em um mundo de obrigações. Dessa forma,
a compreensão dessa diversidade de obrigações em suas va-
riadas classificações se torna fundamental para
resguardar os interesses das partes envolvidas.
Neste tema, estudaremos as obriga-
ções de dar, de fazer e de não fazer,
cada uma delas com as suas ca-
racterísticas próprias e conse-
quências distintas para o caso
de descumprimento.

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 2

P L AY N O CO NHEC I M ENTO

As obrigações podem ser agrupadas na classificação das obrigações positivas


e da obrigação negativa. Vamos conhecer mais sobre essa distinção? Ouça o
nosso podcast!. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do am-
biente virtual de aprendizagem.

VAMOS RECORDAR?
É importante que você, estudante, relembre como o direito das obrigações
regula as relações jurídicas entre pessoas, envolvendo direitos e deveres,
débitos e créditos, e tudo o que permeia as obrigações civis. Convido você a
ver o vídeo a seguir, proporcionando uma maior compreensão.
Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de
aprendizagem.

DESENVOLVA SEU POTENCIAL

A OBRIGAÇÃO DE DAR

A obrigação de dar é uma obrigação positiva, relacionada a uma coisa, a qual pode
ser determinada ou determinável, conforme veremos melhor adiante. Dizemos que
são obrigações positivas, uma vez que elas envolvem uma ação por parte de quem
está obrigado a prestá-la, isto é, uma disposição de agir, mas envolvendo um objeto.
Assim sendo, existe uma intenção de transmitir um bem, uma propriedade,
móvel ou imóvel, pelo sujeito passivo (devedor) ao sujeito ativo (credor).
Esse bem, que a partir de agora chamaremos de coisa, pode ser certo ou incerto,
conforme melhor abordaremos adiante.
No Código Civil, as regras sobre as obrigações de dar são concentradas entre
os arts. 233 e 246, os quais detalham diversas regrinhas sobre as consequências

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UN I C ES UMA R

da perda, da deterioração, dos acréscimos e dos melhoramentos no objeto que é


o conteúdo da prestação.

A obrigação de dar coisa certa

A obrigação de dar coisa certa é aquela em que o objeto, a coisa, já é determinado


entre as partes. Um exemplo de negócio que contém uma obrigação de dar coisa
certa pode ser a compra e venda de um carro usado.

Imagine você, estudante, que João deseja comprar o carro de Maria por R$
30.000,00. Ambos concordam com o negócio e assinam um contrato de compra e
venda que estabelece para Maria a obrigação de entregar o veículo para João, em
troca do pagamento do preço acordado. Nesse caso, a obrigação de dar coisa cer-
ta é a entrega do veículo pertencente a Maria, que deve estar em boas condições
e conforme as especificações acordadas entre as partes. A propriedade do carro
será transferida para João assim que ele receber o veículo e efetuar o pagamento
integral do preço.

Como regra, o credor não é obrigado a receber em pagamento coisa diversa


daquela pactuada, mesmo que a coisa seja melhor, mais valiosa, mais cara. Da
mesma forma, o credor também não pode ser obrigado a receber coisa menos
valiosa daquela que constitui o objeto da obrigação.

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 2

É exatamente o que diz o art. 313 do Código Civil, para o qual “o credor não é
obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa”.
Um exemplo de impossibilidade de obrigar o credor a receber coisa diversa
pode ser uma dívida em dinheiro, na qual o credor não pode ser obrigado a re-
ceber uma casa, mesmo que mais cara.

Imagine você, estudante, que Pedro deve R$ 10.000,00 a João, mas, em paga-
mento, Pedro oferece a João uma propriedade no valor de R$ 20.000,00. Caso
não queira receber a propriedade em pagamento, Pedro não pode obrigar João a
aceitá-la, mesmo que ela seja mais valiosa do que o valor da dívida, justamente
porque a obrigação de Pedro é a de pagar a quantia certa em dinheiro, e não a de
entregar a propriedade.

ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

Vejamos um exemplo em que o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela impos-


sibilidade de obrigar o credor a receber quantia certa no lugar do pagamento em
sacas de soja, como havia sido acordado entre as partes:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO (...). 3. Celebrado
contrato entre as partes para a entrega de 372 sacas de soja de 60kg, a US$9,00
cada uma, sem estipulação de outra forma alternativa de cumprimento dessa
obrigação, não é possível o uso da ação de consignação em pagamento para
depósito em dinheiro daquilo que o devedor entende devido. 4. A consignação
exige que o depósito judicial compreenda o mesmo objeto que seria preciso pre-
star, para que o pagamento possa extinguir a obrigação, pois “o credor não é
obrigado a receber a prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valio-
sa” (art. 313 do NCC) 5. Recurso especial não provido (BRASIL, 2011, s. p.).

É importante ressaltar que a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios,


mesmo que estes não tenham sido mencionados, a menos que o acordo entre
as partes preveja que os acessórios estão excluídos (art. 233 do Código Civil).
Esse é o princípio da gravitação jurídica, que, em síntese, representa a máxima “o
acessório segue o principal”.

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UN I C ES UMA R

Quando falamos sobre acessórios em uma obrigação de dar coisa certa, esta-
mos nos referindo a um conjunto de elementos que se encontram anexos à coisa
principal, compondo o objeto da obrigação. Esses acessórios podem ser frutos,
produtos, benfeitorias e pertenças.

FRUTOS

Os frutos são os produtos naturais ou civis produzidos pela coisa principal. Por
exemplo, no caso de uma árvore frutífera, seus frutos são considerados acessóri-
os da árvore.

PRODUTOS

Os produtos são as coisas resultantes da transformação da coisa principal.


Considere uma fábrica de roupas, na qual as roupas produzidas pela fábrica são
consideradas acessórios desta.

BENFEITORIAS

As benfeitorias são melhorias realizadas na coisa principal para aumentar seu


valor ou utilidade. Por exemplo, no caso de uma casa, as reformas realizadas para
melhorar sua estrutura ou aumentar seu espaço são consideradas benfeitorias.

PERTENÇAS

As pertenças são os objetos que estão relacionados à coisa principal e que são
necessários para o seu uso adequado. Exemplificativamente, no caso de um car-
ro, os pneus e as chaves são considerados pertenças do carro.

Todos esses acessórios são considerados parte integrante da coisa principal e


devem ser entregues com ela na obrigação de dar coisa certa, a menos que haja
disposição em contrário no contrato ou na lei.

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A responsabilidade pela perda da coisa na obrigação de dar

Se a coisa se perder, antes da tradição ou na pendência de condição suspensiva,


sem culpa do devedor, a obrigação fica resolvida para ambas as partes (art. 234 do
Código Civil). Significa dizer que se a obrigação foi assumida, mas a coisa ainda não
foi entregue ao credor, e antes dessa entrega ela sofre algum dano que faça com que
ela seja perdida, sem que o devedor tenha culpa na ocorrência do dano, as partes
continuam da forma como estão, sem nenhuma pendência uma para com a outra.

Suponha que uma pessoa compre um carro de outra, mas antes da entrega do
veículo, o carro é roubado sem culpa do vendedor, que, no caso, é o devedor da
obrigação de entregar o veículo. Assim, o vendedor (devedor) não pode cumprir
a obrigação de entregar o carro, já que ele não está mais em posse do vendedor.

Nesse caso, a perda do carro ocorreu sem culpa do vendedor, que não pode
ser responsabilizado pelo não recebimento do veículo. Consequentemente, a
obrigação de compra e venda do carro fica resolvida para ambas as partes, isto
é, o comprador não precisa pagar o preço do carro e o vendedor não precisa
entregar o veículo, pois a perda da coisa ocorreu antes da tradição (entrega)
e sem culpa do devedor (vendedor).
Situação diferente ocorre se houver culpa do devedor na perda da coisa, pois
a última parte do art. 234 do Código Civil prevê que “se a perda resultar de culpa
do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos”.

Suponha que uma pessoa compre um imóvel de outra, com a obrigação de efetuar o
pagamento assim que a escritura de compra e venda for registrada em cartório. No
entanto, antes que a escritura seja registrada, um incêndio de grandes proporções
ocorre na região onde está localizado o terreno e acaba destruindo toda a área, algo
que era previsto pelo vendedor do imóvel, pois ele tinha conhecimento prévio dos
riscos de incêndio na região, mas não havia sido informado ao comprador.

Nesse caso, o vendedor, o qual é o devedor da obrigação de transmitir a pro-


priedade do imóvel por meio da escritura pública de compra e venda, pode ser
considerado culpado pela perda do bem e ter que arcar com as consequências,

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tais como a obrigação de indenizar por eventuais investimentos que o comprador


teria feito e, inclusive, por danos morais, se caracterizados.

A P RO F UNDA NDO

A culpa genérica é a forma mais comum de culpa, e ocorre quando uma pessoa
age com negligência, imprudência, imperícia ou dolo, causando danos a outra
pessoa. A negligência é a falta de atenção ou de cuidado com o que é esperado
de uma pessoa comum. A imprudência é a falta de prudência ou cautela na
condução de uma atividade. Já a imperícia é a falta de habilidade ou capaci-
dade técnica para realizar determinada atividade.
O dolo, por sua vez, ocorre quando a pessoa age de forma intencional, visando
causar um dano a outra pessoa. O dolo pode ser direto, quando a pessoa tem
a intenção de causar o dano, ou indireto, quando a pessoa sabe que sua ação
ou omissão pode causar um dano, mas, mesmo assim, decide agir dessa forma.
Quando falamos em perda da coisa por culpa de alguma das partes da obrigação,
nos referimos ao que se entende por culpa genérica, termo que engloba todas
essas situações descritas anteriormente.

Os danos pelos quais o devedor responde incluem tanto aqueles que chamamos
de emergentes, isto é, aquilo que o credor efetivamente perdeu, bem como os
lucros cessantes, sendo aqueles que a pessoa razoavelmente deixou de lucrar. No
caso do imóvel mencionado anteriormente, podemos citar como danos emer-
gentes os valores gastos com a documentação para regularizar o imóvel, e como
lucros cessantes os valores que o comprador ganharia caso, por exemplo, tivesse
já alugado o terreno para um terceiro e recebesse esses aluguéis.
É importante mencionar que os casos em que a culpa é ausente, em regra,
são aqueles envolvendo caso fortuito e força maior. Tanto o caso fortuito quanto
a força maior são situações excepcionais que ocorrem e que podem eximir a
responsabilidade de uma pessoa em relação a um evento danoso ou impedir que
sejam aplicadas sanções ou penalidades em decorrência de algum descumpri-
mento contratual ou legal.

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O caso fortuito ocorre quando um evento imprevisível e inevitável ocorre, não


podendo ser atribuído a nenhuma das partes envolvidas qualquer responsabil-
idade pela ocorrência. Por exemplo, um terremoto que destrói uma fábrica, im-
pedindo a entrega de produtos, ou uma enchente que inunda uma loja, danifi-
cando as mercadorias. Nessas situações, não há como responsabilizar uma das
partes pelo dano, pois se trata de um evento alheio à vontade e controle humano.
Já a força maior ocorre quando um evento previsível e inevitável, mas que está
fora do controle das partes, impede o cumprimento de uma obrigação previs-
ta em contrato ou em lei. Por exemplo, uma greve que impede a entrega de
produtos ou um apagão elétrico que impede o funcionamento de equipamen-
tos. Assim, mesmo que a parte envolvida esteja empenhada em cumprir sua
obrigação, há um impedimento externo que impossibilita o cumprimento.

Pode acontecer de, no entanto, o contrato ou a lei prever a responsabilidade do


devedor mesmo diante de tais eventos, hipótese em que a pessoa não será eximida
da obrigação. Se o devedor estiver em mora, ele também responderá.
Sobre responsabilidade do devedor em mora, mesmo diante de caso fortuito
ou força maior, relembremos o exemplo do incêndio no imóvel. Imagine que o in-
cêndio não poderia, de maneira alguma, ser previsto pelo vendedor, mas o acordo
previa que a transmissão da propriedade, que se dá com a escritura pública em
cartório, deveria ser realizada em até 30 dias após o pagamento e o incêndio ocorreu
no 35º dia e ainda não havia sido realizada a transferência (a tradição) da coisa.

Nesse caso, uma vez que o vendedor está em mora com a sua obrigação, sendo
a de realizar a tradição, ele deverá responder pelas perdas e danos mesmo tendo
sido o evento imprevisível, já que ele está em mora com a sua obrigação de trans-
ferir o imóvel em 30 dias.

A responsabilidade pela deterioração da


coisa na obrigação de dar

Para além da hipótese de perda, o Código Civil ainda trata da situação em que
há a deterioração da coisa. O art. 235 prevê que, “deteriorada a coisa, não sendo o

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devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido


de seu preço o valor que perdeu”.
Vamos supor que João tenha comprado um celular de última geração de Ma-
ria, pagando o valor total de R$ 5.000,00, com a promessa de receber o produto
em até 7 dias úteis. Entretanto, no dia da entrega, Maria percebe que o celular
sofreu uma queda e está danificado.
Maria não teve culpa nesse evento, já que a queda foi acidental e não houve
negligência ou imprudência por parte dela. Diante disso, Maria entra em contato
com João para explicar a situação e oferece duas opções: resolver a obrigação,
devolvendo o dinheiro a João, ou que João aceite a coisa no estado em que se
encontra, com o respectivo abatimento do preço
João, mesmo tendo ficado um pouco frustrado com a situação, ainda está
interessado no celular, mas não quer pagar o valor total após saber que o produto
está danificado. Assim, João aceita a segunda opção oferecida por Maria e decide
ficar com o celular, com o valor de R$ 500,00 abatido do preço total, já que o
produto está danificado.

Nesse caso, é importante lembrar que Maria não teve culpa na deterioração da
coisa, por isso, João não pode exigir que ela pague pelo conserto ou qualquer
outro valor além do abatimento acordado.

O art. 236 do Código Civil prevê a hipótese de deterioração da coisa, mas por
culpa do devedor, estabelecendo que, nesse caso, o credor terá as mesmas duas
opções anteriores (exigir o valor equivalente à coisa ou recebê-la no estado em
que se encontra, exigindo o abatimento no preço), com a diferença de que ele
também poderá pleitear indenização pelas perdas e danos.
Imagine a situação em que uma pessoa que comprou um carro usado de
outra para utilizar em seu trabalho de transporte de pequenas mercadorias tão
logo o veículo fosse entregue. Antes da entrega combinada, o vendedor deixou
o veículo em uma rua sem segurança e de conhecida periculosidade, vindo ele a
ter o para-brisa quebrado por um vândalo.

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Nesse caso, o comprador tem o direito de exigir o equivalente ao valor do carro


nas mesmas condições em que foi adquirido ou poderá aceitar o carro no estado
em que se encontra, com abatimento proporcional no preço. Tem ainda o direito
de pedir indenização por perdas e danos, dentre as quais se incluem os valores
que o comprador deixou de lucrar na utilização do veículo agora deteriorado,
isto é, os lucros cessantes.

A responsabilidade pela coisa antes da tradição

O art. 237 do Código Civil estabelece uma importante regra em relação à transfe-
rência da propriedade de uma coisa em uma relação obrigacional. Até que a coisa
seja entregue ao credor, ela ainda pertence ao devedor, juntamente com todos os
seus acréscimos e melhoramentos que sobrevierem, podendo o devedor exigir o
aumento no preço, sob pena de resolução da obrigação.

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Suponha que João tenha vendido a Pedro uma égua, e que, após o negócio ter
sido acertado, a égua ficou prenha, valorizando ainda mais o animal que, agora,
acompanha um filhote. Nesse caso, como os acréscimos e melhoramentos pert-
encem ao devedor até o momento da entrega da coisa (lembre-se, o devedor aqui,
no caso, é quem deve entregar a coisa certa, que é a égua), João poderá exigir
o equivalente ao aumento do preço inicialmente pactuado devido à prenhez do
animal. Caso Pedro não concorde em pagar pela valorização da égua, João poderá
desfazer o negócio, devendo devolver todos os valores pagos por Pedro.

Por fim, o parágrafo único do art. 237 do Código Civil prevê que os frutos percebidos
são do devedor, cabendo ao credor os pendentes. No exemplo anterior, da égua, caso
o filhote nasça antes da tradição, ele será de propriedade de João, o devedor.
Imagine ainda que João tenha vendido uma propriedade rural para Pedro, com
a condição de que a tradição ocorreria apenas depois da colheita de uma plantação
de milho. Durante esse período, João colheu todo o milho e vendeu-o para terceiros.
Conforme o mencionado art. 237, os frutos colhidos pertencem a João.
É importante destacar que, em relação aos frutos percipiendos, ou seja, aque-
les que deveriam ter sido colhidos, mas não foram até a tradição, estes passarão
a pertencer ao novo proprietário do bem, ou seja, ao credor. Isso porque a parte
que não colheu os frutos quando deveria fazê-lo não pode ser beneficiada por
essa conduta. Dessa forma, após a transferência da propriedade, cabe ao credor
o direito de colher os frutos pendentes e usufruí-los.

A obrigação de dar coisa incerta

A obrigação de dar coisa incerta está prevista entre os arts. 243 e 246 do Código
Civil. É uma obrigação que tem por objeto coisa indeterminada, que é indicada,
inicialmente, somente pelo gênero e pela quantidade, mas que, posteriormente,
deverá ser individualizada (art. 243 do Código Civil).

Um exemplo de obrigação de dar coisa incerta pode ser a compra de determinada


quantidade de grãos ou de determinado tipo de fruta em safra futura. Nesse caso,
a coisa prometida é uma quantidade específica de um produto agrícola que ainda
não foi colhido e individualizado.

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Imagine, ainda, um contrato de promessa de compra e venda de um terreno


ainda em processo de regularização perante os órgãos competentes. Nesse caso,
a obrigação do vendedor é entregar o terreno após a conclusão do processo de
regularização, mas, no momento da celebração do contrato, a coisa ainda não está
individualizada ou não está regularizada.

O direito de escolha e de individualização da coisa

De acordo com o art. 244 do Código Civil, nesse tipo de obrigação, a escolha, ou
seja, a individualização da coisa, também chamada de concentração, é um direito,
em regra, do devedor, podendo, é claro, as partes convencionarem que a escolha
será do credor ou de um terceiro.

VOCÊ SABE RESPONDER?


Caso a escolha seja do devedor, ele poderia escolher, dentro daquele gênero,
a coisa de pior qualidade? Por outro lado, o credor poderia exigir que a coisa
entregue seja a melhor do gênero?

A fim de proteger o credor de eventuais abusos, o já mencionado artigo prevê, ainda,


que o devedor não poderá dar a coisa pior e nem será obrigado a prestar a melhor.

Assim, imagine um contrato de fornecimento de matéria-prima para uma in-


dústria cujas partes não convencionaram a quem caberia a escolha dos produtos
individualizados. Nesse caso, o fornecedor se compromete a fornecer uma deter-
minada quantidade de matéria-prima, e a escolha específica do produto que será
fornecido fica a cargo dele (que é o devedor da obrigação de entregar a coisa).

A obrigação é considerada determinada pelo gênero e quantidade, pois o objeto da


obrigação é a matéria-prima em si, que pode ser dividida em diferentes lotes ou qua-
lidades, mas que ainda é um produto específico comum a todas as unidades vendidas.

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A escolha específica do produto dentro desse


A obrigação é
gênero fica a cargo do devedor, no caso, o for- considerada
necedor, com a liberdade de escolher o produto determinada pelo
dentro das especificações acordadas. Significa, gênero e quantidade
assim, que o fornecedor não tem a obrigação de
selecionar sempre as melhores matérias-primas dentro daquele gênero, mas,
também, não pode selecionar as piores, devendo cuidar para fornecê-las
conforme um padrão médio.
Uma vez realizada a individualização, a concentração, a coisa incerta se con-
verte em coisa certa, e as regras quanto à perda, à deterioração, aos melhoramen-
tos e aos frutos passam a ser aquelas tratadas anteriormente, conforme estabelece
o art. 245 do Código Civil.

A responsabilidade pela perda ou deterioração


da coisa incerta

O art. 246 do Código Civil prevê que, antes da escolha, da individualização, da


concentração, o devedor não pode alegar perda ou deterioração, mesmo que por
força maior ou caso fortuito.
Um exemplo de aplicação da regra pode ser em um contrato de compra e
venda de um lote de frutas. Nesse caso, o vendedor se compromete a entregar
um lote de frutas ao comprador, mas ainda não definiu qual lote será entregue.
Imagine que o contrato prevê que a escolha do lote ficará a cargo do vendedor
e, durante o período em que o vendedor está realizando a escolha e a individua-
lização do lote, ocorra um evento imprevisível, como uma tempestade ou um
incêndio, que danifica ou destrói parte do estoque de frutas.
Conforme vimos anteriormente, no caso da perda da coisa certa sem cul-
pa do devedor, ele não fica obrigado a nenhum tipo de pagamento, ficando
a obrigação resolvida. Ocorre que, no atual exemplo, como se trata de uma
coisa incerta ainda não individualizada, o vendedor não pode alegar perda
ou deterioração do objeto da obrigação.

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Isso significa que, enquanto o vendedor ainda não escolheu e entregou o lote de
frutas, ele não pode se eximir de sua obrigação. É a antiga regra de direito pela
qual o gênero nunca perece.

A exceção à regra é nos casos em que o gênero não é ilimitado, isto é, mesmo
que se tratem de coisas indeterminadas pertencentes a um grupo, o grupo em
si é escasso. Basta pensar na hipótese da venda de um número determinado de
garrafas de vinho de uma safra determinada de uvas de um ano específico.
No caso, embora as garrafas de vinho sejam incertas, o grupo é escasso, pois se
trata de uma safra única e de um ano específico. Assim, perecendo o grupo, mesmo
não tendo sido individualizada a coisa, aplica-se a regra da perda da coisa certa.

A OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR

A obrigação de restituir é muito semelhante à obrigação de dar coisa certa, mas


há uma diferença fundamental entre elas, que é a inexistência de transferência
de propriedade. Nessa obrigação, a propriedade continua sendo do credor, mas
a posse da coisa está com o devedor, o qual é obrigado à devolução do bem em
determinado prazo e/ou evento.
Vamos supor que João emprestou sua bicicleta para Maria por um período
de uma semana, e que eles concordaram que Maria deveria devolver a bicicleta
no final desse período. Nesse caso, a propriedade da bicicleta não foi transferida
à Maria, mas somente à posse dela, existindo a obrigação de que ela restitua o
bem ao proprietário, João, dentro do prazo combinado.

A responsabilidade pela perda da coisa na obrigação de


restituir

No caso da obrigação de restituir, caso haja a perda da coisa sem culpa do deve-
dor, quem deverá suportar o prejuízo é o credor, mas ele ainda poderá pleitear
os direitos que já tinha até a data da perda (art. 238 do Código Civil). Assim,
embora o credor sofra com a perda da coisa que era de sua propriedade, a perda
não implica no perecimento dos direitos pendentes.

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Embora pareça complicada, a regra é simples, senão, vejamos:

Imagine que João alugou um carro de uma locadora para viajar com a sua família e
eles utilizaram o veículo por vários dias. No último dia da locação, uma forte tem-
pestade ocorreu e acabou danificando gravemente o veículo, tornando-o inutilizável.
No exemplo citado, temos como credora da obrigação de restituir o veículo
a locadora e, como devedor, João. O objeto da obrigação de restituir é o veículo
e os aluguéis são os direitos pendentes. Assim, quem responde pelo prejuízo da
perda do veículo é o credor, a locadora, mas os direitos pendentes, os aluguéis
pelo período utilizado, deverão ser pagos por João.

A mesma regra vale para as situações que não envolvam relação de consumo,
bem como que não envolvam uma contrapartida do devedor.

Imagine que, ao invés de um contrato de locação, João havia pegado o veículo


emprestado (o que chamamos de comodato) de seu amigo, André. Mesmo em se
tratando de um empréstimo, de uma liberalidade, de um favor, quem suportará o
prejuízo pela perda do bem é o proprietário dele, no caso, André, o credor.
A mencionada regra, no entanto, tem lugar quando a perda da coisa
se dá sem culpa do devedor. Havendo a culpa, diz o art. 239 do Código
Civil que a responsabilidade pela perda é do devedor, com acréscimo das
perdas e danos dela decorrentes.
No exemplo da locação do veículo, imagine que, ao invés da tempestade
inesperada, João estivesse trafegando em local notoriamente proibido, no qual
é comum a ocorrência de desastres. Caso houvesse uma enchente e esta danifi-
casse o veículo, inutilizando-o, João responderia pelo valor do bem e ainda pelas
indenizações relativas ao que a locadora deixou de lucrar com a locação do bem
a outros clientes, no caso, os lucros cessantes.
Tartuce (2019, s. p.) ensina, ainda, que, na concepção civil-constitucional, tra-
tando-se de responsabilidade civil contratual, deve-se entender que a expressão
perdas e danos inclui os danos materiais ou patrimoniais (danos emergentes e lu-
cros cessantes, nos termos dos arts. 402 a 404 do CC), bem como os danos morais.

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Em função da autonomia privada, pela qual as partes em um negócio podem


estabelecer as próprias regras, respeitadas as exigências legais, é possível que
o credor e o devedor prevejam, em um contrato, por exemplo, que haverá a re-
sponsabilidade mesmo diante da perda sem culpa. Há outros casos, ainda, em
que a própria legislação estabelece essa responsabilidade.
Paulo Nader (2016, p. 119) relembra a hipótese de perda de objeto alheio, decor-
rente de caso fortuito ou força maior, na qual a responsabilidade é atribuída por
lei ao devedor. Trata-se de uma relação obrigacional em que o comodatário,
diante de um risco concreto, prefere salvar os seus pertences em lugar da coisa
que lhe foi emprestada gratuitamente. Apesar da configuração da fortuidade,
o devedor responderá civilmente, mediante pagamento ao comodante de im-
portância equivalente ao objeto e eventuais perdas e danos. A previsão é do art.
583 da Lei Civil.
Nos casos legais, como se vê, a responsabilidade pela perda, mesmo no caso
fortuito, ocorrerá quando houver um dever de cuidado maior, quase implícito,
por parte do devedor. No caso de estabelecimento de responsabilidade por con-
trato, deve ser feita a ressalva de que nem todas as relações assim admitem,
como seria no caso de uma relação de consumo, pois tal obrigação seria con-
siderada abusiva.

A responsabilidade pela deterioração da coisa na obrigação


de restituir

O Código detalha ainda as regras quanto à deterioração da coisa, tanto com culpa
quanto sem culpa do devedor.
Sendo o caso de deterioração da coisa sem culpa do devedor, o credor a re-
ceberá no estado em que se encontrar, sem direito a indenização; havendo culpa,
o credor poderá exigir o valor equivalente à coisa, mais as perdas e danos que
ficarem caracterizadas (art. 240 do Código Civil).
Ainda aproveitando os exemplos mencionados anteriormente, basta imaginar
que, no caso da locação do veículo e da tempestade inesperada, ao invés da inu-
tilização do bem, este tão somente sofreu avarias. A locadora, nesse caso, deverá
recebê-lo da forma como ele se encontra, sem a exigência de quaisquer valores
adicionais pelos reparos, uma vez que não houve culpa do devedor (o locatário).

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Da leitura do art. 240 do Código Civil, vemos que ele faz referência ao
art. 239 do Código Civil para tratar da situação da deterioração da coisa
com culpa do devedor. O art. 239 do Código Civil, por sua vez, tão somente
diz que, “se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo
equivalente, mais perdas e danos”.
Uma leitura mais acelerada desses artigos pode levar ao entendimento de que,
mesmo no caso da deterioração, haverá uma conversão da obrigação, isto é, de que
o credor deverá sempre exigir o valor do bem em dinheiro. No entanto, o enten-
dimento majoritário é de que ele poderá não somente exigir o valor do bem em
dinheiro, mas também poderá, se assim quiser, exigir a restituição da coisa dete-
riorada e, ainda, os acréscimos pelos reparos e outras perdas e danos que houver.


Em suma, se o credor quiser, poderá ficar com a coisa no estado em que
se encontrar ou exigir o seu equivalente, mais perdas e danos, como
prevê o art. 236 do CC. Consigne-se que pelo art. 239 o credor somente
poderia exigir o valor equivalente à coisa, mais as perdas e danos. Reti-
rar a opção do credor de ficar com a coisa em casos tais seria totalmente
ilógico, diante do princípio da conservação negocial, que visa à manu-
tenção da autonomia privada. (TARTUCE, 2019, s .p.).

Os melhoramentos e os acréscimos na obrigação de restituir

Por fim, há ainda as regras sobre os melhora-


A regra também é
mentos, os acréscimos e os frutos na coisa a ser
bastante lógica e
restituída, as quais foram detalhadas nos arts.
simples de entender
241 e 242 do Código Civil.
Para o art. 241 do Código Civil, se houver melhoramento ou acréscimo à coisa,
sem despesa ou trabalho do devedor, o credor ficará com a vantagem e não deverá
indenizar o devedor. A regra também é bastante lógica e simples de entender.
Imagine que João é o locatário (devedor) de um bem imóvel que fica às mar-
gens de um largo rio, e André é o locador (proprietário/credor) do imóvel. Du-
rante o contrato de locação, por um evento da natureza, houve um deslocamento
de uma considerável porção de terras da outra margem do rio para aquela em que
está localizado o imóvel, aumentando as suas dimensões e valorizando o bem.

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Nesse caso, veja que houve um acréscimo na coisa pela força da natureza, o que
chamamos de acessão natural, e não houve nenhum trabalho ou despesa do loca-
dor do imóvel. Assim, João não poderá exigir nenhuma indenização do proprietário,
André, pela valorização do bem, conforme a regra do art. 241 do Código Civil.

A situação é diversa quando, para o melhoramento ou para o aumento, o devedor


empregou o seu trabalho ou os seus investimentos. Nesse caso, diz o art. 242 do
Código Civil que devem ser observadas as regras quanto às benfeitorias realiza-
das pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.
As benfeitorias são melhorias ou acréscimos feitos em uma propriedade que
pretendem aumentar o seu valor ou a sua utilidade. Existem três espécies de benfei-
torias, cada uma com características e consequências distintas: as necessárias, as
úteis e as voluptuárias, todas elas descritas no art. 96 e parágrafos do Código Civil.

BENFEITORIAS NECESSÁRIAS

As benfeitorias necessárias são aquelas que têm como finalidade a conservação


da coisa, como as reformas estruturais que visam a preservação do imóvel. Essas
benfeitorias são essenciais para manter a propriedade em condições de uso,
garantindo a sua segurança e preservando a sua integridade.

BENFEITORIAS ÚTEIS

As benfeitorias úteis são as que trazem melhorias significativas à propriedade,


mas não são essenciais para a sua conservação. Elas aumentam a funcionalidade
ou a praticidade da coisa, como a reforma de uma cozinha.

BENFEITORIAS VOLUPTUÁRIAS

As benfeitorias voluptuárias são aquelas que visam o conforto ou a ornamen-


tação da propriedade, como a instalação de um jardim ou a pintura artística de
uma parede. Elas não têm utilidade prática e não são essenciais para a con-
servação da coisa.

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Se o devedor tiver realizado benfeitorias na coisa e agiu de boa-fé (art. 1.219 do


Código Civil), ele terá direito à indenização pelos melhoramentos e pelos acrés-
cimos úteis ou necessários, podendo levantar (retirar) os voluptuários, desde que
a retirada não cause danos à coisa. A regra prevê, ainda, que o devedor poderá
exercer o direito de retenção até que seja ressarcido pelas benfeitorias, isto é, po-
derá ficar na posse da coisa até que sejam pagos os valores devidos a ele.

Imagine que João é inquilino de André e, após uma forte chuva, precisou realizar
por sua própria conta os reparos no telhado do imóvel objeto da locação. Nesse
caso, a benfeitoria realizada é considerada necessária, pois tem a finalidade de
conservar a coisa, e André deverá ressarcir os valores gastos.

Do mesmo modo, caso João tivesse construído um cômodo nos fundos do imóvel
para a guarda de equipamentos, estaríamos diante de uma benfeitoria útil, pela
qual o devedor, João, deve ser ressarcido. Se fosse a construção de uma escultura
no quintal, sendo o caso de uma benfeitoria voluptuária, João poderia, ao término
da locação, simplesmente retirá-la e levá-la consigo.
A situação é diferente no caso de má-fé do devedor, ocasião em que ele
terá tão somente o direito de ser ressarcido pelas benfeitorias necessárias, sem
poder exercer a retenção da coisa nem levantar as benfeitorias voluptuárias
(art. 1.220 do Código Civil).
A boa ou a má-fé é melhor visualizada quando se pensa no acordo existente
entre as partes. Se é o caso de um contrato de locação, como nos exemplos an-
teriores, e ele simplesmente não trata das benfeitorias e o locatário (devedor)
as realiza, presume-se que ele tenha agido de boa-fé; caso o contrato vede ex-
pressamente a realização dessas benfeitorias sem o consentimento do locador,
presume-se a má-fé do devedor.
As mesmas regras anteriores são aplicadas aos frutos percebidos, isto é, terá
direito a estes o devedor que estiver de boa-fé, devendo restituí-los ou ressarci-los
aquele que estiver de má-fé (art. 1.214 do Código Civil).

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A OBRIGAÇÃO DE FAZER

A obrigação de fazer consiste no cumprimento de


O objeto da
uma tarefa ou de uma atribuição pelo devedor. As-
obrigação é a
sim, ao invés de se comprometer a dar um objeto, prestação do
certo ou incerto, o devedor deverá executar uma serviço de reforma
ação, estando a referida modalidade disciplinada em si
nos arts. 247, 248 e 249 do Código Civil.
Um exemplo de obrigação de fazer é a contratação de um serviço de
reforma de uma casa. Nesse caso, o contratado se compromete a realizar um
trabalho específico, que é a reforma da casa conforme as especificações e os
prazos acordados entre as partes.
O objeto da obrigação é a prestação do serviço de reforma em si, que envolve
a execução de uma série de atividades, como pintura, instalação elétrica, hidráu-
lica, entre outras. O devedor (no caso, o contratado) se compromete a realizar
essas atividades, de forma adequada e dentro dos prazos acordados, para que o
resultado seja a casa reformada.
Perceba que não se trata a obrigação de entregar uma coisa, mas, sim, a
de executar os serviços.

Não se pode confundir, portanto, a obrigação com a de entregar a casa reformada,


mesmo porque não é o caso de transmissão de propriedade ou de posse.

A obrigação de fazer é classificada de duas formas, considerando se ela pode


ser cumprida por outra pessoa que não o devedor originário ou se somente ele
é quem poderia executar a obrigação. No primeiro caso, falamos que se trata de
uma obrigação fungível, ao passo que, no segundo, é uma obrigação infungível.

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UN I C ES UMA R

A P RO F UNDA NDO

Fungível é um adjetivo que se refere a um bem ou mercadoria que pode ser


substituído por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade, sem que haja
alteração em seu valor. Conforme o dicionário, fungível significa “que pode ser
substituído por outro da mesma natureza, qualidade ou quantidade, sem alter-
ação do valor ou da função”.
Já o termo infungível se refere a um bem ou mercadoria que não pode ser sub-
stituído por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade sem que haja al-
teração em seu valor. Assim, infungível significa aquilo que não pode ser sub-
stituído por outra coisa de mesmo valor ou qualidade.
Em nosso caso, no entanto, ao invés de analisar os termos pelo aspecto do
bem, analisamos pelo aspecto do devedor. Se o devedor puder ser substituído,
é porque se trata de uma obrigação fungível; se não, é porque a obrigação é
infungível, de natureza personalíssima, intuitu personae.

O inadimplemento na obrigação de fazer

Segundo o art. 247 do Código Civil, incorre na obrigação de indenizar por perdas
e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exe-
quível. Em outras palavras, estando diante de uma obrigação que somente uma
pessoa específica pode cumprir e ela não o fizer, a forma de resolver a situação é
convertendo a obrigação em indenização.

Imagine a situação em que um casal de noivos contrata um músico renomado, in-


térprete das músicas favoritas deles para se apresentar na cerimônia de casamento.
É a hipótese de uma obrigação infungível, pois o artista e a interpretação são únicos.

Nesse caso, não cumprindo o artista com a sua obrigação de comparecer à ceri-
mônia e realizar a apresentação, os contratantes (credores) deverão buscar a so-
lução por meio de indenização, incluindo-se nestas tanto as de natureza material
(a devolução dos valores pagos, por exemplo) quanto as de natureza moral em
função da quebra da legítima expectativa.

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 2

Tartuce (2019, s. p.) ensina, ainda, que a obrigação pode ser considerada
infungível tanto porque as partes assim combinaram no contrato quanto sim-
plesmente em função da natureza dela.

No caso de obras de arte, por exemplo, a própria natureza já indica que é infungív-
el, pois a arte é única do artista.

Da mesma forma que


nas outras modalidades
de obrigação, nesta tam-
bém analisamos a pre-
sença da culpa ou não. O
art. 248 do Código Civil
estabelece que, se a pres-
tação do fato tornar-se
impossível sem culpa do
devedor, a obrigação fica
resolvida; se por culpa,
haverá a responsabilida-
de pelas perdas e danos.
No exemplo do músico que não pôde comparecer à apresentação, imagine que
a ausência dele na cerimônia se deu porque, no dia, ele foi acometido de alguma
enfermidade que o impediu de executar o espetáculo. É um exemplo de descum-
primento da obrigação sem culpa, em que não haverá o dever de indenizar por
danos, mas, somente o de restituir os valores pagos, resolvendo-se a obrigação.

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UN I C ES UMA R

ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

É importante fazer uma ressalva quanto às relações sujeitas ao Código de Defesa


do Consumidor, somente a fim de não ficarem dúvidas pendentes.
O Código de Defesa do Consumidor prevê que o fornecedor de produtos ou
serviços possui responsabilidade objetiva (arts. 12 e 14 do CDC), significando que,
no caso de dano ao consumidor, a presença de culpa do fornecedor é irrelevante.
Veja um exemplo em que o cancelamento de um show, a pedido do vocalista da
banda, gerou para a empresa organizadora a obrigação de indenizar:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FATO DO SERVIÇO. CANCELA-
MENTO DE SHOW NO DIA DO EVENTO. DANOS MATERIAIS. GASTOS COM PAS-
SAGEM AÉREA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO
MANTIDO. Tratando-se de pretensão indenizatória embasada em alegado fato
do serviço, a responsabilidade do fornecedor perante o consumidor é objetiva,
nos termos do art. 14 do CDC. Considerando que o deslocamento da autora para
a cidade de São Paulo/SP foi motivada única e exclusivamente em razão do
show musical promovido pela demandada, cancelado no mesmo dia do evento
e frustrando o objetivo da viagem, faz jus ao ressarcimento dos valores despen-
didos para a aquisição das passagens aéreas, uma vez evidenciado o nexo de
causalidade entre a falha na prestação do serviço e o dano material sofrido.
Danos morais configurados, tendo em vista a frustração da justa expectativa da
consumidora, que planejou com antecedência o comparecimento ao show, ac-
ertando dispensa ao trabalho com sua chefia e adquirindo com antecedência as
passagens aéreas, vindo a tomar cancelamento do show na data em que agen-
dado, quando já se encontrava na Capital paulista. Não comporta minoração o
valor da indenização fixado pela sentença (R$ 4.000,00, diante das peculiari-
dades do caso concreto, e dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade,
bem como da natureza jurídica da indenização. RECURSO DESPROVIDO. (RIO
GRANDE DO SUL, 2017, n.p.).
Veja que não foram debatidos os motivos pelos quais o vocalista da banda can-
celou o show, mas, sim, somente o cancelamento em si. Há exceções mesmo
nessa regra, como a comprovação de que o cancelamento ocorreu por força
maior, mas o importante, neste momento, é entender que a regra do Código
Civil comporta exceções e que a análise deve ser caso a caso.

O art. 249 do Código Civil trata da hipótese da obrigação fungível, isto é, aquela
que pode ser executada por outra pessoa. Diz o artigo que, se o fato puder ser
executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do deve-
dor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível. Já o

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 2

parágrafo único estabelece que, em caso de urgência, o credor pode, mesmo sem
autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, pedindo o ressarcimento
por suas despesas posteriormente.

Suponha que uma pessoa contrata um motorista para levá-la em uma importante
viagem a negócios, combinando previamente um preço pelo serviço. No dia da viagem,
o motorista falta sem justificativa e não pode ser encontrado para realizar o serviço.

Diante da situação de descumprimento contratual por parte do motorista origi-


nalmente contratado, a pessoa viu-se obrigada a contratar outro motorista dis-
ponível para realizar a viagem. No entanto, o novo motorista cobrou um preço
muito mais elevado do que o originalmente combinado, o que gerou prejuízos
financeiros para o contratante.
Nesse caso, é importante ressaltar que a obrigação, a princípio, não é infungível,
ou seja, poderia ser cumprida por outro motorista que atendesse aos requisitos
acordados previamente. Contudo, devido à urgência da situação e à falta de justi-
ficativa para o descumprimento por parte do motorista originalmente contratado,
a pessoa teve que recorrer ao segundo motorista, mesmo que mais caro.
Assim, o direito do credor é o de contratar outro motorista para cumprir a
obrigação, considerando a urgência da situação, e depois requerer as indenizações
do primeiro contratado.

As indenizações incluem tanto a restituição do valor pago quanto o prejuízo pelo


acréscimo no preço e, ainda, eventualmente, danos morais decorrentes do des-
cumprimento contratual.

Essa possibilidade de que o credor, diante da urgência, execute os serviços ne-


cessários e depois requeira o ressarcimento pelo devedor, é uma possibilidade
de “justiça de mão própria”. A esse propósito, Venosa (2013, p. 81) destaca, ainda,
que “essa solução, como é evidente, não poderá ocorrer quando se tratar de obri-
gação infungível”, uma vez que não há que se falar, inicialmente, em execução de
obrigação única por um terceiro.

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UN I C ES UMA R

A OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER

A obrigação de não fazer é bastante peculiar porque é a única obrigação negativa


no nosso sistema normativo. Nela, o devedor não se obriga a entregar um objeto
ou a executar alguma tarefa, mas, sim, a se abster de fazer algo.

O inadimplemento da obrigação de não fazer

O descumprimento dessa obrigação ocorre quando a pessoa pratica o ato a que


estava obrigada a não praticar, sendo que tal obrigação pode decorrer da lei ou
do contrato.

Imagine que João é proprietário de uma casa e decidiu construir um terraço em


sua cobertura, sem respeitar a distância mínima de um metro e meio do terre-
no vizinho. Nesse exemplo, temos um caso clássico de descumprimento de uma
obrigação de não fazer derivada da legislação, pois é o art. 1.301 do Código Civil
que proíbe que o vizinho realize esse tipo de construção.

Suponha, ainda, que uma empresa de tecnologia contrate um consultor externo


chamado João para trabalhar em um projeto confidencial que envolve o desen-
volvimento de um novo software. Antes de iniciar o trabalho, João assina um
contrato de prestação de serviços que inclui uma cláusula de confidencialidade,
na qual ele se compromete a não divulgar ou compartilhar qualquer informação
confidencial da empresa com terceiros.
Na hipótese anterior, a obrigação de não fazer é a de não revelar as informa-
ções obtidas durante a prestação dos serviços. É uma obrigação que, como visto,
deriva do contrato firmado entre a empresa e o prestador dos serviços.
Nos dois casos mencionados, o descumprimento, o inadimplemento, ocorre
a partir do momento em que a pessoa obrigada faz o que não poderia, como diz
o art. 251, caput, do Código Civil. No primeiro caso, o do vizinho, a partir do
momento em que há a construção do terraço; no segundo, o do consultor externo,
no instante em que revelado o segredo industrial.

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 2

Há, também, a diferenciação entre o descumprimento com culpa e o des-


cumprimento sem culpa. Isso porque o art. 250 do Código Civil prevê que a
obrigação de não fazer é considerada extinta desde que, sem culpa do devedor,
se torne impossível a abstenção do ato.

Vamos supor que Maria alugou um apartamento em um prédio residencial, e o


contrato de locação inclui uma cláusula que proíbe Maria de fazer qualquer tipo de
reforma ou modificação no imóvel sem autorização prévia do proprietário.

No entanto, um dia, durante uma forte tempestade, um raio atinge o prédio e


causa sérios danos à fiação elétrica do apartamento de Maria. A fim de restaurar
o fornecimento de eletricidade, um eletricista precisa quebrar uma parede do
apartamento para consertar o dano.
Nesse caso, Maria não é obrigada a cumprir a cláusula que a proíbe de fazer
modificações no imóvel, porque a impossibilidade de manter a obrigação de não
fazer decorre de um evento externo e fora de seu controle (a queda do raio), e
não de sua própria culpa ou negligência.
Sendo o caso de inadimplemento com culpa, a solução se dá pela indeni-
zação do credor.

Classificações da obrigação de não fazer

A obrigação de não fazer pode ser classificada em uma obrigação transeunte/


instantânea e em uma permanente.
A obrigação de não fazer transeunte/instantânea é aquela em que não há
como reverter o ato praticado, como, por exemplo, no caso da revelação do se-
gredo da empresa. Nessa hipótese, só há como exigir do devedor a indenização
pelo descumprimento.
Por outro lado, a obrigação de não fazer permanente é aquela que ainda pode
ser desfeita, como na construção irregular do vizinho. Nela, o credor pode exigir
o desfazimento do ato e, ainda, as indenizações eventuais pelo descumprimento.
A propósito, o art. 251 do Código Civil prevê a hipótese de descumprimento
de uma obrigação de não fazer permanente, ao autorizar o credor a exigir que

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o devedor desfaça o ato. Caso o devedor não o desfaça, existe a possibilidade de


que o próprio credor tome as providências necessárias ao desfazimento e depois
requeira o reembolso com as despesas.

Suponha que Maria é proprietária de um terreno localizado logo abaixo do terreno


de João, que é mais elevado. No período chuvoso, a água da chuva corre natural-
mente do terreno de Maria para o terreno de João.

Incomodado com a situação, João resolve construir uma barragem na divisa,


para impedir que as águas corram do terreno de Maria para o seu. A barragem
acabou por ocasionar o represamento das águas no terreno de Maria, causando
danos no solo e um grave alagamento.
Nesse caso, João descumpriu a obrigação dele, que é a de permitir o recebi-
mento das águas naturais que correm do prédio superior para o inferior, confor-
me está previsto no art. 1.288 do Código Civil. Assim, Maria poderá exigir que
João desfaça a sua obra ou, caso seja urgente, ela poderá desfazer a obra e depois
requerer a indenização cabível, inclusive pelos prejuízos causados em seu terreno.
Essa situação ilustrada é um caso de autotutela civil, em que a legislação confere
um direito à pessoa e ela mesma poderá, com as próprias mãos, fazer valer esse direito.

E M FO CO

Confira a aula referente a este tema.


Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de
aprendizagem.

NOVOS DESAFIOS
Tivemos a oportunidade de aprofundar nossos conhecimentos sobre as clas-
sificações das obrigações quanto ao objeto, o que é essencial para o exercício
profissional no campo jurídico. As particularidades de cada tipo de obrigação e
suas consequências em caso de inadimplemento devem sempre ser consideradas
para a tomada de decisões responsáveis e justas.

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 2

Aprendemos que a obrigação de dar e de restituir envolve a transferência de


propriedade de um bem ou coisa, enquanto na obrigação de fazer e não fazer, o
devedor se compromete a realizar uma atividade ou abster-se de uma ação espe-
cífica. Essas distinções são cruciais para a análise correta das relações contratuais
e a determinação das responsabilidades de cada parte envolvida.
A compreensão das classificações das obrigações é fundamental para a so-
lução de disputas e litígios. Ao avaliar adequadamente o tipo de obrigação em
questão, o profissional poderá estabelecer as responsabilidades de cada parte
envolvida conforme a situação concreta e proteger os direitos mútuos.
O profissional da área jurídica deve ter o domínio desses conceitos, uma vez
que a elaboração e interpretação de contratos, de acordos e a análise destes faz
parte de sua rotina. Além disso, a correta identificação da natureza das obrigações
é, em muitos casos, determinante para o desfecho correto de um litígio envolven-
do o inadimplemento obrigacional.

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VAMOS PRATICAR

1. “Há sempre uma necessidade de classificar, reduzindo a categorias lógicas o que a


elaboração quotidiana produz de maneira vaga e indeterminada. [...] No direito brasi-
leiro, a classificação das categorias obrigacionais não é mera elaboração da doutrina,
já que o Código Civil a perfilhou, e instituiu a sua normação em razão das classes
ou dos grupos a que as reduziu. De maneira geral, a distribuição das obrigações por
seções obedece a duas influências essenciais. Em primeiro lugar, atenta-se para a
prestação, e daí provém a classificação objetiva. Quando se diferencia a obrigação
de dar da de fazer, tem-se em vista a qualidade da prestação. Essa distinção, aliás,
tem recebido críticas de alguns obrigacionistas que preferem colocar o problema em
outros termos, dizendo melhor destacá-las, quando objetivamente consideradas, em
positivas e negativas [...].”

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 62-63.

Considerando a classificação das obrigações em positiva e negativa, redija um texto


abordando a distinção entre essas duas, destacando o objeto de cada uma delas e as
suas subclassificações.

2. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO [...]. 3. Celebrado con-


trato entre as partes para a entrega de 372 sacas de soja de 60kg, a US$ 9,00 cada
uma, sem estipulação de outra forma alternativa de cumprimento dessa obrigação,
não é possível o uso da ação de consignação em pagamento para depósito em dinheiro
daquilo que o devedor entende devido. 4. A consignação exige que o depósito judicial
compreenda o mesmo objeto que seria preciso prestar, para que o pagamento possa
extinguir a obrigação, pois ‘o credor não é obrigado a receber a prestação diversa da
que lhe é devida, ainda que mais valiosa’ (art. 313 do NCC) 5. Recurso especial não-
-provido.”

BRASIL, Acórdão no Recurso Especial nº 1.194.264/PR, Brasília: Superior Tribunal de Jus-


tiça, Quarta Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 04.03.2011, 2011.

Considerando o objeto da prestação da obrigação de dar coisa certa, assinale a alter-


nativa correta:

a) Em regra, o credor não é obrigado a receber coisa diversa daquela devida, exceto se
se tratar de coisa mais valiosa.

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VAMOS PRATICAR

b) O credor não é obrigado a receber coisa diversa daquela devida, mesmo se se tratar
de coisa mais valiosa, por isso que é incorreto dizer que a obrigação de dar coisa certa
abrange os acessórios.
c) O credor não é obrigado a receber coisa diversa daquela devida, nem mesmo se se tra-
tar de mais valiosa, mas é certo que os acessórios da coisa, em regra, a acompanham.
d) Em regra, o credor não é obrigado a receber coisa diversa daquela devida, exceto se
se tratar de obrigação de dar coisa certa fungível.
e) O credor não é obrigado a receber coisa diversa daquela devida, mesmo se se tratar
de coisa mais valiosa, por isso que é correto dizer que a obrigação de dar coisa não
abrange, em regra, os acessórios.

3. “[...] antes da entrega da coisa, tem aplicação o princípio res perit domino (a coisa pe-
rece com o dono), descrito nos arts. 234 e 235. Na obrigação de restituir, veremos que,
embora o mecanismo seja diverso, o princípio é idêntico nos arts. 238 e 240. Havendo
perda ou deterioração da coisa, sem culpa do devedor, nas obrigações de entregar ou
restituir, é sempre o dono quem arca com o prejuízo. Assim como a coisa pode per-
der-se, ou seu valor ser diminuído, pode ocorrer que, no tempo compreendido entre a
constituição da obrigação e a tradição da coisa, esta venha a receber melhoramentos
ou acrescidos. São os cômodos na obrigação. É o caso, por exemplo, da compra de um
animal que fique prenhe quando se der a tradição. Esse fenômeno, sem dúvida, altera
a situação jurídica da obrigação.”

VENOSA, S. de S. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos.
13. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 64-65.

Considerando o regime jurídico dos cômodos obrigacionais, avalie as afirmativas a seguir:

I - Se houver melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do devedor,


o credor ficará com a vantagem.
II - Caso haja o melhoramento com emprego de trabalho do devedor, devem ser obser-
vadas as regras relativas às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de
má-fé.
III - Se o devedor tiver realizado benfeitorias na coisa e agiu de boa-fé, ele terá direito à
indenização pelos melhoramentos e pelos acréscimos úteis ou necessários, podendo
levantar os voluptuários.

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VAMOS PRATICAR

É correto o que se afirma em:

a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.

4. “Justiça expulsa homem de condomínio após vizinhos denunciarem comportamento


antissocial. Um homem e sua família foram expulsos do condomínio onde alugavam
um apartamento em Jundiaí, em São Paulo. A decisão provisória é da Vara do Juizado
Especial Cível de Jundiaí, que também determinou pagamento por danos morais e
lucros cessantes. A decisão aconteceu após atos como xingamentos, ofensas e brigas,
além de ocorrências de perturbação de sossego dentro do imóvel. Segundo o juiz do
caso, Fernando Bonfietti, o exercício da harmonia deve prevalecer em favor dos demais
moradores do local. Por isso, entre o direito dos condôminos de ter paz e segurança e
o do réu de permanecer no local, o primeiro deve predominar.”

EXTRA (Rio de Janeiro) (ed.). Justiça expulsa homem de condomínio após vizinhos
denunciarem comportamento antissocial. 2023. Disponível em: https://extra.globo.
com/economia/noticia/2023/04/justica-expulsa-homem-de-condominio-apos-vizi-
nhos-denunciarem-comportamento-antissocial.ghtml. Acesso em: 17 abr. 2023.

Sobre a obrigação negativa e a situação narrada, é incorreto dizer que:

a) A situação narrada não contém nenhum exemplo de obrigação de não fazer, pois
estas somente podem derivar de contratos estabelecidos entre as partes.
b) A obrigação de não fazer pode derivar do contrato e da lei, como no caso, que narra
uma típica obrigação de não fazer do direito de vizinhança, impondo que os condô-
minos não violem o sossego dos demais.
c) O descumprimento da obrigação de não fazer pode ter como consequência tanto a
determinação para que o ato cesse quanto o dever de indenizar o credor, como no
caso exemplificado.
d) O exemplo mencionado é um caso de obrigação de não fazer transeunte/instantânea,
pois os atos de perturbação já praticados não podem ser desfeitos, embora devam
ser compensados com a indenização aos ofendidos.
e) No exemplo mencionado, não há que se falar de descumprimento da obrigação de
não fazer sem culpa do devedor, pois os atos por ele praticados foram voluntários e
conscientes.

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VAMOS PRATICAR

5. A obrigação de fazer (obligatio ad faciendum) pode ser conceituada como uma obriga-
ção positiva cuja prestação consiste no cumprimento de uma tarefa ou atribuição por
parte do devedor. Muitas vezes, a obrigação de fazer confunde-se com a obrigação de
dar, sendo certo que os seus conteúdos são completamente diferentes. Exemplifica-se
com uma obrigação cuja prestação é um quadro (obra de arte). Se o quadro já estiver
pronto, haverá obrigação de dar. Caso o quadro seja encomendado, devendo ainda ser
pintado pelo devedor, a obrigação é de fazer.

TARTUCE, F. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 14. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2019. E-book.

Sobre a distinção entre a obrigação de fazer e a obrigação de dar, assinale a alternativa


correta:

a) A pintura da obra de arte, como exemplificado no texto, é um clássico exemplo de


obrigação de fazer fungível por sua natureza.
b) A obrigação de fazer pode ser convertida em obrigação de dar, como exemplificado
no texto, em que a obra pronta passa a ser uma coisa certa.
c) A obrigação de fazer pode ser uma obrigação positiva ou uma obrigação negativa,
dependendo da disposição contratual.
d) A prestação exemplificada, uma obra de arte, é uma obrigação de fazer de natureza
infungível, pois pode ser substituída por outra de igual qualidade e/ou quantidade.
e) A obrigação de fazer possui clara distinção entre a obrigação de dar, uma vez que
uma jamais se converterá na outra.

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REFERÊNCIAS

BRASIL, Acórdão no Recurso Especial nº 1.194.264/PR, Brasília: Superior Tribunal de Justiça,


Quarta Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 04.03.2011, 2011, s. p.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. DOU de 11 jan. 2002.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 31
jul. 2023.

NADER, P. Curso de Direito Civil: obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

RIO GRANDE DO SUL, Acórdão na Apelação Cível nº 70073371965, Porto Alegre: Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, Nona Câmara, Relator Desembargador Tasso Caubi Soares
Delabary, DJe de 26.05.2017, 2017, s .p.

TARTUCE, F. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 14. ed. Rio de Ja-
neiro: Forense, 2019. E-book.

VENOSA, S. de S. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13.
ed. São Paulo: Atlas, 2013.

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

1. As obrigações podem ser classificadas em positivas e negativas, conforme a natureza


da prestação que é exigida do devedor. As obrigações positivas são aquelas que exigem
do devedor uma ação ou uma conduta específica, enquanto as obrigações negativas
impõem ao devedor uma abstenção. As obrigações positivas podem ser subdivididas em
obrigações de dar e fazer e prestar. As obrigações de dar exigem que o devedor entregue
uma coisa, determinada ou indeterminada, ao credor. As obrigações de fazer obrigam
o devedor a realizar uma determinada tarefa ou prestação de serviços. Por outro lado,
a única modalidade de obrigação negativa admitida no direito é a de não fazer, a qual
impede que o devedor realize determinada ação ou conduta.

2. Opção C. O art. 313 do Código Civil diz exatamente que o credor não é obrigado a receber
prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. Além disso, o art. 233 do
Código Civil diz que a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios. Assim, todas
as outras alternativas estão incorretas pois contradizem os referidos comandos legais.

3. Opção E. Isso porque o art. 241 do Código Civil prevê que, se houver melhoramento ou
acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do devedor, o credor ficará com a vantagem
e não deverá indenizar o devedor. A situação é diversa quando, para o melhoramento ou
para o aumento, o devedor empregou o seu trabalho ou os seus investimentos. Nesse
caso, diz o art. 242 do Código Civil que devem ser observadas as regras quanto às
benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé. Por fim, se o devedor tiver
realizado benfeitorias na coisa e agiu de boa-fé (art. 1.219 do Código Civil), ele terá direito
à indenização pelos melhoramentos e pelos acréscimos úteis ou necessários, podendo
levantar (retirar) os voluptuários, desde que a retirada não cause danos à coisa. Por isso,
todas as alternativas estão corretas.

4. Opção A. É um equívoco sustentar não haver obrigação de não fazer no exemplo men-
cionado. O dever de respeitar o sossego dos vizinhos e não praticar atos que violem a
paz no condomínio é uma obrigação de não fazer imposta pela lei, conforme o art. 1.277
do Código Civil, que, inclusive, autoriza que os vizinhos tomem providências para fazer
cessar os atos prejudiciais à segurança, ao sossego e a saúde provocados por outro. Por
esse motivo, aliás, a opção B e a C são verdadeiras. Além disso, a opção D é verdadeira,
pois os constrangimentos causados pelo vizinho antissocial são instantâneos e devem
ser compensados. Por fim, a opção E também é verdadeira, pois não é o caso de des-
cumprimento sem culpa do devedor, que é exemplificado como nas hipóteses em que a
obrigação de não fazer é descumprida por caso fortuito ou força maior.

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

5. Opção B. Após a execução da pintura da obra de arte, a ação positiva já se esgotou, e a


obrigação passa a ser a de entregar o objeto, isto é, a de dar coisa certa. Essa possibilidade
de conversão é o que invalida a opção E. As opções A e D são incorretas, uma vez que
a doutrina comumente cita como exemplo de obrigação de fazer infungível a execução
de obra de arte, prestação considerada única. A opção C é incorreta, pois a obrigação de
fazer é sempre positiva, sendo negativa a de não fazer.

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TEMA DE APRENDIZAGEM 3

CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES


QUANTO AOS ELEMENTOS

MINHAS METAS

Reconhecer as classificações das obrigações quanto aos elementos.

Compreender o conceito da obrigação alternativa.

Conhecer a diferença entre as obrigações divisíveis e as obrigações indivisíveis.

Analisar as consequências das perdas e danos nas obrigações indivisíveis.

Identificar as espécies de solidariedade conforme o polo da obrigação.

Estudar as consequências na conversão da obrigação solidária em perdas e danos.

Analisar o inadimplemento obrigacional na solidariedade passiva e o direito dos


demais devedores.

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UN I C ES UMA R

INICIE SUA JORNADA


O mundo das relações obrigacionais é permeado por diver-
sas formas de se estabelecer um acordo, seja considerando
a pluralidade e as características dos objetos, seja conside-
rando a pluralidade de sujeitos. É possível nos depararmos
com obrigações estabelecidas entre vários devedores e tendo
como conteúdo um objeto que não é divisível, bem como
com obrigações estabelecidas com diversos credores e di-
versos devedores, de modo que cada um deles pode ser be-
neficiado ou obrigado de forma exclusiva.
Imagine,um contrato que três pessoas se obrigam a pa-
gar, mas cada uma dessas pessoas estabelece uma condição
diferente. Um deles, por exemplo, se comprometeu a pagar
o valor na data do vencimento, ao passo que o outro se com-
prometeu caso tivesse o financiamento aprovado pelo banco
e, por fim, o outro requereu um prazo para pagar o valor.
Essas situações não somente são possíveis como também
são expressamente regulamentadas pela legislação, mais uma
vez acentuando o caráter plural e diverso que uma relação
obrigacional pode adquirir. É justamente nesse cenário, em
que o estudo da classificação das obrigações quanto aos ele-
mentos ganha relevo, que iremos abordar as características
do objeto da prestação, a possibilidade de alternação entre
esses objetos e os sujeitos da obrigação.

VAMOS RECORDAR?
É importante que você rememore que uma das classificações das obrigações é
a obrigação positiva de dar, que pode se referir a coisa certa ou a incerta, além
de compreender a obrigação de entregar, de restituir e de pagar. Assim, convi-
do você a assistir ao vídeo para retomar tais conceitos. Recursos de mídia dis-
poníveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem.

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DESENVOLVA SEU POTENCIAL


OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS

As obrigações alternativas estão previstas nos arts. 252 a 256 do Código Civil. São obri-
gações que se apresentam com mais de uma prestação e somente uma delas é que deve
ser cumprida pelo devedor. Desse modo, se houver duas prestações e a obrigação for al-
ternativa, considera-se que a obrigação foi extinta com o cumprimento de alguma delas.
Nesse ponto, é interessante relembrarmos que o credor não pode ser obri-
gado ao recebimento de prestação diversa daquela acordada. Alguma das
prestações deve ser cumprida integralmente, não sendo admitido que o devedor
fracione uma delas e complemente com a outra.


Em decorrência da autonomia das prestações, veda o § 1º do art. 252
do Código Civil que o credor seja compelido a receber parcelada-
mente a prestação devida integralmente.Assim, não pode ser imposto
ao credor receber parte de uma prestação e outra parte de uma outra
prestação, fragmentando o adimplemento obrigacional. Prevalece,
aqui, a identidade física e imaterial das prestações. Ilustrativamente,
as seguradoras cumprem a sua obrigação quando entregam ao se-
gurado, em substituição a um automóvel furtado, outro da mesma
espécie ou o valor equivalente, mas não podem obrigá-lo a receber
um carro mais simples do que o que estava segurado, complementa-
do o valor em dinheiro (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 213/214).
Pela regra do art. 252, caput, do Código Civil, quem escolhe a presta-
ção a ser cumprida é o devedor, mas a regra pode ser alterada pelas
partes, conforme consta na última parte do artigo.

No caso de uma obrigação alternativa de prestações periódicas, isto é, de período


em período uma prestação deverá ser cumprida, o art. 252, §2º, do Código Civil,
prevê que o direito de escolha será renovado a cada período. Assim, se tivermos
uma obrigação que deve ser cumprida todos os meses e há a alternatividade nas
prestações, a cada mês poderá ser escolhida uma alternativa diferente, não se
tratando de uma opção feita somente uma vez.

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Para ilustrar a situação, imagine que Pedro e Ana celebram um contrato de pres-
tação de serviços de jardinagem, com vigência de 12 meses e valor mensal de R$
2.000,00. As partes estabelecem que Pedro terá a opção de escolher, a cada mês,
entre prestar o serviço de jardinagem contratado ou fornecer uma quantidade
de plantas e flores no valor de R$ 2.000,00.
Com isso, a cada mês, Pedro terá a opção de escolher entre prestar o ser-
viço de jardinagem acordado ou fornecer as plantas e flores no valor de R$
2.000,00. Essa opção poderá ser renovada a cada período, ou seja, a cada mês,
garantindo a Pedro a flexibilidade de escolher a forma de cumprimento da
obrigação que melhor lhe convier.
No caso de pluralidade de pessoas no mesmo polo da obrigação, como por
exemplo, mais de um devedor, e eles não chegarem a um consenso sobre qual
prestação será cumprida, o art. 252, §3º, do Código Civil, prevê que a decisão
caberá ao juiz. Do mesmo modo, caso as partes combinem que a escolha da pres-
tação será feita por um terceiro e este não puder ou não quiser escolher, também
caberá a um juiz a resolução da questão (art. 252, §4º, do Código Civil).

A impossibilidade do CUMPRIMENTO da obrigação na


obrigação alternativa

Os arts. 253 e 256 do Código Civil tratam das situações em que a obrigação se
impossibilita no momento posterior à celebração do acordo. Conforme veremos
adiante, as regras são importantes porque essa impossibilidade pode ocorrer com
ou sem culpa de alguma das partes, trazendo consequências distintas.
O art. 253 do Código Civil diz que, se uma das prestações não puder ser
objeto de obrigação ou se tornada inexequível, subsistirá o débito quanto à
outra. A regra é bastante simples de ser compreendida, bastando imaginar que,
no exemplo mencionado anteriormente, em que Pedro poderá cumprir com o
acordo entregando flores ou executando os serviços de jardinagem, à sua escolha,
caso ele se torne inapto para o serviço de jardinagem, ele continua obrigado à
outra opção, isto é, entregar as flores.

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VOCÊ SABE RESPONDER?


E se nenhuma das prestações puder ser cumprida, por culpa do devedor, e o
direito de escolha da prestação não for do credor, como se resolve a questão?

No caso em que nenhuma das prestações puder ser cumprida, por culpa do de-
vedor, e o direito de escolha não for do credor, o devedor deverá pagar o valor
da prestação que foi impossibilitada por último, além de perdas e danos. É o que
diz o art. 254 do Código Civil.
Vamos retornar ao exemplo da compra e venda do veículo celebrada entre
João e Maria. Imagine que, em pagamento do veículo, ficou acordado que João
entregaria um touro reprodutor específico ou uma quantidade de sacas de soja.
Ocorre que dias antes da data do vencimento da obrigação, foi constatado
que, por negligência de João, o touro reprodutor veio a óbito e, posteriormente,
que a soja estava imprópria para a colheita porque havia passado o tempo correto.
Nessas duas situações, as prestações foram perdidas por culpa do devedor, pre-
vendo a regra que o valor a ser pago será o da que foi por último impossibilitada,
no caso, as sacas de soja, além de eventuais perdas e danos em favor do credor.

É importante ressaltar que, aqui, também vale a regra de que as perdas e danos
envolvem tudo aquilo que o credor deixou de lucrar, mais o que ele efetivamente
perdeu e, ainda, se for o caso, os danos morais.

Caso Maria tivesse, por exemplo, realizado o arrendamento de um imóvel rural


para abrigar ou o touro, ou as sacas de soja, diante da perda dessas prestações, com
culpa do devedor, ele responderá pelos prejuízos que ela teve com essa despesa.
A legislação não trata da hipótese em que as prestações se perdem simultanea-
mente, com culpa do devedor, mas a solução lógica para essa situação é considerar
o devedor obrigado pelo valor de qualquer uma das prestações que se perdeu.
Assim, a escolha do valor será conforme o acordo da escolha da prestação.

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No caso da escolha ter sido do credor, mas alguma das prestações acabou se
perdendo por culpa do devedor, o credor poderá exigir a prestação que ainda
subsiste ou o valor daquela que foi impossibilitada, mais as perdas e danos. Se a
perda for de ambas as prestações, o credor poderá exigir o valor de qualquer uma
delas, mais as perdas e danos, tudo conforme o art. 255 do Código Civil.

Por fim, se a impossibilidade das prestações ocorrer sem culpa, a obrigação ficará
extinta. É a mesma regra quanto à perda da coisa sem culpa, hipótese em que a
obrigação fica resolvida para ambas as partes.

OBRIGAÇÕES DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS

As obrigações divisíveis e as indivisíveis estão discipli-


A obrigação divisível
nadas entre os arts. 257 a 263 do Código Civil. É uma é aquela que pode
classificação que somente possui relevância na hipó- ser cumprida em
tese de pluralidade de sujeitos nos polos da obrigação, partes
isto é, mais de um credor ou mais de um devedor.

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A obrigação divisível é aquela que pode ser cumprida em partes O art. 257
do Código Civil prevê que, havendo mais de um devedor ou mais de um credor
em obrigação divisível, esta se presume dividida em tantas obrigações, iguais e
distintas, quanto os credores e devedores.
Imagine que três pessoas procuraram outra para a realização de um emprés-
timo, no valor de R$ 30.000,00, com a previsão de pagamento em poucos dias e
no mesmo valor. Nesse caso, temos uma dívida em dinheiro, o qual é um dos mais
clássicos exemplos de bem divisível, de modo que, caso não tenham acordado
nada específico, haverá a presunção de que cada um dos devedores é responsável
pela quantia de R$ 10.000,00.

Essa presunção de divisão igualitária ocorrerá sempre que o acordo não tratar
de forma diferente. É plenamente possível que as partes dividam a obrigação de
maneira desproporcional.

Já a obrigação indivisível é tratada no art. 258 do Código Civil, sendo aque-


la cuja prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de
divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica ou dada a razão
determinante do negócio jurídico.
Para ilustrar, basta imaginar uma obrigação em que três pessoas são pro-
prietárias de um veículo e se comprometeram a dá-lo em pagamento de uma
obrigação. O veículo é um objeto que não comporta divisão, não havendo a pos-
sibilidade de que os devedores fracionem a obrigação, isto é, repartam o objeto
da prestação e entreguem separadamente ao credor.

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INDIVISIBILIDADE NATURAL

Diz respeito à própria natureza do bem. São bens que não podem ser divididos
sob pena de causar a sua destruição, como, por exemplo, ocorre com os carros.

INDIVISIBILIDADE LEGAL

Diz respeito à impossibilidade de divisão por determinação da lei. A herança, por


exemplo, é considerada uma universalidade de bens indivisíveis.

INDIVISIBILIDADE CONVENCIONAL

São bens que as próprias partes convencionaram que seriam indivisíveis. É uma
disposição que consta do contrato, devendo ser analisada caso a caso.

Tartuce (2019, n.p.) relembra, ainda, que:


As obrigações de dar podem ser divisíveis ou indivisíveis, o mes-
mo ocorrendo em relação às obrigações de fazer. Por sua natureza
infungível e personalíssima, as obrigações de não fazer são quase
sempre indivisíveis.

Pela regra do art. 259, caput, do Código Civil, na obrigação indivisível, presume-se
que todos os devedores são obrigados pela dívida inteira.
Suponha que João, Maria e Renato compraram um carro, juntos, cada um
contribuindo com 33,33% do valor total. Para isso, eles pegaram um empréstimo
com um banco e assumiram a dívida conjuntamente. No entanto, eles acabaram
brigando e Maria decidiu que não quer mais pagar a dívida.
Nesse caso, conforme o artigo 259 do Código Civil, se a prestação (ou seja, o
pagamento da dívida) não for divisível, cada um dos devedores (nesse caso, João,
Maria e Renato) será responsável pela dívida inteira, não apenas pela sua parte
proporcional. Isso significa que se Maria e Renato se recusarem a pagar as suas
partes da dívida, o banco poderá exigir o pagamento integral da dívida de João.

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Assim, mesmo que João tenha cumprido com a sua parte do pagamento, ele ainda
pode ser responsabilizado pelo pagamento integral da dívida caso Maria e Renato
se recusem a pagar as partes que lhe cabem.
O parágrafo único do art. 259 do Código Civil prevê que o devedor que
paga a dívida ou cumpre a obrigação se sub-roga nos direitos do credor.
Sub-rogar é o mesmo que assumir a posição de credor.
Desse modo, no exemplo citado anteriormente, caso João pague pelas partes
de Renato e Maria, ele assumirá a posição do banco e poderá cobrar dos dois de-
vedores a parte deles. Perceba que o art. 259 do Código Civil fala em sub-rogação,
o que significa que não haverá um simples direito de reembolso.

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ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

O direito de reembolso e a sub-rogação têm em comum que a pessoa que realizou


o pagamento de uma débito no lugar da outra terá direito a ser ressarcida. A
diferença, porém, é que quando essa pessoa se sub-roga nos direitos do credor,
significa que ela assumirá a posição que o credor tinha anteriormente e todas
as garantias eventualmente existentes na obrigação serão mantidas. Quando
se diz que alguém tem simplesmente o direito de reembolso, essas garantias
não são mantidas, pois o reembolso não conserva as características originais
da obrigação, mas, sim, faz surgir uma nova obrigação diferente da primária.

A situação é diversa em se tratando de mais de um credor. Isso porque o art. 260


do Código Civil, primeira parte, prevê que, se a pluralidade for dos credores, cada
um deles pode exigir a dívida inteira do(s) devedor(es).
Imagine que Maria vendeu a João e a Renato um veículo. Conforme já vimos
anteriormente, o veículo é um objeto considerado indivisível, de modo que tanto
João quanto Renato podem exigi-lo por inteiro de Maria.
Ocorre que, no entanto, a parte final do art. 260 do Código Civil prevê que
o(s) devedor(res) somente se desobrigará(ão) caso ele pague a todos os credores
conjuntamente ou pague somente a um, mas desde que esse credor dê uma cau-
ção de ratificação dos outros credores.
Sobre o pagamento a todos os credores, o raciocínio é bem mais simples. No
exemplo citado anteriormente, basta imaginar que Maria transferiu a posse e a
propriedade do veículo a João e a Renato, conjuntamente, considerando a obri-
gação extinta pelo adimplemento.
A segunda situação trata de uma formalidade que deve existir e que o devedor
deve observar, que é a caução de ratificação.

Essa caução de ratificação é um documento em que o credor que está exigindo a


obrigação, sozinho, deve dar ao devedor, no qual os outros credores assinaram e
autorizaram o recebimento por aquele credor que realiza a cobrança.

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Voltando ao exemplo citado anteriormente, caso Renato procure Maria para


receber o veículo sozinho, ele deverá entregar a ela um documento assinado por
João, constando a concordância para que ele receba o veículo sozinho.


[…] essa garantia (caução de ratificação ou confirmação) deverá ser
celebrada por escrito, datada e assinada pelas partes, com firmas reco-
nhecidas. Para dar maior certeza e segurança, o documento pode até ser
registrado em cartório de títulos e documentos, tudo isso em respeito
ao princípio da eticidade e da boa-fé objetiva, que valoriza a conduta
de lealdade dos participantes obrigacionais (TARTUCE, 2019, n.p.).

Desse modo, caso apenas um credor receba a prestação por inteiro, os outros pode-
rão exigir dele, em dinheiro, as suas partes (art. 261 do Código Civil). No exemplo
anterior, João poderá exigir de Renato a sua parte no veículo, mas em dinheiro.

A remissão do credor na obrigação indivisível

A remissão é efetivamente um perdão de dívida feito pelo credor e aceito pelo de-
vedor. Ela tem como finalidade extinguir a obrigação com relação ao beneficiário.

O art. 260 do Código Civil trata da hipótese em que há uma obrigação indivisível,
com mais de um credor, e um deles resolve remitir a dívida, isto é, liberar o devedor
da sua obrigação. Nesse caso, o perdão da dívida (remissão) não se estende aos
demais credores, os quais poderão exigir a obrigação do devedor, mas deverão
descontar a quota do credor remitente.

Imagine que André, Marta e Lúcio adquiriram de Camila, por R$ 30.000,00, um


touro reprodutor, um bem que evidentemente não comporta divisão. Após a aqui-
sição do touro, Lúcio decidiu se mudar para o exterior, e não tem mais interesse
no touro e achou por bem remitir Camila da sua obrigação.
Nessa hipótese, André e Marta ainda poderão exigir o touro por inteiro por
parte de Camila, mas eles deverão descontar a quota de Lúcio da obrigação. As-
sim, pela parte de Lúcio no touro, eles deverão repassar a Camila o valor de R$
10.000,00, que equivale ao desconto que a legislação impõe.

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É importante mencionar ainda que essa obrigação de descontar a quota so-


mente ocorrerá se houver vantagem financeira na obrigação. No exemplo ante-
riormente citado, imagine que a obrigação de Camila era tão somente a de per-
mitir a passagem de André, Marta e Lúcio pelo seu terreno. Nesse caso, o perdão
de Lúcio não representa vantagem financeira nenhuma, de modo que não há o
que ser restituído pelos outros credores.

A conversão da obrigação indivisível em perdas e danos

O art. 263, caput, do Código Civil, prevê que a obrigação indivisível que se
resolver em perdas e danos perde a sua qualidade de indivisibilidade. Dessa
forma, uma vez convertida em perdas e danos, ela passa a ser divisível entre os
devedores.
A obrigação irá se resolver em perdas e danos quando houver, conforme
vimos anteriormente, o perecimento do objeto da obrigação.
Suponha que Maria e João se obrigaram a entregar um veículo a Pedro,
avaliado em R$ 40.000,00. Nesse caso, há uma obrigação indivisível e há uma
pluralidade de devedores. Caso o veículo pereça por culpa dos devedores, essa
obrigação será convertida em perdas e danos, devendo Maria e João arcarem com
a prestação em dinheiro mais os eventuais danos existentes.
Enquanto o objeto da prestação ainda era indivisível, não havia como fra-
cionar as prestações devidas pelos devedores. No entanto, após a conversão em
perdas e danos, já passa a ser possível o fracionamento, ficando, no exemplo, cada
um dos devedores obrigado ao pagamento de R$ 20.000,00.

A lógica da regra é essa, é deixar evidente que o regime jurídico, após a conversão,
passa a ser o da obrigação divisível, aplicando-se todas as regras pertinentes.

O art. 263, §1º do Código Civil diz, ainda, que a responsabilidade pelo paga-
mento das perdas e danos será de todos os devedores, em partes iguais, caso
eles tenham agido com culpa. Já o §2º do mesmo artigo prevê uma limitação,
no caso da culpa ser de apenas um ou alguns dos devedores, impondo que
somente estes respondam pelos prejuízos.

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Imagine que, por exemplo, Maria e João tenham agido com o mesmo grau de
culpa para a perda do veículo. Além de ambos responderem, em partes iguais,
pelo valor da obrigação convertida em dinheiro, também em partes iguais eles
responderão pelos prejuízos alegados e comprovados pelo credor.
Diversamente ocorreria se a culpa fosse somente de João, hipótese em
que ele arcaria, sozinho, com as perdas e danos, além do valor da sua quota
na obrigação convertida.
Por fim, Venosa (2013, p. 104) ainda lembra que a nulidade da obriga-
ção declarada com relação a um dos devedores estende-se a todos. Um ato
defeituoso com relação a uma das partes danifica o ato com relação aos
demais partícipes do negócio.

AS OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS

O estudo das obrigações solidárias, assim como ocorre nas obrigações divisíveis
e indivisíveis, é relevante somente quando há uma pluralidade de credores e/ou
de devedores. Elas são reguladas entre os arts. 264 e 285 do Código Civil.
Conceitualmente, uma obrigação é solidária quando todas as pessoas do
polo obrigacional concorrem ao todo do direito ou da dívida. Em outras pa-
lavras, se estivermos falando de credores solidários, significa dizer que todos os
credores em uma obrigação têm igual direito a exigir o crédito integralmente, como
se fossem únicos; do outro modo, todos os devedores em uma obrigação podem ser
obrigados ao pagamento do débito integralmente, como se fossem únicos.
A solidariedade não é um fenômeno presumível, ela deve advir ou da vontade
das partes (solidariedade contratual/negocial), por meio de um negócio, ou da
própria lei (solidariedade legal), conforme o art. 265 do Código Civil.
Por fim, o art. 266 do Código Civil diz, ainda, que a obrigação pode ser pura e
simples para um dos cocredores ou codevedores, e condicional, ou a prazo, ou pagá-
vel em lugar diferente, para o outro. Significa dizer que não necessariamente porque
a obrigação é solidária que ela será exatamente igual, no modo de ser, para todos.

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OBRIGAÇÃO PURA E SIMPLES

É a obrigação que não se sujeita a nenhuma condição, termo ou encargo. Por ex-
emplo, uma pessoa se obriga a entregar a outra um livro, sem maiores exigências.

OBRIGAÇÃO CONDICIONAL

É a obrigação na qual existe uma condição para o cumprimento dela, subordina-


da a um evento futuro e incerto. Por exemplo, uma pessoa se obriga a entregar a
outra um livro, desde que esse beneficiário seja aprovado no vestibular.

OBRIGAÇÃO PAGÁVEL EM LUGAR DIFERENTE

É a obrigação na qual há a estipulação de local diverso para o seu cumprimento.


Como regra, o local de cumprimento das obrigações é no domicílio do devedor,
mas as partes podem estipular qualquer outro local.

OBRIGAÇÃO A PRAZO

É a obrigação cujo cumprimento se dará em um termo, quando da ocorrência de


um evento futuro e certo. Por exemplo, as partes convencionam que o pagamen-
to se dará daqui a 30 dias.

Para ilustrar a hipótese, imagine que Maria, João e Renata são devedores
solidários de André, no valor de R$ 300.000,00. No acordo, ficou acertado
que Maria efetuará o pagamento do valor à vista, ao passo que João obri-
gou-se a pagá-lo em 60 dias e, por fim, Renata fará o pagamento caso tenha
o seu financiamento aprovado pelo banco.
Veja que no exemplo a obrigação de Maria é pura e simples, pois não está
subordinada a nenhum prazo ou evento. A obrigação de João é uma obrigação
sujeita a termo (decurso do prazo) e, por fim, a de Renata é sujeita à condição
(aprovação do financiamento).

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Lembre-se que estamos falando de dívida solidária, não sendo correto dizer
que a obrigação de cada um desses três devedores é a de R$ 100.000,00, mas, sim,
eles respondem, individualmente, pelo total do débito (R$ 300.000,00). Dessa
forma, imediatamente Maria já poderá ser demandada pelo total da dívida, ao
passo que João poderá ser demandado pelo total somente após o vencimento do
prazo de 60 dias e Renata apenas caso o banco aprove o financiamento.

A SOLIDARIEDADE ATIVA

Na solidariedade ativa, temos as figuras dos cocredores, o nome que damos


aos credores que podem exercer, isoladamente, o direito de cobrar pelo crédi-
to como se fossem únicos. Assim, se tivermos uma obrigação na qual Maria,
Pedro e João sejam credores solidários de Andréa, em R$ 30.000,00, dizemos
que Maria, Pedro e João são cocredores.
Conforme já mencionado, o efeito da solidariedade ativa é possibilitar que
qualquer um dos cocredores exija do devedor o cumprimento da obrigação por
inteiro (art. 267 do Código Civil). Do mesmo jeito, o devedor poderá realizar o
pagamento, por inteiro, a qualquer um dos cocredores (art. 268 do Código Civil).
Aliás, é importante ressaltar que, pela regra do art. 268 do Código Civil, essa
opção do devedor de pagar a dívida, por inteiro, a qualquer um dos cocredores,
somente pode ser realizada antes de qualquer demanda judicial. Isso porque caso
um dos cocredores resolva demandar pelo crédito judicialmente, isto é, promover
a cobrança judicial do crédito, o pagamento deve ser realizado somente a este, em
razão do fenômeno da prevenção judicial.

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Por se tratar de um crédito solidário, o que difere do indivisível, é possível que os


cocredores cobrem do devedor parte da dívida ou a cobrem por inteiro. Assim,
retomando o exemplo anterior, em que Maria, Pedro e João são credores solidá-
rios de Andréa, em R$30.000,00, Maria poderá cobrar de Andréa o montante que
desejar, até o limite do débito, o mesmo podendo ser feito pelos demais.

É exatamente o que diz o art. 269 do Código Civil, para o qual o pagamento feito a
um dos credores solidários extingue a dívida até o montante do que foi pago. Des-
sa forma, se Andréa realiza o pagamento de R$ 5.000,00 em proveito de Maria, a
dívida remanesce extinta, nesse valor, e o restante (R$ 25.000,00) pode continuar
sendo cobrado pelos credores, inclusive pela própria Maria.

Perceba que a cobrança parcial do débito ou o pagamento parcial do débito não


tem o condão de extinguir a dívida com relação àquele credor que demandou o
crédito, mas, sim, com relação ao conteúdo da prestação. O restante pode conti-
nuar a ser cobrado, mesmo por parte daquele que já realizou a cobrança uma vez.

A sucessão na solidariedade ativa

No caso de falecimento de algum dos credores solidários, os herdeiros as-


sumirão a titularidade do crédito no lugar do falecido, mas eles somente
poderão demandar o devedor na proporção dos seus quinhões hereditários.
Isso porque os herdeiros sucedem por quinhão e, assim, não podem receber
mais do que isso (art. 270 do Código Civil).
O art. 270 do Código Civil ainda faz a ressalva quanto à obrigação indi-
visível, dispondo que, se ela assim o for, não será aplicada a regra anterior.
No caso da indivisibilidade da obrigação e do falecimento de algum dos credo-
res, os seus herdeiros assumem a titularidade da cobrança da dívida e as regras
a serem aplicadas são as mesmas quanto à cobrança pela obrigação indivisível
(cada herdeiro poderá receber a obrigação por inteiro, observando-se as regras
já tratadas anteriormente).

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A conversão da obrigação solidária em perdas e danos

Segundo o art. 271 do Código Civil, no caso de conversão da obrigação solidária


em perdas e danos, a solidariedade subsistirá para todos os efeitos. Nesse ponto,
é importante perceber a diferença que existe entre a conversão da obrigação in-
divisível e a conversão da obrigação solidária em perdas e danos.
Conforme vimos anteriormente, se for o caso de obrigação indivisível con-
vertida em perdas e danos, ela perderá o caráter da indivisibilidade e a respon-
sabilidade será definida na forma como já tratada. No caso da solidariedade, o
raciocínio é diverso, pois, mesmo com a conversão em perdas e danos, ela não
perderá a sua natureza solidária.
Imagine que Andréa seja devedora de Maria, Pedro e João, credores solidários,
no valor de R$ 30.000,00, e ela não cumpriu com a obrigação na data acertada
e o fato acarretou outros prejuízos aos credores, que contavam com o dinheiro
para a manutenção dos seus negócios, no montante de R$ 20.000,00. Assim, pela
lógica do art. 271 do Código Civil, as perdas e danos devem ser somadas à obri-
gação principal e podem ser cobradas conforme a solidariedade, isto é, integral
e isoladamente por quaisquer dos cocredores.

A responsabilidade entre os cocredores

O art. 272 do Código Civil prevê que o credor que tiver recebido o pagamento
responderá aos outros pela parte que lhes caiba. Assim, vê-se que o proveito pelo
crédito não é exclusivo, uma vez que o cocredor que receber a dívida deverá re-
passar a parte ideal aos demais cocredores.
Voltando ao exemplo anterior, caso Pedro cobre de Andréa o valor integral
da dívida, de R$ 30.000,00, ele deverá repassar a Maria e a João o valor de R$
10.000,00 para cada um. Pedro, nesse caso, passará a ser devedor de Maria e de
João, mas em razão das frações ideais que a eles são devidas.
A mesma lógica se aplica no caso de remissão da dívida, conforme também
dispõe o art. 272 do Código Civil. Assim, se um cocredor perdoar a dívida inte-
gralmente ou perdoar parte dela, ele deverá pagar aos demais credores o mon-
tante que a eles eram devidos.

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As exceções pessoais na solidariedade ativa

VOCÊ SABE RESPONDER?


Vimos que, na solidariedade ativa, qualquer um dos credores pode exigir o
crédito como se ele fosse o único. Nesse caso, havendo algum impedimento
com relação a um credor, isso prejudicará os demais?

A resposta do questionamento anterior está no art. 273 do Código Civil,


que diz que a um dos credores solidários não pode o devedor opor as
exceções pessoais oponíveis aos outros. No caso, exceção é o termo que
significa defesa, de modo que as defesas que o devedor poderia alegar em
relação a um dos credores não atinge os demais.
Rememorando o exemplo anterior, imagine que Andréa seja devedora de
Maria, Pedro e João, credores solidários, no valor de R$ 30.000,00. Ao ser cobrada
por Maria, Andréa alega que foi coagida por João a assinar o contrato.
Perceba que a alegação de Andréa é uma exceção pessoal, uma defesa, e é
relacionada a um só credor solidário. Nesse caso, Andréa não poderia alegar essa
defesa com relação à Maria e ao Pedro, pois não diz respeito a eles.
Por fim, o art. 274 do Código Civil trata da situação em que um credor soli-
dário inicia uma demanda judicial contra o devedor para a cobrança do crédito,
regulamentando os efeitos da decisão judicial nessa demanda com relação aos
demais credores. Para o artigo em questão, se o credor solidário perder a ação
contra o devedor, essa decisão judicial desfavorável não atingirá os outros credo-
res, mas, se a decisão for favorável, os outros credores poderão se aproveitar dela.
No exemplo da dívida contraída por Andréa tendo como credores solidários
Maria, Pedro e João, imagine que somente João entrou com a ação judicial para
a cobrança do débito. No processo, Andréa alegou que já havia realizado o pa-
gamento da dívida e apresentou um recibo assinado por Maria, de modo que o
juiz julgou o pedido improcedente.

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 3

VOCÊ SABE RESPONDER?


Nesse caso, Maria e Pedro ainda poderão entrar com uma ação contra Andréa
e tentar provar que a dívida não foi paga?

Conforme a regra do art. 274 do Código Civil, Maria e Pedro ainda poderão
entrar com uma nova ação de cobrança para tentar provar que a dívida não foi
paga. Eles poderiam, por exemplo, alegar que a assinatura no recibo apresentado
é falsa ou que ele é relativo a outro contrato.
Para a correta compreensão dessa regra, é importante que você saiba que, no
Processo Civil, em regra, as decisões proferidas em um processo não podem
atingir as pessoas que não participaram dele. É o que chamamos de limites
da coisa julgada com relação a terceiros.

VOCÊ SABE RESPONDER?


Mas e se o julgamento, em vez de contrário, for favorável? E se João con-
seguisse comprovar, na ação movida somente por ele, que Andréa teria de pa-
gar o débito e ainda com acréscimo de uma multa de 10% sobre o valor dele?

Nesse caso, diferentemente do que ocorre com o julgamento desfavorável, a deci-


são judicial beneficiará os credores que não participaram do processo. Esses outros
credores, Maria e Pedro, poderão também exigir de Andréa aquela multa que João
conseguiu comprovar que era devida, uma vez que a segunda parte do art. 274 do
Código Civil diz que o julgamento favorável aproveita aos demais credores solidários.
Por fim, a última parte do art. 274 do Código Civil ainda resguarda o devedor
quanto à hipótese de oposição de exceção pessoal com relação a um dos credores
beneficiados pela decisão, mas que não tenham participado do processo. No exem-

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plo anterior, já vimos que Maria e Pedro poderão exigir a mesma multa de Andréa,
mas Andréa não perderá o direito de alegar alguma defesa que ela ainda tenha com
relação a algum desses dois, como, por exemplo, que Maria a coagiu a contrair a
dívida. Lembre-se que essa exceção, por ser pessoal, somente atingirá Maria.

A SOLIDARIEDADE PASSIVA

A solidariedade passiva é a situação em que os devedores podem ser de-


mandados, sozinhos, pela totalidade da dívida, como se fossem únicos. Seu
cânon fundamental “[...] é que cada um dos devedores está obrigado à prestação
na sua integralidade, totum et totaliter, como se em verdade houvesse contraído,
sozinho, a obrigação inteira” (PEREIRA, 2017, p. 104).
Da mesma forma como acontece na solidariedade ativa, na passiva, se o pa-
gamento for parcial, os demais devedores, inclusive aquele que pagou, continuam
obrigados pelo resto. Além disso, a cobrança contra apenas um ou apenas alguns
dos devedores não significa que houve a renúncia à solidariedade.
Tartuce (2019, n.p.) relembra ainda que a solidariedade passiva “pode ter
origem legal, como é a hipótese dos locatários de imóvel urbano (art. 2º da Lei
8.245/1991) e dos comodatários (art. 585 do CC); ou convencional mediante
acordo entre as partes”.

A sucessão na solidariedade passiva

No caso de falecimento de um devedor solidário, os herdeiros dele somente res-


ponderão pela dívida na proporção do que eles receberiam a título de herança,
isto é, na proporção dos seus quinhões hereditários. A exceção, contudo, se dá no
caso de obrigação indivisível, conforme prevê o art. 276 do Código Civil.
A parte final do art. 276 do Código Civil estabelece ainda que os herdei-
ros do falecido, reunidos, são considerados um só devedor solidário com
relação aos demais devedores. Dessa forma, caso um dos devedores solidários
pague a dívida toda, ele poderá exigir dos herdeiros do falecido a parte que a este
cabia na dívida, mas sempre observando que a responsabilidade de cada um é
limitada ao seu quinhão hereditário.

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No exemplo anterior, caso Renato tenha feito o pagamento da dívida, ele


poderá exigir dos herdeiros de João, em conjunto, o valor de R$ 10.000,00, que é
a parte que lhe caberia na dívida.

A responsabilidade entre os codevedores

VOCÊ SABE RESPONDER?


Imagine que um dos devedores solidários faz o pagamento de uma parte da
obrigação. Nesse caso, esse valor pago deverá ser descontado da cobrança
com relação aos demais devedores ou o credor pode cobrar a dívida inteira
pelos demais?

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A resposta está no art. 277 do Código Civil, que diz que o pagamento parcial
feito por um dos devedores não aproveita aos outros, senão até a concorrên-
cia da quantia paga. Esse pagamento não exclui a solidariedade, conforme já
vimos anteriormente, e ele deverá, sim, ser descontado da quantia a ser paga
pelos demais devedores.
A mesma lógica vale para a hipótese de remissão (perdão) da dívida feita
pelo credor com relação a um devedor. Se um devedor solidário é perdoado da
dívida, os demais devedores são somente obrigados pela quantia restante, com o
desconto relativo ao devedor perdoado.
Além disso, um devedor solidário não poderá, sem o consentimento dos ou-
tros, estabelecer acordos com o credor que agravem a posição de todos, conforme
estabelece o art. 278 do Código Civil. Isso se dá porque os negócios firmados
entre as partes somente a elas atinge, não podendo produzir efeitos com relação
às pessoas que não participaram dela, mesmo sendo elas devedoras solidárias.

A responsabilidade pela impossibilidade e pelos encargos da


obrigação

Conforme já vimos, no caso de im-


possibilidade da prestação, o que
ocorrerá é a conversão desta em va-
lor equivalente. Por esse valor equi-
valente, todos os devedores solidá-
rios são responsáveis, não alterando
a obrigação a sua característica (art.
279 do Código Civil).
No caso da impossibilidade da
obrigação por culpa de um devedor
solidário, é ele quem, naturalmente,
será o responsável pelo pagamento
das perdas e danos que forem eventualmente apuradas (art. 279 do Código Ci-
vil). O raciocínio é bastante lógico e justo, pois não seria adequado imputar aos
demais devedores a obrigação de pagar perdas e danos quando a impossibilidade
da obrigação ocorreu por culpa de apenas um dos devedores.

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Da mesma forma, pelos juros de mora, todos os devedores são responsáveis,


ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um devedor, mas o culpado
pela mora responderá aos outros pelo acréscimo (art. 280 do Código Civil).

Assim, com relação ao credor, a responsabilidade pelos juros é de todos os deve-


dores solidários, e com relação aos devedores solidários, o devedor responsável
pelo atraso é responsável pelo valor que foi acrescido.

Imagine que Jorge, Renato e Patrícia são devedores solidários de Marcos, no valor
de R$ 30.000,00. Patrícia e Renato transferiram as suas parcelas, no valor de R$
10.000,00, cada, para a conta de Jorge, a fim de que ele complementasse o valor
com a sua parcela e pagasse a dívida na data do vencimento.
Ocorre que Jorge não realizou a transferência do valor ao credor, ficando
em mora e sendo a dívida acrescida pelos juros de atraso. Desse modo, Marcos
poderá cobrar dos três devedores o valor do acréscimo pelos juros, mesmo dos
que não foram culpados pelo atraso. Quanto a esses que não foram culpados pelo
atraso, eles poderão cobrar do devedor culpado, no caso, Jorge, o que eles tiveram
de pagar a título de juros.

As exceções pessoais na solidariedade passiva

Pela regra do art. 281 do Código Civil, o devedor que for cobrado pela dí-
vida pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as que forem
comuns aos demais codevedores. Como já vimos anteriormente, as exceções
pessoais, em regra, não se comunicam, isto é, uma parte não pode aproveitar
exceções de caráter pessoal que não são suas.
Suponha que Marcos tenha ajuizado uma ação de cobrança contra uma dí-
vida solidária de Jorge, Renato e Patrícia. No curso da ação, Jorge se defendeu,
argumentando que foi coagido por Marcos a contrair a dívida, ao passo que
Renato e Patrícia nada disseram. Nesse caso, quanto a Jorge, a cobrança deverá
ser julgada improcedente, e, quanto aos demais, a cobrança deverá prosseguir.

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Ainda tomando como base o exemplo anterior, caso a alegação de Jorge


seja a de prescrição, que é uma exceção comum a todos os devedores, pois
atinge a exigibilidade da obrigação em si, a demanda deverá ser extinta pela
prescrição e a alegação aproveitará a todos os devedores, mesmo se tiver sido
feita somente por um deles.

A renúncia da solidariedade

O art. 282 do Código Civil autoriza que o credor renuncie à solidariedade em


favor de um, de alguns ou de todos os devedores. Note que o artigo trata da
situação da renúncia à solidariedade, e não da remissão do débito, conforme já
tratado anteriormente.

O efeito da renúncia à solidariedade é que a parte beneficiada continua obrigada


pela dívida, mas somente com relação à sua quota. Se for realizada em proveito
de apenas um devedor, esse único devedor continua responsável, na proporção
da sua quota, e os demais continuam solidariamente responsáveis pelo todo (art.
282, parágrafo único, do Código Civil).

Rememorando o exemplo anterior, em que Jorge, Renato e Patrícia são deve-


dores solidários de Marcos, no valor de R$ 30.000,00, imagine que Patrícia foi
beneficiada, por Marcos, com a renúncia à solidariedade. Nessa hipótese, Patrícia
continua sendo devedora, mas a sua responsabilidade, que antes se estendia ao
todo, passará a ser somente com relação a R$ 10.000,00, ao passo que os demais
continuam responsáveis pelo todo, solidariamente.
Da mesma forma, tendo sido Patrícia beneficiada com a renúncia à solidariedade,
caso Jorge pague a dívida na sua totalidade, ele somente poderá cobrar de Patrícia o
valor que ela seria obrigada com relação ao credor, sendo o de R$ 10.000,00.

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A responsabilidade no adimplemento da dívida por um dos


devedores

A essa altura já está evidente que o devedor que realizou o pagamento da dívida
tem o direito de exigir dos outros a parte deles, regra materializada pelo art. 283
do Código Civil. Para materializar essa exigência, o devedor que pagou pelo todo
deverá se valer do que chamamos de ação de regresso ou ação regressiva.

O mesmo art. 283 do Código Civil prevê, ainda, que, havendo um devedor insol-
vente, isto é, sem bens suficientes para ressarcir o devedor que realizou o pag-
amento integral, a quota-parte dele deverá ser rateada, em partes iguais, entre
todos os devedores.

No nosso caso da dívida contraída por Jorge, Renato e Patrícia, suponha que Jorge rea-
lizou o pagamento integral da dívida de R$ 30.000,00. Ao demandar Renato e Patrícia
para cobrar a parte deles, R$ 10.000,00 de cada um, Renato não realizou o pagamento
da sua parte e não foi encontrado nenhum bem, constatando-se a insolvência dele.
Nesse caso, pela regra do art. 283 do Código Civil, o valor que caberia a Renato
deverá ser rateado entre Jorge e Patrícia. Esse rateio, inclusive, deve ser realizado
mesmo que algum desses dois devedores tenha sido anteriormente beneficiado
pela renúncia à solidariedade, conforme dispõe o art. 284 do Código Civil.
Por fim, o art. 285 do Código Civil
possui uma importante regra que
visa à proteção do devedor que não
tem interesse jurídico na dívida, isto
é, do devedor que é obrigado, mas
que não se beneficiou com a dívida.
Nos termos do mencionado artigo,
se a dívida solidária interessar ex-
clusivamente a um dos devedores,
responderá este por toda ela para
com aquele que pagar.
Imagine que, por exemplo, Jor-
ge contraiu um empréstimo de R$
100.000,00 em um banco, tendo sido

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Renato o seu fiador. Assim, temos uma dívida em que duas pessoas são responsá-
veis, primeiro Jorge e, depois, Renato, o fiador. Jorge não realizou o pagamento da
dívida e Renato foi demandado por ela. Caso Renato realize o pagamento do débito,
ele poderá exigir o valor integral de Jorge, não sendo o caso de cobrar somente a
quota-parte dele, porque esse empréstimo somente beneficiou a Jorge.
O contrário é da mesma forma – caso Jorge pague o valor inteiro da dívida,
ele não poderá entrar com uma ação de regresso para cobrar a metade de Renato,
pois Renato, embora seja devedor pela fiança, não é devedor interessado na dívida.

NOVOS DESAFIOS
A compreensão da classificação das obrigações quanto aos elementos é funda-
mental para os profissionais do direito que atuam na área jurídica. O estudo das
obrigações alternativas, divisíveis, indivisíveis e solidárias é essencial para serem
tomadas decisões adequadas em situações de impossibilidade de prestação do
objeto ou de inadimplemento obrigacional.
Os desafios profissionais relacionados a esse tema incluem a necessidade de
interpretar corretamente a legislação aplicável e de compreender as nuances de
cada uma das classificações, a fim de aplicá-las de forma adequada e efetiva nos
casos concretos. Além disso, os profissionais precisam estar preparados para lidar
com situações em que há uma pluralidade de sujeitos na obrigação, o que pode
exigir habilidades de negociação e conciliação para alcançar um acordo satisfa-
tório para todas as partes envolvidas.
O profissional da área jurídica deve ter o domínio dos conceitos apresentados
neste tema, uma vez que a elaboração e interpretação de contratos, de acordos
e a análise destes faz parte de sua rotina. Além disso, a correta identificação da
natureza e dos elementos de determinada obrigação é, em muitos casos, deter-
minante para o desfecho correto de um litígio.

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VAMOS PRATICAR

1. “AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ACORDO HOMOLO-


GADO JUDICIALMENTE. OBRIGAÇÃO ALTERNATIVA. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. NE-
CESSIDADE DE INTIMAÇÃO DO DEVEDOR PARA ESCOLHER E CUMPRIR A PRESTAÇÃO.
ORÇAMENTO VÁLIDO. 1. O orçamento consiste em um documento que especifique os
serviços a serem realizados e os respectivos valores, sem exigência de maiores forma-
lidades. 2. Inexiste óbice para a homologação judicial de acordo extrajudicial firmado
pelas partes, contendo obrigação alternativa. 3. O prazo para o devedor escolher a
obrigação alternativa, tornando-a simples, e cumpri-la somente se inicia com a sua
intimação, nos termos do artigo 513, parágrafo 2º, e do artigo 800 do Código de Pro-
cesso Civil. 4. Agravo de Instrumento conhecido e parcialmente provido.”

DISTRITO FEDERAL. Acórdão na Apelação nº 0726291-63.2019.8.07.0000, Relator: Eustá-


quio de Castro. Data de Julgamento: 01/04/2020, 8ª Turma Cível. DJE de 04/05/2020.

O julgado anterior dispõe sobre a inexistência de impedimento para que as partes cele-
brem um acordo prevendo obrigações alternativas e dispõe que o prazo de escolha se
inicia após a intimação do devedor. Nesse sentido, o Código Civil prevê que, como regra,
na obrigação alternativa, a escolha compete ao:

a) Credor, podendo as partes indicarem um terceiro.


b) Devedor, podendo as partes indicarem um terceiro.
c) Credor, não podendo as partes indicarem um terceiro.
d) Devedor, não podendo as partes indicarem um terceiro.
e) Credor, podendo as partes indicarem um terceiro, sempre à escolha do credor.

2. “Pelo art. 254 do CC/2002, tornando-se totalmente impossível a obrigação alterna-


tiva (se nenhuma das prestações puder ser cumprida) por culpa genérica do devedor,
e não cabendo a escolha ao credor, deverá o primeiro arcar com a última prestação
pela qual se obrigou, sem prejuízo das perdas e danos. Na verdade, o comando legal
enuncia que o valor a ser levado em conta é o da prestação sobre a qual recaiu a con-
centração, havendo a determinação do objeto por tal ato. No caso de redução do objeto
obrigacional, nos termos do art. 253 do CC, o valor deverá estar relacionado com o da
prestação restante, ou do que ‘por último se impossibilitou’, mais uma vez sem prejuízo
da indenização cabível no caso concreto.”

TARTUCE, F. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 14. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2019. E-book.

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VAMOS PRATICAR

O texto de referência trata da situação em que a prestação se torna impossível por culpa
do devedor e a escolha cabe a ele. Diferentemente, ocorre quando a impossibilidade das
duas prestações se dá com culpa do devedor e a escolha cabe ao credor. Nesse último
caso, é correto afirmar que:

I - O credor poderá exigir o valor equivalente de qualquer uma das prestações, mais
perdas e danos.
II - O credor poderá exigir somente o valor equivalente da que se perdeu por último, mais
perdas e danos.
III - O credor poderá exigir somente o valor equivalente da que se perdeu primeiro, mais
perdas e danos.

É correto o que se afirma em:

a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.

3. “O Código atual seguiu a orientação do de 1916, dando uma definição de solidariedade.


Pode-se dizer que há solidariedade quando, na mesma obrigação, concorre pluralidade
de credores, cada um com direito à dívida toda, ou pluralidade de devedores, cada um
obrigado a ela por inteiro (Código Civil de 2002, arts. 264 e 265). Inscreve-se, assim,
o nosso direito no quadro dos sistemas que perfilham a noção tradicional, divulga-
da pelos mais autorizados mestres. Destaque-se que o princípio da solidariedade,
constitucionalmente estabelecido, não se confunde com a solidariedade do Direito
das Obrigações, mas, por óbvio, há intercomunicação entre eles, levando em conta a
necessidade do desenvolvimento social informado pelo vetor e valor máximo de tutela
à pessoa humana inserida no grupo real.”

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 93-94.

Considerando o texto motivador, que evidencia o caráter da divisão de direitos e deveres na


solidariedade obrigacional, caso um devedor venha a pagar a dívida solidária, no todo, ele:

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VAMOS PRATICAR

a) Nada poderá exigir dos demais devedores, uma vez que a responsabilidade é extinta
com o pagamento do débito e todos eles são obrigados pelo todo separadamente.
b) Se sub-rogará nos direitos do credor, podendo cobrar os demais devedores a obri-
gação inteira, na forma solidária, deduzindo dela apenas o montante que ele era
obrigado.
c) Apenas terá o direito de ser reembolsado pelos demais devedores, na proporção da
dívida inteira.
d) Apenas terá o direito de ser reembolsado pelos demais devedores, mas desconside-
rando a parte que ele já era obrigado, devendo esta ser deduzida.
e) Se sub-rogará nos direitos do credor, mas não poderá cobrar dos demais devedores
a obrigação inteira.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. DOU de 11/01/2002.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 7
ago. 2023.

FARIAS, C. C. de; ROSENVALD, N. Curso de Direito Civil: obrigações. 9. ed. São Paulo: Atlas,
2015.

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2017.

TARTUCE, F. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 14. ed. Rio de Ja-
neiro: Forense, 2019. E-book.

VENOSA, S. de S. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13.
ed. São Paulo: Atlas, 2013.

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

1. Opção B. O Código Civil, no art. 252, caput, do Código Civil, prevê que, em regra, a escolha
compete ao devedor. É possível que as partes, de comum acordo, escolham um terceiro
(art. 252, §4º, do Código Civil).

2. Opção A. O credor poderá exigir o valor equivalente de qualquer uma das prestações, mais
perdas e danos, conforme prevê o art. 255 do Código Civil. Por esse mesmo motivo, as
outras alternativas estão incorretas.

3. Opção B. O art. 259 do Código Civil prevê que o devedor que paga a dívida ou cumpre a
obrigação se sub-roga nos direitos do credor. Assim, ele poderá cobrar os demais deve-
dores a dívida inteira, em solidariedade, mas deverá deduzir da cobrança a quota pela
qual ele é obrigado. Por esse motivo, as demais alternativas estão incorretas.

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MEU ESPAÇO

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UNIDADE 3
TEMA DE APRENDIZAGEM 4

CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES


QUANTO À EXIGIBILIDADE E AO
CONTEÚDO

MINHAS METAS

Reconhecer as classificações das obrigações quanto à exigibilidade e ao conteúdo.

Compreender o conceito das obrigações de meio, de resultado e de garantia.

Conhecer a diferença entre as obrigações líquidas e as ilíquidas.

Analisar o regime das obrigações dependentes e das obrigações independentes.

Identificar a consequência da nulidade em uma obrigação independente em uma


obrigação independente.

Estudar as modalidades de obrigações propter rem e obrigações pessoais.

Analisar as consequências do inadimplemento da obrigação propter rem.

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UN I C ES UMA R

INICIE SUA JORNADA


As relações obrigacionais, dependendo do conteúdo a que elas se referem, são
normatizadas de maneiras diferentes e apresentam formas de exigência diferen-
tes. Se o número de possibilidades ao estabelecer um acordo é bastante diverso,
considerando as necessidades das partes, por evidente será bastante diversificado
ainda o universo de normatização das obrigações.
Ao avaliarmos uma dívida existente em um contrato e uma dívida que foi
contraída em função de um acidente, verificamos que o conteúdo patrimonial de
ambas é comum, mas a origem delas é bastante diversa. Essa origem diversa faz
surgir algumas questões que são relevantes, como, por exemplo, a partir de qual
momento se considera cada uma delas devida.
Em um contrato, sabemos que os valores e a periodicidade das prestações é
bem definido, diferentemente do que ocorre no caso do acidente, em que nem
sempre a extensão da obrigação é de imediato definida. Além disso, algumas
obrigações são capazes de gerar expectativas quanto ao seu cumprimento, como,
por exemplo, ocorre no caso do cirurgião-plástico, cuja expectativa do cliente é
que o resultado, de fato, seja embelezador.
Nesse cenário de diversidade de fontes obrigacionais, objetos e formas é que
o estudo da classificação das obrigações quanto ao conteúdo e a exigibilidade
ganha forma. Adiante, veremos melhor os pormenores dessa classificação e a
exemplificação prática de cada uma das formas abordadas.

VAMOS RECORDAR?
As obrigações podem ser simples, cumulativas ou alternativas. Se estivermos
diante de uma pluralidade de objetos, estaremos tratando de uma obrigação
cumulativa ou alternativa, a depender da opção que é conferida a alguma das
partes. Assista ao vídeo e rememore essa classificação. Recursos de mídia dis-
poníveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem.

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 4

DESENVOLVA SEU POTENCIAL

OBRIGAÇÕES DE MEIO, DE RESULTADO E DE GARANTIA

A classificação das obrigações quanto ao conteúdo, dividem-se em obrigações de


meio, de resultado e de garantia. Essa classificação não possui correspondência no
rol de classificações do Código Civil, resultado de uma construção doutrinária.

Obrigação de meio

A obrigação de meio, também chamada de obrigação de diligência, é aquela


na qual o devedor não se responsabiliza pelo resultado daquilo que ele se
obrigou. É uma espécie de obrigação em que esse devedor se compromete a
buscar um resultado, mas não se responsabiliza pelo seu alcance.


Infere-se daí que sua prestação não consiste em um resultado certo
e determinado a ser conseguido pelo obrigado, mas tão somente em
uma atividade prudente e diligente deste em benefício do credor.
Seu conteúdo é a própria atividade do devedor, ou seja, os meios
tendentes a produzir o escopo almejado, de maneira que a inexecu-
ção da obrigação se caracteriza pela omissão do devedor em tomar
certas precauções, sem se cogitar do resultado (DINIZ, 2023, p. 354).

Um exemplo de obrigação de meio é o contrato de prestação de serviços advo-


catícios, em que o advogado é contratado para representar um cliente em um
processo judicial. Nesse caso, o advogado tem a obrigação de utilizar todos os
seus conhecimentos e recursos disponíveis para defender os interesses do cliente
da melhor forma possível.
Essa obrigação, no entanto, não garante que o advogado ganhará o pro-
cesso ou obterá um resultado específico. A obrigação de meio significa que
o advogado deve agir com diligência, profissionalismo e cuidado razoável para
atender aos interesses do seu cliente, mas não o obriga a vencer a demanda.

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Se o advogado não apresentar todos os argumentos disponíveis, não investi-


gar completamente os fatos ou não comparecer a todas as audiências necessárias,
ele pode ser considerado negligente no desempenho de sua obrigação de meio.
Nesse caso, o advogado pode ser responsabilizado por qualquer dano causado
ao cliente, mas apenas se a negligência puder ser comprovada.

A P RO F UNDA NDO

Sobre a obrigação do advogado ser uma obrigação de meio, vale destacar o


julgado do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB Seccional de São Paulo:
TURMA DE ÉTICA PROFISSIONAL - COMPETÊNCIA - CASO CONCRETO E
DOCUMENTOS RELATIVOS A AÇÃO JUDICIAL - NÃO CONHECIMENTO - RELAÇÃO
CLIENTE ADVOGADO - OBRIGAÇÃO DE MEIO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS -
PARÂMETROS LEGAIS E ÉTICOS. (...). A relação cliente advogado tem natureza
contratual e se pauta pelo princípio da autonomia privada, que, no entanto, é
limitado pelas normas de ordem pública previstas no Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil e no Código de Ética e Disciplina, inaplicável o Código de
Defesa do Consumidor. O contrato de prestação de serviços advocatícios pode
ser escrito ou verbal. A obrigação do advogado é de meio e não de resultado. O
advogado somente responde civilmente perante o cliente por danos que a ele
causar nas hipóteses de inadimplemento ou adimplemento ruim, culposos ou
dolosos, dessa obrigação de meio. Dentre as obrigações do advogado está a de
prestar contas ao cliente, que decorre diretamente do mandato a ele outorgado.
(...).. (Proc. E-5.138/2018 - v.u., em 18/10/2018, do parecer e ementa do Rel.
Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI, Rev. Dr. GUILHERME MARTINS MALUFE,
Presidente Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI).
Veja, que, no caso acima, foram elencadas as obrigações do advogado em um
contrato de prestação de serviços advocatícios, dentre as quais não se encon-
tra a de ter êxito na demanda. A obrigação é a de buscar o êxito, utilizando todos
os meios necessários e legalmente aceitos para tanto, mas sem se comprome-
ter com o resultado que será obtido.

Os profissionais liberais, em geral, possuem obrigação de meio em relação


aos seus clientes, conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor
em seu artigo 14, 4º. Sendo assim, pelo menos de início, para se definir se
uma obrigação é de meio, é necessário avaliar qual é a obrigação assumida

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pelo profissional e o que é que se espera daquele tipo de serviço, indepen-


dentemente dos riscos são naturais.
Podemos citar a título de exemplo prático, do agente financeiro, que são
profissionais contratados para buscar as melhores opções de investimento
com potenciais de ganho. Perceba, estudante, que, nesse caso, o profissio-
nal buscará os melhores potenciais de ganho, o que não quer dizer que ele,
necessariamente, obterá esses ganhos.
Foi no julgamento do Recurso Especial de nº 799.241/RJ que o Superior Tri-
bunal de Justiça, em 14.08.2012, decidiu que não fica caracterizado defeito na
prestação do serviço por parte do gestor de negócios, o qual, não obstante,
remunerado pelo investidor para providenciar as aplicações mais rentáveis, não
assumiu obrigação de resultado, vinculando-se a lucro certo, mas obrigação de
meio, de bem gerir o investimento, visando à tentativa de máxima obtenção de
lucro. Em outras palavras, no caso de prejuízo, não haverá, pelo gestor de negó-
cios, a obrigação de indenizar o seu cliente.
No caso dos médicos, notoriamente profissionais liberais, a responsabilidade
pode ser tanto de meio quanto de resultado, classificação que veremos adiante. Os
casos em que a obrigação do médico é de meio são aqueles em que o tratamento
proposto, pelas circunstâncias, não gera uma legítima expectativa de resultado
certo. Em geral, a maioria dos tratamentos impõe uma obrigação de meio, sendo
as exceções mais clássicas aquelas relacionadas a procedimentos estéticos, como
veremos melhor adiante.

Obrigação de resultado

Na obrigação de resultado, o devedor se compromete com a entrega do resultado


oferecido ao credor de maneira prévia. Tartuce (2019, n. p.) ensina que “aqueles
que assumem obrigação de resultado respondem independentemente de culpa
(responsabilidade civil objetiva) ou por culpa presumida”.

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ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

Quando estudamos a responsabilidade civil, que é uma fonte de obrigações, nos


deparamos com dois importantíssimos conceitos, o da responsabilidade civil ob-
jetiva e o da responsabilidade civil subjetiva.
Por responsabilidade civil objetiva, entende-se que o vínculo obrigacional, em um
ato ilícito, surgirá independentemente da vontade do ofensor. Assim, no caso de
um dano cometido por alguém em face de outrem, não será avaliado no caso
concreto se o ofensor agiu com negligência, imprudência, imperícia ou dolo.
O mais clássico exemplo de responsabilidade civil objetiva é o das relações de
consumo. Quando algum produto possui defeito e esse defeito gera danos ao
consumidor, a obrigação, o dever de indenizar, surgirá independentemente da
análise se o fornecedor quis causar aquele dano ou se com ele, de alguma for-
ma, contribuiu.
Por outro lado, na responsabilidade civil subjetiva é importante analisar a presença
da culpa genérica, se o ofensor agiu com negligência, imprudência, imperícia ou
com dolo. Como vimos anteriormente, a responsabilidade civil do advogado com
relação ao seu cliente é subjetiva, pois somente haverá a obrigação de indenizar
caso comprovada a culpa do advogado no dano ocorrido ao cliente.

Como exemplos de profissionais que assumem obrigações de resultado, temos o


transportador, o médico-cirurgião plástico estético e o dentista estético. Esses profis-
sionais, pela própria atividade que desempenham, têm sobre si o ônus de entregar o
resultado prometido, sob pena de inadimplemento da obrigação e dever de indenizar.
No caso do contrato de transporte, temos as disposições dos arts. 734, caput,
e 735 do Código Civil, que estabelecem que a obrigação do transportador é a
de levar o passageiro em segurança até o destino, de modo que ele não se exime
da responsabilidade por danos nem mesmo se estes tiverem sido causados por
terceiros. No caso de danos causados por terceiros, quem responde perante o
passageiro é o transportador e, só então, em ação regressiva, ele poderá respon-
sabilizar o verdadeiro causador do dano.
Essa obrigação de resultado, no entanto, deve estar relacionada aos fins a
que o contrato se dirige. Assim, se estivermos diante de uma situação em que o
dano ocorre de maneira ligada ao transporte, como, por exemplo, um acidente

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automobilístico, é evidente que tal se relaciona perfeitamente com o serviço e, por


isso, a responsabilidade do transportador existirá. De outro lado, se estivermos
diante de um acontecimento totalmente fora da esfera do contrato, um evento
inesperado, não haverá a responsabilidade.
Para ilustrar a situação, reportemos ao julgado no Recurso Especial nº
1.833.722/SP, julgado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, de
relatoria do Ministro Raul Araújo (DJe de 15/03/2021).
O caso analisado foi um em que uma passageira foi vítima de importunação
sexual, por três indivíduos enquanto transitava pela estação de trem. Após o
ocorrido, a passageira, invocando a responsabilidade do transportador, moveu
uma ação contra a transportadora (administradora da estação), alegando que a
obrigação do transportador
é de resultado e, por isso, ele
deve ser responsabilizado
pelos danos ocorridos no
contexto do contrato de
transporte.
Ao analisar o caso, a Se-
gunda Seção do Superior
Tribunal de Justiça salientou
que, de fato, “a responsabili-
dade decorrente do contrato
de transporte de pessoas é
objetiva, sendo obrigação do
transportador a reparação
do dano causado ao passa-
geiro quando demonstrado
o nexo causal entre a lesão e a prestação do serviço, pois o contrato de transporte
acarreta para o transportador a assunção de obrigação de resultado” (BRASIL,
2021, n. p.). Porém, no caso em análise, o fato de ser a obrigação de resultado não
atrai a responsabilidade do transportador por todo e qualquer tipo de evento,
pois deve haver uma relação minimamente direta com os serviços de transporte.

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Além da hipótese do contrato de transporte, temos ainda os casos envolvendo


a atuação médica e odontológica, as quais, sem dúvidas, são as maiores causas
de litígio. Nos casos desses profissionais, a obrigação será de resultado quando
existir uma legítima expectativa da entrega do resultado anunciado, como os ciru-
rgiões plásticos estéticos e dos dentistas estéticos.

Assim sendo, no caso da execução de uma cirurgia plástica estética ou de um


tratamento odontológico com a finalidade embelezadora, caso não seja entre-
gue o resultado prometido, o que se dá com a melhora na aparência do cliente,
tais profissionais ficam obrigados ao ressarcimento dos valores pagos e, ainda, à
reparação de eventuais danos. Vejamos um exemplo em que o Superior Tribunal
de Justiça reafirmou essa posição:


AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS
MORAIS E MATERIAIS. ERRO MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA
EMBELEZADORA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. SÚMULA 83/
STJ. POSSIBILIDADE DE O PROFISSIONAL DE SAÚDE ELIDIR
SUA CULPA MEDIANTE PROVA. PERÍCIA QUE COMPROVA
O NEXO DE CAUSALIDADE. REEXAME DE PROVAS. ANÁLISE
OBSTADA PELA SÚMULA 7/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO
FIXADO COM RAZOABILIDADE. RECURSO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. 1. De acordo com vasta doutrina e jurisprudência,
a cirurgia plástica estética é obrigação de resultado, uma vez que o
objetivo do paciente é justamente melhorar sua aparência, compro-
metendo-se o cirurgião a proporcionar-lhe o resultado pretendido.
(...). 4. No caso vertente, verifica-se que o Tribunal de origem arbitra o
quantum indenizatório em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), pelos
danos morais que a recorrida experimentou em decorrência do erro
médico produzido pelo recorrente, que além de ter contrariado as
expectativas da paciente com os resultados alcançados na cirurgia
íntima de natureza estética a que foi submetida, gerou-lhe prejuízos
em sua saúde. 5. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg nos
EDcl no AREsp: 328110 RS 2013/0110013-4, Relator: Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/09/2013, T4 - QUARTA
TURMA, Data de Publicação: DJe 25/09/2013).

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Neste ponto, é importante ressaltarmos que o cirurgião reparador detém a obri-


gação de meio e não de resultado. Há casos em que a cirurgia plástica não tem
a finalidade embelezadora, mas, sim, reparadora, hipótese em que a obrigação é
de meio e não de resultado.
Por fim, há ainda os casos em que tais procedimentos detém dupla finalidade,
tanto reparadora quanto embelezadora. Nessas situações, haverá as duas modali-
dades de obrigação, tanto a de meio quanto a de resultado, devendo a análise da
responsabilidade ocorrer de forma fracionada.


Este Superior Tribunal já se manifestou acerca da relação médico-pa-
ciente, concluindo tratar-se de obrigação de meio, e não de resultado,
salvo na hipótese de cirurgias estéticas. No entanto, no caso, trata-se
de cirurgia de natureza mista – estética e reparadora – em que a res-
ponsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser
analisada de forma fracionada, conforme cada finalidade da inter-
venção. Em uma cirurgia assim, a responsabilidade do médico será
de resultado em relação à parte estética da intervenção e de meio em
relação à sua parte reparadora. A Turma, com essas e outras conside-
rações, negou provimento ao recurso” (BRASIL, 2011, n. p.).

Obrigação de garantia

A obrigação de garantia é aquela em que alguém assume uma obrigação para


garantir o cumprimento de outra. Conforme ensina Nader (2016, p. 86), nas obri-
gações de garantia, a finalidade é a atenuação de riscos do credor, pois elas se
destinam a assegurar o cumprimento da obrigação principal.
A fiança, por exemplo, conhecida como uma caução fidejussória, é um con-
trato em que uma pessoa garante a dívida de um terceiro perante um credor (art.
818 do Código Civil). Nesse caso, o fiador não é, a princípio, o devedor principal
da obrigação, mas será chamado a cumpri-la caso o devedor não o faça.
Essa convocação do fiador, como regra, ocorre de maneira subsidiária (art.
827, caput, do Código Civil). Assim, ele tem o direito de exigir que primeiro sejam
executados os bens do devedor para, só então, ele ser demandado pela dívida.

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É importante compreendermos que, na prática, a maioria dos contratos de fiança


dispensam esse benefício dado ao fiador, conhecido como benefício de ordem.
Nesses casos, o fiador e o devedor principal são demandados para o pagamento
da dívida de maneira simultânea, o que é legal e, inclusive, previsto no art. 828, I,
do Código Civil.

Por fim, aquele que paga uma dívida em função de uma obrigação de garantia
terá o direito de demandar a pessoa que teve a garantia em seu benefício.
Para ilustrar a situação, imagine que Maria fez um empréstimo pessoal em
uma instituição financeira, no valor de R$ 50.000,00. Como garantia, João, o
seu irmão, figurou no contrato como fiador, tendo sido prevista a dispensa do
benefício de ordem.
Maria, passando por dificuldades financeiras, não adimpliu com o débito,
de modo que a instituição financeira ajuizou uma ação de cobrança. Nesse caso,
como João renunciou ao benefício de ordem, ele e Maria poderão ser, simulta-
neamente, réus na ação de cobrança.
No nosso exemplo, caso João pague pela dívida, ele assumirá a posição de
credor de Maria e poderá cobrar a dívida dela. Isso ocorre porque o garantidor da
dívida se sub-roga nos direitos do credor, assumindo a posição dele, caso pague
a dívida contraída em benefício exclusivamente do devedor principal.

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OBRIGAÇÕES LÍQUIDAS E ILÍQUIDAS

A liquidez e a iliquidez de uma obrigação estão relacionadas à definição


exata do valor devido. Há casos em que se sabe que algo é devido, mas não se
tem a exatidão do montante, e há outros casos em que se sabe exatamente qual
o objeto devido e qual o montante da obrigação.

Obrigações líquidas

A obrigação líquida é aquela em que se possui certeza quanto à existência e ao


valor da obrigação. “Nela se encontram especificadas, de modo expresso, a quan-
tidade, a qualidade e a natureza do objeto devido” (TARTUCE, 2019, n. p.).

Como na obrigação líquida já se sabe o valor devido, o descumprimento dela na


data acordada, ou seja, em seu termo, é o suficiente para caracterizar a mora do
devedor e todos os seus efeitos (art. 397, caput, do Código Civil). Assim sendo, o
devedor é considerado inadimplente de imediato, incidindo-se os juros, a correção
monetária e eventuais perdas e danos já a partir da data do vencimento.

Retomando o exemplo anterior, Maria realizou um empréstimo pessoal no valor


de R$ 50.000,00, caracterizando uma obrigação líquida. Isso porque já se sabe o
objeto da obrigação, o pagamento em dinheiro, e já se sabe a extensão, o mon-
tante, o valor das prestações mensais que a devedora terá de pagar, bem como já
é conhecida a data do vencimento de cada uma das parcelas.
É interessante ressaltar que alguns benefícios processuais surgem para o cre-
dor quando se está diante de uma obrigação líquida. Isso porque a obrigação
líquida, dotada de certeza e exigibilidade, isto é, definição exata do valor, da data
do vencimento e sem vícios, autoriza que o credor já promova a execução de título
extrajudicial, um procedimento processual no qual o devedor é citado e intimado
já para o pagamento, em vez de ser chamado para o processo para apresentar
defesa, produzir provas e aguardar uma sentença.

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AP RO F U NDA NDO

As obrigações líquidas, certas e exigíveis que autorizam o procedimento de ex-


ecução de título extrajudicial são aquelas constantes de algum dos documen-
tos do rol do art. 784 do Código de Processo Civil. Desse rol, podemos destacar
os mais populares, sendo os títulos de crédito (cheque, nota promissória e du-
plicata mercantil, por exemplo), o contrato acompanhado de assinatura de duas
testemunhas e o contrato garantido por caução ou por hipoteca.
Nesses casos, conforme já mencionado anteriormente, o credor não precisará
ajuizar uma ação de cobrança para provar que o crédito existe e que a dívida é
devida, embora ele possa, caso queira. Ele poderá diretamente requerer a ordem
para que o devedor pague o débito, no prazo conferido pela lei, representando
um inegável ganho de tempo.

Por fim, é importante mencionar que a necessidade de cálculo da dívida não retira
dela a característica de uma obrigação líquida. No exemplo do empréstimo, em que a
obrigação foi contraída em prestações e, sem dúvidas, é acompanhada de juros, multa
e correção monetária, é evidente que haverá a necessidade de se realizar um cálculo
do montante devido, mas essa simples necessidade não torna a dívida ilíquida.

Obrigações ilíquidas

A obrigação ilíquida é aquela incerta quanto à existência e indeterminada quanto


ao conteúdo e valor (TARTUCE, 2019, n. p.). Dessa forma, deverá haver um
procedimento de apuração para se definir a exatidão do objeto da obrigação,
o que se dá mediante um processo judicial denominado ação de conhecimento.
Imagine que Jorge e Renato realizaram um contrato de compromisso de com-
pra e venda de um bem imóvel, cujo pagamento ficou acordado em prestações.
Jorge, o promitente-comprador, após a assinatura do contrato, já passou a exercer
a posse sobre o imóvel, ao que deixou de realizar o pagamento das prestações.
Após alguns meses de inadimplemento, Renato constatou, ainda, que foram
causados diversos danos ao imóvel, não sendo suficiente somente a retomada do
bem para o seu patrimônio. Além disso, Renato não tem somente o interesse na

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retomada do bem e na restituição dos valores a Jorge, pois deve ser considerado,
ainda, o período em que o devedor habitou o imóvel e este período deve ser
indenizado na forma de aluguel pela fruição do bem.

Perceba que existem diversas quantias a serem pagas e obrigações derivadas


dessa relação contratual. Assim, estamos diante de obrigações ilíquidas, de modo
que Renato deverá ajuizar uma ação de conhecimento contra Jorge a fim de re-
solver o contrato e apurar todos os valores devidos, dentre os quais podemos
destacar as indenizações pela deterioração do imóvel e pela fruição do bem, além
de eventual multa contratual, de juros de mora, enfim, diversas cifras que deman-
dam apuração.

A legislação prevê que, ao encerrar um processo de conhecimento, a sentença de-


verá ser proferida na forma líquida. Assim, o juiz, preferencialmente, já proferirá
uma sentença definindo a exatidão das obrigações e dos montantes devidos, já
constando a existência de alguma obrigação de fazer ou de não fazer, bem como
a obrigação de pagar a quantia certa e o valor dessa quantia.
Nem sempre, contudo, tal é possível, pois há a necessidade de apuração de
valores mediante procedimentos específicos. No caso desse imóvel, no exemplo
anterior, é bastante comum que se entenda pela necessidade de uma avaliação
por perito, a fim de verificar, por um engenheiro, quais foram os danos causados
ao imóvel e qual o valor de reparo destes.

Esses procedimentos de liquidação, após a sentença no processo, estão regulam-


entados nos arts. 509 a 512 do Código de Processo Civil.

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O art. 509, caput, do CPC, prevê que, quando a sentença condenar ao pagamento
de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do credor ou
do devedor. Veja que, após uma ação de conhecimento, em que foram definidas
as obrigações do devedor, mas sem a exata definição do cálculo, é a sentença que
servirá como o título que materializa esse débito e ele precisará ser liquidado.
Quando estamos diante de um título de crédito, uma nota promissória, por
exemplo, já é bem simples sabermos quem é o credor, quem é o devedor, qual é o
objeto e o valor devidos. Porém, há casos em que a obrigação não é materializada
em um título, mas, sim, em um fato jurídico, como na obrigação derivada do ato
ilícito, conforme já explicado anteriormente.

VOCÊ SABE RESPONDER?


Se alguém pratica um ato ilícito contra outra pessoa, esse ato ilícito gera a
obrigação que é a de indenizar pelos danos causados. Nesse caso, estamos
diante de uma obrigação, mas qual é o título que materializa essa obrigação?

As espécies de procedimentos de liquidação da obrigação definida em sentença


são três, sendo eles a liquidação por cálculo aritmético (art. 509, §2º, do CPC),
a liquidação, a liquidação por arbitramento (art. 509, I, do CPC) e a liquidação
pelo procedimento comum (art. 509, II, do CPC). O que definirá qual é o proce-
dimento a ser utilizado é a necessidade de produção de provas ou não.
Se estamos diante de uma situação em que a sentença definiu valores da
obrigação e a necessidade é de tão somente a realização de cálculos matemáticos
(por exemplo, uma sentença condena o devedor ao pagamento de prestações de
um financiamento não pagas, evidentemente são necessários cálculos de atua-
lização dessas prestações, com a incidência dos juros, da correção monetária e,
eventualmente, da multa contratual), será o caso de liquidação por cálculo arit-
mético. Nesse caso, a parte interessada tão somente fará uma planilha de débitos
que especifique detalhadamente o cálculo.

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O segundo procedimento, o da liquidação por arbitramento, é aquele em que


o objeto e o valor da obrigação será definido com o auxílio de pareceres, de
documentos elucidativos e, eventualmente, por perícia. É a hipótese em que a
obrigação surgiu e não produziu maiores efeitos, sendo suficiente a apresentação
de documentos para se fixar um valor devido.
Imagine a hipótese em que uma obra de arte de uma pessoa é destruída por
outra. Nesse caso, já houve a destruição da obra e a sentença condenará o cau-
sador do dano ao pagamento do equivalente ao valor da obra. Porém, como se
sabe, esse tipo de objeto demanda uma certa avaliação, que pode ser feita pelo
próprio juiz com o auxílio dos documentos apresentados pelas partes ou, ainda,
por um perito nomeado para tanto.
Veja que a definição da exatidão do valor da obrigação será feito de forma
mais simples. O arbitramento pode ocorrer inclusive na própria sentença, caso
os documentos constantes dos autos sejam suficientes para tanto, porém, se não,
após a sentença, as partes apresentarão os seus pareceres e, com base neles, o juiz
arbitrará o valor da obrigação/condenação.

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Por fim, temos a liquidação pelo procedimento comum, também chamada de


liquidação por artigos. Esse tipo de liquidação é necessário quando a obrigação se
protrai no tempo e haverá a necessidade de que as partes promovam um debate
sobre a extensão da obrigação.
Para ilustrar a situação, pense na hipótese em que a ação é de reparação de da-
nos por acidente automobilístico. Durante o processo, o devedor, que seria quem
sofreu os danos, continuou a ter despesas e a sofrer os danos desse ato ilícito.
Dessa forma, para se
definir o valor dessa obri-
gação, após a sentença, as
partes promoverão um de-
bate exclusivamente sobre
a extensão do dano e sobre
os valores. Já se sabe quem é
o devedor, pois na sentença
foi definido que o causador
do ilícito, por exemplo, é o
réu, o que será definido ago-
ra é tão somente a extensão
da obrigação e os valores a
serem indenizados.

A diferença entre a liquidação por arbitramento e a liquidação pelo procedimento


comum é bem sutil. O que definirá se será uma hipótese ou a outra é, justamente,
a existência de danos surgindo ao longo do processo que demandem debate so-
bre a quantificação destes, sem, contudo, modificar que o devedor é o devedor e
o credor é o credor.

OBRIGAÇÕES DEPENDENTES E INDEPENDENTES

Há obrigações que estão atreladas a outras, como na fiança, que não existirá sem
a obrigação a que ela garante. Há, contudo, obrigações que não dependem de
outra para existirem. Essa dicotomia dá origem à classificação das obrigações
em principal e em acessória.

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Obrigações principais

A obrigação principal não possui dependência em outra,“é aquela que independe


de qualquer outra para ter existência, validade ou eficácia” (TARTUCE, 2019, n.
p.). Assim, ela produz efeitos independentemente de quaisquer vícios em outras
obrigações, mesmo porque não está subordinada a nenhuma outra.
Um exemplo desse tipo de obrigação é aquela assumida em um contrato de
empréstimo simples, sem nenhuma garantia. Nesse contrato, chamado de mútuo,
a obrigação do devedor é a de pagar pela coisa tomada em empréstimo, simples-
mente, e não há, no nosso exemplo, outra obrigação que vá subordinar os efeitos
do mútuo a qualquer outra ocorrência.

Obrigações acessórias

As obrigações acessórias, por outro lado, são aquelas contraídas em razão de


outra e a essa outra tem os seus requisitos de existência, de validade e de eficácia
subordinados. Essa subordinação é importante porque os vícios que porventura
existam na obrigação a qual ela está subordinada vão incidir efeitos nela, o que
chamamos de “princípio da gravitação jurídica”
Venosa (2013, p. 120) leciona que:


[...] há obrigações que nascem e existem por si mesmas, indepen-
dentes. Há outras que surgem unicamente para se agregar a outras,
isto é, são obrigações acessórias. Sua existência está na razão de ser
da obrigação principal e em torno dela gravitam.

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Imaginemos um contrato de fiança, em que o fiador, um terceiro, presta uma


garantia no cumprimento de uma obrigação principal (suponhamos que num
contrato de mútuo/empréstimo). Nesse caso, o contrato de fiança é uma obriga-
ção acessória e só existe em razão desse contrato de mútuo.
Caso esse contrato de mútuo seja declarado nulo em razão de algum vício,
por exemplo, se o empréstimo foi contraído mediante fraude, a fiança também
será declarada nula. Veja, estudante, que os requisitos de existência, de validade
e de eficácia ficam subordinados ao contrato principal.
O contrário, no entanto, é falso. Caso seja constatado algum vício somente
no contrato de fiança e seja ele declarado nulo, tal não é suficiente para a decla-
ração de nulidade do contrato de mútuo, que, por ser o principal, como vimos
anteriormente, não é subordinado a nenhum outro.

OBRIGAÇÕES PROPTER REM E OBRIGAÇÕES PESSOAIS

Uma última distinção se faz necessária em razão da sua importância prática,


sendo a definição das obrigações propter rem e das obrigações pessoais.

Obrigações propter rem

A obrigação propter rem é aquela que está atrelada a uma coisa, relacionada a um
bem móvel ou a um bem imóvel.
Imagine o caso de uma dívida de Imposto sobre a Propriedade Predial e
Territorial Urbana (IPTU). Esse tipo de obrigação está estritamente vinculada
à propriedade, ao bem imóvel. Assim, independentemente de quem seja o pro-
prietário desse imóvel, a dívida existirá sobre ele e a alteração dessa propriedade
não altera a responsabilidade pelo pagamento do débito.
Para exemplificar, imagine que João adquiriu um bem imóvel de Rosana, no
ano de 2021. Posteriormente, João descobriu que, sobre o imóvel, pendem dívidas
de IPTU desde o ano de 2015, as quais não foram pagas por Rosana enquanto ela
ainda era a proprietária do bem.

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VOCÊ SABE RESPONDER?


Nesse caso, João poderá procurar a prefeitura do município para transferir a
dívida de IPTU para o nome de Rosana? O imóvel poderá ser leiloado, mesmo
após alienado por Rosana, para o pagamento da dívida?

Como o IPTU é um clássico exemplo de obrigação propter rem, independente-


mente da propriedade ter sido transferida ainda na pendência de tal obrigação,
João deverá realizar o pagamento do IPTU. Inclusive, o próprio imóvel fica sujeito
a uma execução, para posteriormente ser leiloado e quitada a dívida do imposto
em questão. Veja que o débito acompanha o bem, o imóvel, independentemente
da pessoa que detinha a sua propriedade na época da incidência do imposto, tudo
isso conforme o disposto nos arts. 130 e 131, I, do Código Tributário Nacional.

Obrigações pessoais

Por fim, as obrigações pessoais são aquelas vinculadas ao sujeito, e não ao


bem. Para se estabelecer um bom contraponto com a classificação anterior,
basta imaginar as despesas de consumo de serviços prestados aos residentes
de uma propriedade, como a despesa com tratamento e distribuição de água
e, ainda, a despesa com energia elétrica.
Imagine a situação em que um proprietário se mudou de um imóvel e deixou
pendentes mais de R$ 500,00 de dívida de consumo de água, cuja distribuição,
em função do inadimplemento, foi interrompida. O novo proprietário, nesse
caso, deverá requerer a alteração da titularidade da conta de consumo de água e
solicitar a retomada da prestação dos serviços e, nessa hipótese, a concessionária
do serviço de tratamento de água deverá buscar o adimplemento desse débito
contra a pessoa que efetivamente consumiu os serviços, por se tratar de uma
dívida de caráter pessoal.
Vejamos, a propósito, um trecho de acórdão em que o Superior Tribunal de
Justiça elucidou a questão:

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[…] a jurisprudência deste Superior Tribunal consolidou no enten-
dimento de que, independentemente da natureza da obrigação (se
pessoal ou propter rem), o inadimplemento é do usuário, ou seja,
de quem efetivamente obteve a prestação do serviço, pois não cabe
responsabilizar o atual usuário ou proprietário por débito pretérito
relativo ao consumo de energia de usuário anterior. […] No caso,
independentemente da natureza da obrigação (se pessoal ou propter
rem), não cabe a suspensão do fornecimento de água por se tratar
de débito consolidado. Ou seja, o novo proprietário do imóvel está
sendo privado do fornecimento em razão de dívida pretérita do an-
tigo morador, hipótese que não encontra albergue na jurisprudência
do STJ. […]. Ambas as turmas da Primeira Seção concluíram que
o art. 6º, § 3º, II, da Lei n. 8.987/95 refere-se ao inadimplemento do
usuário, ou seja, do efetivo consumidor do serviço. Inviável, portan-
to, responsabilizar o atual usuário por débito pretérito relativo ao
consumo de água do anterior (BRASIL, 2014, n. p.).

Como se vê, no exemplo anterior, a concessionária do serviço de energia elétrica


buscava a responsabilização do atual proprietário do imóvel por dívidas de con-
sumo de energia deixadas pelo antigo proprietário. Assim, em razão do caráter
pessoal dessa obrigação, foi concluído pela impossibilidade de tal responsabilida-
de do atual proprietário, devendo a concessionária buscar a execução dessa dívida
perante o consumidor que efetivamente consumiu os serviços e restabelecer a
distribuição de energia para o atual proprietário do bem.

NOVOS DESAFIOS
O estudo das classificações das obrigações é de extrema importância para o en-
tendimento do direito civil na totalidade, pois permite que se compreenda as
particularidades de cada tipo de obrigação e suas implicações práticas nas re-
lações jurídicas. Saber identificar se uma obrigação é de meio, de resultado ou
de garantia, por exemplo, é fundamental para determinar as responsabilidades
de cada parte envolvida em um contrato ou acordo. Além disso, a compreensão

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 4

das categorias de obrigações principais e acessórias, bem como das obrigações


propter rem e pessoais, é essencial para a aplicação correta do direito civil em
diversas situações práticas, como, por exemplo, a possibilidade da responsabili-
zação de um atual proprietário de um bem por dívidas pendentes nele ou, ainda,
em serviços que foram usufruídos neste mesmo bem pelo proprietário anterior.
Em resumo, o estudo dessas informações permite que os profissionais do direito
tenham uma visão mais ampla e precisa das relações jurídicas que envolvem
obrigações, o que é fundamental para a resolução de conflitos e a proteção dos
direitos das partes envolvidas.

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VAMOS PRATICAR

1. “TURMA DE ÉTICA PROFISSIONAL - COMPETÊNCIA - CASO CONCRETO E DOCUMENTOS


RELATIVOS A AÇÃO JUDICIAL - NÃO CONHECIMENTO - RELAÇÃO CLIENTE ADVOGADO
- OBRIGAÇÃO DE MEIO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - PAR METROS LEGAIS E ÉTICOS.
O TED I não cuida do exame específico de documentos de ações judiciais trazidos por
consulentes e não tem competência para exame de casos concretos. Conhecimento
parcial. Exame apenas em tese. A relação cliente advogado tem natureza contratual e
se pauta pelo princípio da autonomia privada, que, no entanto, é limitado pelas normas
de ordem pública previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e no Código
de Ética e Disciplina, inaplicável o Código de Defesa do Consumidor. O contrato de
prestação de serviços advocatícios pode ser escrito ou verbal. A obrigação do advo-
gado é de meio e não de resultado. O advogado somente responde civilmente perante
o cliente por danos que a ele causar nas hipóteses de inadimplemento ou adimple-
mento ruim, culposos ou dolosos, dessa obrigação de meio. Dentre as obrigações do
advogado está a de prestar contas ao cliente, que decorre diretamente do mandato a
ele outorgado. Os honorários advocatícios, salvo nas hipóteses em que condicionados
ao êxito ou “quota litis”, são devidos independentemente do resultado da demanda.
A revogação do mandato, a renúncia e o substabelecimento, sem reserva de iguais
poderes, não retiram do advogado o direito aos honorários (contratados, arbitrados
ou de sucumbência), proporcionalmente ao trabalho efetivado.”

SÃO PAULO, Processo E-5.138/2018. São Paulo: Tribunal de Ética e Disciplina da OAB
São Paulo. Relator: Dr. Fábio de Souza Ramacciotti. Julgado em 18/10/2018.

Sobre a obrigação do advogado, conforme o texto base anterior, é correto afirmar que:

a) O advogado não responde civilmente perante o cliente por danos nas hipóteses de
inadimplemento ou adimplemento ruim.
b) O que caracteriza uma obrigação de meio é o emprego dos meios necessários à
obtenção do resultado, não sendo o caso do contrato de prestação de serviços ad-
vocatícios.
c) O advogado, como essencial à administração da justiça, se compromete com o seu
cliente à entrega do resultado prometido, podendo ser responsabilizado pelo insu-
cesso na demanda.
d) A obrigação de prestar contas ao cliente está inserida dentro do contexto da obrigação
de meio que esse tipo de profissional assume.
e) O advogado responde civilmente perante o cliente por danos que a ele causar nas
hipóteses de inadimplemento ou adimplemento ruim, bem como na hipótese de jul-
gamento desfavorável ao cliente.

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VAMOS PRATICAR

2. “[…] a jurisprudência deste Superior Tribunal consolidou no entendimento de que, in-


dependentemente da natureza da obrigação (se pessoal ou propter rem), o inadim-
plemento é do usuário, ou seja, de quem efetivamente obteve a prestação do serviço,
pois não cabe responsabilizar o atual usuário ou proprietário por débito pretérito re-
lativo ao consumo de energia de usuário anterior. […]. No caso, independentemente
da natureza da obrigação (se pessoal ou propter rem), não cabe a suspensão do for-
necimento de água por se tratar de débito consolidado. Ou seja, o novo proprietário
do imóvel está sendo privado do fornecimento em razão de dívida pretérita do antigo
morador, hipótese que não encontra albergue na jurisprudência do STJ. […]. Ambas as
turmas da Primeira Seção concluíram que o art. 6º, § 3º, II, da Lei n. 8.987/95 refere-se
ao inadimplemento do usuário, ou seja, do efetivo consumidor do serviço. Inviável,
portanto, responsabilizar o atual usuário por débito pretérito relativo ao consumo de
água do anterior.”

BRASIL. Agravo no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 79.746/MG.


Brasília: Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, Ministro Arnaldo Esteves Lima,
DJe de 25/06/2014.

Quanto à classificação das obrigações em obrigações pessoais e propter rem, tendo


como base o texto anterior, é incorreto afirmar que:

a) A dívida de IPTU é uma hipótese de obrigação pessoal, podendo ser transferida para
o nome do proprietário anterior do bem que deixou de pagá-la.
b) A dívida de consumo de energia é uma dívida pessoal, não cabendo responsabilizar o
atual proprietário do imóvel em que localizada a instalação de energia pelos débitos
pretéritos.
c) A dívida de IPTU é uma hipótese de obrigação propter rem, isto é, independentemente
do atual proprietário do bem, a obrigação continuará atrelada ao imóvel.
d) O novo proprietário do imóvel não pode ser privado do serviço de distribuição de
energia elétrica em razão dos débitos deixados pelo proprietário anterior.
e) Como exemplo de obrigação propter rem, tem-se o IPTU, e como exemplo de obri-
gação pessoal, tem-se a dívida de consumo de energia elétrica.

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REFERÊNCIAS

3. “A noção de acessório e principal já nos foi dada pelo art. 92: ‘Principal é a coisa que
existe sobre si, abstrata ou concretamente. Acessória, aquela cuja existência supõe
a da principal’. Completava ainda o art. 59 do Código de 1916: ‘Salvo disposição espe-
cial em contrário, a coisa acessória segue a principal’. Transporta-se o princípio para
as obrigações. Há obrigações que nascem e existem por si mesmas, independentes.
Há outras que surgem unicamente para se agregar a outras, isto é, são obrigações
acessórias. Sua existência está na razão de ser da obrigação principal e em tomo dela
gravitam. O caráter de acessório e principal pode emanar da vontade das partes ou da
lei. Pode a obrigação acessória surgir concomitantemente com a principal ou poste-
riormente. Podem estar presentes no mesmo instrumento ou em instrumento diverso.”

VENOSA, S. de S. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos.
13. ed. São Paulo: Atlas, 2013. E-book.

Conforme a classificação das obrigações em acessórias e principais, é correto afirmar que:

I - A obrigação principal nasce e existe por si mesma, independentemente de outra


obrigação.
II - A obrigação acessória nunca depende da sorte da obrigação principal, pois podem
ser fracionadas.
III - A obrigação principal surge para agregar as obrigações acessórias.
IV - A obrigação acessória surgirá, sempre, concomitantemente com a principal.

É correto o que se afirma em:

a) I, apenas.
b) II e IV, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) I, II, III e IV.

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REFERÊNCIAS

BRASIL, Acórdão no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo em Recurso


Especial nº 328.110/RS, Brasília: Superior Tribunal de Justiça, Quarta Turma, Relator Ministro
Luís Felipe Salomão, DJe de 25/09/2013.
BRASIL, Acórdão no Recurso Especial nº 799.241/RJ, Brasília: Superior Tribunal de Justiça,
Quarta Turma, Relator Ministro Raul Araújo, DJe de 26/02/2013.
BRASIL, Acórdão no Recurso Especial nº 1.097.955/MG, Brasília: Superior Tribunal de Justiça,
Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe de 27/09/2011.
BRASIL, Acórdão no Recurso Especial nº 1.833.722/SP, Brasília: Superior Tribunal de Justiça,
Segunda Seção, Relator Ministro Raul Araújo, DJe de 15/03/2021.
BRASIL, Agravo no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 79.746/MG, Bra-
sília: Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe de
25/06/2014.
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional
e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. DOU
de 27/10/1966. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.
htm. Acesso em: 7 ago. 2023.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. DOU de 11/01/2002.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 7
ago. 2023.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. DOU de 17/03/2015.
Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.
Acesso em 7 ago. 2023.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. DOU de 11/01/2002.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 7
ago. 2023.
DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral das obrigações. 38.ed. São Paulo:
Saraiva, 2023.
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
SÃO PAULO. Processo E-5.138/2018, São Paulo: Tribunal de Ética e Disciplina da OAB São
Paulo. Relator: Dr. Fábio de Souza Ramacciotti, Julgado em 18/10/2018.
TARTUCE, F. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 14. ed. Rio de Ja-
neiro: Forense, 2019. E-book.
VENOSA, S. de S. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13.
ed. São Paulo: Atlas, 2013.

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

1. Opção D. A obrigação do advogado é de meio e, dentro das suas funções, está a de pres-
tar contas ao cliente. O que caracteriza uma obrigação de meio é o emprego dos meios
necessários à obtenção do resultado, o que se aplica ao caso do advogado (por isso, o
erro na Opção B), que não se compromete com o resultado da demanda, mas com o
esforço para o bom resultado (por isso, o erro na Opção C). A Opção A e a Opção E estão
incorretas, pois o advogado somente responde civilmente perante o cliente por danos
que a ele causar nas hipóteses de inadimplemento ou adimplemento ruim.

2. Opção A. A dívida de IPTU é uma obrigação propter rem, que acompanha o imóvel e ficará
pendente independentemente da transferência da propriedade. Caso o proprietário ante-
rior não pague o débito, o novo proprietário fica por ele responsável (justifica as Opções
C e E). A dívida de consumo de energia elétrica, e também a de distribuição de água, são
exemplos de dívidas pessoais que não vinculam os novos proprietários e/ou moradores
do imóvel pelos débitos passados. Eles não podem se responsabilizar por um consumo
de água e de energia que não é deles, o que responde às Opções B e D.

3. Opção A. Principal é a coisa que existe sobre si, abstrata ou concretamente, assim, a
obrigação principal nasce e existe por si mesma, independentemente de outra obrigação.
As afirmativas II, III e IV estão incorretas, pois a II trata a obrigação acessória como se
fosse a principal, bem como a III trata a obrigação principal como se fosse a acessória. Os
conceitos estão invertidos. Ainda, a IV desconsidera que a obrigação acessória, conforme
o texto base, pode surgir concomitantemente com a principal e também posteriormente.

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TEMA DE APRENDIZAGEM 5

TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

MINHAS METAS

Estudar as formas de transmissão das obrigações.

Analisar o conceito da cessão de crédito e as formas da cessão.

Identificar os créditos insuscetíveis de cessão.

Estudar a responsabilidade do credor na cessão de crédito.

Analisar o conceito da assunção de dívida.

Identificar as diferenças entre a assunção de dívida e a cessão de crédito.

Reconhecer as hipóteses de necessidade de consentimento na assunção


de dívida e na cessão de crédito.

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UN I C ES UMA R

INICIE SUA JORNADA


A transmissão das obrigações é uma situação muito mais comum do que pode-
mos imaginar em um primeiro momento. Você, estudante, muito provavelmente
já ouviu falar de alguém que foi cobrado, por uma determinada empresa, por
uma dívida assumida com empresa diversa.
Embora possa causar estranheza, uma vez que, ao assumirmos uma obriga-
ção, esperamos que ela seja cumprida nos seus exatos termos, a transmissão de
um crédito não é nem de longe algo considerado irregular. Aliás, essa transmis-
são, denominada cessão de crédito, é um importante e popular mecanismo de
circulação do crédito e movimentação do mercado.
Este é um assunto de grande relevância, principalmente considerando que
a relação obrigacional estabelece um vínculo entre sujeitos com um conteúdo
patrimonial. Assim, veremos que a transmissão das obrigações importa para a
circulação do conteúdo patrimonial, alterando-se ou a figura do credor, ou a
figura do devedor. Veremos também as duas formas de alteração do elemento
subjetivo da obrigação, quais sejam, a cessão de crédito e a assunção de dívida.
Adiante, abordaremos além dos aspectos conceituais, as consequências e as
responsabilidades das partes envolvidas na transmissão das obrigações. Vere-
mos, ainda, questões relevantes, como a manutenção das garantias prestadas e a
necessidade de consentimento dos envolvidos.

P L AY N O CO NHEC I M ENTO

Apesar de atualmente a transmissão das obrigações ser bastante comum


e necessária para atender aos infinitos interesses no mundo negocial, nem
sempre foi assim. Vamos saber mais um pouco sobre como a transmissão das
obrigações evoluiu na história e ganhou tamanha importância para os negóci-
os? Ouça o nosso podcast. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital
do ambiente virtual de aprendizagem.

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 5

VAMOS RECORDAR?
É importante relembrar que as obrigações podem estar vinculadas ao sujeito
ou à coisa, sendo que, neste último caso, a denominamos de obrigação propter
rem. Essa modalidade de obrigação é bastante discutida e relevante na prática.
Assista ao vídeo e rememore o seu conceito e as suas características. Recursos
de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem.

DESENVOLVA SEU POTENCIAL

CESSÃO DE CRÉDITO

A cessão de crédito é um negócio jurídico bilateral em que o credor transfere a


outra pessoa a sua posição na relação obrigacional, podendo ser total ou parcial.

Na cessão, temos, então, a figura do credor que cede o crédito, denominado ce-
dente, a do credor que recebe o crédito, denominado cessionário, e a figura do
devedor, que permanece o mesmo e pode ser chamado de cedido.

Para exemplificar, imagine que João possui uma dívida de R$ 10.000,00 com Maria,
com a data de vencimento para o ano seguinte. No entanto, João precisa do dinheiro
imediatamente e, como solução, decide ceder essa dívida para a empresa CrediCes-
são. Em troca, a CrediCessão paga a João uma quantia imediata de R$ 8.000,00.
Com a cessão, a partir desse momento, a CrediCessão se torna a nova credora,
a cessionária, e passa a poder cobrar o valor total da dívida diretamente de Maria, a
cedida. Veja que, aqui, houve a modificação do polo ativo da obrigação, com a reti-
rada de João, o credor cedente, e o ingresso da CrediCessão, a credora cessionária.
Conforme o art. 286 do Código Civil, o credor pode ceder o seu crédito desde
que não haja proibição legal ou contratual, ou, ainda, desde que a própria natu-
reza da obrigação não vede a cessão. Dessa forma, percebemos que nem sempre
a cessão será possível, como na obrigação alimentar (art. 1.707 do Código Civil)
e nos casos envolvendo os direitos de personalidade (art. 11 do Código Civil).

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ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

A obrigação alimentar é uma obrigação conhecida como de natureza person-


alíssima. Desse modo, somente o titular dos alimentos é que pode dela usufruir,
razão pela qual a legislação proíbe que esse crédito seja objeto de renúncia,
cessão, compensação ou penhora (art. 1.707 do Código Civil).
Para exemplificar, imaginemos um caso em que um filho possui o direito de
alimentos com relação ao pai. É possível que esses alimentos nunca sejam pa-
gos e que o filho nunca tenha querido demandar o pai para o pagamento da
obrigação, pois a legislação prevê que o credor pode não exercer o direito dos
alimentos (art. 1.707, primeira parte, do Código Civil).
No entanto, não é possível que esse filho negocie esse crédito, como no exem-
plo inicial do tópico anterior, para que um terceiro passe a ser o sujeito ativo, o
credor dessa obrigação, e cobre o pai dele. Isso se dá em razão da proibição da
cessão de créditos alimentares.
Esse filho não poderá, ainda, em uma ação judicial, se manifestar pela renúncia
ao direito de alimentos. Ele até pode desistir do processo, hipótese em que o
direito de exigir a obrigação não será exercido naquele momento, mas jamais
renunciar ao crédito para nunca mais cobrá-lo, pois tal é vedado também pelo
art. 1.707 do Código Civil.

A última parte do art. 286 do Código Civil chama a atenção porque estabelece
que a proibição da cessão não pode ser oposta ao cessionário de boa-fé, caso
não conste do instrumento da obrigação. Desse modo, se no instrumento da
obrigação, no objeto em que ela se materializa, como por exemplo, o contrato,
não constar a proibição da cessão de crédito, o devedor não poderá alegar que
aquele crédito não podia ser cedido em razão de um acordo realizado com o
credor primário, com o cessionário.

OBRIGAÇÕES ABRANGIDAS PELA CESSÃO

Seguindo a lógica do princípio da gravitação jurídica que, relembremos, prevê


que o acessório segue o principal, na cessão de crédito, as obrigações acessórias
seguem a obrigação principal, conforme prevê o art. 287 do Código Civil. Pela
regra, salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito, abrangem-se todos
os seus acessórios.

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Conforme veremos no decorrer do curso, os juros são considerados obri-


gações acessórias da obrigação principal. Assim sendo, havendo uma cessão de
um crédito de R$ 10.000,00, vencido há um ano, o cessionário poderá cobrar do
devedor o valor de R$ 10.000,00 com o acréscimo da correção monetária e dos
juros desde a data do vencimento da obrigação.
Perceba, estudante, que o exemplo anterior materializa, ainda, o raciocínio de
que a cessão de crédito não altera a substância da obrigação em si, não modifica
o seu conteúdo, mas, sim, o polo ativo da obrigação. A cessão das obrigações
acessórias não precisa constar do acordo de cessão, pois é uma situação em que
a lei já prevê que elas acompanharão a obrigação principal.

FORMA DE CELEBRAÇÃO DA CESSÃO DE CRÉDITO

Como regra, a cessão de crédito pode ser celebrada tanto verbalmente quanto por
escrito, não havendo solenidade prevista em lei para tanto. A questão que se coloca
é quanto aos efeitos da cessão celebrada a depender da forma como ela é celebrada.
Isso se dá porque o art. 288 do Código Civil prevê que, em relação a terceiros,
a transmissão de um crédito, se não for celebrada por instrumento público, ou
instrumento particular revestido das solenidades do art. 654, §1º, do Código Ci-
vil, é ineficaz. Esse art. 654, §1º do Código Civil, trata dos requisitos do mandato,
o que abordaremos mais adiante.
Perceba, estudante, que a forma exigida no art. 288 do Código Civil, por
instrumento público ou instrumento particular, é somente para que a cessão
tenha eficácia com relação a terceiros, a pessoas que não fazem parte do vínculo
obrigacional. Não quer dizer que a cessão será ineficaz perante o devedor, uma
vez que o devedor, na obrigação, não é terceiro, mas, sim, parte.

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Retomemos o nosso exemplo do primeiro título, em que João possui um crédito


com Maria e o cedeu à CrediCessão. Essa cessão poderia ter sido realizada na
forma verbal, um acordo oral entre João e a CrediCessão, sem nenhum problema.

Nesse caso, porém, caso João seja demandado em uma execução por uma dívida
dele e o credor requeira a penhora desse crédito que ele tinha com Maria, uma
vez que a cessão à CrediCessão não foi realizada por instrumento público, em
cartório, nem por instrumento particular com os requisitos do art. 654, §1º, do
Código Civil, a penhora será deferida. Assim, o credor de João, o qual é o terceiro,
poderá requerer a penhora desse crédito e até mesmo adjudicá-lo, tomar para si,
e passar a ser o novo credor de Maria, já que a cessão não formal não tem eficácia
contra terceiros.

Veja, estudante, que quando a legislação diz que algo não tem eficácia perante
terceiros, é justamente em razão da possibilidade de que outras pessoas interfi-
ram naquela obrigação.

A NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR

Anteriormente, vimos que a cessão não demanda uma forma específica, poden-
do ser celebrada até mesmo verbalmente. Tal situação ocorre porque, no direito
brasileiro, vigora a regra da atipicidade dos negócios jurídicos, de modo que as
pessoas são livres para celebrarem acordos da forma como melhor lhes aprouver,
exceto se a lei exigir uma forma específica para aquele tipo de acordo (art. 107
do Código Civil).

VOCÊ SABE RESPONDER?


Nesse caso, estudante, como o devedor tomará conhecimento de que o credor
passou a ser outro? Como ele vai saber quem é a pessoa que deverá ser a
beneficiária do pagamento?

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A resposta da pergunta anterior está no art. 290 do Código Civil, que diz que a
cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este
notificada. Veja, estudante, que a regra não fala de celebração da cessão por forma
específica, mas de simples notificação.
Em complemento, a última parte do art. 290 do Código Civil traz ainda uma re-
gra óbvia, para a qual o devedor se dá por notificado quando ele participa da cessão,
isto é, quando no instrumento público ou particular, ele se declara da cessão feita.
É importante ressaltar ainda que essa notificação tem exclusivamente a fun-
ção de dar ciência ao devedor de quem ele deverá pagar. Não se trata de um
pedido de autorização ou de necessidade de consentimento, mas tão somente
de comunicação.

A P RO F UNDA NDO

O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, já decidiu que a ausência de


notificação da cessão de crédito não tem o condão de isentar o devedor do
cumprimento da obrigação, tampouco de impedir o registro do seu nome, se
inadimplente, em órgãos de restrição ao crédito (BRASIL, 2015). Em outra opor-
tunidade, decidiu, ainda, que a falta de notificação não destitui o novo credor de
proceder aos atos que julgar necessários para a conservação do direito cedido
(BRASIL, 2014).

Como se vê, a ausência da notificação não impede a cobrança, ela terá outras
consequências que veremos anteriormente. Mesmo assim, o credor cessionário
poderá promover todas as medidas para a conservação do crédito (art. 293 do
Código Civil), inclusive ajuizar a ação de cobrança ou a ação de execução de título
extrajudicial, a depender do caso.
Vejamos, abaixo, uma situação em que o devedor, em sua defesa em ação de
cobrança, alegou a inexigibilidade do crédito em razão da ausência de notifica-
ção da cessão de crédito realizada entre o credor cedente e o credor cessionário.
O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o recurso, decidiu que a citação, na
ação de cobrança, já supre a finalidade de ciência da notificação e que, por isso,
a dívida já poderia ser cobrada pelo novo credor.

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DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CESSÃO DE CRÉDITO.
AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO AO DEVEDOR. CONSEQUÊN-
CIAS. I - A cessão de crédito não vale em relação ao devedor, senão
quando a este notificada. II - Isso não significa, porém, que a dívida
não possa ser exigida quando faltar a notificação. Não se pode ad-
mitir que o devedor, citado em ação de cobrança pelo cessionário
da dívida, oponha resistência fundada na ausência de notificação.
Afinal, com a citação, ele toma ciência da cessão de crédito e daquele
a quem deve pagar. III - O objetivo da notificação é informar ao
devedor quem é o seu novo credor, isto é, a quem deve ser dirigi-
da a prestação. A ausência da notificação traz essencialmente duas
consequências: Em primeiro lugar dispensa o devedor que tenha
prestado a obrigação diretamente ao cedente de pagá-la novamente
ao cessionário. Em segundo lugar, permite que o devedor oponha ao
cessionário as exceções de caráter pessoal que teria em relação ao ce-
dente, anteriores à transferência do crédito e também posteriores, até
o momento da cobrança (inteligência do artigo 294 do CC/02). IV
- Recurso Especial a que se nega provimento (BRASIL, 2011, s. p.).

Assim, vemos que a notificação do devedor não é um requisito para a exigência


do crédito, mas, sim, para a ciência dele, a fim de que o pagamento não seja
realizado ao credor cedente. Conforme vimos na citação anterior, ainda, se não
tiver havido a notificação da cessão e o devedor realizar o pagamento ao primeiro
credor, o credor cedente, este devedor não pode ser novamente cobrado pelo
débito (art. 292 do Código Civil).
No nosso primeiro exemplo anterior, imagine que Maria não tenha sido no-
tificada da cessão de crédito realizada por João à CrediCessão. Na data de venci-
mento, Maria realiza o pagamento a João e se considera desobrigada do vínculo.
Passados alguns meses, Maria recebe a citação em uma ação de cobrança
movida pela CrediCessão contra ela, visando à cobrança do crédito cedido por
João. Nessa hipótese, Maria, por meio do seu advogado, deverá se defender na
ação alegando o pagamento do débito a João e a ausência de notificação da cessão,
hipótese em que a demanda de cobrança será julgada improcedente, pois nada
mais é devido por Maria.

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Assim, a CrediCessão deverá buscar o ressarcimento do valor perante João,


que recebeu por uma dívida que já havia transferido. Isso se dá em razão da
proibição de que uma pessoa se enriqueça indevidamente, recebendo um paga-
mento que lhe é indevido, ficando João obrigado ao ressarcimento dos valores
indevidamente recebidos.

ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

Em linhas gerais, a vedação ao enriquecimento sem causa implica que uma


pessoa não pode se beneficiar financeiramente, de forma injusta ou indevida, às
custas de outra pessoa. Se alguém recebeu um benefício ou vantagem sem que
houvesse um motivo legal ou justo para tal, a lei pode intervir para restabelecer
a equidade.
O art. 884 do Código Civil prevê que quem, sem justo motivo, enriquecer geran-
do danos ou perdas a outra pessoa, será obrigado a restituir o que foi indevida-
mente obtido. Vemos, assim, que o enriquecimento sem causa também é uma
fonte de obrigações, tornando a pessoa devedora a partir do momento em que
ela se enriquece indevidamente à custa do prejuízo de outra.
É exatamente a hipótese em que alguém cede um crédito a outrem, mediante
pagamento, não notifica o devedor e, posteriormente, recebe por esse crédito.
Veja que esse credor está, sem justa causa, se enriquecendo, pois ele lucrou
duas vezes e ainda causou prejuízo ao credor cessionário, que não poderá co-
brar do devedor não notificado. Assim, o causador do dano, o credor cedente,
ficará obrigado a ressarcir o credor cessionário

Uma vez notificado da cessão, o devedor já terá tomado ciência de quem


passou a ser o novo credor e, por isso, é a ele que a dívida deve ser paga. Não
cabe falar em discordância ou aceitação, pois tais são irrelevantes da parte
do devedor, e, caso ele ainda assim não realize o pagamento para o credor
cessionário, não será considerada extinta a obrigação e ele terá pago mal,
ficando sujeito a nova cobrança.

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DIVERSAS CESSÕES DE UM MESMO CRÉDITO

É comum que um mesmo crédito seja objeto de diversas cessões, uma vez que a
legislação não proíbe nem limita o número destas. Nesse caso, evidentemente, ha-
verá uma certa dificuldade pelo devedor em identificar o atual credor da obrigação.
Para solucionar a problemática, o art. 291 do Código Civil estabelece
que, ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece aquela que se
completar com a tradição do título do crédito cedido. Assim sendo, não
se perquire qual cessão foi realizada primeiro, mas, sim, qual dos credores
cessionários está na posse do título.
Para Simão (2021), o critério da posse do título só faz sentido se foram cum-
pridos os requisitos dos arts. 288 (para terceiros) e 290 (para o devedor). Se não
foram cumpridos, a cessão é ineficaz para terceiros (art. 288) ou para o devedor
(art. 290). O autor complementa, ainda, exemplificando:


Assim, se a primeira cessão de crédito foi verbal e o devedor não foi
dela notificado, e a segunda cumpriu as regras dos arts. 288 e 290,
mesmo estando o cessionário da primeira com o título de crédito,
a segunda cessão é que prevalece por força da eficácia que a lei lhe
confere. O devedor poderá pagar ao segundo cessionário e terá pago
bem. (SIMÃO, 2021, s. p.).

Como se vê, primeiro devem ser observadas as regras relativas à notificação. Ten-
do sido o devedor notificado da cessão, é para esse credor cessionário notificante
que a dívida deverá ser paga, independentemente de existir outro credor que,
embora esteja na posse do título, não tenha promovido a notificação.
Tendo havido diversas cessões do mesmo crédito e todas elas sido notificadas
ao devedor, o pagamento deverá ser realizado ao credor cessionário notificante
que esteja na posse do título. Caso nenhum dos credores cessionários tenha pro-
movido a notificação, prevalecerá a posse do título.

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EXCEÇÕES OPOSTAS PELO DEVEDOR CONTRA O CREDOR

Quando nos referimos ao termo exceções, lembre-se, estudante, de que estamos


tratando das alegações que o devedor pode fazer relacionadas à inexigibilidade
do débito. Assim, por exemplo, se o devedor alega que já realizou o pagamento,
que a obrigação está prescrita, que houve algum vício de consentimento, ele estará
opondo uma exceção contra o credor.

Na cessão de crédito, o art. 290 prevê que o devedor pode opor ao cessionário
as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que teve
conhecimento, tinha contra o cedente. Trata-se de uma regra um pouco complexa
que merece uma exemplificação.

Para exemplificar, vamos relembrar a situação do início deste tema, em que João
possui um crédito de R$ 10.000,00 com Maria, com a data de vencimento para o
ano seguinte. Precisando de dinheiro imediato, João cede esse crédito para a em-
presa CrediCessão. Em troca, a CrediCessão paga a João uma quantia imediata
de R$ 8.000,00, e ela é quem passa a ser a credora de Maria (credora cessionária).
Nesse caso, a legislação prevê que, caso Maria tenha alguma exceção a ser
oposta contra João, ela deverá fazê-lo logo que tenha ciência. Suponha, portanto,
que Maria já havia pago o crédito a João e extinguido a obrigação. Assim, quando
a CrediCessão notificá-la da cessão do crédito, Maria deverá imediatamente opor
a exceção de extinção do débito, alegando o pagamento e apresentando o recibo.
O mesmo vale para outras exceções, inclusive aquelas de caráter pessoal, as
quais já estudamos. Caso o negócio entre Maria e João tenha sido realizado me-
diante coação, caberá a Maria alegar a exceção pessoal de coação, o que atingirá
o direito do cessionário, uma vez que o negócio realizado sob coação é anulável.

RESPONSABILIDADE DO CREDOR NA CESSÃO DE CRÉDITO

O Código Civil possui uma importante regra sobre a responsabilidade do credor


cedente do crédito, ao prever, no art. 296, que, em regra, ele não responde pela
solvência do devedor. Dessa maneira, ao realizar uma cessão de crédito, caso

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não tenha havido estipulação específica em contrário, o credor cedente não será
responsabilizado caso o devedor não realize o pagamento da dívida.
Esse tipo de cessão é denominado de cessão pro soluto, na qual é o cessionário
quem assume o risco da cessão. A hipótese diversa, a cessão pro solvendo, é aquela
em que o cedente se responsabiliza pelo adimplemento, de modo que, caso o de-
vedor não cumpra com a obrigação, o cedente responderá perante o cessionário.

Nessa última hipótese, contudo, a responsabilidade é limitada ao valor que foi


recebido pela cessão, conforme estabelece o art. 297 do Código Civil, além das
demais despesas que o cessionário houver feito para a cobrança do débito. No
nosso exemplo anterior, caso João tivesse se responsabilizado pela solvência de
Maria (cessão pro solvendo) e ela não fosse solvente (com bens suficientes para
pagar) na data do vencimento da dívida, a cessionária, CrediCessão, poderia co-
brar de João tão somente o valor que ela pagou na cessão (R$ 8.000,00), além de
despesas de cobrança (por exemplo, os encargos para a realização de um protesto
em cartório).

Quanto à existência do crédito, o art. 295 prevê que, se a cessão for por título
oneroso, como no nosso exemplo, ou gratuita, mas de má-fé, o cedente sempre
será responsável pela existência do crédito. Veja, estudante, que não se trata da
solvência, mas, sim, da existência do crédito.

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Imagine que, por exemplo, que João realizasse tal cessão, mas Maria já houvesse
pago a dívida, logo, não haveria mais crédito a receber, pois o pagamento extingue
a obrigação. Dessa forma, João ficaria responsável perante a CrediCessão, uma
vez que, independentemente de ele garantir o pagamento ou não, pela existência,
ele seria sempre responsável.
Para encerrar, o art. 298 prevê que o crédito, uma vez penhorado, não pode
mais ser transferido pelo credor que tiver conhecimento da penhora. O devedor
que o pagar, não tendo sido notificado dela, fica exonerado, subsistindo somente
contra o credor os direitos de terceiro.

ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

Em primeiro lugar, é importante que seja entendido que créditos também po-
dem ser penhorados. Voltando ao nosso exemplo, em que João tem um crédito
de R$ 10.000,00 com Maria, imagine que esse crédito seja em razão de uma
dívida contraída por instrumento público, isto é, foi registrada em cartório.
Nesse caso, todos poderão ter conhecimento da existência dessa dívida, de
modo que, caso João deva R$ 10.000,00 em uma ação de execução, por exem-
plo, o credor nessa ação poderá solicitar a penhora desse crédito, isto é, poderá
solicitar a apreensão, a afetação, desse crédito, para que ele sirva de pagamen-
to. Assim, o credor da ação, caso solicite, poderá receber a sua dívida com João
simplesmente tomando a posição dele na obrigação com Maria, hipótese em
que Maria deverá realizar o pagamento, não a João, mas ao credor dele benefi-
ciado com essa penhora.
Essa situação é muito mais comum do que se imagina. Na prática, é bastante
comum que credores tomem conhecimento de processos judiciais em que os
seus devedores saíram vitoriosos e com valores a receber, de modo que tais
credores solicitam ao juízo a penhora desses créditos, ao que damos também o
nome de “penhora no rosto dos autos”.

Dessa forma, uma vez que o crédito que um credor possui tenha sido penhorado
em um processo, esse credor não poderá ceder esse crédito, mas, caso o credor
faça uma cessão de um crédito penhorado, essa cessão não terá eficácia contra a
pessoa que solicitou a penhora. Ainda, caso o devedor realize o pagamento, es-
tando de boa-fé, isto é, sem saber da penhora, ao credor de um crédito penhorado
por um terceiro, esse devedor ficará desobrigado perante a esse terceiro, mas o
credor, contra esse terceiro, continua obrigado.

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Voltando ao nosso exemplo inicial, João possui um crédito de R$ 10.000,00


com Maria. João, no entanto, deve a Raquel o valor de R$ 10.000,00 em uma ação
de execução de pensão alimentícia.
Ao tomar conhecimento de que João possui esse crédito de R$ 10.000,00
com Maria, Raquel poderá solicitar ao juízo que penhore esse crédito. Uma
vez realizada a penhora, Maria deverá ser notificada para não pagar a dívida
a João, mas, sim, a Raquel.

O que o art. 298 do Código Civil prevê é que, uma vez realizada essa penhora,
João não pode mais ceder esse crédito, e se ele o fizer, essa cessão será considerada
ineficaz para o exequente, que, no caso, é a Raquel. Assim, mesmo se João fizer
a cessão à CrediCessão, Maria deverá ignorar tal cessão e pagar à Raquel, pois
Maria já foi notificada da penhora.
A última parte do art. 298 do Código Civil trata da situação em que Maria
não teria conhecimento da penhora, pois não foi notificada. Nesse caso, se ela
realizar o pagamento a João ou se ela realizar o pagamento à CrediCessão, Raquel
não deverá demandar o pagamento de Maria, pois ela não sabia da penhora, e,
sim, a João ou à CrediCessão, conforme o caso.

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ASSUNÇÃO DE DÍVIDA

Anteriormente, vimos que uma pessoa pode assumir a posição de credor de outra
pessoa em uma relação obrigacional, o que conceituamos como cessão de crédito.
Há, também, a situação em que uma pessoa assume não a posição de credor de
outra pessoa, mas, sim, a posição de devedor, ao que nomeamos de assunção de
dívida ou cessão de débito.
A assunção de dívida é conceituada como um negócio jurídico bilateral, em
que o devedor transfere a sua posição a um terceiro, sempre com a anuência do
credor, seja ela expressa ou tácita. Neste ponto, estudante, já vemos uma diferença
fundamental entre o regime da assunção de dívida e o da cessão de crédito, que
é, na assunção de dívida, o consentimento do credor ser obrigatório.

CONSENTIMENTO DO CREDOR NA ASSUNÇÃO DE DÍVIDA

Pelo art. 299 do Código Civil, é facultado a terceiro assumir a obrigação do deve-
dor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor pri-
mitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor ignorava.
Desse modo, quando um terceiro assume a dívida no lugar do devedor original,
esse devedor original, em regra, fica exonerado da obrigação e nada mais deve.
A exceção, no entanto, ocorre quando esse terceiro era insolvente, isto é, ele
possuía mais dívidas do que patrimônio suficiente para pagá-las, e o credor não
tinha conhecimento dessa informação (veja que o artigo fala " [...] e o credor
ignorava”). Nesse caso, esse terceiro assume a dívida, mas o devedor original
continuará como devedor e ficará responsável pelo pagamento caso o terceiro
não a pague.


No sistema brasileiro, a assunção é, em regra, liberatória, nos termos
do art. 303. Será cumulativa em duas hipóteses: por força de contra-
to ou por força da insolvência do assuntor. Nesse sentido, Enuncia-
do n. 16 da I Jornada de Direito Civil: ‘O art. 299 do Código Civil

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não exclui a possibilidade da assunção cumulativa da dívida quando


dois ou mais devedores se tornam responsáveis pelo débito com a
concordância do credor’. Na hipótese em que, quando da assunção,
o assuntor era insolvente (dívidas em valor superior aos bens) e o
credor ignorava, a assunção, por lei, é cumulativa. Se o credor sabia
da insolvência do assuntor (estava de má-fé), o devedor primitivo
está liberado da obrigação. Caso contrário, o devedor primitivo
prossegue no polo passivo na qualidade de devedor subsidiário
(SIMÃO, 2021, s. p.).

Quando nos referimos à exoneração da obrigação com relação ao devedor original,


estamos diante da hipótese da assunção liberatória, isto é, daquela em que, uma vez
assumida a dívida pelo terceiro, o devedor original ficará liberado da obrigação. Se
se tratar da hipótese exemplificada anteriormente, em que o terceiro e o devedor
original continuam responsáveis, estamos diante da assunção cumulativa.
De toda forma, o consentimento do credor é imprescindível na assunção de
dívida e a regra é bastante lógica, conforme veremos adiante. Além disso, o art.
299, parágrafo único, do Código Civil, prevê a existência de um prazo para que o
credor consinta com a assunção da dívida pelo terceiro, mas se ele não responder
no prazo, nada acontecerá, pois o silêncio é interpretado como recusa.
Imaginemos o exemplo em que Maria adquiriu junto a uma imobiliária uma
sala comercial, no valor de R$ 500.000,00, em 48 prestações. Maria, no entanto,
desistiu do empreendimento e resolveu se mudar para o exterior, quando João,
interessado na sala e nas condições do financiamento, procurou Maria para as-
sumir o pagamento da dívida e ter para si o imóvel.
Veja que faz bastante sentido a regra de que o credor deve consentir com a
assunção de dívida, pois a avaliação de crédito de Maria é diferente da de João. A
imobiliária, por exemplo, pode ter avaliado toda a situação financeira de Maria
e concluído que ela seria uma boa devedora, mas não o fez com João porque ele
nem sequer fazia parte do negócio.

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Assim, caso João decida prosseguir com a assunção, deverá procurar a imobi-
liária credora e formalizar com ela a assunção da dívida, a fim de que ele assuma
a posição de Maria como devedora. Ele e Maria podem, ainda, notificar a imobi-
liária, manifestando o interesse e concedendo o prazo de 15 dias para a resposta,
mas se a imobiliária nada disser, o negócio não terá sido feito.

AS GARANTIAS NA ASSUNÇÃO DE DÍVIDA

É bastante comum que as obrigações possuam garantias do cumprimento, as


quais podem ser tanto reais quanto fidejussórias. As garantias reais são aquelas
em que um bem é dado para garantir o pagamento da dívida, ao passo que as
fidejussórias são aquelas em que não um bem, mas um terceiro, é quem garantirá
a obrigação.

Essas garantias são prestadas considerando, evidentemente, a figura do devedor.


Um fiador, por exemplo, garante o pagamento da dívida porque ele acredita, em
tese, que aquele devedor possui patrimônio suficiente para saldar o débito.

É justamente em razão desse raciocínio que, na assunção de dívida, em regra, as


garantias ficam extintas a partir da data da assunção (art. 300 do Código Civil).
Só não ocorrerá a extinção das garantias prestadas caso o devedor expressamente
concorde com a assunção.
Neste ponto, torna-se relevante a classificação das assunções, as quais podem
ser por delegação ou por expromissão.
A assunção por delegação é aquela em que o devedor e o terceiro estão de
acordo, funcionando como se o devedor delegasse a sua dívida a esse terceiro,
formalizando a assunção. Nessa hipótese, as garantias da obrigação ficam man-
tidas, mesmo com a assunção da dívida.
Na assunção por expromissão, o terceiro assume o débito espontaneamente,
podendo fazê-lo em parte, hipótese em que será uma assunção de dívida cumu-
lativa (dois devedores), ou totalmente, hipótese em que ela será liberatória (so-

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mente o terceiro passa a ser devedor, liberando o outro do vínculo). Nesse tipo
de assunção, diante da não participação do devedor, as garantias prestadas na
obrigação ficam extintas, conforme prevê o artigo que estudamos.

ANULAÇÃO DA ASSUNÇÃO E AS EXCEÇÕES PESSOAIS

Imagine que João assume um débito de Maria com a imobiliária, mas João so-
mente o fez porque foi coagido por Maria, que o ameaçou de revelar segredos
da vida particular de João a todos. Nesse caso, com o consentimento do credor e
a assunção da dívida, Maria, em tese, ficou liberada do vínculo e João se tornou
o novo devedor.

VOCÊ SABE RESPONDER?


Nessa hipótese, caso João busque a anulação da assunção da dívida alegando
o vício de consentimento, quem assumirá o polo passivo da obrigação?

Nos termos do art. 301 do Código Civil, o débito original fica restabelecido, com
todas as suas garantias, caso a substituição do devedor seja anulada. Assim, Maria
retoma a posição de devedora e todas as garantias que ela mesma havia prestado
e ficaram extintas, voltam a garantir a obrigação. Caso existam garantias pres-
tadas por terceiros, como, por exemplo, uma fiança, essa garantia não retorna, a
menos que esse terceiro também tivesse conhecimento do vício na assunção e
dele tenha participado.
Por fim, o art. 303 do Código Civil traz uma regra sobre a obrigação
garantida por hipoteca. Nessa hipótese, a garantia da obrigação é um bem
imóvel dado em hipoteca. Assim, a assunção de dívida poderá ser realizada
mesmo que o credor não dê o seu expresso consentimento, caso ele seja
notificado e não apresente impugnação em 30 dias.

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Estamos diante de uma exceção e, como tal, a hipótese do art. 303
se interpreta restritivamente. Na hipótese de obrigação garantida
por hipoteca, o adquirente do imóvel hipotecado pode notificar o
credor para assumir a dívida, liberando o devedor primitivo. Nessa
hipótese, no silêncio do credor, após trinta dias (contados do recebi-
mento pelo credor da notificação do assuntor), considera-se aceita a
assunção. A razão de ser da regra é a seguinte: se há hipoteca garan-
tindo a dívida, a substituição do devedor é pouco ou nada gravosa
ao credor, já que há uma garantia real. É por isso que seu silêncio
implica, excepcionalmente, aceitação. Naturalmente, o credor pode
se opor à assunção mesmo havendo hipoteca. (SIMÃO, 2021, s. p.).

Se o credor se recusar a aceitar a assunção, o entendimento é de que tal deve


ser justificado (Enunciado n.º 353 da IV Jornada de Direito Civil). Imagine, por
exemplo, que o valor do imóvel dado em hipoteca é inferior ao valor da dívida,
hipótese em que a recusa à assunção é considerada legítima, haja vista que a
garantia não é suficiente para saldar o débito.

E M FO CO

Confira a aula referente a este tema. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo


digital do ambiente virtual de aprendizagem.

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NOVOS DESAFIOS
O estudo da transmissão das obrigações é de grande importância e de grande
relevância, pois, considerando o conteúdo patrimonial das obrigações, a trans-
missão delas é bastante utilizada no cotidiano. Ao longo deste tema, vimos que
a transmissão das obrigações pode ocorrer tanto com relação ao crédito quanto
com relação ao débito, sendo, no primeiro caso, a cessão de crédito, ao passo que,
no segundo, a assunção de dívida.
Identificar as modalidades da transmissão das obrigações é muito importante
para o profissional do direito, uma vez que ambas possuem finalidades distintas
e requisitos distintos. Vimos que, por exemplo, o consentimento dispensado na
cessão de crédito é essencial na assunção de dívida.
Ao lidar com a análise de uma obrigação transmitida ou com a avaliação
técnica de uma transmissão, é muito importante que o profissional esteja
atento aos requisitos de validade do ato e a responsabilização do credor e/
ou do devedor que deixam de compor o polo obrigacional e daqueles que
passam a compô-lo. A referida atenção é necessária para evitar que as partes
envolvidas sofram prejuízos e para manter a higidez do conteúdo da relação,
preservando os interesses das partes.

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VAMOS PRATICAR

1. “Conforme lembra Maria Helena Diniz, a obrigação não traz um vínculo imóvel, uma
vez que ‘a transmissão da obrigação é uma conquista do direito moderno, repre-
sentando uma sucessão ativa, se em relação ao credor, ou passiva, se atinente
ao devedor, que não altera, de modo algum, a substância da relação jurídica, que
permanecerá intacta, pois impõe que o novo sujeito (cessionário) derive do sujeito
primitivo (cedente) a relação jurídica transmitida’ (CURSO..., 2002, p. 410). Sendo
muito comum a sua ocorrência no meio social, principalmente em casos envolvendo
transações empresariais, não se pode afastar a importância prática do tema. Sa-
liente-se que a transmissão das obrigações deve ser encarada diante dos princípios
sociais obrigacionais e contratuais, particularmente a boa-fé objetiva e a função
social. Como se tem afirmado, não há outra forma de encarar o Direito Privado.”

TARTUCE, F. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 14.ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2019. E-book.

Sobre o tema transmissão das obrigações, redija um texto abordando os conceitos


de cessão de crédito e de assunção de dívida, apontando ainda a diferença existente
quanto à necessidade de consentimento do credor e do devedor nessas operações e
a razão pela qual ele pode ser obrigatório em uma delas.

2. “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CESSÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE NOTIFI-


CAÇÃO AO DEVEDOR. CONSEQUÊNCIAS. I - A cessão de crédito não vale em relação
ao devedor, senão quando a este notificada. II - Isso não significa, porém, que a
dívida não possa ser exigida quando faltar a notificação. Não se pode admitir que o
devedor, citado em ação de cobrança pelo cessionário da dívida, oponha resistência
fundada na ausência de notificação. Afinal, com a citação, ele toma ciência da cessão
de crédito e daquele a quem deve pagar. III - O objetivo da notificação é informar
ao devedor quem é o seu novo credor, isto é, a quem deve ser dirigida a prestação.
A ausência da notificação traz essencialmente duas consequências: em primeiro
lugar dispensa o devedor que tenha prestado a obrigação diretamente ao cedente
de pagá-la novamente ao cessionário. Em segundo lugar permite que o devedor
oponha ao cessionário as exceções de caráter pessoal que teria em relação ao ce-
dente, anteriores à transferência do crédito e também posteriores, até o momento
da cobrança (inteligência do artigo 294 do CC/02). IV - Recurso Especial a que se
nega provimento.”

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VAMOS PRATICAR

BRASIL. Acórdão no Recurso Especial nº 936.589/SP, Brasília, Superior Tribunal de Jus-


tiça, Terceira Turma, Relator Ministro Sidnei Beneti, DJe de 22.02.2011.

Sobre a validade e a exigência da notificação do devedor na cessão de crédito, assinale


a alternativa correta:

a) A notificação do devedor é obrigatória na cessão de crédito, sob pena de não poder


ser exigido o pagamento pelo credor cessionário.
b) A notificação do devedor não é obrigatória na cessão de crédito, uma vez que esta é
sempre realizada por escrito e a participação do devedor na transferência já o torna
ciente da cessão.
c) A notificação do devedor não é obrigatória na cessão de crédito e, caso ele não
tenha sido notificado e pague a dívida ao credor cedente, de boa-fé, ele ficará livre
da obrigação.
d) A notificação do devedor não é obrigatória na cessão de crédito e caso ele seja no-
tificado da cessão e ainda assim realize o pagamento ao credor cedente, ele estará
livre da obrigação.
e) A citação do devedor em ação de cobrança não supre a notificação do devedor.

3. “No sistema brasileiro, a assunção é, em regra, liberatória, nos termos do art. 303.
Será cumulativa em duas hipóteses: por força de contrato ou por força da insolvência
do assuntor. Nesse sentido, Enunciado n. 16 da I Jornada de Direito Civil: ‘O art. 299
do Código Civil não exclui a possibilidade da assunção cumulativa da dívida quando
dois ou mais devedores se tornam responsáveis pelo débito com a concordância do
credor’. Na hipótese em que, quando da assunção, o assuntor era insolvente (dívidas
em valor superior aos bens) e o credor ignorava, a assunção, por lei, é cumulativa. Se
o credor sabia da insolvência do assuntor (estava de má-fé), o devedor primitivo está
liberado da obrigação. Caso contrário, o devedor primitivo prossegue no polo passivo
na qualidade de devedor subsidiário.”

SIMÃO, J. F. Do direito das obrigações. In: SCHREIBER, A.; TARTUCE, F.; SIMÃO, J. F.;
MELO, M. A. B. de; DELGADO, M. L. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência.
3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. E-book.

Sobre as modalidades de assunção de dívida, avalie as afirmativas a seguir:

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VAMOS PRATICAR

I - Ao se referir à exoneração da obrigação com relação ao devedor original, está-se


diante da hipótese de assunção liberatória.
II - Se o terceiro que assume a dívida não possuía meios de pagá-las e o credor não tinha
conhecimento disso, o antigo devedor continua obrigado na forma subsidiária, isto é,
será demandado a pagar a dívida caso o que assumiu não o faça.
III - A assunção liberatória é a regra, isto é, assumindo o débito, o devedor antigo é exo-
nerado da obrigação.

É correto o que se afirma em:

a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.

4. “Na hipótese de obrigação garantida por hipoteca, o adquirente do imóvel hipotecado


pode notificar o credor para assumir a dívida, liberando o devedor primitivo. Nessa
hipótese, no silêncio do credor, após trinta dias (contados do recebimento pelo credor
da notificação do assuntor), considera-se aceita a assunção. A razão de ser da regra
é a seguinte: se há hipoteca garantindo a dívida, a substituição do devedor é pouco
ou nada gravosa ao credor, já que há uma garantia real. É por isso que seu silêncio
implica, excepcionalmente, aceitação. Naturalmente, o credor pode se opor à assunção
mesmo havendo hipoteca.”

SIMÃO, J. F. Do direito das obrigações. In: SCHREIBER, A.; TARTUCE, F.; SIMÃO, José F.;
MELO, M. A. B. de; DELGADO, M. L. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência.
3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. E-book.

Sobre a necessidade do consentimento, na assunção de dívida, assinale a alternativa


correta.

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VAMOS PRATICAR

a) Em regra, o consentimento é obrigatório na assunção de dívida, sendo uma exceção


o caso da obrigação garantida por hipoteca.
b) Se a notificação da assunção contiver prazo para resposta do credor e ele não a fizer
no prazo, interpreta-se o silêncio como consentimento tácito.
c) A obrigatoriedade do consentimento na assunção de dívida não contém exceções
legalmente previstas.
d) O consentimento na assunção de dívida é regido pela mesma regra da cessão de
crédito.
e) A notificação do credor supre o requisito do consentimento na assunção de dívida.

5. “Por via de regra, o credor sempre pode transferir o seu crédito (Código Civil de 2002,
art. 286), pois em princípio todos são suscetíveis de mutação, como qualquer elemento
integrativo do patrimônio. Por exceção, e somente por exceção, será defesa. As proi-
bições ou decorrem da natureza da obrigação ou da vontade da lei ou da convenção
entre as partes. Pela própria natureza, não podem ser objeto de cessão os créditos
acessórios, enquanto tais, sem a transferência do principal, também aqueles que de-
rivam de obrigações personalíssimas; ou quando não seja possível fazer efetiva a
prestação ao cessionário sem alteração de seu conteúdo; ou ainda quando a pessoa
do credor é levada em consideração exclusiva para a constituição do vínculo.”

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29. ed.
Rio de Janeiro: Forense, p. 362.

Sobre os créditos insuscetíveis de cessão, é correto afirmar que:

a) As obrigações personalíssimas podem ser objeto de cessão.


b) Somente são suscetíveis de cessão os créditos que a legislação elenca como tais.
c) A natureza da obrigação é irrelevante para aferir a suscetibilidade de cessão do cré-
dito.
d) A obrigação alimentar é um exemplo de crédito insuscetível de cessão em razão da
natureza da obrigação.
e) Não é possível a vedação à cessão por convenção entre as partes.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Acórdão no Recurso Especial nº 936.589/SP, Brasília, Superior Tribunal de Justiça,


Terceira Turma, Relator Ministro Sidnei Beneti, DJe de 22.02.2011.
BRASIL. Acórdão no Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Recurso Espe-
cial, Brasília, Superior Tribunal de Justiça, Segunda Seção, Relator Ministro Raul Araújo,
DJe de 24.09.2015.
BRASIL. Acórdão no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial, Brasília, Superior
Tribunal de Justiça, Quarta Turma, Relator Ministro Raul Araújo, DJe de 18.12.2014.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. DOU de 11 jan.
2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Aces-
so em: 7 ago. 2023.
CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL (org.). Enunciado de nº 353 da IV Jornada de Di-
reito Civil. A recusa do credor, quando notificado pelo adquirente de imóvel hipoteca-
do comunicando-lhe o interesse em assumir a obrigação, deve ser justificada. Disponível
em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/423#:~:text=A%20recusa%20do%20
credor%2C%20quando,a%20obriga%C3%A7%C3%A3o%2C%20deve%20ser%20justificada.
Acesso em: 7 ago. 2023.
DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral das obrigações. 38. ed. São
Paulo: Saraiva, 2023.
SIMÃO, J. F. Do direito das obrigações. In: SCHREIBER, A.; TARTUCE, F.; SIMÃO, J. F.; MELO,
M. A. B. de; DELGADO, M. L. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 3. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2021.

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

1. A cessão de crédito é um negócio jurídico bilateral em que o credor transfere a outra


pessoa a sua posição na relação obrigacional, podendo ser total ou parcial. Na cessão,
temos então a figura do credor que cede o crédito, denominado cedente, a do credor que
recebe o crédito, denominado cessionário, e a figura do devedor, que permanece o mesmo
e pode ser chamado de cedido. A assunção de dívida é conceituada como um negócio
jurídico bilateral, em que o devedor transfere a sua posição a um terceiro, sempre com a
anuência do credor, seja ela expressa ou tácita. Na assunção de dívida, diferentemente
do que ocorre na cessão de crédito, o consentimento do credor é obrigatório, uma vez
que o crédito é concedido considerando a figura do devedor, o patrimônio e as garantias
dele, de modo que o credor não pode ser surpreendido com a mudança do devedor.

2. Opção C. A ausência de notificação do devedor não impede que o credor-cedente cobre


dele a dívida, inclusive, podendo a notificação ser suprida com a citação do devedor
em ação de cobrança, por isso os erros nas opções A e E. A opção B é incorreta, pois
considera que a cessão é sempre realizada por escrito, mas a regra é que ela possa ser
celebrada de forma livre, dependendo apenas do conteúdo da obrigação. Se for uma
obrigação cuja forma deva ser solene, a cessão deverá ser solene. A opção D é incorreta,
pois, uma vez notificado, o devedor não poderá pagar ao antigo credor, sob pena de ter
de pagar duas vezes.

3. Opção E. O art. 299 do Código Civil fundamenta as três afirmativas. Pelo art. 299 do Có-
digo Civil, é facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento
expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da
assunção, era insolvente e o credor ignorava. Assim, vê-se que a assunção liberatória,
a que exonera o devedor primitivo, é a regra, sendo a assunção cumulativa a exceção,
a qual ocorre na hipótese de insolvência do terceiro que assume a dívida e o credor não
tinha conhecimento dela. Nesse último caso, o devedor primitivo continua obrigado, mas
na forma subsidiária.

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

4. Opção A, pois o art. 303 do Código Civil traz uma regra sobre a obrigação garantida por
hipoteca. Nessa hipótese, a garantia da obrigação é um bem imóvel dado em hipoteca,
assim, a assunção de dívida poderá ser realizada mesmo que o credor não dê o seu
expresso consentimento, caso ele seja notificado e não apresente impugnação em 30
dias. Tal indica ainda o erro na opção C. A opção B é incorreta, pois o art. 299, parágrafo
único, do Código Civil, prevê que o silêncio implica em recusa. A opção D é incorreta,
pois, na cessão de crédito, o consentimento é dispensado. A opção E é incorreta, pois a
notificação não é o mesmo que o consentimento, o qual deve ser expresso.

5. Opção D. A obrigação alimentar é uma obrigação conhecida como de natureza persona-


líssima. Desse modo, somente o titular dos alimentos é que pode dela usufruir, razão pela
qual a legislação proíbe que esse crédito seja objeto de renúncia, cessão, compensação ou
penhora (art. 1.707 do Código Civil). As opções A e C estão incorretas, pois as obrigações
personalíssimas não são objeto de cessão, em razão da natureza da obrigação. A opção
B é incorreta, pois, em regra, todos os créditos são suscetíveis de cessão, de modo que
a legislação prevê as proibições. A opção E é incorreta, pois as partes podem acordar a
impossibilidade de cessão do crédito na obrigação estabelecida.

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MEU ESPAÇO

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UNIDADE 4
TEMA DE APRENDIZAGEM 6

ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS


OBRIGAÇÕES

MINHAS METAS

Estudar o conceito de pagamento.

Analisar a figura do pagador e o interesse jurídico no pagamento.

Identificar as hipóteses de interesse jurídico no pagamento.

Estudar a figura do recebedor do pagamento.

Analisar o objeto do pagamento e a prova deste.

Identificar a situação de revisão das prestações no pagamento.

Estudar o local e o tempo da realização do pagamento.

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UN I C ES UMA R

INICIE SUA JORNADA


Cumprir uma obrigação, pura e simplesmente, parece ser uma atividade simples
e sem muitos mistérios. Dar aquilo que é devido, no momento correto, à pessoa
devida, e pronto.
Ao fazermos um acordo e assumirmos uma obrigação, no entanto, nem sem-
pre os termos serão claros, e tudo será prévia e corretamente conhecido. Imagine
que, por exemplo, um contrato de compra e venda de um gado, a prazo, não esta-
belece quem será obrigado a arcar com os custos do deslocamento a mercadoria,
se é quem vendeu os semoventes ou se é quem os adquiriu.
Imagine, ainda, que um terceiro, desconhecido, se apresenta como sendo o
procurador do seu credor e exige o pagamento do débito na data do vencimento.
Nesse momento, evidentemente, o dilema quase que automaticamente se instau-
ra: pagar e correr o risco de não saber se deveria tê-lo feito ao terceiro ou não
pagar e correr o risco dos acréscimos pelo inadimplemento.
É nesse rico campo que o estudo do adimplemento das obrigações ganha relevo.
O estudo do adimplemento e da extinção das obrigações envolve uma análise
abrangente que engloba diversos aspectos. São considerados a identificação da
pessoa que tem o direito de receber o pagamento, a pessoa responsável por efetuar
o pagamento e também outras partes que podem realizar o pagamento, além do
objeto do pagamento e sua devida comprovação.
Além disso, é necessário compreender o local e o momento em que o paga-
mento deve ocorrer. Nesta unidade, abordaremos todos esses pontos para com-
preender de forma abrangente como ocorre o adimplemento de uma obrigação
e sua efetiva extinção.

P L AY N O CO NHEC I M ENTO

Como regra, as obrigações devem ser cumpridas exatamente na forma com-


binada. Há situações, no entanto, que autorizam a revisão da obrigação. Para
saber mais, ouça o nosso podcast sobre a revisão das obrigações por despro-
porcionalidade da obrigação. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital
do ambiente virtual de aprendizagem.

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T E MA D E APRE N D IZAGEM 6

VAMOS RECORDAR?
A transmissão das obrigações envolve o estudo da cessão de crédito e da
assunção de dívida, duas importantes formas de transmissão do vínculo
obrigacional

DESENVOLVA SEU POTENCIAL

DO PAGAMENTO

Pagar uma obrigação é sinônimo de adimplir, de cumprir qualquer tipo de obri-


gação, e não somente entregar dinheiro. Assim, se estamos diante de uma obriga-
ção de fazer, consistente na execução de um reparo em um veículo, e o mecânico
realiza a tarefa, dizemos que houve o pagamento da obrigação.


Os termos pagamento, adimplemento e cumprimento são utiliza-
dos indistintamente pela doutrina. Pagar vem do latim pacare, cujo
radical tem pax ou paz. Quem paga, apazigua, traz a paz. Há diver-
gência doutrinária quanto aos vocábulos em questão. Há autores
que entendem que pagamento e adimplemento são sinônimos e a
distinção é irrelevante (Orlando Gomes). Para outros, dar dinheiro
é pagar e, para todas as demais prestações (dar coisa que não dinhei-
ro, fazer e não fazer), o termo correto é adimplemento (Pontes de
Miranda). Para outros, adimplemento é gênero e pagamento espécie
(SIMÃO, 2021, s. p.).

O principal efeito do pagamento da obrigação é a extinção desta e, para que


tal ocorra, são necessários alguns requisitos, sendo eles a existência do vínculo
obrigacional, o cumprimento da prestação, a manifestação de vontade livre de
pagar e as figuras do credor e do devedor. Caso haja, por exemplo, o pagamento
em uma obrigação inexistente, este é considerado indevido, e há a obrigação por
parte de quem recebeu em restituir o valor recebido.

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UN I C ES UMA R

Imagine que um consumidor vem sofrendo, mensalmente, descontos em sua


conta bancária. Posteriormente, ele descobriu que tais descontos são originados
de um empréstimo que ele nunca contratou, e resolve entrar com uma ação con-
tra a instituição que realiza os descontos.
Nesse caso, veja que houve o pagamento, na medida em que os descontos
foram realizados, mas inexiste o vínculo obrigacional. Assim, é direito do con-
sumidor ser restituído por tais valores, inclusive de forma dobrada, conforme
é a previsão do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.

A P RO F UNDA NDO

Sobre o pagamento indevido, existe uma diferença fundamental entre o


pagamento realizado espontaneamente por uma obrigação inexistente e o
pagamento realizado mediante a cobrança por uma obrigação inexistente.
Caso o pagamento seja feito por erro do próprio devedor, isto é, se ele não foi
cobrado pela dívida, mas acreditava dever algo indevido, o art. 876 do Código
Civil prevê a obrigação de restituição por parte daquele que recebeu o que não
era devido. Quem deverá provar que o pagamento foi indevido, conforme o art.
877 do Código Civil, é quem realizou o pagamento, e não o contrário.
Se esse pagamento decorreu de comprovada má-fé por parte do credor que
realizou a cobrança por uma obrigação que sabiamente era inexistente, a
restituição deverá ocorrer na forma dobrada, nos termos do art. 940 do Código
Civil. Nesse caso, quem pagou deverá comprovar que, além de indevida, a
cobrança foi realizada de má-fé (REsp nº 1.111.270/PR, Relator Ministro Marco
Buzzi, Segunda Seção, DJe de 16.02.2016).
Em se tratando de uma relação de consumo, no entanto, a restituição em
dobro é devida independentemente da demonstração de má-fé do credor (art.
42, parágrafo único, do CDC). Nesse ponto, é necessário esclarecer que essa
conclusão é representa uma modificação de entendimento do Superior Tribunal
de Justiça, que antes exigia a prova da má-fé, mas, atualmente, não mais a
exige (EAREsp 676.608/RS, Relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, DJe
de 30.03.2021).

Sobre o pagamento indevido, existe uma diferença fundamental entre o paga-


mento realizado espontaneamente por uma obrigação inexistente e o pagamento
realizado mediante a cobrança por uma obrigação inexistente.

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Como se vê, no direito brasileiro existe a obrigação daquele que recebeu quan-
tia indevida em restituí-la, sendo terminantemente proibido que o recebedor
invoque a regra de que quem paga mal, paga duas vezes. A partir disso, já se sabe
que, nesses crescentes casos em que o sujeito recebe uma transferência bancária
por engano, ele possui a obrigação de devolver o valor indevidamente recebido,
inclusive sob pena de responsabilidade criminal.

DE QUEM DEVE PAGAR

Pela regra do art. 304, caput, do Código Civil, qualquer interessado na extinção
da dívida pode pagá-la. Como regra, esse interessado é o próprio devedor, mas
nada impede que um terceiro o faça, conforme está previsto no parágrafo único
do art. 304 do Código Civil.

Se estivermos diante de uma obrigação de caráter não personalíssimo, isto é,


que pode ser cumprida por qualquer pessoa, independentemente da condição
pessoal que ela ostenta, o credor não poderá, sem motivo justo, deixar de receber
o pagamento por parte de quem quer que queira fazê-lo. A propósito, diante da
recusa do credor em receber o pagamento prestado, seja pelo próprio devedor, seja
por um terceiro, esse pagamento poderá ser realizado por meio de consignação, o
que ainda estudaremos adiante.

A legislação trata dos conceitos de


terceiros interessados e dos tercei-
ros não interessados. Interessados
são aqueles que podem ser patri-
monialmente responsabilizados
pelo inadimplemento da obriga-
ção, como é o caso do avalista, do
fiador e do sublocatário.

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Imagine que João está alugando um apartamento e assinou um contrato de


locação com o proprietário, Carlos. No contrato, Pedro aparece como fiador da
obrigação e, caso João deixe de pagar os aluguéis, ele será o responsável pelo pa-
gamento. Nesse caso, Pedro é um terceiro interessado no pagamento, pois o seu
patrimônio pode vir a responder pelo inadimplemento da obrigação.
Note que esse interesse é patrimonial, o que não se confunde com outras
formas de interesse. Se alguém, por exemplo, realiza o pagamento de uma dívi-
da para ajudar um amigo com dificuldades financeiras, embora haja o interesse
altruístico, tal não é considerado um interesse jurídico.


[…] deve ser tomado o devido cuidado, uma vez que interesse pa-
trimonial não significa interesse afetivo. Dessa forma, um pai que
paga a dívida do filho por intuito afetivo não pode ser considerado
terceiro interessado no campo do direito obrigacional. O pai que
paga a dívida deve ser considerado, na verdade, um terceiro não
interessado na dívida. Esse também tem direito de realizar o paga-
mento (TARTUCE, 2019, s. p.).

O PAGAMENTO REALIZADO POR TERCEIRO INTERESSADO E


TERCEIRO NÃO INTERESSADO

De acordo com o art. 305, caput, do Código Civil, o terceiro não interessado, que
paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar,
ao passo que o terceiro interessado, caso o faça, se sub-roga nos direitos do cre-
dor. Neste ponto, vemos que a diferença básica entre o pagamento realizado por
terceiro interessado e o pagamento pelo terceiro não interessado é a posição que
esses terceiros assumirão em face do devedor.
A sub-rogação é a transferência de todos os direitos do credor primitivo ao ter-
ceiro interessado que realizou o pagamento. Assim, se uma obrigação possuía deter-
minada garantia, essa garantia também será aproveitada pelo terceiro interessado.
Para exemplificar, imagine que João realizou um empréstimo com Maria, no
valor de R$ 100.000,00. Em garantia do pagamento, João ofereceu um veículo de
sua propriedade, mais a fiança prestada por Marcos.

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João, no entanto, não adimpliu o débito com Maria, tendo sido Marcos cobra-
do pela dívida e realizado o pagamento. Nesse caso, como Marcos é um terceiro
interessado, pois é o fiador, ele terá o direito de cobrar de João o valor que pagou e
ainda poderá exigir o veículo dado em garantia no contrato realizado com Maria.

O veículo somente poderá ser exigido porque Marcos se sub-rogou nos direitos
da credora. Assim, uma garantia que havia sido prestada no contrato realizado
com Maria, foi transferida, por sub-rogação, ao terceiro interessado que efetuou o
pagamento da dívida, e agora poderá exigi-la também.

Por outro lado, o terceiro não interessado que realiza um pagamento, em seu
próprio nome, mas em proveito do devedor, somente tem o direito a ser reem-
bolsado pelo que pagou. Aproveitando o exemplo anterior, caso Marcos não fosse
o fiador, mas, sim, amigo de João, embora ele pudesse exigir o reembolso pelo
valor pago, não poderia exigir a garantia prestada no contrato de empréstimo.
Note que esse pagamento deve ocorrer em nome próprio, pois se for um
pagamento realizado em nome do devedor, nada mais pode ser exigido. Nessa
hipótese, em que o terceiro realiza o pagamento em nome do devedor, a inter-
pretação é no sentido de que teria ocorrido uma doação.
Por fim, o art. 306 do Código Civil prevê que o pagamento feito por terceiro,
com desconhecimento ou oposição do devedor, não obriga a reembolsar aquele
que pagou, se o devedor tinha meios para ilidir a ação. A expressão “meios para
ilidir a ação” é sinônimo de “meios de defesa”.


Ação de cobrança. Sentença de improcedência. Inconformismo
da parte autora. Alegação de pagamento de obrigação tributária
(IPTU) em área maior que englobou a área menor de titularidade
de domínio da parte ré, adquirida por meio de usucapião. Rejeição.
Hipótese em que o registro da matrícula do imóvel usucapido foi
regularizado em 2013, correspondendo ao período de incidência do
IPTU. Pagamento realizado pela apelante na qualidade de terceiro,
sem conhecimento do requerido e com expressa oposição posterior.

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Hipótese de exclusão da obrigação de ressarcimento. Inteligência


do artigo 306 do Código Civil. Acordo e pagamento realizados
pela parte autora de forma precipitada, porquanto era possível a
retificação da área junto à Municipalidade. Sentença mantida.
Recurso desprovido (SÃO PAULO, 2020, s. p.).

Desse modo, se um terceiro paga a dívida sem o conhecimento do devedor, e o


débito já estava prescrito, a prescrição é um meio de ilidir (enfraquecer, derro-
tar) a cobrança, razão pela qual esse terceiro não poderá exigir o reembolso pelo
pagamento precipitado.

VOCÊ SABE RESPONDER?


Nesse caso, em que o terceiro paga uma dívida prescrita, ele poderá exigir do
credor o reembolso do valor pago, alegando ter sido pagamento indevido?

A dívida prescrita é considerada uma obrigação natural, isto é, que é inexigí-


vel, juridicamente, mas é considerada existente. Assim sendo, embora o credor
de uma dívida prescrita não possa cobrar judicialmente do devedor, caso esse
devedor ou um terceiro realize o pagamento desse débito, não se trata de um
pagamento indevido, pois a obrigação é existente, só não é mais exigível.
Desse modo, quem paga por uma dívida prescrita não pode exigir o reem-
bolso, nem mesmo sob a alegação de desconhecimento da prescrição. Se for um
pagamento realizado por terceiro, com o desconhecimento ou a discordância do
devedor, ele não poderá também exigir o reembolso do devedor.
Vale ressaltar, ainda, que o reembolso deve ser exigido somente na data do
vencimento da obrigação, mesmo que o pagamento tenha sido feito antes do
vencimento (art. 305, parágrafo único, do Código Civil). Além disso, ele somente
pode ser exigido na extensão do que aproveitou ao devedor, isto é, na extensão
do que era devido e que foi pago.

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DAQUELES A QUEM SE DEVE PAGAR

O pagamento, conforme o art. 308 do Código Civil, deve ser feito ao próprio
credor ou a um representante, isto é, alguém que tenha poderes para receber o
pagamento em nome do credor. Caso esse pagamento seja feito a um estranho
que não tenha tais poderes, ele somente será considerado eficaz se o credor, pos-
teriormente, confirmar a quitação ou se o devedor conseguir comprovar que o
pagamento foi revertido em proveito do credor.
O art. 309 do Código Civil traz uma interessante regra sobre o pagamento
feito à pessoa que aparenta ter poderes para receber, mas, de fato, não os tem. São
os chamados credores putativos, cujo pagamento realizado a eles, pelo credor de
boa-fé, é considerado eficaz.

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Imagine, estudante, que João resolveu se mudar para o exterior e constituiu Maria
como sua procuradora, a fim de que ela recebesse os aluguéis de seus imóveis
e gerenciasse os seus negócios. Após um tempo, João revoga a procuração de
Maria e constitui Jorge como o seu novo procurador, mas deixa de notificar aos
seus inquilinos, que, acreditando que Maria ainda possuía poderes para receber
os pagamentos, continuaram a fazê-los a ela.
Veja que a situação representa uma clara hipótese de pagamento, de boa-fé,
realizado a um credor putativo. Nesse caso, é muito importante que esses paga-
mentos tenham sido feitos de boa-fé, isto é, que os devedores desconheçam a
real condição de Maria e de Jorge, sob pena de terem de refazer o pagamento.


A lei protege, pois, o solvente de boa-fé, e a solutio assim realizada
extingue a obrigação do devedor, que não mais poderá ser moles-
tado. Vencedor na contenda, o credor real tem ação contra o credor
putativo acipiente, para dele recobrar o montante do recebimento. A
eficácia do pagamento feito ao credor putativo constitui matéria de
fato, a ser apreciada, diante das circunstâncias de cada caso, a posse
de estado de credor (PEREIRA, 2017, p. 186).

Nessa hipótese, portanto, o credor deverá demandar aquele que recebeu o valor
para cobrá-lo, e não o devedor, uma vez que o pagamento eficaz extingue a obri-
gação. No caso de pagamento de má-fé, isto é, feito àquele que sabiamente não
era mais credor ou autorizado a receber o débito, o devedor continuará obrigado
e terá de refazer o pagamento (art. 310 do Código Civil).
A lei presume, ainda, que esteja autorizada a receber o pagamento a pessoa
que estiver portando a quitação (art. 311 do Código Civil). Imagine que o loca-
dor de um imóvel vai até o escritório do locatário para realizar o pagamento do
aluguel, mas, no local, somente encontra um terceiro que está portando o recibo
dado pelo próprio credor.
Nessa hipótese, considera-se eficaz o pagamento realizado a esse terceiro,
uma vez que ele é o portador da quitação. Por outro lado, se houver fundada
dúvida sobre a idoneidade dessa quitação, por exemplo, quanto à veracidade
da assinatura, o devedor deverá deixar de realizar o pagamento, uma vez que as
circunstâncias não lhe são favoráveis (art. 311, última parte, do Código Civil).

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Por fim, sendo o caso de um crédito penhorado e o devedor tem ciência da pe-
nhora, ele não poderá realizar o pagamento ao credor, mas ao exequente bene-
ficiário da penhora, sob pena de ter de realizar novamente o pagamento. O art.
312 do Código Civil traz essa regra, protegendo, contudo, o devedor de boa-fé,
isto é, aquele que não tem ciência da penhora.
Imagine que um locador de um imóvel foi intimado a realizar o pagamento
dos aluguéis não mais ao locatário, mas em depósito judicial, pois os aluguéis
foram penhorados em uma ação de execução. Caso tenha havido a penhora e o
devedor não foi intimado para ter ciência sobre quem deve receber o crédito, será
eficaz o pagamento por ele realizado ao credor, já que, na hipótese, o pagamento
foi feito de boa-fé.

O OBJETO DO PAGAMENTO E A SUA PROVA

O objeto do pagamento é a coisa devida, não sendo o credor obrigado a receber


uma mais valiosa e muito menos uma de menor valor (art. 313 do Código Civil).
Além disso, mesmo que o objeto da prestação seja
divisível, o credor não é obrigado a receber o paga- Credor não é
mento em prestações, nem o devedor é obrigado a obrigado a receber
assim pagar, caso a obrigação não tenha sido assim o pagamento em
prestações
ajustada (art. 314 do Código Civil).
Como se vê, as duas regras tratam da identida-
de física da obrigação, sendo o objeto do pagamento exatamente aquilo que foi
ajustado e na forma ajustada. É possível, evidentemente, que as partes combinem
posteriormente o recebimento de forma diferente. O que não é possível é obrigar
que o credor ou o devedor realize o pagamento na forma não ajustada.
Além disso, como regra, o objeto do pagamento de dívidas em dinheiro deve
ser convencionado em moeda corrente (art. 315 do Código Civil), sendo nulos
os ajustes de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira (art. 318 do Código
Civil). A exceção ocorre no caso de contratos de comércio internacional, os quais
são previstos em legislação específica autorizativa.

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O AUMENTO PROGRESSIVO DAS PRESTAÇÕES E A


ONEROSIDADE EXCESSIVA

O art. 316 do Código Civil prevê a possibilidade de que seja convencionado o au-
mento progressivo de prestações sucessivas. Esse tipo de alteração pode ocorrer
tanto com relação ao valor da prestação em si quanto com relação à incidência
de juros e de correção monetária.
Seria a hipótese de alguém celebrar um contrato de locação de um bem imóvel,
no qual existe a previsão de que, no primeiro ano, o aluguel seria no valor de R$
1.500,00, ao passo que, no segundo e nos subsequentes, haveria um aumento, por
ano, de R$ 200,00, sempre aplicando um índice de correção monetária. A correção
monetária, a propósito, serve para garantir que o valor acordado em um período
da história mantenha o seu valor real em outro. No nosso exemplo, o acordo de
R$ 200,00 celebrado hoje, possivelmente, sofrerá alteração daqui a alguns anos,
quando esse mesmo valor já não conservar o mesmo poder de compra.
É possível que esse tipo de acordo com prestações sucessivas e progressivas
gere um desequilíbrio contratual, o qual pode ocorrer tanto em razão da saúde
financeira do devedor quanto em razão de fatores externos. É pensando nessa
hipótese que o art. 317 do Código Civil foi elaborado, cuja previsão é de que, se
por motivos imprevisíveis sobrevier desproporção manifesta entre o valor da
prestação devida e o do momento de sua execução, o juiz poderá corrigi-lo, a
pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

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Nessa situação, como exposto, poderá o juiz corrigir o preço a pe-
dido da parte interessada para assegurar, ‘quanto possível’, o valor
real da prestação. É difícil prever o alcance dessa norma, que sempre
balouçará aos ventos da economia. De qualquer forma, atribui-se ao
Judiciário, de forma expressa, o poder de revisão dos preços, dentro
da teoria da imprevisão ou excessiva onerosidade. Não há que se
falar, contudo, nesta e em outras disposições do mesmo alcance,
em discricionariedade exclusiva do Judiciário, pois os advogados
e a sociedade desempenham papel importante nessas chamadas
cláusulas abertas do atual código (VENOSA, 2013, p. 190).

Essa revisão, conforme orienta Tartuce (2019, s. p.), pode ocorrer em contratos
que sejam bilaterais, onerosos, isto é, os quais contenham uma remuneração,
e de execução diferida ou continuada, ou seja, que prevejam prestações para o
cumprimento. Além disso, deve haver um motivo imprevisível que torne a pres-
tação desproporcional, como ocorre no caso de uma crise econômica em razão
de uma emergência de saúde.
A 32a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, por exemplo, no julgamento da apelação cível nos autos de nº
101190802.2021.8.26.0002, em 27.04.2022, com fundamento no art. 317 do Có-
digo Civil, deu provimento ao recurso interposto pelo devedor para modificar
o índice de correção monetária em um contrato de aluguel, aplicando o IPCA,
menos oneroso do que o IGPM. O fato imprevisível considerado foi a pandemia
da Covid-19 e os prejuízos econômicos dela decorrentes.

DA PROVA DO PAGAMENTO

O pagamento, em regra, se comprova por meio da quitação, conforme dispõe o


art. 319 do Código Civil. O artigo diz, ainda, que o devedor possui o direito a regu-
lar quitação, podendo até mesmo reter o pagamento enquanto esta não seja dada.
Imagine, estudante, que João e Maria possuem um contrato de locação de bem
imóvel, no qual João é o locador e Maria a locatária. Mês a mês, ao realizar o paga-
mento, Maria deve exigir que João lhe dê um recibo, podendo até se recusar a realizar
o pagamento caso João não emita o recibo, que valerá como prova da quitação.

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A quitação por escrito é considerada uma prova cabal do pagamento, sendo sem-
pre recomendada, uma vez que a prova testemunhal é tida pelo Código Civil (art.
227) como simplesmente complementar.

Essa quitação, conforme previsto no art. 320 do Código Civil, deve designar o
valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou,
o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu repre-
sentante. A regra, no entanto, é relativizada pelo parágrafo único, que prevê que,
embora não contenha todos esses requisitos, se as circunstâncias assim demons-
trarem, o documento valerá como quitação.
Essa regra possui aplicação para o caso de contratos, por exemplo, mas há títu-
los cuja prova da quitação não é exatamente um recibo, mas a simples devolução
deste (arts. 321 e 324 do Código Civil). É o caso da nota promissória, um título
de crédito cujo pagamento é comprovado com a devolução do título ao devedor.
Suponha que Ricardo vendeu o seu veículo a Renato, o qual, em pagamento,
lhe entregou uma nota promissória se comprometendo a pagar a quantia certa
de R$ 50.000,00 em uma data posterior, prevista para dois meses após a emissão
do título. Na data, ao realizar o pagamento, Ricardo deverá devolver a nota pro-
missória a Renato, o que valerá como quitação.
Em complemento, o art. 321 do Código Civil trata, ainda, da hipótese de perda do
título, impondo ao credor o dever de emitir uma declaração que inutilize o título. Caso
não o faça, o devedor poderá reter o pagamento até que tal declaração seja emitida.
Por fim, em se tratando de um pagamento em cotas periódicas, o pagamento
da última faz com que sejam presumidamente quitadas as anteriores. Conforme
o art. 322 do Código Civil, no entanto, é possível que seja provado o contrário,
ou seja, de que, embora paga a última prestação, as anteriores não o foram.

O LUGAR DO PAGAMENTO

Nos termos do art. 327 do Código Civil, o pagamento deve ser realizado no
domicílio do devedor. Porém, como é de praxe em relações privadas, é possível
que as partes acordem que o pagamento seja realizado em local diverso, além de

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haver a possibilidade de que a legislação específica disponha de maneira dife-


rente, sendo regras “supletivas da vontade das partes” (VENOSA, 2013, p. 197).
No caso dos cheques, por exemplo, o local do pagamento é aquele em que está
situada a agência vinculada ao cheque. Assim, se o credor tiver de entrar com uma
ação de execução desse cheque, ele deverá ajuizar tal ação no foro da comarca em
que está localizada essa agência, pois é lá que se considera o local do pagamento.
Se estivermos diante de uma dívida que deve ser paga no local de domicílio
do devedor, consideramos que se trata de uma dívida quesível, cujo significado
é procurado/requerível. Por outro lado, sendo o caso de pagamento da dívida
no domicílio do credor, trata-se de uma dívida portável, nome que faz referência
ao fato de que o devedor é quem sai do seu domicílio e porta a prestação até o
domicílio do credor.


A convenção pode definir a dívida como quérable ou portable. No
primeiro caso, caberá ao credor dirigir-se ao devedor a fim de rece-
ber o objeto da prestação; no segundo, a tarefa será do devedor, que
deverá portar o pagamento até o domicílio do credor. Tal distinção
é importantíssima para a definição da mora. Se a dívida é quesível
e o credor não procura o devedor na data de vencimento, este não
ficará em mora. Poderá, se quiser, ajuizar uma ação de consignação
em pagamento (NADER, 2016, p. 351).

Há casos, ainda, que o objeto da obrigação é o definidor do local do cumprimento


desta. Se se tratar de uma obrigação relativa a um bem imóvel, por exemplo, ela
deve ser cumprida no local em que está situado o bem (art. 328 do Código Civil).
Se houver, ainda, a possibilidade de cumprimento da obrigação em dois lo-
cais distintos, é o credor quem escolherá qual deles será o local do pagamento,
conforme a previsão do art. 327, parágrafo único, do Código Civil.
Por fim, o comportamento reiterado das partes possui força de alteração con-
tratual. Tanto assim o é que o art. 330 do Código Civil prevê que o pagamento
reiteradamente feito em local diverso faz presumir a renúncia do credor relati-
vamente ao acordado inicialmente.

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Suponha que João e Maria possuem um contrato de locação de bem imóvel, cuja
previsão é a de que João, o locatário, tenha de realizar o pagamento no domicílio
de Maria, mês a mês, o que seria uma dívida portável. Porém Maria acaba op-
tando por buscar o pagamento no domicílio de João, todos os meses, tornando
a dívida quesível.
Nesse exemplo, o comportamento de Maria faz com que seja presumido que
ela renunciou à previsão contratual, de dívida portável. Dessa forma, ela fará
surgir para si o dever de sempre reclamar o pagamento no domicílio de João.

O TEMPO DO PAGAMENTO

O pagamento tem como regra a previsão de que deve ser realizado imediata-
mente, uma vez que o art. 331 do Código Civil prevê que, salvo disposição legal
em contrário, não tendo sido ajustada época para o pagamento, pode o credor
exigi-lo imediatamente. Assim sendo, se as partes formalizam um contrato no
qual não existe a previsão para o prazo de pagamento, o credor poderá exigir
imediatamente que este seja feito.
Em se tratando de uma prestação com prazo de vencimento, “ele existe em
favor do devedor, que não é obrigado a pagar a dívida se não no dia do venci-
mento” (SIMÃO, 2021, s. p.).


O vencimento é o momento em que a obrigação deve ser satisfeita,
cabendo ao credor a faculdade de cobrá-la. Esse vencimento, tempo
ou data de pagamento pode ser fixado pelas partes por força do
instrumento negocial. A obrigação, sob o prisma do tempo do paga-
mento, pode ser instantânea ou de execução imediata (pagamento à
vista), de execução diferida (pagamento deve ocorrer de uma vez só,
no futuro) ou de execução periódica (pagamento de trato sucessivo
no tempo). Como se sabe, o credor não pode exigir o adimplemento
antes do vencimento; muito menos o devedor pagar, após a data
prevista, sob pena de caracterização da mora ou do inadimplemento
absoluto, fazendo surgir a responsabilidade contratual do sujeito
passivo obrigacional (Haftung) (TARTUCE, 2019, s. p.).

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Considerando que a data de vencimento é estipulada em favor do devedor, con-


sidera-se ainda que ele tem a discricionariedade de realizar o pagamento em
qualquer dia até a data do vencimento. O fato de haver uma data de vencimento
não impede o pagamento antecipado, portanto.
O art. 332 do Código Civil prevê a hipótese das obrigações condicionais, nas
quais o cumprimento é considerado realizado na data do implemento da condição.

Conforme leciona Tartuce (2019, s. p.), “as obrigações condicionais são aquelas
cujos efeitos estão subordinados a um evento futuro e incerto. Estas são cumpri-
das na data do implemento ou ocorrência da condição”.

Imagine que, por exemplo, Renato se comprometeu a doar uma obra jurídica
a Ricardo, assim que ele for aprovado no exame da Ordem dos Advogados do
Brasil. Nesse caso, o cumprimento da obrigação por Renato deve ocorrer logo
que ele tiver ciência da aprovação, que é a condição do negócio.

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Por fim, a legislação prevê situações em que o pagamento, estipulado com prazo,
poderá ser exigido de forma antecipada. Essas situações são aquelas descritas
no art. 333 do Código Civil, quais sejam, a falência ou concurso de credores do
devedor, a insuficiência das garantias prestadas pelo devedor ou a penhora, por
outro credor, de bens hipotecados ou empenhados.

FALÊNCIA OU CONCURSO DE CREDORES

A falência é específica para empresários, ao passo que o concurso de credores


é o equivalente, mas para não empresários. Nesses casos, o que ocorre é a in-
capacidade do devedor de honrar os seus débitos, sendo o caso de submetê-lo
a um procedimento em que todos os credores são reunidos para o pagamento
das dívidas do devedor, ocasião em que os bens do devedor serão inventariados,
avaliados, leiloados e o valor apurado será distribuído entre os credores na ordem
prevista pela legislação. O vencimento antecipado da dívida se dá em razão de
assegurar que o credor seja beneficiado no procedimento.

INSUFICIÊNCIA DAS GARANTIAS PRESTADAS

Há casos em que a garantia prestada na obrigação pode se tornar insuficiente,


como ocorre, por exemplo, no caso de morte do fiador. Nesses casos, o credor
deverá notificar o devedor para prestar outra garantia, que pode ser da mesma
natureza (no exemplo, outra fiança, o que seria uma garantia fidejussória) ou de
natureza diversa (considerando o exemplo, um bem, o que seria uma garantia
real). Caso o devedor não reforce a garantia que se tornou insuficiente, o credor
poderá considerar vencida a dívida e cobrá-la imediatamente, o que surge como
uma hipótese de proteção do crédito não mais garantido.

PENHORA DE BEM HIPOTECADO OU EMPENHADO

Nesse caso, o bem dado em garantia de uma dívida, por hipoteca ou por pen-
hor, sofre uma penhora em uma execução ajuizada por outro credor. Nesse
caso, a dívida do credor que se beneficiou com a garantia é considerada ven-
cida, uma vez que os credores que possuem essas garantias têm preferência
sobre os credores que não as têm (art. 961 do Código Civil). Se não houvesse
o vencimento antecipado, o credor com garantia não poderia exercer o seu
direito de preferência.

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Além de tais hipóteses, “o vencimento antecipado também pode ocorrer, para as


obrigações em geral, por convenção entre as partes, nos casos envolvendo ina-
dimplemento” (TARTUCE, 2019, s. p.). Essa situação de vencimento antecipado
por inadimplemento é muito comum em contratos bancários, que preveem que,
na ausência de pagamento de determinada parcela, por um período, toda a dívida
do contrato será considerada vencida a imediatamente exigível.
O parágrafo único do art. 333 do Código Civil, por fim, prevê que, em se
tratando de uma dívida solidária, isto é, tendo vários devedores, a causa de ven-
cimento antecipado de um não se estende aos demais. Imagine, por exemplo,
que haja três empresas devedoras em um contrato para ser pago em 20 anos,
mas uma delas sofre falência. Nesse caso, o vencimento antecipado somente
ocorrerá com a falida e não prejudicará as demais empresas devedoras.

E M FO CO

Confira a aula referente a este tema. "Recursos de mídia disponíveis no conteú-


do digital do ambiente virtual de aprendizagem.

NOVOS DESAFIOS
O estudo minucioso do adimplemento e da extinção das obrigações desempenha
um papel fundamental na determinação da eficácia de um pagamento realizado.
Ao longo dessa temática, exploramos situações em que o pagamento é feito a al-
guém que, embora não seja o credor, aparenta sê-lo, protegendo, assim, a boa-fé
do devedor e reconhecendo a validade desse tipo de pagamento.
Além disso, examinamos as diferentes formas de ajustar o prazo de pagamen-
to e as possibilidades de sua alteração, como nos casos de antecipação da dívida.
Quanto ao local do pagamento, identificamos as regras que abrangem desde a
atribuição de competência para a cobrança de uma dívida até as consequências
da mora, quando o devedor não efetua o pagamento no local correto.
Essas regras são de suma importância para profissionais do direito e áreas cor-
relatas, uma vez que o desconhecimento em relação à eficácia do adimplemento de
uma obrigação pode acarretar riscos quanto às consequências da mora e do ina-
dimplemento. Portanto o estudo aprofundado desses aspectos é essencial para uma
atuação jurídica precisa e bem fundamentada.
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VAMOS PRATICAR

1. “O art. 317, na sua origem, é de simplicidade franciscana. Note-se que o dispositivo se


encontra logo após o princípio do nominalismo (art. 315) e sua exceção, a cláusula de
escala móvel (art. 316). A revisão contratual da prestação pelo juiz (art. 317) vem para
permitir, exclusivamente, que o juiz fixe correção monetária em contrato no qual as
partes não avençaram. É por isso que o dispositivo menciona ‘o valor real da prestação’,
ou seja, o valor acrescido de correção monetária e que se alterou em razão da inflação.
Contudo, a leitura que a doutrina dele fez o transforma em um dos principais artigos
da codificação.”

SIMÃO, J. F. Do direito das obrigações. In: SCHREIBER, A.; TARTUCE, F.; SIMÃO, José F.;
MELO, M. A. B. de; DELGADO, M. L. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência.
3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, s. p.

Sobre a possibilidade de revisão da obrigação por desproporcionalidade no valor real


da prestação entre o momento do acordo e o momento da execução, redija um texto
tratando dos seus requisitos e exemplificando uma situação em que tal poderia ocorrer.

2. “O credor de prestação portável pode renunciar ao direito de receber no seu domicílio,


seja expressamente, seja tacitamente, presumindo-se esta última da reiteração do pa-
gamento em local diferente. Obrigado o devedor a pagar no domicílio do credor, ou em
outro lugar determinado, aí deve fazê-lo. Se, no entanto, for efetuada iterativamente a
solutio em local diverso, sem que o credor oponha qualquer ressalva, presume-se que
renunciou o direito de receber no local convencionado (Código Civil de 2002, art. 330).”

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 197.

Quanto ao local do cumprimento da obrigação, com relação aos bens imóveis, este deve
ser:

a) O domicílio do devedor, exclusivamente.


b) O domicílio do credor, exclusivamente.
c) O local em que está situado o bem.
d) O domicílio do devedor ou o do credor, cabendo a este último a escolha.
e) O domicílio do devedor ou o do credor, cabendo ao primeiro a escolha.

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VAMOS PRATICAR

3. “O terceiro é aquele estranho ao vínculo obrigacional principal. Os terceiros podem


ser juridicamente interessados ou não interessados. Os terceiros interessados são
aqueles que podem sofrer as consequências do inadimplemento pelo devedor. É o
caso do fiador que responde subsidiariamente (por lei) ou solidariamente (por força de
contrato) na hipótese de não pagamento pelo devedor principal. É também o sublo-
catário que poderá ser despejado se o sublocador não pagar o aluguel ao locador.”

SIMÃO, J. F. Do direito das obrigações. In: SCHREIBER, A.; TARTUCE, F.; SIMÃO, J. F.;
MELO, M. A. B. de; DELGADO, M. L. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência.
3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, s. p.

Sobre o pagamento da obrigação por um terceiro, avalie as afirmativas:

I - O terceiro interessado é aquele que pode ser patrimonialmente responsabilizado


pelo inadimplemento da obrigação.
II - O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a
reembolsar-se do que pagar.
III - O terceiro interessado que realiza o adimplemento do débito se sub-roga nos di-
reitos do credor.

É correto o que se afirma em:

a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.

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VAMOS PRATICAR

4. “Outro conceito que pode gerar dúvida é o de terceiro interessado na dívida . Este
corresponde à pessoa que tenha interesse patrimonial na sua extinção, caso do fiador,
do avalista ou do herdeiro. Havendo o pagamento por esse terceiro interessado, esta
pessoa sub-roga-se automaticamente nos direitos de credor, com a transferência de
todas as ações, exceções e garantias que detinha o credor primitivo. Em hipóteses tais,
ocorre a chamada sub-rogação legal ou automática (art. 346, inc. III, do CC).”

TARTUCE, F. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 14. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2019. E-book.

Imagine que João realizou um empréstimo com Maria, no valor de R$ 100.000,00. Em


garantia do pagamento, João ofereceu um veículo de sua propriedade, mais a fiança
prestada por Marcos. João, no entanto, não adimpliu o débito com Maria, tendo sido
Marcos cobrado pela dívida e realizado o pagamento. Nesse caso, é correto afirmar que:

a) Como Marcos é um terceiro interessado, pois é o fiador, ele terá o direito de cobrar de
João o valor que pagou e ainda poderá exigir o veículo dado em garantia no contrato
realizado com Maria.
b) Como Marcos é um terceiro não interessado e pagou o débito em nome de João,
nada poderá exigir.
c) Como Marcos é um terceiro não interessado, caso pague o débito, terá o direito de
ser apenas reembolsado na medida do que pagou.
d) Como Marcos é um terceiro não interessado, caso pague o débito, terá o direito de
cobrar de João o valor que pagou e ainda poderá exigir o veículo dado em garantia
no contrato realizado com Maria.
e) Como Marcos é um terceiro interessado, pois é o fiador, ele terá o direito de cobrar de
João o valor que pagou, mas não poderá exigir o veículo dado em garantia no contrato
realizado com Maria.

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VAMOS PRATICAR

5. “Pode ocorrer o pagamento a pessoa que tenha a mera aparência de credor ou de


pessoa autorizada. Trata-se do credor putativo. O exemplo mais marcante é a situação
do credor aparente. Contudo, muitas hipóteses podem ocorrer. Suponhamos o caso
de alguém que, ao chegar a um estabelecimento comercial, paga a um assaltante, que
naquele momento se instalou no guichê de recebimentos, ou a situação de um admi-
nistrador de negócio que não tenha poderes para receber, mas aparece aos olhos de
todos como um efetivo gerente. Não se trata apenas de situações em que o credor se
apresenta falsamente com o título ou com a situação, mas de todas aquelas situações
em que se reputa o accipiens como credor.”

VENOSA, S. de S. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos.
13. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 183.

Imagine que João resolveu se mudar para o exterior e constituiu Maria como sua pro-
curadora, a fim de que ela recebesse os aluguéis de seus imóveis e gerenciasse os seus
negócios. Após um tempo, João revoga a procuração de Maria e constitui Jorge como
o seu novo procurador, mas deixa de notificar aos seus inquilinos, que, acreditando que
Maria ainda possuía poderes para receber os pagamentos, continuaram a fazê-los a ela.
Nesse caso, assinale a alternativa correta:

a) João, por sua falta de diligência em notificar os seus devedores, nada poderá deman-
dar contra Maria nem contra os devedores.
b) João deverá demandar aquele que recebeu o valor para cobrá-lo, no caso, Maria, e
não o devedor, uma vez que o pagamento de boa-fé ao credor putativo extingue a
obrigação.
c) Tanto Maria quanto quem realizou a ela o pagamento deverão ser demandados. Maria,
por ter recebido o pagamento de má-fé, e os devedores, por não terem sido diligentes
quando do pagamento realizado à pessoa indevida.
d) Os pagamentos realizados a Maria são ineficazes, devendo João demandar os deve-
dores a pagarem novamente. Maria nada deve.
e) João deverá demandar os devedores, pois de má-fé realizaram o pagamento a pessoa
indevida.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. DOU de 11 jan. 2002.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 21
ago. 2023.
NADER, P. Curso de Direito Civil: obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
SÃO PAULO. Apelação Cível nº 1011106-02.2018.8.26.0554, Relator Desembargador Rogério
Murillo Pereira Cimino, 9ª Câmara de Direito Privado. DJe de 14.12.2020.
SIMÃO, J. F. Do direito das obrigações. In: SCHREIBER, A.; TARTUCE, F.; SIMÃO, J. F.; MELO,
M. A. B. de; DELGADO, M. L. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 3. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2021.
TARTUCE, F. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 14. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2019. E-book.
VENOSA, S. de S. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13.
ed. São Paulo: Atlas, 2013.

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

1. É possível que esse tipo de acordo com prestações sucessivas e progressivas gere um
desequilíbrio contratual, o qual pode ocorrer tanto em razão da saúde financeira do
devedor quanto em razão de fatores externos. É pensando nessa hipótese que o art.
317 do Código Civil foi elaborado, cuja previsão é de que, se por motivos imprevisíveis
sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de
sua execução, o juiz poderá corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto
possível, o valor real da prestação. Essa revisão pode ocorrer em contratos que sejam
bilaterais, onerosos, isto é, nos quais contenham uma remuneração, e de execução diferida
ou continuada, ou seja, que prevejam prestações para o cumprimento. Além disso, deve
haver um motivo imprevisível que torne a prestação desproporcional, como ocorre no
caso de uma crise econômica em razão de uma emergência de saúde. A 32ª Câmara de
Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, no julgamento
da apelação cível nos autos de nº 1011908-02.2021.8.26.0002, em 27.04.2022, com fun-
damento no art. 317 do Código Civil, deu provimento ao recurso interposto pelo devedor
para modificar o índice de correção monetária em um contrato de aluguel, aplicando o
IPCA, menos oneroso do que o IGPM. O fato imprevisível considerado foi a pandemia da
Covid-19 e os prejuízos econômicos dela decorrentes.

2. Opção C. Há casos ainda que o objeto da obrigação é o definidor do local do cumprimento


desta. Se se tratar de uma obrigação relativa a um bem imóvel, por exemplo, ela deve
ser cumprida no local em que está situado o bem (art. 328 do Código Civil). Por isso, as
demais alternativas estão incorretas.

3. Opção E. A legislação trata dos conceitos de terceiros interessados e dos terceiros não
interessados. Interessados são aqueles que podem ser patrimonialmente responsabi-
lizados pelo inadimplemento da obrigação, como é o caso do avalista, do fiador e do
sublocatário (afirmativa I). De acordo com o art. 305, caput, do Código Civil, o terceiro
não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se
do que pagar, ao passo que o terceiro interessado, caso o faça, se sub-roga nos direitos
do credor (afirmativas II e III).

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

4. Opção A. A fiança é um clássico exemplo de instituição de terceiro interessado no adim-


plemento do débito, uma vez que o fiador responderá patrimonialmente caso o afiançado
não realize o pagamento. Assim, pela regra do art. 305 do Código Civil, Marcos, fiador,
terceiro interessado, caso pague o débito, se sub-roga nos direitos do credor e terá o
direito de cobrar de João o valor que pagou e as garantias prestadas na obrigação con-
traída com Maria. As opções B, C e D estão incorretas, pois consideram que Marcos é um
terceiro não interessado. A opção E é incorreta, pois a sub-rogação faz com que Marcos
possa exigir as mesmas garantias prestadas ao credor original.

5. Opção B. Maria é considerada credora putativa porque ela tinha poderes para receber
esses aluguéis e a revogação da procuração ocorreu sem a ciência dos devedores. As-
sim, eles continuaram a realizar o pagamento a ela somente por ainda acreditarem que
ela continuava tendo poderes para dar quitação. Nesse caso, João deverá cobrar o valor
indevidamente recebido diretamente de Maria, conforme o art. 309 do Código Civil. A
opção A é incorreta, pois quem recebe indevidamente o pagamento deve ser demanda-
do a restituí-lo, o que também torna a opção D incorreta. A opção C é incorreta, pois os
devedores de boa-fé nada mais devem. A opção E é incorreta, uma vez que a ausência de
ciência da revogação da procuração faz com que haja presunção de boa-fé dos devedores.

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TEMA DE APRENDIZAGEM 7

MODALIDADES ESPECIAIS
DE PAGAMENTO

MINHAS METAS

Estudar as diversas formas especiais de pagamento.

Compreender as diversas formas de extinção das obrigações sem o pagamento.

Analisar os requisitos e os efeitos dos pagamentos especiais.

Entender a responsabilidade das partes na extinção das obrigações sem o pagamento.

Avaliar a importância das formas especiais de pagamento.

Entender a extinção sem o pagamento.

Estudar as vedações à realização de determinadas formas especiais de pagamento e de


ocorrência de extinção sem o pagamento.

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U N I C ES U M A R

INICIE SUA JORNADA


O pagamento é a forma comum e incontestável de extinguir uma obrigação.
Quem deve algo, entregando o que é devido, no prazo devido e nas condições
devidas, extingue o vínculo e não está mais obrigado.
Algumas situações, no entanto, podem surgir e tornar difícil a extinção da
forma mais comum. Imagine, estudante, que, ao tentar realizar o pagamento do
aluguel, você recebe a notícia de que o proprietário do imóvel faleceu e deixou
cinco herdeiros. Nesse caso, para qual deles pagar? Para um, todos ou nenhum?
Desde já, adiantamos que, em se tratando de direito das obrigações, uma
solução criativa, como a divisão do aluguel em partes iguais em proveito de todos
os herdeiros, definitivamente, não é a solução mais adequada. Sabe-se, afinal de
contas, que quem paga mal, paga duas vezes.
Imagine, ainda, se você deve uma quantia de valor a uma pessoa que também
lhe deve uma quantia de valor. Será que é legalmente possível considerar que,
nesse caso, as dívidas idênticas se extinguem?
É nesse campo de hipóteses diversas que o estudo das formas especiais de
pagamento ganha relevância. Vamos aprofundar nosso estudo nessas formas
especiais de pagamento e de extinção das obrigações, examinando minuciosa-
mente as responsabilidades das partes envolvidas, seus requisitos específicos e
os impactos resultantes de tais modalidades. Além disso, abordaremos temas de
suma relevância, como a consignação em pagamento e a compensação.

P L AY N O CO NHEC I M ENTO

A consignação em pagamento, uma modalidade especial de pagamento, é um


importante e popular meio de conseguir uma decisão favorável em determinados
processos, como na ação de revisão de contrato. Acesse o nosso podcast e saiba
mais sobre o funcionamento desse mecanismo! Recursos de mídia disponíveis no
conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 7

VAMOS RECORDAR?
Alguém que paga uma dívida pode ser definido como interessado ou não interessado,
a depender da responsabilidade dessa pessoa pelo inadimplemento. Assista ao
vídeo e relembre a importante regra do pagamento da dívida pelo interessado.
Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de
aprendizagem.

DESENVOLVA SEU POTENCIAL

FORMAS ESPECIAIS DE PAGAMENTO

As formas especiais de pagamento previstas no Código Civil, entre os arts. 334 e


359, são o pagamento em consignação, o pagamento com sub-rogação, a impu-
tação do pagamento e a dação em pagamento. Adiante, veremos cada uma dessas
formas especiais de pagamento e as suas respectivas características.

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O pagamento em consignação

O pagamento em consignação é o depósito judicial ou bancário do objeto da


obrigação (art. 334 do Código Civil). O art. 335 dispõe das situações em que o
pagamento pode ser realizado por consignação, quais sejam:

i) o credor se nega a receber o bem ou não pode dar quitação;

ii) o credor está em local incerto e não sabido;

iii) existe dúvida sobre quem é o credor;

iv) o objeto da obrigação está em discussão judicial entre o credor e algum terceiro
que se diz credor.

Note que a consignação pode ocorrer de duas maneiras, como se vê do art. 334
do Código Civil. Ela pode ser tanto judicial, por meio da chamada ação de con-
signação em pagamento, regulamentada pelos arts. 539 e seguintes do Código
de Processo Civil, quanto extrajudicial, ocasião em que o devedor realizará um
depósito bancário e notificará o credor para levantá-lo.
Lima (2012, p. 214) observa, ainda, que a con-
signação não poderá ser extrajudicial na hipótese
de dúvida sobre quem é o credor, pois, caso o de-
vedor realizasse o depósito e notificasse o credor
incerto, ele teria direito ao levantamento do valor
mesmo não havendo certeza sobre a sua condição.
A consignação em pagamento é um meca-
nismo cuja vantagem é evitar maiores proble-
máticas no cumprimento da obrigação, quando
pendente alguma anomalia, conforme as cita-
das anteriormente. Se realizada de forma eficaz,
terá força de pagamento e, portanto, afastará da
obrigação os efeitos da mora.

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Imagine que, por exemplo, Maria é locadora de um imóvel, e o proprietário do


referido imóvel falece, tendo deixado dois herdeiros. Os herdeiros não concor-
dam entre si e acabaram conseguindo a nomeação como inventariantes, cada
um deles, em processos distintos, ao que, posteriormente, notificaram Maria
para realizar o pagamento.
Veja que essa é uma hipótese de fundada dúvida sobre a identidade da pessoa
que receberá o pagamento, de modo que, para evitar que Maria fique com a dívida
vencida e, portanto, em mora, com juros e correção monetária, ela deverá adotar
a consignação em pagamento judicial. Assim procedendo, não incidirá na dívida
os efeitos da mora, pois a consignação terá força de pagamento.
Para que a consignação tenha força de pagamento, conforme prevê o art. 336
do Código Civil, ela deve ser feita nas mesmas condições do pagamento direto, ou
seja, o objeto do pagamento deve ser o mesmo, ele deve ser realizado no tempo
do pagamento e no local devido. Em síntese, deve ocorrer da mesma forma que
ocorreria o pagamento direto, sob pena de não produzir o efeito desejado, que é
a extinção da obrigação e a liberação do devedor.

A P RO F UNDA NDO

A consignação em pagamento tem sido bastante utilizada em ações revisionais


de contratos bancários, nas quais o devedor entende que a contratação possui
encargos abusivos e requer a revisão do valor das parcelas. Nesses casos, a con-
signação é utilizada para o depósito dos valores que o devedor entende que são
os devidos, excluindo a parcela que ele considera abusiva, com a finalidade de
impedir as consequências do não pagamento das prestações mensais.

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso


Especial nº 1.061.530/RS, em 22.10.2008, fixou os requisitos que devem existir
nesse tipo de pedido para impedir a ocorrência dos efeitos da mora, tal como a
negativação do nome do devedor pelo não pagamento integral das prestações
do contrato. Para que assim ocorra, a ação deve ser fundada em questionamen-
to integral ou parcial do débito, bem como deve haver demonstração de que já
houve outros julgados do STJ ou do Supremo Tribunal Federal que consideraram
cobrança semelhante àquela como indevida e, por fim, o devedor deverá realizar
o depósito da parcela que ele entende indevida (BRASIL, 2009, s. p.).

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Como se vê, essa é uma hipótese em que o devedor poderá realizar a consigna-
ção de valor diferente do valor contratado e obter os efeitos semelhantes ao do
pagamento, como o afastamento da mora. Trata-se de uma hipótese excepcional
e fundamentada na defesa do consumidor.
Uma vez realizada a consignação do objeto da obrigação, o devedor somente
poderá requerer de volta o depositado (levantar) caso o credor ainda não tenha
declarado que o aceita, no caso da consignação extrajudicial, ou não tenha apre-
sentado impugnação, no caso da consignação judicial (art. 338 do Código Civil).
Por outro lado, se o credor declarar a aceitação do pagamento ou contestar a
ação de consignação, e ainda assim aceitar que o devedor realize o levantamento
do que foi consignado, as garantias que porventura tiverem sido prestadas ficarão
extintas, bem como os demais codevedores que não tiverem requerido o levan-
tamento, ficarão desobrigados (art. 340 do Código Civil).
Como se vê, não se trata de uma situação comum, pois não há muita lógica
que o credor autorize o devedor a requerer de volta o valor consignado, haja
vista que o interesse dele é receber pela dívida. Porém, se ele o fizer, a legislação
prevê tais mencionadas consequências como forma de punição pelo compor-
tamento contraditório.


Com a aceitação do depósito, temos a concordância do devedor
com a extinção da ação e da obrigação. O mesmo efeito produz
o silêncio na consignação extrajudicial. Assim, impossível será
o credor autorizar o devedor a levantar o depósito “recriando”
uma obrigação extinta. Se o fizer, surge uma nova obrigação que
pode ter o mesmo objeto e extensão da anterior, mas, por ser uma
nova obrigação não obriga os codevedores (solidariedade passiva
ou obrigação indivisível com pluralidade de devedores), nem
terceiros garantidores. Há uma segunda consequência: o credor
perde a preferência sobre a coisa. Imaginemos que o bem móvel
consignado tenha sido dado em penhor ou o imóvel consignado
em hipoteca. Quando o credor aceita o depósito e depois, em níti-
do comportamento contraditório, autoriza o devedor a levantar o
bem, perde a garantia e a preferência. A razão de ser da regra que
acaba por punir o credor com a perda da garantia tem sua razão
(SIMÃO, 2021, s. p.).

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O art. 341 do Código Civil trata da situação em que a obrigação é alternativa,


prevendo que, se o objeto do pagamento é coisa alternativa, o credor é citado
não para levantar o depósito, mas, sim, efetivar primeiro a escolha. Além disso,
no caso de obrigação relativa a bem imóvel ou cujo objeto deva ser entregue no
local em que ele já está, o devedor poderá requerer que o credor a busque, vá
recebê-la no local em que ela se encontra, sob pena de realizar o depósito (art.
341 do Código Civil).
Além disso, em se tratando o objeto da obrigação de coisa indeterminada, a
regra será conforme o direito de escolha. Se a escolha do objeto for do credor, ele
será citado para tal finalidade, porém, caso seja o direito de escolha do devedor, o
credor será citado para receber a coisa, tudo sob pena de realização do depósito,
conforme o art. 342 do Código Civil.
Nesse ponto, é importante que você entenda que a consignação em paga-
mento possui despesas e o responsável pelo custeio dessas despesas será a parte
que provocou injustamente o depósito (art. 343 do Código Civil). Isso se dá
porque o que se espera em uma relação obrigacional é que o devedor realize o
pagamento do valor devido na exata forma combinada, devendo o credor aceitar
o pagamento e dar quitação à obrigação, de modo que a consignação vai ocorrer
quando houver alguma frustração nessa ordem comum.

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O pagamento com sub-rogação

A sub-rogação é um instituto que consiste na substituição de algum elemento da


obrigação, razão pela qual, conforme leciona Venosa (2013, p. 254), “a sub-ro-
gação não extingue propriamente a obrigação”. Quando se trata de sub-rogação
real, ocorre a substituição da coisa dada em pagamento por outra, ao passo que,
na sub-rogação pessoal, há a substituição do credor ou do devedor, hipóteses que
veremos detalhadamente adiante.
A sub-rogação pode ocorrer tanto por previsão legal (sub-rogação legal)
quanto por acordo entre as partes. A sub-rogação convencional ocorre quando
as partes envolvidas estipulam, por meio de acordo, uma situação específica em
que haverá a sub-rogação de direitos, ao passo que a sub-rogação legal é aquela
estabelecida diretamente pela lei, a exemplo do art. 346 do Código Civil, cujas
situações veremos a seguir.

PAGAMENTO DA DÍVIDA POR CREDOR COMUM

O art. 346, I, do Código Civil, prevê que o credor que paga a dívida do devedor comum
se sub-roga nos direitos do outro. Imagine uma obrigação na qual existam dois cre-
dores, Jorge e Renato, e um devedor, Carlos, mas o devedor ofereceu em garantia um
imóvel somente em favor de Jorge, ao passo que o outro, Renato, nada dispõe como
garantia. Nesse caso, se Renato, credor que não dispõe de garantia nenhuma, opte por
pagar a dívida de Carlos a Jorge, que detém a garantia, Renato se tornará o único credor
de Carlos e, por ter operado a sub-rogação, passará a ter como garantia o imóvel.

PAGAMENTO AO CREDOR HIPOTECÁRIO

O art. 346, II, do Código Civil, prevê que o adquirente de imóvel hipotecado que paga ao
credor hipotecário se sub-roga nos direitos deste. Nesse caso, quando esse adquirente
realiza o pagamento ao credor hipotecário, na verdade, a hipoteca ficará extinta, mas
a sub-rogação operará com relação aos eventuais juros e multa existentes. Assim, im-
agine que Jorge adquiriu um bem imóvel de Renato, o qual havia sido dado em garantia
de um empréstimo realizado pelo próprio Renato com o Banco S/A. Nesse caso, se
Jorge pagar a dívida de Renato para que a hipoteca seja extinta e o imóvel fique livre e
desembaraçado, ele poderá cobrar o valor de Renato e com o acréscimo de todos os
encargos que tinham sido impostos pelo Banco.

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PAGAMENTO POR TERCEIRO INTERESSADO

O art. 346, III, do Código Civil, prevê que o terceiro interessado que realiza o pagamento
da dívida se sub-roga nos direitos do credor. É a hipótese em que um fiador realiza o
pagamento da obrigação, de modo que, ao pagar a dívida, ele assumirá a posição de
credor do devedor principal, podendo exigir todas as garantias prestadas em proveito
do credor originário.

Se a sub-rogação ocorrer na forma de substituição do credor, ao novo credor, o


sub-rogado, serão transferidos todos os direitos, ações, privilégios e garantias
que havia em favor do credor primitivo (art. 349 do Código Civil). É importante
ressaltar que, todavia, essa transferência somente ocorrerá no limite do que o
sub-rogado, isto é, o novo credor, desembolsou para desobrigar o devedor (art.
350 do Código Civil).
Essa última situação mencionada deixa evidente que a sub-rogação nem sem-
pre ocorrerá de maneira total, isto é, com a completa substituição do credor. No
caso da sub-rogação parcial, o credor primitivo é mantido no polo ativo junto
com o credor sub-rogado, mas o primitivo tem preferência no recebimento da
parte dele e só então paga-se o restante ao sub-rogado (art. 351 do Código Civil).

A imputação em pagamento

A imputação em pagamento se dá quando o devedor é responsável por duas ou


mais obrigações líquidas e vencidas com relação ao mesmo credor. Nesse caso,
o devedor é que tem o direito de optar por qual obrigação ele quer fazer o paga-
mento (art. 352 do Código Civil).


Imputação do pagamento é a faculdade de escolher, dentre várias
prestações de coisa fungível, devidas ao mesmo credor, pelo mesmo
devedor, qual dos débitos satisfazer. É reconhecida primeiramente
ao devedor, com as restrições que a lei consagra; se o devedor não
usa do direito de indicar a dívida imputável transfere-se ao credor;
e se nem um nem outro o faz, a lei menciona o critério a ser obede-
cido (PEREIRA, 2017, p. 228).

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Ao adimplir a obrigação, caso a escolha seja do devedor e ele não indique qual
das dívidas líquidas e vencidas é o objeto do pagamento, aceitando a quitação
de uma delas, o credor é quem indicará qual está sendo paga, conforme o art.
353 do Código Civil. Em síntese, conforme ensina Simão (2021, s. p.), “o dis-
positivo pressupõe que o credor exerceu o direito de escolha porque o devedor
não o fez quando pagou”.
Pela regra do art. 354 do Código Civil, caso haja juros na obrigação, o paga-
mento será considerado, primeiro, com relação aos juros vencidos, e só depois
quanto à obrigação principal. Isso ocorre porque, caso o devedor pudesse impor
o pagamento à obrigação principal, primeiro, e só após os juros, a obrigação dei-
xaria de produzir frutos em favor do credor, uma vez que o que produz frutos é
a obrigação principal, a qual já estaria extinta pelo pagamento.

Por fim, se não houver a indicação sobre qual dívida recai o pagamento e a quita-
ção dada pelo credor também não é específica, considera-se que o pagamento foi
com relação àquela que se venceu primeiro. Se todas tiverem vencido na mesma
data, o pagamento será considerado em proveito da obrigação mais onerosa (art.
355 do Código Civil).

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A dação em pagamento

O credor não pode ser obrigado a receber coisa diversa daquela que é devida,
por força do princípio da identidade física da obrigação. A dação em paga-
mento é a possibilidade de que o devedor, no entanto, dê em pagamento coisa
diversa da devida, mas somente poderá fazê-lo caso o credor consinta (art. 356
do Código Civil).
Uma importante regra sobre a dação em pagamento é a do art. 359 do Código
Civil, cujo texto prevê que, se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento,
a obrigação primitiva será restabelecida e a quitação dada ficará sem efeito.

Evicção é o termo que se dá à perda da coisa, de modo que, caso tal ocorra, a
solução é considerar restaurada a obrigação primitiva.

Para ilustrar a situação, imagine que André deve a Márcio a quantia de R$


150.000,00, a ser paga em dinheiro, e, por não dispor de recursos financeiros na
data do vencimento da dívida, ele oferece, em pagamento, um bem imóvel de
sua propriedade, e Márcio aceita, tendo sido operada a dação em pagamento.
Posteriormente, por força de decisão judicial, o registro da propriedade desse
imóvel foi declarado nulo e o bem passou a ser de propriedade de outra pessoa,
ocorrendo a evicção. Nessa hipótese, a dívida de André é restaurada na forma
como ela existia antes da dação em pagamento.

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EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES SEM PAGAMENTO

As formas de extinção das obrigações sem o pagamento direto, previstas no Có-


digo Civil, entre os arts. 360 e 388, são a novação, a compensação, a confusão
e a remissão das dívidas. Adiante, veremos cada uma dessas formas e os seus
regramentos específicos.

A novação

A novação é a possibilidade da criação de uma nova obrigação para extinguir a


anterior. O art. 360 do Código Civil apresenta as três formas da novação, quais
sejam, a que se dá por meio de nova dívida, mas com o mesmo devedor e o mes-
mo credor (denominada novação objetiva), a que ocorre por meio da substituição
do devedor antigo por um novo devedor (novação subjetiva passiva) e a que se
dá com a substituição do credor antigo por um novo (novação subjetiva ativa).
Veja que a novação é bastante parecida, em ter-
mos práticos, com a cessão de crédito e com a assun-
A novação é uma
ção de dívida. Ocorre que, no entanto, a novação é
modalidade
uma modalidade especial de extinção de obrigação, especial de extinção
ao passo que a cessão de crédito e a assunção de dí- de obrigação
vida são apenas formas de transmissão da obrigação.
Assim sendo, ao realizar uma novação, a obrigação anterior é considerada
extinta e, em regra, também são extintos os eventuais vícios dela e as garantias,
o que, em regra, não ocorre na assunção de dívida e na cessão de crédito. Por
isso, os arts. 363 e 364 do Código Civil preveem que, na novação, o credor não
terá direito contra o antigo devedor caso o novo devedor seja insolvente, exceto
se houver prova de má-fé entre os dois devedores, bem como que os acessórios
e as garantias da dívida anterior, em regra, são extintos.
A propósito, as regras dos arts. 364 e 366 do Código Civil são de grande re-
levância, uma vez que impõe a concordância dos terceiros que tiverem prestado
garantias na obrigação anterior. Caso não haja tal concordância por parte dos
terceiros, a garantia não se estenderá à nova obrigação.
Imagine, que João emprestou R$ 40.000,00 a Maria, a serem pagos em 36
parcelas e com juros de 1% a.m., tendo Renato como fiador. Maria, porém, na 20a
parcela passou por um desequilíbrio financeiro e precisou renegociar a dívida,

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situação em que João firmou com ela um novo contrato contendo novas condi-
ções de parcelamento do restante da dívida e contendo uma cláusula de que tal
se tratava de uma novação.

Nesse exemplo, caso Renato não tenha tido ciência da novação, ele será exone-
rado da obrigação e não garantirá o cumprimento do novo contrato. Além disso,
se não houvesse ainda a manifestação no novo contrato de que ele se trata de no-
vação, ele seria interpretado como simples renegociação de dívida, mantendo-se
as garantias prestadas.


O art. 361 do Código Civil se preocupa com a caracterização, em
concreto, da novação, exigindo das partes a intenção inequívo-
ca de realizar a substituição da obrigação existente. A doutrina
é pacífica ao indicar o animus novandi como um dos requisitos
essenciais da novatio. Em relação ao Código Civil de 1916, o atual
inovou neste ponto, ao admitir explicitamente a novação tácita.
O fundamental é que, em sua exteriorização, as partes deixem
inequívoco o seu animus novandi. A Lei Civil não prevê o reco-
nhecimento da novação por meio de presunções. Não há de se
confundir o tácito com o presumido. Tácito é o que se acha implí-
cito, mas existente; presumido é o que se mostra provável, mas de
existência incerta. Se o animus novandi não fica inequivocamente
manifesto, ter-se-á apenas a confirmação do vínculo existente. É
a previsão do art. 361 (NADER, 2016, p. 472).

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Como se vê, o simples fato de ter sido realizado um novo contrato contendo
novas condições do empréstimo não faz com que ele seja considerado uma
novação, pois tal deve estar expressamente contido instrumento de contrato.
Essa situação, aliás, acaba gerando muitas discussões judiciais, pois é bastante
comum que instituições financeiras realizem renegociações de financiamento,
as quais não contam com a participação do fiador.
Nesses casos, quase sempre há cláusula prevendo que a renegociação não
se trata de novação ou, ainda, a renegociação nada diz a respeito, situações que
fazem com que a fiança continue vigente, já que a novação não é presumível.
O negócio, nos termos do art. 361 do Código Civil, simplesmente confirma o
primeiro, embora com outras condições.
Por fim, apesar de a novação extinguir a obrigação anterior e, por conse-
quência, os seus eventuais vícios, ela não tem força para extinguir aqueles que
ocasionem a nulidade do negócio. O art. 367 do Código Civil prevê que, salvo
as obrigações simplesmente anuláveis (art. 171 do Código Civil), não podem
ser objeto de novação as obrigações nulas (art. 166 do Código Civil) ou extintas.
Em outras palavras, se o vício no primeiro contrato for apenas passível de
anulação, cujas hipóteses estão descritas no art. 171 do Código Civil, a novação
terá força de convalidar o vício, isto é, de corrigi-lo. Sendo o caso de nulidade, no
entanto, cujas hipóteses são as previstas no art. 166 do Código Civil, bem como no
caso de uma obrigação já extinta, a novação não terá força de corrigir tais vícios.

A compensação

A compensação é a extinção da obrigação na hipótese em que uma pessoa


é, ao mesmo tempo, credora e devedora de outra. Nos termos do art. 368 do
Código Civil, as duas obrigações se extinguem até onde se compensarem, po-
rém, para tanto, é necessário que ambas as dívidas sejam líquidas e vencidas
(art. 369 do Código Civil).
Conforme ensina Pereira (2017, p. 261), “a compensação possui um impor-
tante efeito prático, pois se o devedor pagar a dívida ao credor que também lhe
deve, ele poderia correr o risco de não ter o seu crédito satisfeito, caso o outro
ficasse insolvente”. Além disso, representa uma economia processual, pois evita
o desdobramento de ações de cobrança, uma vez que a dívida recíproca simples-
mente se extingue na medida da sua equivalência.

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A P RO F UNDA NDO

Durante muito tempo, os honorários advocatícios de sucumbência (verba devida


pela parte perdedora ao advogado da parte vencedora em um processo judicial)
podiam ser compensados caso ambas as partes em uma ação judicial fossem, ao
mesmo tempo, perdedoras e vencedoras, ao que nomeamos de sucumbência
recíproca. Com a promulgação do Código de Processo Civil de 2015, no entanto,
a referida possibilidade deixou de existir, pois a lei processual passou a tratar os
honorários advocatícios como de propriedade do advogado.
Dessa forma, ao sucumbir em uma demanda judicial, a parte perdedora será, em
regra, condenada ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência ao
advogado da parte vencedora. Caso a parte vencedora também tenha sucumbi-
do em parte, não tenha tido êxito em parte dos seus pedidos, ela também será
condenada ao pagamento de tal verba ao advogado da outra parte.
Nesse cenário, por se tratar de uma obrigação que tem como partes o perdedor
e o advogado da parte vencedora, não pode haver a compensação de honorários
advocatícios de sucumbência.

Existem algumas situações, ainda, nas quais a compensação não é cabível. O


art. 373 do Código Civil, por exemplo, proíbe a compensação de obrigação
proveniente de ilícitos, como o esbulho, o furto ou o roubo, bem como derivadas
de contrato de comodato e de depósito e ainda de alimentos. Além disso, não
são compensáveis obrigações de coisas impenhoráveis e em hipóteses em que as
partes, por mútuo acordo, excluíram a possibilidade de compensação no acordo
(art. 375 do Código Civil).

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Se estivermos diante de uma obrigação garantida por fiança, o art. 371 do Código
Civil prevê que o fiador, demandado a pagar a dívida em função do inadimple-
mento pelo devedor principal, pode alegar a compensação porventura existente
entre o devedor principal e o credor. O contrário, no entanto, não é possível, isto
é, o devedor principal não pode alegar a compensação existente entre o fiador e
o credor para se livrar da dívida.

O fiador pode ainda, além de alegar a compensação de obrigação entre o credor e o


devedor principal, invocar a compensação de obrigação existente entre ele mesmo e o
credor (art. 371 do Código Civil). Nesse caso, o fiador poderá cobrar do devedor principal
a dívida compensada, pois ele perderia um crédito que ele detinha com o credor só
para compensar a dívida do devedor principal, da qual ele foi obrigado por ser fiador.


O artigo abre uma exceção, para o fiador, tendo em vista que ele
é chamado a solver débito de seu afiançado. Além de lhe ser lícito
compensar dívida sua com o que lhe deve o credor, pode também
invocar a compensação do débito de seu afiançado ao credor. Não
é crédito seu, mas operou a extinção da dívida pela qual é chamado
a responder (PEREIRA, 2017, p. 256).

Uma situação interessante é aquela em que ocorre a cessão de um crédito com-


pensável. Nesse caso, se o devedor for notificado da cessão do crédito e não
apresentar oposição, ele não poderá fazê-lo depois de aperfeiçoada a cessão e já
transmitido o crédito ao terceiro (art. 377 do Código Civil).
Se o devedor não tiver sido notificado, no entanto, a última parte do art. 377
do Código Civil prevê que será possível opor a compensação ao terceiro. Assim,
ao ser cobrado, ele poderá usar o crédito que ele tiver com o cedente para extin-
guir a dívida cedida ao cessionário.
Por fim, a compensação não poderá ser oposta contra um terceiro, prevendo
o art. 380 do Código Civil que não é possível a compensação de um crédito que
já tenha sido penhorado. Para ilustrar, basta imaginar que um credor A possui
um crédito a receber com um devedor B, mas esse credor A se torna devedor em
um processo judicial e esse crédito sofre penhora. Nesse caso, após a penhora,
mesmo que o devedor B se torne credor de A por algum motivo, esse crédito não
poderá ser compensado, uma vez que existe penhora anterior sobre ele.

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A confusão

A confusão é uma situação em que uma pessoa passa a ser, ao mesmo tempo,
credora e devedora de si mesma, no todo ou em parte (art. 382 do Código Civil).
Nos termos do art. 381 do Código Civil, quando houver essa confusão, a obri-
gação é tida como extinta, uma vez que ninguém pode ser credor de si próprio.
Na hipótese de credor ou de devedor solidário, a confusão somente extingue
a obrigação na proporção do crédito ou da dívida, permanecendo o restante do
crédito ou do débito inalterados, conforme o art. 383 do Código Civil. De acordo
com Simão (2021, s. p.), a remissão, que veremos a seguir, e a confusão na obri-
gação solidária têm efeitos idênticos.

Imagine que Jorge, Renato e Carlos são devedores solidários de Márcio, no valor
de R$ 30.000,00. Ocorre que Jorge é o único herdeiro de Márcio e este falece, de
modo que Jorge, por força da sucessão, passa a ser o titular daquele crédito.

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VOCÊ SABE RESPONDER?


Nesse caso, a) Jorge deixará de ser devedor e poderá cobrar a dívida de R$
30.000,00 de Renato e Carlos? b) A dívida será considerada integralmente extinta,
uma vez que Jorge, por ser devedor solidário, poderia ser obrigado ao pagamento
de todo o montante do qual ele agora é credor? c) A extinção será apenas na
proporção de Jorge e ele poderá cobrar o restante dos demais devedores?

A resposta se dá pela aplicação do art. 383 do Código Civil, ou seja, embora se


trate de uma dívida solidária e, portanto, Jorge poderia ser cobrado por ela de
forma integral, a partir do momento em que ocorre a confusão, a extinção se
dará somente com relação à proporção relativa a Jorge. Os demais devedores
não são beneficiados com uma extinção total da dívida, de modo que eles con-
tinuarão, na forma solidária, devedores, porém, agora, no valor de R$ 20.000,00
devidos a Jorge.
Por fim, caso a confusão deixe de existir, a obrigação anterior fica restabe-
lecida, inclusive com todos os seus acessórios, conforme o art. 384 do Código
Civil. Nas palavras de Pereira (2017, p. 265), “a obrigação restaura-se retroa-
tivamente, com todas as suas consequências, inclusive as garantias, como se
nunca tivesse havido confusão”.
Para melhor ilustrar a regra, suponha que a sociedade empresária Distribuição
e Logística Ltda. contraiu uma dívida com a sociedade empresária Armazéns e
Cargas Ltda., no valor de R$ 500.000,00, dívida esta garantida por três caminhões
de carga. Posteriormente, elas realizaram uma operação societária em que a Ar-
mazéns e Cargas Ltda. incorporou a Distribuição e Logística Ltda., de modo que
todo o patrimônio, direitos e deveres desta última passou a ser de propriedade
daquela primeira, operando-se, portanto, a confusão com relação a essa dívida.
Posteriormente, constatou-se que a administração da Distribuição e Logística
Ltda. havia adulterado o seu balanço patrimonial e ocultado diversas irregulari-
dades, de modo a facilitar a incorporação, razão pela qual a Armazéns e Cargas
Ltda. ajuizou uma ação para que a incorporação fosse declarada nula. Assim,
caso a sociedade empresária tenha êxito na sua demanda, o motivo da confusão
operada naquela obrigação de R$ 500.000,00 deixará de existir e a dívida será
restaurada, inclusive com a garantia dos três caminhões de carga.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 7

A remissão das dívidas

A remissão da dívida é uma hipótese de extinção da obrigação pela renúncia do


crédito realizada pelo credor em prol do devedor, desde que devidamente aceita
por ele (art. 385 do Código Civil). Como se vê, o que ocorre é um perdão da
dívida, o que é justamente o significado da palavra remissão.


O negócio jurídico de liberação da dívida, sem o respectivo paga-
mento, é ato impregnado de significação. A vontade do credor é
de beneficiar o devedor, extinguindo o ônus da dívida sem o paga-
mento. O ato de remitir não gera, para o credor, qualquer direito
correspondente, uma vez que espontaneamente abriu mão de um
direito. Não lhe cabe, assim, exigir reciprocidade do devedor. Se a
intenção das partes for de transacionar, a remissão da dívida não é
a fórmula adequada (NADER, 2016, p. 527).

A remissão deve ser aceita pelo devedor e somente pode ser prestada por quem
tenha capacidade para fazê-lo, isto é, por quem, de fato, seja o credor e esteja em
plena capacidade civil. Por esse motivo, por exemplo, as pessoas que estejam em
tutela ou em curatela (interditadas) não podem remitir (perdoar) dívidas.
Conforme leciona Simão (2021, s. p.), a remissão pode ser tanto expressa
quanto tácita. A expressa é aquela em que a manifestação de vontade indica que
o perdão ocorreu, ao passo que a remissão tácita se dá quando o credor pratica
algum ato incompatível com a conservação do crédito.
O art. 386 do Código Civil, a propósito, trata da remissão tácita, prevendo
que a devolução do título da obrigação é ato que se interpreta como remissão de
dívida. “Há títulos cuja devolução só pode implicar perdão, pois não é usual a
sua restituição. É o caso do cheque” (SIMÃO, 2021, s. p.).
Outra situação ocorre com a garantia prestada, cuja devolução voluntária do
objeto dado em garantia implica a renúncia do credor a ela (art. 387 do Código
Civil). Quando falamos em dar algum objeto em garantia, estamos nos referindo
ao penhor, que é o ato de entregar ao credor um objeto de valor para garantir o
pagamento da dívida, como, por exemplo, uma joia.

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U N I C ES U M A R

Assim, imagine, que Jorge emprestou R$ 10.000,00 a Renato, o qual entregou


a Jorge um relógio de luxo para servir como garantia (penhor). Caso Jorge, vo-
luntariamente, devolva o relógio a Renato, a interpretação que se dá é que Jorge
renunciou à garantia prestada, mas somente a ela, porque o ato não pode ser
interpretado como remissão da dívida (art. 387, parte final, do Código Civil).
Por fim, conforme já mencionado anteriormente, em uma obrigação solidária,
a remissão em proveito de um dos devedores tem a função de extinguir a dívida
somente na proporção desse devedor e excluí-lo da relação obrigacional (art.
388 do Código Civil). Assim, havendo, por exemplo, três devedores solidários
de uma obrigação de R$ 30.000,00, caso o credor remita a dívida de um deles,
a dívida continuará existindo e de forma solidária com relação e na proporção
com demais, no valor de R$ 20.000,00, portanto.

E M FO CO

Confira a aula referente a este tema. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo


digital do ambiente virtual de aprendizagem.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 7

NOVOS DESAFIOS
Ao longo deste tema, nos dedicamos ao estudo das formas especiais de pa-
gamento e de extinção das obrigações, que vão além do simples ato de quitar
a dívida. Ficou evidente que, embora o pagamento direto ao credor seja a
maneira mais comum de extinguir uma obrigação, existem diversas possi-
bilidades de alcançar esse objetivo sem a efetivação do pagamento ou sem a
entrega direta do objeto devido.
Durante a nossa análise, examinamos situações de extrema relevância prática,
como o uso da consignação em pagamento como alternativa para evitar os efeitos
da mora e do inadimplemento. Além disso, dedicamos tempo ao estudo de uma
forma bastante comum de extinção de obrigações sem o pagamento: a compensação.
É de suma importância que os profissionais do ramo jurídico estejam aten-
tos a essas formas especiais de cumprimento de obrigações, pois, em deter-
minadas circunstâncias, elas podem surgir como alternativas para solucionar
impasses, como ocorre na consignação. Por outro lado, essas modalidades
também podem ser utilizadas como meio de proteção dos próprios créditos,
como acontece na compensação.
Portanto, é fundamental compreender e dominar essas alternativas, a fim de
garantir uma atuação eficiente e assertiva, seja na defesa dos interesses dos credo-
res, seja na busca pela satisfação dos devedores. Ao conhecer e explorar todas as
possibilidades de adimplemento das obrigações, os profissionais do direito estarão
melhor preparados para lidar com os desafios que surgem no cotidiano jurídico.

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VAMOS PRATICAR

1. “A consignação, tendo muito de procedimento, é instituto pertinente tanto ao direito ma-


terial quanto ao direito processual. Trata-se do depósito judicial em regra de uma coisa. A
decisão judicial é que vai dizer se o pagamento feito desse modo em juízo terá o condão de
extinguir a obrigação. O objeto da consignação é um pagamento, mas, com frequência, tais
processos inserem questões prejudiciais mais profundas: quando alguém pretende consig-
nar um aluguel porque o réu recusa-se a receber, por negar a relação locatícia, embora a
finalidade da ação seja a extinção de uma dívida, na procedência estar-se-á reconhecendo
a existência de uma locação.”

VENOSA, S. de S. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13.
ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 241.

Sobre o pagamento em consignação, elabore um texto abordando a vantagem dessa forma


especial de pagamento e os requisitos para que ela tenha força de pagamento com quitação.

2. “As dívidas alimentares não podem ser objeto de compensação por envolverem direitos da
personalidade e decorrência da regra prevista no art. 1.707 da atual codificação material
privada. Cabe pontuar que, pelo Novo Código de Processo Civil, os honorários advocatícios
passam a ter natureza alimentar, expressamente pela lei, sendo vedada a sua compensação
em caso de sucumbência parcial (art. 85, § 14, do CPC/2015). Com isso, perde aplicação a
Súmula 306 do STJ, segundo a qual, ‘os honorários advocatícios devem ser compensados
quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à
execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte’. Urge, portanto, o cancela-
mento dessa sumular.”

TARTUCE, F. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 14. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2019. E-book.

Além dos honorários advocatícios de sucumbência, assinale a alternativa que representa


outra obrigação não compensável.

a) Obrigação de coisa penhorável.


b) Obrigação proveniente de ilícitos.
c) Obrigação contraída em instrumento particular.
d) Obrigação proveniente de título de crédito.
e) Obrigação não alimentar.

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VAMOS PRATICAR

3. “Em princípio, o devedor liberta-se mediante o cumprimento da prestação a que se obri-


gou. É a entrega da coisa devida que extingue a obrigação, e não de outra diversa, ainda
que mais valiosa. Assim era no Direito romano, muito mais rigoroso e mais severo que o
moderno. Ali, porém, nasceu a datio in solutum. Sua evolução não foi, porém, tranquila, e foi
lenta. Admitiu-se, em amenização do princípio, que o consentimento do credor autorizava o
devedor a solver o obrigado mediante a entrega de coisa diversa. Mas somente se o credor
o quisesse, de vez que sem o seu assentimento não podia o devedor operar a entrega de
coisa diferente, com efeito liberatório.”

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017, p. 230.

A respeito da dação em pagamento, avalie as afirmativas a seguir:

I - Trata-se de direito subjetivo do devedor, contra o qual o credor não pode se opor.
II - Se houver a perda da coisa dada em pagamento, o devedor não terá responsabilidade,
pois a dação quita plenamente o débito.
III - A dação em pagamento só é possível com o consentimento do credor.

É correto o que se afirma em:

a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.

4. “Os efeitos da remissão e da confusão na obrigação solidária são idênticos. Assim, como
faz o art. 277 do CC, este dispositivo em comento demonstra a estrutura da obrigação
solidária a partir da extinção parcial da obrigação pela confusão imprópria ou parcial. A
solidariedade gera um feixe obrigacional que estrangula relações autônomas, razão pela
qual cada devedor tem uma relação jurídica autônoma para com o credor. Se com relação
a devedor solidário ocorrer a confusão, para ele desaparece a relação obrigacional, mas
os demais devedores prosseguem presos pela solidariedade (Haftung), descontando-se
o valor da quota em que a confusão operou.”

SIMÃO, J. F. Do direito das obrigações. In: SCHREIBER, A.; TARTUCE, F.; SIMÃO, J. F.; MELO,
M. A. B. de; DELGADO, M. L. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 3. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2021, s. p.

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VAMOS PRATICAR

Quanto aos efeitos da confusão, é correto o que se afirma em:

a) Na obrigação solidária, a confusão produz os mesmos efeitos que a remissão, qual seja,
o aproveitamento em relação a todos os devedores.
b) A confusão em obrigação solidária faz com que ela seja extinta integralmente, uma vez
que o devedor solidário pode ser obrigado pelo todo.
c) Na obrigação solidária, a confusão extingue a obrigação na proporção do crédito ou da
dívida do respectivo credor/devedor.
d) Os efeitos da remissão e da confusão, na obrigação solidária, são distintos, pois a re-
missão concedida a um devedor aproveita aos demais, ao passo que a confusão, não.
e) Nas obrigações solidárias, não é possível a ocorrência de confusão.

5. “No pagamento com sub-rogação, um terceiro, e não o primitivo devedor, efetua o paga-
mento. Esse terceiro substitui o credor originário da obrigação, de forma que passa a dispor
de todos os direitos, ações e garantias que tinha o primeiro. Ressalta evidente que, quando
alguém paga o débito de outrem, fique com o direito de reclamar do verdadeiro devedor
o que foi pago e que esse crédito goze das mesmas garantias originárias. Não há prejuízo
algum para o devedor, que em vez de pagar o que deve a um, deve pagar o devido a outro.”

VENOSA, S. de S. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13.
ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 255.

Sobre o pagamento com sub-rogação, é correto afirmar que:

a) A sub-rogação pode ocorrer tanto por previsão legal quanto por acordo entre as partes,
sem prejuízo para o devedor, que, em vez de pagar o que deve a um credor, paga a outro.
b) A sub-rogação não tem o condão de alterar a configuração inicial da obrigação, man-
tendo-se inalterados o credor, o devedor e o objeto da obrigação.
c) A substituição do credor, na sub-rogação, somente pode ocorrer em hipóteses legal-
mente previstas, não sendo lícito que as partes assim acordem.
d) Havendo a sub-rogação, o devedor poderá exercer o direito de optar para quem realizar
o pagamento, se para o credor primitivo ou se para o substituto.
e) A sub-rogação convencional ocorre nas hipóteses estabelecidas em lei, ao passo que a
sub-rogação legal é a hipótese em que as partes acordam para tanto.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. DOU de 11 jan. 2002. Dispo-
nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 21 ago. 2023.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. DOU de 17 mar. 2015.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.
Acesso em: 21 ago. 2023.

BRASIL, Acórdão no Recurso Especial nº 1.061.530/RS, Brasília: Superior Tribunal de Justiça,


Segunda Seção, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe de 10 mar 2009.

LIMA, M. M. de C. Ação de consignação em pagamento. In: ESCOLA DA MAGISTRATURA DO


ESTADO DO RIO DE JANEIRO (org.). Processo Civil Procedimentos Especiais. Rio de Janeiro:
Emerj, 2012.

NADER, P. Curso de Direito Civil: obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29. ed. Rio de Ja-
neiro: Forense, 2017.

SÃO PAULO. Apelação Cível nº 1011106-02.2018.8.26.0554, Relator Desembargador Rogério Mu-


rillo Pereira Cimino, 9ª Câmara de Direito Privado. DJe de 14.12.2020.

SIMÃO, J. F. Do direito das obrigações. In: SCHREIBER, A.; TARTUCE, F.; SIMÃO, J. F.; MELO, M. A.
B. de; DELGADO, M. L. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2021.

VENOSA, S. de S. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13. ed.
São Paulo: Atlas, 2013.

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

1. A consignação em pagamento é um mecanismo cuja vantagem é evitar maiores proble-


máticas no cumprimento da obrigação, quando pendente alguma anomalia, conforme as
citadas anteriormente. Se realizada de forma eficaz, terá força de pagamento e, portanto,
afastará da obrigação os efeitos da mora. Para que a consignação tenha força de pagamento,
conforme prevê o art. 336 do Código Civil, ela deve ser feita nas mesmas condições do pa-
gamento direto, ou seja, o objeto do pagamento deve ser o mesmo, ele deve ser realizado
no tempo do pagamento e no local devido. Em síntese, deve ocorrer da mesma forma que
ocorreria o pagamento direto, sob pena de não produzir o efeito desejado, que é a extinção
da obrigação e a liberação do devedor.

2. Opção B. O art. 373 do Código Civil proíbe a compensação de obrigação proveniente de


ilícitos, como o esbulho, o furto ou o roubo, bem como derivadas de contrato de comodato
e de depósito e ainda de alimentos. Todas as demais alternativas representam obrigações
cujo objeto não impede a compensação.

3. Opção B. As afirmativas I e II estão incorretas, pois a dação em pagamento é a possibilidade


de que o devedor, no entanto, dê em pagamento coisa diversa da devida, mas somente
poderá fazê-lo caso o credor consinta (art. 356 do Código Civil, o qual também fundamenta
a afirmativa III), bem como que o art. 359 do Código Civil prevê que, se o credor for evicto da
coisa recebida em pagamento, a obrigação primitiva será restabelecida e a quitação dada
ficará sem efeito.

4. Opção C. Na hipótese de credor ou de devedor solidário, a confusão somente extingue a


obrigação na proporção do crédito ou da dívida, permanecendo o restante do crédito ou
do débito inalterados, conforme o art. 383 do Código Civil. A mesma regra é aplicável à re-
missão, que somente aproveita ao devedor remido (art. 388 do Código Civil). Dessa forma,
as opções A, B, D e E não correspondem aos mencionados comandos legais, ao passo que
a C representa a regra do art. 383 do Código Civil.

5. Opção A. A sub-rogação pode ocorrer tanto por previsão legal (sub-rogação legal) quanto
por acordo entre as partes. A sub-rogação convencional ocorre quando as partes envolvidas
estipulam, por meio de acordo, uma situação específica em que haverá a sub-rogação de
direitos, ao passo que a sub-rogação legal é aquela estabelecida diretamente pela lei, a exem-
plo do art. 346 do Código Civil. Por isso, a opção A está correta e a C e E incorretas. A opção
B está incorreta, pois a sub-rogação é um instituto que consiste na substituição de algum
elemento da obrigação, bem como a D está incorreta, uma vez que, havendo a sub-rogação,
o devedor não poderá deixar de, conscientemente, realizar o pagamento ao novo credor.

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UNIDADE 5
TEMA DE APRENDIZAGEM 8

TEORIA GERAL DO
INADIMPLEMENTO
DAS OBRIGAÇÕES

MINHAS METAS

Estudar as modalidades de inadimplemento.

Compreender a relevância do dolo e da culpa no inadimplemento.

Entender a diferença entre a culpa contratual e a extracontratual.

Analisar a sujeição dos bens do devedor no inadimplemento da obrigação e as exceções


legais a essa sujeição.

Estudar o momento do inadimplemento nas obrigações negativas.

Compreender o inadimplemento sem culpa do devedor.

Estudar as regras gerais sobre a mora e a sua caracterização.

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U N I C ES U M A R

INICIE SUA JORNADA


O não cumprimento de uma obrigação pode acarretar diversas consequên-
cias desfavoráveis para ambas as partes envolvidas na relação obrigacional.
As repercussões podem ser bastante significativas, abrangendo não apenas
prejuízos econômicos diversos, mas também a frustração decorrente do
descumprimento da obrigação.
Imagine, por exemplo, que você contratou uma locação de cadeiras para um
evento muito importante para a sua empresa e, no dia da entrega, anterior ao
evento, a contratada informa que não irá cumprir o acordo. Com certeza, o pre-
juízo será muito maior do que o desgaste e a perda dos valores já pagos, pois,
provavelmente, a contratação de uma empresa que forneça o mesmo serviço, de
última hora, terá um acréscimo bastante relevante.
Veja que as consequências do inadimplemento das obrigações podem ser
diversas, a depender da situação em que o credor ou o devedor estiverem postos.
É nesse campo de diversidade de consequências que iniciaremos o estudo da
teoria geral do inadimplemento.
Exploraremos os conceitos introdutórios e essenciais necessários para
compreender o fenômeno do descumprimento de obrigações e suas impli-
cações. Além disso, examinaremos minuciosamente as diversas modalidades
de inadimplemento, destacando suas diferenças básicas e fundamentais, para
podermos ter uma visão clara e abrangente dessa temática tão importante no
direito das obrigações.

P L AY N O CO NHEC I M ENTO

A relação obrigacional é uma relação pessoal, em que pessoas estabelecem


vínculos de caráter patrimonial entre si. Sendo uma relação pessoal, de caráter
patrimonial, portanto, são os bens do devedor que respondem pelas dívidas.
Ouça o nosso podcast e conheça melhor a utilização do salário do devedor como
garantia do cumprimento das obrigações. Recursos de mídia disponíveis no
conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 8

VAMOS RECORDAR?
O pagamento em consignação é uma das diversas formas especiais de extinção
das obrigações. Assista ao vídeo e relembre o conceito e os mecanismos desse
importante instituto. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do
ambiente virtual de aprendizagem.

DESENVOLVA SEU POTENCIAL

INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

A análise do inadimplemento das obrigações demanda o estudo das suas es-


pécies, as quais se dividem em inadimplemento absoluto e em relativo, bem
como as suas consequências específicas. Além disso, há elementos acidentais
que são de grande importância para a análise da matéria em questão, tais como
os institutos do dolo e da culpa, tudo conforme veremos adiante.

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U N I C ES U M A R

Espécies de inadimplemento

O inadimplemento pode ser classificado de duas formas, a depender da utili-


dade que a obrigação ainda possui mesmo após o descumprimento do acordo.
Se estivermos diante de um descumprimento em que houve a falta completa da
prestação e não há mais a possibilidade de execução da obrigação, temos que se
trata de um inadimplemento absoluto.
Para exemplificar, imagine, que um casal contrata uma banda de músicos para
tocar na data do seu casamento. No acordado, no entanto, toda a banda de mú-
sicos faltou ao evento, não executando o objeto da obrigação que era o concerto.

Perceba que, nesse exemplo, havia uma data única e específica para a execu-
ção dos serviços, inclusive com uma finalidade única e que, com relação àquele
casal, pelo menos, em regra, não se repetirá. Como se vê, está-se diante de um
inadimplemento absoluto, pois mesmo que os músicos se disponham a realizar
o concerto em data futura, o cumprimento da obrigação já não mais interessa ao
credor, razão pela qual se trata de um inadimplemento absoluto.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 8

A outra classificação é a do inadimplemento relativo, para a qual a execução do


objeto da obrigação ainda interessa ao credor, uma vez que o descumprimento
foi apenas parcial. Exemplificando, imagine que alguém negocia uma compra e
venda de um veículo a outrem, a ser entregue em uma data previamente acor-
dada, mas só vem a fazê-lo uma semana após.
Veja que, no exemplo, a obrigação foi em parte descumprida, pois não foi
atendido o prazo de entrega do objeto acordado. No entanto, ainda há a possibi-
lidade que ela seja cumprida e que ainda seja de interesse do devedor.


Em qualquer dos casos há inadimplemento, porque o credor tem
direito à prestação devida, na forma do título e no tempo certo. Cum-
prir em parte pode ser o mesmo que não cumprir, porque o credor
tem direito a todo o devido, e pode se não considerar satisfeito se algo
falta na prestação do devedor, da mesma forma que um cumprimento
por modo diferente do devido ou uma execução retardada não libera
o sujeito passivo do poder que sobre ele criou o vínculo obrigatório.
Assim, à impossibilidade equivale às vezes a execução parcial; à
ausência de prestação pode corresponder a que se der em termos di-
ferentes do expresso no título; à falta de pagamento pode comparar-se
a prestação inoportuna (mora do devedor) (PEREIRA, 2017, p. 314).

No inadimplemento relativo, embora o cumprimento da obrigação ainda seja de


interesse do credor e do devedor, tal fato não exime este último do descumprimen-
to de parte do que se obrigou. As consequências podem ser diversas e variadas.
Em ambos os casos, poderá haver a responsabilidade do devedor as perdas
e danos, que são as obrigações que surgem em função do descumprimento da
obrigação principal. Na avaliação dessas perdas e danos, é imprescindível a aná-
lise da natureza da obrigação para se avaliar a culpa da parte inadimplente e a
sua relevância na imposição das consequências.

O dolo e a culpa no inadimplemento

O dolo e a culpa surgem em um contexto em que ocorre uma falta por parte do
devedor, isto é, uma infração ao dever de cumprir com a obrigação. Os dois con-
ceitos, no entanto, surgem a partir de atitudes diferentes e são responsabilizados
de maneiras distintas, a depender do vínculo obrigacional.

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Quando falamos em dolo no direito das obrigações, falamos no descumprimento


intencional e provocado pelo devedor. Trata-se de uma ação dirigida ao fim de
provocar o descumprimento, isto é, em um desejo realizado pelo devedor.
Para ilustrar, basta imaginar a hipótese em que uma pessoa adquire um veículo
de outra e dá em pagamento um cheque. O adquirente, para obter vantagem, após
a emissão do cheque, procura a agência bancária e promove a sustação do título.
Veja, que no exemplo acima houve uma ação deliberada e consciente para o
descumprimento da obrigação, uma vez que a sustação do cheque ocorreu sem
motivo nenhum. Trata-se de uma situação em que o descumprimento da obri-
gação de pagar quantia certa ocorreu por vontade própria do devedor, sendo a
hipótese de dolo.

Por outro lado, a culpa ocorre não pela intenção do devedor inadimplente, mas pela
falta de observância a algum dever contratual, de alguma conduta razoável, para o
cumprimento da obrigação. Nessa hipótese, a qual nomeamos de culpa em sentido
estrito, o inadimplente provoca uma situação não porque ele quis, mas porque,
podendo, não tomou as providências necessárias e cabíveis para evitá-las.

Exemplificativamente, imaginemos um contrato de prestação de serviços advo-


catícios, no qual o advogado se obrigou a empregar a melhor técnica e todos os
meios disponíveis para a defesa do seu cliente em um processo trabalhista. No
curso do processo, no entanto, o advogado perdeu diversos prazos.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 8

Como se vê, o dever de emprego da melhor técnica foi violado pela falta de dili-
gência e zelo do contratado no exercício da sua função. Não necessariamente, o
advogado contratado tenha perdido os prazos com a intenção de descumprir o
contrato, mas, até que haja prova em contrário, o ocorrido se deu pela inobser-
vância dos seus deveres funcionais, sendo o caso de descumprimento por culpa.

A culpa contratual e a extracontratual

No direito civil brasileiro, classificamos a culpa em contratual e extracontratual.


Contratual será a culpa como violação a um dever estipulado em um contra-
to, causando o seu descumprimento, ao passo que a extracontratual, também
chamada de aquiliana, é aquela que não necessariamente desrespeita um dever
contratual, mas um bem jurídico de outra pessoa, causando dano.
Para melhor ilustrar, retomamos o exemplo anterior da aquisição do veículo.
Ao promover a sustação do cheque e frustrar o pagamento do veículo, o devedor
incorreu em culpa contratual, uma vez que descumpriu a obrigação de pagar
contratualmente assumida.
Imagine, ainda, que esse cheque tenha sido transferido, por meio de endosso,
a um terceiro pelo vendedor do veículo, antes que ele soubesse da sustação. O
terceiro, de boa-fé, resolve compensar o cheque na instituição financeira e recebe
a negativa, ao que ele promove a negativação do nome do endossante.
Veja que, no exemplo, o vendedor do veículo passou a sofrer as consequên-
cias do inadimplemento contratual do comprador do veículo. No caso dos
títulos de crédito, como é o caso do cheque, todas as pessoas que compõem
a cadeia de circulação do título podem ser responsabilizadas pelo inadimple-
mento do valor expresso no título.
Dessa forma, o terceiro, ao negativar o nome do endossante, agiu no exercício
regular do seu direito. A falta de compensação do cheque ocorre pela sustação
deste pelo emitente, o qual havia estabelecido um contrato de compra e venda
com o endossante, isto é, com o vendedor que, recebendo o cheque como paga-
mento, o transfere, por endosso, a um terceiro.
Nesse cenário, vemos que o descumprimento contratual do comprador do
veículo levou à negativação do nome do vendedor. Assim, o dano, a negativação
do nome, ocorreu como um efeito externo do inadimplemento, por extrapolar a
esfera do acordo, situação que materializa uma culpa extracontratual ou aquiliana.

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Modalidades de culpa

A culpa pode ainda ser caracterizada de acordo com a conduta do inadimplente


ou com a conduta de terceiro subordinado ao devedor. Assim, se estivermos
diante de uma obrigação na qual o devedor delega a execução do objeto a um
terceiro, analisaremos, ainda, a culpa sob o prisma da culpa in eligendo e da
culpa in vigilando.
Isso porque o devedor, como obrigado, possui o dever de escolher com cau-
tela o terceiro que executará o objeto da obrigação, bem como deve cuidar para
que a execução ocorra dentro dos padrões aceitáveis, razoáveis e esperados. Caso
assim não proceda e o cumprimento da obrigação seja frustrado, mesmo que a
cargo de terceiro, o devedor será responsabilizado.
A culpa in eligendo é exatamente aquela que surge a partir da inobservância
do dever de escolha. Para exemplificar, basta imaginar a hipótese de um contrato
de prestação de serviços, no qual o prestador dos serviços está autorizado a con-
tratar terceiros para auxiliar na execução dos serviços, mas opta por contratar
quem não detenha qualificação técnica para tanto.

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Como se vê, havia a possibilidade de delegação de parte do objeto do contrato a


um terceiro e, quando o fez, o devedor, no caso, o prestador dos serviços, o fez a
quem não detinha qualificação técnica para tanto. O que houve foi, de fato, uma
falta na escolha, logo, o inadimplemento causado por culpa in eligendo.
Por outro lado, a culpa in vigilando
se dá quando o devedor não age com a
devida cautela na fiscalização dos servi-
ços prestados. Imagine que um determi-
nado município contrata uma empresa
terceirizada para a execução de ativida-
des de limpeza, mas deixa de exigir des-
sa empresa os demonstrativos de que os
pagamentos estão sendo corretamente
realizados aos empregados dela e os pa-
gamentos, de fato, não estão sendo feitos.

Essa é uma clássica hipótese de responsabilização do contratante da empresa


terceirizada por culpa na fiscalização, in vigilando. Em síntese, embora não tenha
sido o contratante da terceirizada a pessoa que contratou os empregados dela,
a responsabilidade pela falta do adequado pagamento poderá ser atribuída ao
contratante, uma vez que também se beneficiou dos serviços prestados e não
fiscalizou o cumprimento das obrigações trabalhistas do seu contratado.

Os bens do devedor como garantia no inadimplemento

A obrigação, por se tratar de uma relação patrimonial, tem como principal ga-
rantia os bens do devedor. Prova disso é que o art. 391 do Código Civil diz que
todos os bens do devedor respondem pelo inadimplemento das obrigações.
Essa regra, como várias outras em direito, não é absoluta, ou seja, não são
exatamente todos os bens do devedor que respondem pelo inadimplemento
das obrigações. Há aqueles que a legislação classificou, em razão da natureza
deles, como insuscetíveis de apreensão pelo credor, como enuncia o art. 832
do Código de Processo Civil.

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O art. 833 do CPC contém uma lista de bens considerados impenhoráveis, que
não serão apreendidos, em uma execução, para o adimplemento da obrigação.
Dessa lista, podemos destacar aqueles que são de uso pessoal e profissional do
devedor, como os vestuários, desde que de valor modesto, e os livros, as máquinas,
as ferramentas e os utensílios necessários ao exercício da sua profissão.

AP RO F U NDA NDO

O art. 833, IV, do CPC, prevê que o salário do devedor, os seus proventos de apo-
sentadoria, os seus ganhos como profissional autônomo e os seus honorários de
profissional liberal são impenhoráveis. A exceção legalmente prevista é a do art.
833, §2º, do CPC, para o qual a regra não se aplica em se tratando de obrigação
alimentar e para o caso de valores excedentes a 50 salários mínimos.

Recentemente, passou-se à discussão sobre a possibilidade da penhora desse


tipo de verba para o adimplemento de obrigações não alimentares. Os defen-
sores de tal possibilidade sustentam que, como regra, na maioria dos casos, a
única renda do devedor é a do seu próprio salário, de modo que impedir que
parte dele seja utilizada para adimplir a obrigação seria o mesmo que sujeitar
o credor ao eterno prejuízo.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em 19.04.2023, no julgamen-
to dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.874.222/DF, de relatoria
do Ministro João Otávio de Noronha, decidiu que a relativização da regra da impe-
nhorabilidade do salário, independentemente
da natureza da dívida, é admitida, desde que o
valor penhorado não comprometa a subsis-
tência do devedor. Além disso, foi decidido
que a relativização deve ser feita desde que o
credor tenha tentado os outros meios para a
satisfação do débito (BRASIL, 2023, s. p.).
Assim sendo, uma antiga regra que con-
siderava impossível a apreensão do salário
do devedor para a quitação de uma dívida
passou a ser relativizada, para que tal possa

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ocorrer, desde que o valor apreendido ainda permita que, com o restante, o
devedor se sustente, e desde que o credor já tenha tentado outras medidas de
execução. Os críticos da decisão sustentam que houve uma relativização do
que está legalmente previsto.
Conforme já abordamos anteriormente, mesmo na excepcional hipótese de
prisão do devedor como forma de estímulo ao adimplemento da obrigação, o que
se dá somente naquela de caráter alimentar (art. 5º, LXVII, da Constituição Fede-
ral), não é a prisão que garante o recebimento da dívida. A prisão, na verdade, é
uma forma de estimular que o devedor pague o que deve e mesmo se decretada
e cumprida integralmente o período, tal não extinguirá a dívida.

O inadimplemento nas obrigações negativas

As obrigações negativas, também denominadas de não fazer, são aquelas em que


o devedor é obrigado a se abster da prática de algum ato. Assim, imagine que
uma empresa de tecnologia contrate um consultor externo para trabalhar em
um projeto confidencial que envolve o desenvolvimento de um novo software.
Antes de iniciar o trabalho, o consultor assina um contrato de prestação de
serviços que inclui uma cláusula de confidencialidade, na qual ele se compromete
a não divulgar ou compartilhar qualquer informação confidencial da empresa
com terceiros. Nesse caso, teremos o exemplo de uma obrigação negativa, isto é,
a de não divulgar as informações confidenciais acessadas em razão do serviço.
Nesse tipo de obrigação, o art. 390 do Código Civil prevê que o inadimple-
mento ocorre imediatamente quando realizado o ato que não deveria. Pelo texto
do artigo em questão, nas obrigações negativas o devedor é havido por inadim-
plente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster.


A mora propriamente inexiste, pois o reus debendi passa do estado
de adimplência para o de descumprimento sem intervalo temporal.
Enquanto respeitava a obrigação de não fazer se mantinha adim-
plente, no momento em que violou o acordo passou à condição de
inadimplente. Carvalho Santos configura bem essa situação: “Em
rigor, não há mora nas obrigações negativas. Ela confunde-se com
a inexecução. De fato, se o devedor ao invés de ter a obrigação de

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fazer, tem a de abster-se, o inadimplemento não se pode verificar de


outro modo senão mediante os atos positivos da contravenção. Mas
aí já estamos no domínio da inexecução, fora dos lindes da simples
mora, ou retardamento (NADER, 2016, p. 547-548).

Como podemos observar, o inadimplemento da obrigação negativa é um ina-


dimplemento absoluto, pois não existe um intervalo temporal entre o não fazer e
o feito. Descumprida a obrigação negativa, portanto, o devedor já é considerado
inadimplente desde logo.

O inadimplemento por caso fortuito ou força maior

Estabelece o art. 393 do Código Civil que os prejuízos resultantes de caso fortui-
to ou de força maior não atribuíveis ao devedor, desde que não haja acordo em
sentido contrário. A doutrina tem elaborado diversas teorias para a diferenciação
conceitual do que seria caso fortuito e força maior, não havendo um consenso
sobre o assunto.


As que se destacam são aquelas que tratam os fatores da natureza e o
fato humano como elemento de distinção. Curiosamente, os autores
divergem com esses critérios. Para alguns, se o evento está ligado à
natureza, estamos diante de força maior, e, se está ligado ao ser huma-
no, estamos diante de caso fortuito (por todos, Carvalho Santos). Para
outros, é exatamente o contrário: se o evento está ligado à natureza,
estamos diante de caso fortuito e se está ligado à atividade humana,
estamos diante de força maior (por todos, Clóvis Beviláqua). Há, ain-
da, os que utilizam o critério de previsibilidade como diferenciador.
Se o evento for previsível, estamos diante de caso fortuito, mas se
imprevisível estamos diante da força maior (SIMÃO, 2021, s. p.).

A hipótese em estudo foi bastante comentada na análise de casos envolvendo o


inadimplemento de obrigações em razão do contexto vivido durante a Pandemia
da COVID-19. Com a paralisação de diversos serviços e atividades, houve o ine-
vitável descumprimento de diversas obrigações assumidas, de modo que várias
delas foram levadas à discussão perante o Poder Judiciário.

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A título de exemplo, há julgado que considerou como caso fortuito o atra-


so na conclusão de etapas de empreendimento de construção civil, durante o
período de isolamento social, afastando a aplicação da multa contratual pelo
descumprimento do prazo de conclusão inicialmente previsto (Apelação Cível
nº 0703134-36.2021.8.07.0018, 4a Turma do TJDFT, DJe de 17.12.2021). Nesse
caso citado, foi levado em consideração a escassez de mão de obra e a dificuldade
na execução dos serviços durante o isolamento social.
Por fim, um emblemático caso envolvendo o inadimplemento contratual
e a Covid-19 foi o das companhias aéreas. Em agosto de 2020, foi promulgada
a Lei nº 14.034, que teve vigência até a data de 31 de dezembro de 2021, a qual
estabeleceu, durante o seu período de vigência, um período de tolerância para o
reembolso de valores pagos por passagens aéreas de voos cancelados em razão do
isolamento social, sendo este o de 18 meses (art. 3º, §1º, da Lei nº 14.034/2020).

REGRAS GERAIS SOBRE A MORA

Por definição, mora significa “delonga em pagar […]; é o atraso ou retarda-


mento culposo no cumprimento da obrigação” (SANTOS, 2001, p. 163). Ela é
caracterizada ou pelo cumprimento imperfeito da obrigação ou pelo seu des-
cumprimento, de forma não definitiva, mas sanável, uma vez que a obrigação
ainda pode ser cumprida com utilidade para a parte interessada.

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Pela regra do art. 394 do Código Civil, tanto o devedor quanto o credor podem
ser considerados em mora. No caso do credor, ela ocorrerá quando ele não quiser
receber o objeto da obrigação no tempo, no lugar ou na forma estabelecida pelas
partes ou pela lei.
Imagine que João adquiriu um touro reprodutor de Roberto, mediante o pa-
gamento de determinada quantia, a qual foi paga logo no ato da negociação. No
acordo, ficou estabelecido que João buscaria o touro reprodutor na propriedade
de Roberto em uma data futura e, chegada a data, ele não compareceu.
Perceba que, no nosso exemplo, o devedor é Roberto, cuja obrigação é a de
dar coisa certa a João, qual seja, o touro reprodutor. No entanto, João, o credor,
que tinha a obrigação de receber a coisa no local combinado, que era a proprie-
dade de Roberto, descumpriu o acordado, tornando-se um credor em mora.

O art. 400 do Código Civil prevê que, em se tratando de mora do credor, o de-
vedor fica isento de responsabilidade se houver a perda ou a impossibilidade do
objeto da prestação durante o período do atraso. Além disso, o credor em mora
deve ressarcir o devedor por todas as despesas que ele tenha realizado com a
finalidade de conservar o objeto da obrigação (art. 400 do Código Civil).

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Retornando ao exemplo anterior, João deverá ressarcir Roberto por todas as


despesas que este realizar com a conservação do touro, desde o dia em que ele
deixou de receber o objeto da obrigação no local combinado até o momento
em que ele finalmente resolveu fazê-lo. Assim, os valores gastos com a acomo-
dação do touro, alimentação, vacinas e outras despesas do gênero deverão ser
suportadas por João.
Além disso, caso a propriedade de Roberto, no período de atraso, venha
a ser atingida por uma enchente, vitimando o touro, o prejuízo será de João.
Nesse caso, de perda do objeto da prestação, Roberto só poderá ser responsa-
bilizado caso haja provas de que ele agiu de forma intencional para a perda do
objeto da obrigação.
Em continuidade, pelo art. 395 do Código Civil, os prejuízos causados pela
mora implicam a responsabilidade do devedor por eles, com acréscimo de juros,
correção monetária e demais despesas que a parte lesada tiver realizado para
a cobrança. Ainda, no caso de inutilidade da prestação, ao que nomeamos de
inadimplemento absoluto, o credor poderá exigir do devedor que a obrigação
seja resolvida na forma de indenização por perdas e danos (art. 395, parágrafo
único, do Código Civil).


Responde, na verdade, o devedor pelos prejuízos a que der causa o
retardamento da execução (Código Civil de 2002, art. 395); obriga-
do fica a indenizar o credor pelo dano que o atraso lhe causar, seja
mediante o pagamento dos juros moratórios legais ou convencio-
nais, seja ressarcindo o que o retardo tiver gerado. A indenização
moratória não é substitutiva da prestação devida, vale dizer que
pode ser reclamada juntamente com ela, se ainda for proveitosa
ao credor. Mas, se se tornar inútil ao credor em razão da mora do
devedor, tem ele o direito de exigir a satisfação das perdas e danos
completa, mediante a conversão da res debita no seu equivalente
pecuniário (PEREIRA, 2017, p. 301-302).

Conforme o art. 396 do Código Civil, para que seja caracterizada a mora, faz-se
necessária a ocorrência de ação ou omissão por parte do devedor que contribua
para tanto. Assim, o descumprimento justificado da obrigação, seja por motivo de
caso fortuito ou de força maior, é suficiente para descaracterizar a mora e obrigar
o devedor aos efeitos dela decorrentes.

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Para exemplificar, imagine, que um colecionador de obras de arte tenha alugado


um acervo de peças de sua propriedade para a exposição em uma mostra de
algumas semanas, em um país do exterior, tendo se obrigado a levar tais peças
consigo de avião. Por ocasião do clima, ao realizar uma escala, o voo é impedido
de realizar a decolagem e as atividades do aeroporto ficam suspensas por um
período de quatro dias.
Durante o período de suspensão da decolagem, a mostra já havia se inicia-
do e havia um grande desfalque na exposição, uma vez que grande parte seria
composta pelo acervo do colecionador que não chegou a tempo de entregar
as obras alugadas. Perceba, que estamos diante de uma clara hipótese de des-
cumprimento da obrigação sem culpa do devedor, de modo que não há como
falar que houve mora.

Espécies de mora

Nas obrigações que possuem prazo certo de vencimento e objeto definido,


ou seja, nas obrigações positivas e líquidas, para que o devedor seja consi-
derado em mora, basta o simples descumprimento, por ação ou omissão, da
obrigação no prazo definido (art. 397, caput, do Código Civil). Essa é a mora
denominada ex re, para a qual não é exigida nenhuma comunicação ou maior
formalidade por parte do credor para que o devedor esteja sujeito aos efeitos
decorrentes da mora.

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Esse tipo de mora é muito comum, bastando imaginar a obrigação de pagar a


fatura do cartão de crédito. Caso não ocorra o pagamento da fatura do cartão
de crédito, no prazo de vencimento desta, o consumidor já será considerado em
mora e a obrigação sofrerá os acréscimos dos juros, da correção monetária e,
eventualmente, da penalidade pelo não pagamento no prazo.

Por outro lado, em se tratando de uma obrigação que não possua prazo definido
para o seu cumprimento, faz-se necessária a notificação do devedor quanto ao
seu descumprimento, a fim de que, então, ele seja considerado em mora (art. 397,
parágrafo único, do Código Civil). Trata-se da regra que define a mora ex persona,
a qual não ocorre de maneira automática, mas mediante a notificação do credor.

Imagine que Beatriz e Maria realizaram um contrato de comodato de bem imó-


vel, no qual Beatriz emprestou a sua casa de campo para que Maria nela residisse
por tempo indeterminado. Nesse caso, para que Beatriz possa exigir de Maria
a desocupação do bem, sob pena de ser obrigada a, inclusive, pagar aluguéis
pelo tempo que estiver a mais na casa, ela deverá encaminhar uma notificação,
concedendo o prazo para que a devolução do bem ocorra.
Há casos em que, mesmo havendo prazo certo para cumprimento da obri-
gação, a notificação é condição necessária para a ocorrência de determinados
efeitos. Um exemplo é a necessidade de notificação do devedor, por carta com
aviso de recebimento, para que o credor comprove a mora e obtenha decisão
judicial de busca e apreensão do bem dado em garantia em um contrato com
alienação fiduciária (art. 3º do Decreto-Lei nº 911/69).

A P RO F UNDA NDO

Em contratos de financiamento para a aquisição de veículos, é bastante comum


que o veículo adquirido seja dado em garantia do pagamento do financiamento, ao
que nomeamos de alienação fiduciária. Dessa forma, caso o devedor não pague
corretamente as parcelas do financiamento, a instituição financeira poderá req-
uerer, judicialmente, que o veículo dado em garantia seja apreendido e fique em
sua propriedade, o que ocorre por meio de um mandado de busca e apreensão
expedido no processo judicial.

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AP RO F U NDA NDO

Essa situação é regulamentada pelo Decreto-Lei nº 911/69, cujo art. 3º prevê que,
para comprovar o descumprimento do pagamento das parcelas, com a finalidade
de se obter o mandado de busca e apreensão, a instituição financeira deverá no-
tificar o devedor. Assim, mesmo em se tratando de uma mora ex re, já que o valor
é certo e o prazo também, a notificação é necessária para comprovar o inadimple-
mento e, sem ela, o mandado de busca e apreensão do bem dado em garantia
não será expedido.

Os atos ilícitos são fontes das obrigações nas quais o devedor se obriga não por
um acordo de vontades, mas pela prática de algum ilícito violador de direitos de
outra pessoa. Nesses casos, a pessoa obrigada, a que cometeu o ato ilícito, é consi-
derada em mora desde o momento que praticou o ato (art. 398 do Código Civil).

Efeitos da mora

Um dos efeitos decorrentes da mora é a responsabilização do devedor pela perda


ou impossibilidade da prestação mesmo em se tratando de um caso fortuito ou de
uma força maior, caso estes ocorram durante o atraso. Para que assim não ocorra,
o devedor deverá comprovar que a impossibilidade do objeto da prestação ocor-
reria de qualquer maneira, mesmo se ela tivesse sido cumprida oportunamente,
conforme prevê o art. 399 do Código Civil.


O devedor em mora não responde pelos prejuízos decorrentes do
caso fortuito e da força maior se: a) provar que os prejuízos teriam
ocorrido ainda que a obrigação tivesse sido oportunamente desempe-
nhada. Isso significa que o devedor pode provar que, mesmo se tivesse
cumprido a obrigação na data certa, no lugar certo e na forma certa,
o prejuízo teria ocorrido. É o caso do cavalo emprestado, que vem
do Direito Romano. Se Tício empresta a seu vizinho Mévio o cavalo
que deve ser devolvido em 10 de janeiro, mas Mévio não devolve e,
já em mora, há uma enchente (força maior) que mata o cavalo afo-
gado, o devedor responde pelas perdas e danos. Contudo, se Mévio
provar que os cavalos de Tício (credor) também morreram em razão
da mesma enchente, Mévio nada paga a Tício (SIMÃO, 2021, s. p.).

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Por fim, o art. 401 do Código Civil prevê que o devedor em mora poderá quitar
a dívida desde que ofereça o valor da prestação acrescido dos prejuízos decor-
rentes da mora, bem como que o credor poderá fazê-lo oferecendo-se a receber
o pagamento e se responsabilizando pelas consequências da sua mora. A essa
hipótese damos o nome de purgação da mora, cujo significado é o cumprimento
da obrigação, por parte daquele que está em mora, com a finalidade de interrom-
per a ocorrência dos efeitos do inadimplemento.

E M FO CO

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digital do ambiente virtual de aprendizagem.

NOVOS DESAFIOS
Ao explorarmos o tema da teoria geral do inadimplemento nas relações obri-
gacionais, pudemos perceber sua importância crucial para o campo do Direito.
Nossos estudos abordaram aspectos fundamentais, como a distinção entre
dolo e culpa, bem como a diferença entre culpa contratual e extracontratual,
fornecendo as bases para uma análise precisa das situações que podem surgir
no contexto das obrigações.
Ao examinarmos a sujeição dos bens do devedor em caso de inadimplemento
e as exceções legais a essa situação, pudemos compreender as implicações e res-
ponsabilidades envolvidas nesse cenário. Adicionalmente, aprofundamos nossos
conhecimentos sobre o inadimplemento nas obrigações negativas e o inadim-
plemento sem culpa do devedor, ampliando nossa compreensão das diversas
circunstâncias que podem se manifestar.
As regras gerais sobre a mora e sua caracterização foram abordadas de manei-
ra minuciosa, fornecendo uma visão abrangente dos momentos em que a inadim-
plência se configura e das consequências que dela derivam. Essa compreensão
é essencial para que o profissional jurídico possa tomar decisões embasadas e
fornecer orientações adequadas, evitando prejuízos decorrentes da mora e do
inadimplemento tanto para o credor quanto para o devedor.

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VAMOS PRATICAR

1. “O art. 391 da Lei Civil trata da garantia natural das obrigações: o patrimônio do devedor. A
interpretação sistemática já leva a esta conclusão, à vista dos procedimentos de execução
judicial. Se intimado a pagar e deixa de fazê-lo, segue-se o ato de constrição, mediante
penhora de bens. Há partes do patrimônio que não respondem por dívidas pessoais: os bens
impenhoráveis e os de família (art. 1.711, CC). Ordinariamente estes últimos não garantem
as obrigações de seu titular, salvo se estas forem oriundas de pensão alimentícia, de fian-
ça prestada em contrato de locação, entre outras hipóteses. Como regra geral, a criação
em lei dos chamados bens reservados atende a uma causa social e humanitária. A família
fica a salvo de dívidas provenientes de desemprego ou de negócios mal-sucedidos do
responsável pelas despesas do lar. Em contrapartida, a lei não permite ao juiz a prática da
justiça do caso concreto. Conforme o caso, o ato de constrição pode mais aliviar o credor
e família do que agravar as condições do devedor.”

NADER, P. Curso de Direito Civil: obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 548-549.

A obrigação, por se tratar de uma relação patrimonial, tem como principal garantia os bens
do devedor. Essa regra, como várias outras em direito, não é absoluta, ou seja, não são exa-
tamente todos os bens do devedor que respondem pelo inadimplemento das obrigações.
Há aqueles que a legislação classificou, em razão da natureza deles, como insuscetíveis de
apreensão pelo credor, como enuncia o art. 832 do Código de Processo Civil. No caso do
salário do devedor, discorra sobre a possibilidade de que este venha a responder por dívidas
não alimentares, elencando os argumentos favoráveis à referida tese.

2. “Cumprir em parte pode ser o mesmo que não cumprir, porque o credor tem direito a
todo o devido, e pode se não considerar satisfeito se algo falta na prestação do devedor,
da mesma forma que um cumprimento por modo diferente do devido ou uma execução
retardada não libera o sujeito passivo do poder que sobre ele criou o vínculo obrigatório.
Assim, à impossibilidade equivale às vezes a execução parcial; à ausência de prestação
pode corresponder a que se der em termos diferentes do expresso no título; à falta de
pagamento pode comparar-se a prestação inoportuna (mora do devedor).”

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017, p. 314.

Sobre a classificação do inadimplemento em absoluto e em relativo, é corretor afirmar que:

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VAMOS PRATICAR

a) No inadimplemento absoluto, a execução do objeto da obrigação ainda interessa ao


credor.
b) No inadimplemento relativo, a execução do objeto da obrigação ainda interessa ao cre-
dor, uma vez que o descumprimento foi apenas parcial.
c) No inadimplemento relativo, a execução do objeto da obrigação ainda interessa ao cre-
dor, uma vez que o descumprimento foi total.
d) No inadimplemento absoluto, a execução do objeto da obrigação ainda interessa ao
credor, uma vez que o descumprimento foi apenas parcial.
e) Somente no inadimplemento relativo é que se fala em perdas e danos.

3. “A mora propriamente inexiste, pois o reus debendi passa do estado de adimplência para
o de descumprimento sem intervalo temporal. Enquanto respeitava a obrigação de não
fazer se mantinha adimplente, no momento em que violou o acordo passou à condição
de inadimplente. Carvalho Santos configura bem esta situação: ‘Em rigor, não há mora nas
obrigações negativas. Ela confunde-se com a inexecução. De fato, se o devedor ao invés
de ter a obrigação de fazer, tem a de abster-se, o inadimplemento não se pode verificar
de outro modo senão mediante os atos positivos da contravenção. Mas aí já estamos no
domínio da inexecução, fora dos lindes da simples mora, ou retardamento’.”

NADER, P. Curso de Direito Civil: obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 547-548.

Quanto ao momento do inadimplemento na obrigação negativa, avalie as afirmativas a seguir:

I - O inadimplemento na obrigação negativa é um inadimplemento absoluto, pois não existe


um intervalo temporal entre o não fazer e o feito.
II - Nas obrigações negativas, o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que
executou o ato de que se devia abster.
III - Descumprida a obrigação negativa, é necessária a notificação do devedor para consti-
tuí-lo em mora.

É correto o que se afirma em:

a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.

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4. “As que se destacam são aquelas que tratam os fatores da natureza e o fato humano como
elemento de distinção. Curiosamente, os autores divergem com esses critérios. Para al-
guns, se o evento está ligado à natureza, estamos diante de força maior, e, se está ligado
ao ser humano, estamos diante de caso fortuito (por todos, Carvalho Santos). Para outros,
é exatamente o contrário: se o evento está ligado à natureza, estamos diante de caso for-
tuito e se está ligado à atividade humana, estamos diante de força maior (por todos, Clóvis
Beviláqua). Há, ainda, os que utilizam o critério de previsibilidade como diferenciador. Se
o evento for previsível, estamos diante de caso fortuito, mas se for imprevisível, estamos
diante da força maior.”

SIMÃO, J. F. Do Direito das Obrigações. In: SCHREIBER, A.; TARTUCE, F.; SIMÃO, J. F.; MELO,
M. A. B. de; DELGADO, M. L. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 3. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2021, s. p.

Quanto ao descumprimento da obrigação sem culpa do devedor, avalie as afirmativas a


seguir e assinale a correta.

a) Os prejuízos resultantes de caso fortuito ou de força maior são atribuíveis ao devedor,


desde que não haja acordo em sentido contrário.
b) Os prejuízos resultantes de caso fortuito não são atribuíveis ao devedor, desde que não
haja acordo em sentido contrário, ao passo que os de força maior sempre são atribuíveis
ao devedor.
c) Existe consenso sobre os conceitos de caso fortuito e de força maior, sendo a diferen-
ciação fundamental para a análise da consequência do inadimplemento.
d) A Pandemia da Covid-19 não é um exemplo de situação na qual surgiram descumpri-
mentos obrigacionais sem culpa do devedor.
e) Os prejuízos resultantes de caso fortuito ou de força maior não são atribuíveis ao devedor,
desde que não haja acordo em sentido contrário.

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5. “Responde, na verdade, o devedor pelos prejuízos a que der causa o retardamento da exe-
cução (Código Civil de 2002, art. 395); obrigado fica a indenizar o credor pelo dano que o
atraso lhe causar, seja mediante o pagamento dos juros moratórios legais ou convencionais,
seja ressarcindo o que o retardo tiver gerado. A indenização moratória não é substitutiva
da prestação devida, vale dizer que pode ser reclamada juntamente com ela, se ainda for
proveitosa ao credor. Mas, se se tornar inútil ao credor em razão da mora do devedor, tem
ele o direito de exigir a satisfação das perdas e danos completa, mediante a conversão da
res debita no seu equivalente pecuniário.”

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017, p. 301-302.

Sobre a responsabilidade do devedor pelos prejuízos decorrentes da mora, é correto


afirmar que:

a) Sendo inútil a prestação, ela será convertida em perdas e danos, de maneira equitativa
e ao arbítrio do credor.
b) Para a caracterização da mora, é desnecessária a ocorrência de ação ou de omissão
por parte do devedor.
c) A indenização moratória é substitutiva da prestação devida, não podendo ser reclamada
junto com ela.
d) Estando em mora, o devedor é responsável por todos os prejuízos dela decorrentes,
inclusive com as despesas realizadas para a cobrança do débito.
e) No caso de utilidade da prestação, o credor poderá exigir do devedor que a obrigação
seja resolvida em perdas e danos, pois é o caso de inadimplemento relativo.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Acórdão nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.874.222/DF, Brasília:


Superior Tribunal de Justiça, Corte Especial, Relator Ministro João Otávio de Noronha. DJe de
24 maio 2023.

BRASIL. Constituição Federal. DOU de 5 out. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/


ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 21 ago. 2023.

BRASIL. Decreto-Lei 911/69, de 1º de outubro de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei nº
4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária e dá
outras providências. DOU de 3 out. 1969. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Decreto-Lei/1965-1988/Del0911.htm. Acesso em: 21 ago. 2023.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. DOU.de 11 jan. 2002.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 21
ago. 2023.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. DOU de 17 mar. 2015.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.
Acesso em: 21 ago. 2023.

BRASIL. Lei nº 14.034, de 5 de agosto de 2020. Dispõe sobre medidas emergenciais para a
aviação civil brasileira em razão da pandemia da Covid-19; e altera as Leis n os 7.565, de 19 de
dezembro de 1986, 6.009, de 26 de dezembro de 1973, 12.462, de 4 de agosto de 2011, 13.319, de
25 de julho de 2016, 13.499, de 26 de outubro de 2017, e 9.825, de 23 de agosto de 1999. DOU de
6 ago. 2020. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/
L14034.htm. Acesso em: 21 ago. 2023.

NADER, P. Curso de Direito Civil: obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017.

SANTOS, W. dos. Dicionário Jurídico Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

SIMÃO, J. F. Do direito das obrigações. In: SCHREIBER, A.; TARTUCE, F.; SIMÃO, J. F.; MELO, M. A.
B. de; DELGADO, M. L. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2021.

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

1. O art. 833, IV, do CPC, prevê que o salário do devedor, os seus proventos de aposentadoria,
os seus ganhos como profissional autônomo e os seus honorários de profissional liberal são
impenhoráveis. A exceção legalmente prevista é a do art. 833, §2º, do CPC, para o qual a regra
não se aplica em se tratando de obrigação alimentar e para o caso de valores excedentes a
50 salários mínimos. Recentemente, passou-se à discussão sobre a possibilidade da penhora
desse tipo de verba para o adimplemento de obrigações não alimentares. Os defensores de
tal possibilidade sustentam que, como regra, na maioria dos casos, a única renda do devedor
é a do seu próprio salário, de modo que impedir que parte dele seja utilizada para adimplir
a obrigação seria o mesmo que sujeitar o credor ao eterno prejuízo. A Corte Especial do Su-
perior Tribunal de Justiça, em 19.04.2023, no julgamento dos Embargos de Divergência em
Recurso Especial nº 1.874.222/DF, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, decidiu
que a relativização da regra da impenhorabilidade do salário, independentemente da na-
tureza da dívida, é admitida, desde que o valor penhorado não comprometa a subsistência
do devedor. Além disso, foi decidido que a relativização deve ser feita desde que o credor
tenha tentado os outros meios para a satisfação do débito. Assim sendo, uma antiga regra
que considerava impossível a apreensão do salário do devedor para a quitação de uma dívida
passou a ser relativizada, para que tal possa ocorrer, desde que o valor apreendido ainda
permita que, com o restante, o devedor se sustente, e desde que o credor já tenha tentado
outras medidas de execução. Os críticos da decisão sustentam que houve uma relativização
do que está legalmente previsto.

2. Opção B. No inadimplemento relativo, o descumprimento é apenas parcial, e o objeto da


prestação ainda é possível, razão pela qual a execução da obrigação ainda interessa ao
credor. Se estivermos diante de um descumprimento em que houve a falta completa da
prestação e não há mais a possibilidade de execução da obrigação, temos que se trata de um
inadimplemento absoluto. Em ambos os casos, poderá haver a responsabilidade do devedor
às perdas e danos, que são as obrigações que surgem em função do descumprimento da
obrigação principal. Por isso, as opções A, C, D e E estão incorretas.

3. Opção C. As obrigações negativas, também denominadas de não fazer, são aquelas em que
o devedor é obrigado a se abster da prática de algum ato. Nesse tipo de obrigação, o art.
390 do Código Civil prevê que o inadimplemento ocorre imediatamente quando realizado o
ato que não deveria. Pelo texto do artigo em questão, nas obrigações negativas, o devedor é
havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster. Assim,
apenas as opções I e II estão corretas.

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

4. Opção E. Estabelece o art. 393 do Código Civil que os prejuízos resultantes de caso fortuito
ou de força maior não são atribuíveis ao devedor, desde que não haja acordo em sentido
contrário, por isso o acerto na opção E e o erro nas opções A e B. A doutrina tem elaborado
diversas teorias para a diferenciação conceitual do que seria caso fortuito e força maior, não
havendo um consenso sobre o assunto, por isso a incorreção na opção C. Há diversos casos
envolvendo a discussão de inadimplemento por caso fortuito e força maior no contexto da
Pandemia da Covid-19 (Apelação Cível nº 0703134-36.2021.8.07.0018, 4a Turma do TJDFT,
DJe de 17.12.2021), por isso o erro na opção D.

5. Opção D. Pelo art. 395 do Código Civil, os prejuízos causados pela mora implicam na res-
ponsabilidade do devedor por eles, com acréscimo de juros, correção monetária e demais
despesas que a parte lesada tiver realizado para a cobrança. Sendo inútil a prestação, ela
será convertida em perdas e danos, mas no valor equivalente ao da obrigação, por isso o
erro na opção A. Conforme o art. 396 do Código Civil, para que seja caracterizada a mora,
faz-se necessária a ocorrência de ação ou omissão por parte do devedor que contribua para
tanto, por isso o erro na opção B. A indenização moratória não é substitutiva da prestação
devida, vale dizer que pode ser reclamada juntamente com ela, se ainda for proveitosa ao
credor, por isso o erro na opção C. No caso de inutilidade da prestação, ao que nomeamos
de inadimplemento absoluto, o credor poderá exigir do devedor que a obrigação seja re-
solvida na forma de indenização por perdas e danos (art. 395, parágrafo único, do Código
Civil), por isso o erro na opção E.

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TEMA DE APRENDIZAGEM 9

EFEITOS DO INADIMPLEMENTO
DAS OBRIGAÇÕES

MINHAS METAS

Compreender as consequências do inadimplemento obrigacional.

Estudar as verbas que são incluídas no conceito de perdas e danos.

Diferenciar as espécies de juros existentes no Direito.

Entender as limitações na aplicação de juros pelo inadimplemento obrigacional.

Compreender a exceção à limitação do percentual de juros.

Estudar a cláusula penal e os seus limites.

Entender as formas de garantia prévia à execução da obrigação.

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U N I C ES U M A R

INICIE SUA JORNADA


Ao estabelecermos uma relação obrigacional, é natural que tenhamos a legí-
tima expectativa de que o acordo será cumprido. A partir dessa expectativa,
inclusive, realizamos despesas e outros acordos e negócios envolvendo o objeto
da obrigação firmada.
Ao contratar a compra de alguns sacos de farinha de trigo, por exemplo, o
padeiro, esperando que a encomenda será entregue no prazo, já realiza a compra
dos demais insumos necessários à produção do pão, faz despesas com o anúncio
dos seus produtos, enfim, investe naquilo que irá produzir, tudo confiando que
todas as obrigações serão cumpridas. Ocorre que, no entanto, não raramente há
o descumprimento de algum desses acordos.
É nesse cenário que o estudo das consequências do inadimplemento das
obrigações ganha relevo. Isso porque, caso a única consequência fosse o paga-
mento da coisa devida, não haveria um meio adequado e eficaz para desestimu-
lar as partes a descumprirem o acordado, além do que determinados prejuízos
não seriam ressarcidos.
No caso do padeiro, por exemplo, caso a única consequência fosse obrigar
o fornecedor de farinha a restituir o valor pago, todos os gastos realizados,
na confiança de que a produção seria bem sucedida, ficariam sem nenhum
amparo. Nesse cenário, adiante, veremos quais as consequências do inadim-
plemento das obrigações, bem como as verbas e penas que incidem a partir do
descumprimento do acordo.

P L AY N O CO NHEC I M ENTO

Em um contrato, nem sempre a pena pelo descumprimento é prevista de for-


ma igualitária para ambas as partes. Nesses casos, quase sempre é necessá-
rio recorrer à justiça para corrigir essa desigualdade. Ouça o nosso podcast e
saiba mais sobre como tem sido aplicada a penalidade pelo descumprimento
de uma obrigação. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do am-
biente virtual de aprendizagem.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 9

VAMOS RECORDAR?
O inadimplemento e a mora são conceitos de grande importância para o direito
das obrigações. Assista ao vídeo indicado e relembre esse conteúdo. Recursos
de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem.

DESENVOLVA SEU POTENCIAL

PERDAS E DANOS

O termo perdas e danos é utilizado para designar, em síntese, os prejuízos que o


credor sofreu com o descumprimento da obrigação. Conforme Pereira (2017, p.
323), “essas perdas e danos devem se expressar em uma soma de dinheiro, uma
vez que este é o denominador comum dos valores e é nesta espécie que se estima
o desequilíbrio sofrido pelo credor lesado”.

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Para calcular o valor das perdas e danos, o art. 402 do Código Civil estabelece
que devem ser considerados tanto o prejuízo imediato quanto o prejuízo futuro
decorrente do descumprimento da obrigação.


No primeiro caso, há os danos emergentes ou danos positivos, caso
dos valores desembolsados por alguém […]. No segundo caso, os
lucros cessantes ou danos negativos, constituídos por uma frustra-
ção de lucro (TARTUCE, 2019, s. p.).

Imagine que, por exemplo, você é o proprietário de uma indústria que produz
pães e possui um fornecedor fixo de farinha de trigo. Em um determinado
período, o seu fornecedor atrasou a entrega da farinha de trigo, de maneira
injustificada e sem previsão de normalidade, o que levou ao atraso na produção
e entrega de pães.
Nesse exemplo, podemos imaginar que
o atraso na produção e na entrega dos pães
ocasionou a redução na média das vendas
durante o período, o que seria a hipótese
de lucros cessantes. Além disso, podemos
imaginar ainda que a indústria, para res-
tabelecer a produção, precisou contratar
emergencialmente um novo fornecedor,
cujos preços praticados foram bastante
superiores aos normais em razão da aqui-
sição emergencial, de modo que esse pre-
juízo com a compra de insumos mais caros
seriam os danos emergentes.
Dessa forma, ao calcular as perdas e danos devidas pelo fornecedor de farinha
faltoso, a indústria poderá incluir tanto o valor dos prejuízos imediatos quanto o
valor daquilo que ela deixou de lucrar em razão do atraso na produção.
Neste ponto, é muito importante ressaltar que, conforme o art. 403 do Código
Civil, essas perdas e danos não podem incluir danos meramente hipotéticos, mas
somente aqueles que estejam diretamente ligados ao descumprimento. Dessa
forma, ao requerer as perdas e danos, o credor não poderá estabelecer um valor
aleatório, mas, sim, deverá comprovar a existência do prejuízo alegado.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 9

O Superior Tribunal de Justiça pos-


sui diversos julgados reafirmando
a impossibilidade de cobrança por
danos meramente hipotéticos, isto
é, que não foram comprovados pelo
credor no processo. No julgamento
do Recurso Especial de nº 1.553.790/
PE, a Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça afirmou, por
exemplo, que, “para a configuração
dos lucros cessantes, não basta a
simples possibilidade de realização
do lucro, mas, sim, uma probabilidade objetiva e circunstâncias concretas de que
estes teriam se verificado sem a interferência do evento danoso, e não, repita-se,
mera possibilidade” (BRASIL, 2016, s. p.).

A atualização monetária nas perdas e danos

O prejuízo sofrido pelo credor em um determinado período deverá ser atualizado


para o período em que houver a compensação, isto é, o pagamento, por parte do
devedor. Pela regra do art. 404, caput, do Código Civil, as perdas e danos devem
ser pagas com atualização monetária, acrescidas de juros e demais despesas rea-
lizadas com a cobrança (custas processuais, honorários advocatícios etc.), além
de eventual pena convencional que possa existir.
A atualização monetária é realizada considerando o índice de correção
ajustado entre as partes ou que é aplicável àquele tipo de débito. A análise se
dá de forma específica e, neste ponto, é necessário verificar se há algum acordo
quanto ao índice.
Em atenção à necessidade de preservar o caráter reparatório das perdas e
danos, o art. 404, parágrafo único, do Código Civil, prevê, ainda, que o juiz pode
conceder ao credor uma indenização suplementar, caso ele verifique que os juros
da mora não são suficientes para cobrir o prejuízo.

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O parágrafo único do artigo 404 arma o juiz de poderes para agir
por equidade. Esta, como justiça do caso dado, ou faculdade de
conceder ou decidir fora dos termos estreitos da lei, permitirá ao
julgador pesar as circunstâncias de cada caso, animado de dois
elementos inspiradores: a ausência de cláusula penal e a insufi-
ciência dos juros moratórios para cobertura do prejuízo do credor.
O artigo não especifica, nem ao menos oferece elementos para
estabelecer em que consiste a indenização complementar. Para
isto, pode valer-se de dados concretos, ou proceder sob inspira-
ção de seu arbítrio de bom varão – arbitrium boni viri. Não cabe,
entretanto, ao juiz proceder discricionariamente. Deverá valer-se
tanto quanto possível dos elementos consagrados em lei e nos usos
e costumes, inclusive judiciais. Dentre os critérios utilizáveis, esta-
rá a correção monetária, que é aplicável às dívidas de valor, como
as condenações judiciais, e bem assim os juros compensatórios
(PEREIRA, 2017, p. 325).

Neste ponto, é importante ter em mente que a indenização suplementar será


somente devida quando, mesmo atualizando o valor das perdas e danos, este
não for suficiente para custear os danos efetivamente comprovados. Esse tipo
de situação comumente ocorre em créditos constituídos há muito tempo, cuja
demora na condenação ao pagamento das perdas e danos, no processo judicial,
provocou uma defasagem em razão de variações acima de perdas inflacionárias.

E U IN D ICO

Quando constatado no processo judicial que o valor dos danos sofridos pelo cre-
dor é maior do que o valor apurado em perícia, considerando o excesso de tem-
po entre a ocorrência do dano e a data da condenação, é cabível a concessão
da indenização suplementar. Para entender melhor essa hipótese, convidamos
você a acessar o inteiro teor de um julgamento em recurso de apelação cível, da
32a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Recursos de
mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 9

JUROS LEGAIS

Os juros são valores adicionais que incidem sobre o valor da obrigação, fun-
cionando como uma forma de compensação ou remuneração para o credor, a
depender da natureza que eles tenham. Esse valor adicional pode ser definido
pelas partes ou não, sendo que, neste último caso, é a própria legislação que re-
gulamentará a taxa devida.

Os juros como remuneração, chamados de juros remuneratórios, é uma modalidade


bastante conhecida e comum, quase sempre presente em contratos bancários. Essa
modalidade tem como finalidade principal remunerar a parte que empresta dinheiro
a outra, de modo que eles serão pagos não em razão de um inadimplemento, mas
em razão do tempo de disposição do capital.

Esses juros são, em regra, limitados pelo disposto no art. 591 do Código Civil,
para o qual, em empréstimos com a finalidade econômica, os juros não podem
ser superiores à taxa dos juros moratórios.

ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

Muito se discute sobre a limitação dos juros em empréstimos financeiros, tanto


naqueles realizados por instituições financeiras quanto nos realizados por pessoas
naturais. Isso ocorre porque, embora exista a limitação de que os juros remunera-
tórios não podem exceder à taxa de 1% ao mês, algumas situações são exceções.

O art. 1º do Decreto nº 22.626/1933 (Lei de Usura) prevê de forma expressa que é veda-
da a estipulação de juros superiores ao dobro da taxa legal. Essa limitação, em números,
corresponde à taxa de 12% ao ano, sendo considerada nula a estipulação superior.
As instituições financeiras, no entanto, não se sujeitam à referida limitação,
conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (súmula de nº 596 do STF). As-
sim sendo, em contratos firmados com instituições financeiras, a pactuação dos
juros poderá ser superior à taxa de 12% ao ano, como quase sempre é, e eventual
abusividade dessa taxa deve ser discutida conforme parâmetros específicos.

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A propósito, a prática de agiotagem consiste em, justamente, realizar em-


préstimos com a imposição de taxa de juros superior à legalmente permitida.
Diferentemente do que se pode imaginar, não é ilegal o empréstimo de dinheiro
a juros, mas, sim, a estipulação de juros em taxa superior à legalmente prevista,
excetuando-se as instituições financeiras.
Assim, havendo alguma discussão a respeito da prática de agiotagem, não
deverá ser a obrigação toda declarada nula, mas apenas o valor que excede ao
que a legislação permite.

Juros moratórios

Os juros moratórios funcionam como se fossem uma indenização para o credor


em função do atraso no pagamento por parte do devedor. Se estivermos diante de
uma obrigação na qual esses juros não foram combinados pelas partes, o art. 406
do Código Civil prevê que eles devem ser considerados como sendo os mesmos
aplicáveis às dívidas de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Essa taxa de juros de que trata o mencionado artigo é bastante discutida,
havendo muita divergência sobre qual seria essa taxa. Para alguns, esses juros
moratórios devem ser calculados com base na taxa SELIC, ao passo que, para
outros, o valor seria o de 1% ao mês.

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Os defensores da aplicação da taxa SELIC argumentam que, ao dizer o art. 406


do Código Civil que a taxa de juros deve ser considerada como sendo a mesma
aplicada às dívidas de impostos devidos à Fazenda Nacional, a norma faria refe-
rência aos juros moratórios dos tributos federais.


CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. TAXA LEGAL. CÓDIGO CIVIL,
ART. 406. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. 1. Segundo dispõe o
art. 406 do Código Civil, ‘Quando os juros moratórios não forem
convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando pro-
vierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que
estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos
à Fazenda Nacional’. 2. Assim, atualmente, a taxa dos juros mora-
tórios a que se refere o referido dispositivo é a taxa referencial do
Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a
que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da
Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º,
da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02). 3. Embargos de divergência
a que se dá provimento (BRASIL, 2008, s. p.).

Por outro lado, aqueles que defendem a aplicação da taxa de 1% ao mês, argu-
mentam que a referência que o art. 406 do Código Civil faz é ao disposto no art.
161, §1º, do Código Tributário Nacional, que prevê que os juros de mora aplicá-
veis aos créditos tributários, não havendo previsão legal expressa, é o de 1% ao
mês. A propósito, o Enunciado nº 20 da I Jornada de Direito Civil dispõe que a
taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, §1º, do Código
Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês.

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A principal justificativa para a aplicação da taxa de juros em 1% ao mês é o


argumento de que a taxa Selic apresenta oscilações que impedem as partes de
conhecerem o valor real devido a título de juros.

E U IN D ICO

A Selic é uma taxa básica de juros bastante conhecida na economia, e os seus


valores variam conforme as metas definidas pelo Banco Central. Para conhecer
mais sobre como funciona a Selic e a sua evolução ao longo do tempo, até hoje,
convidamos você a acessar a página especial no site do Banco Central do Brasil.
Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de
aprendizagem.

Nesse cenário de controvérsia, embora haja diversas decisões que adotam ou uma
taxa, ou outra, como regra, deve ser considerada a taxa Selic como a dos juros mora-
tórios não convencionados entre as partes, pois esse é o entendimento do Superior
Tribunal de Justiça, cuja função é justamente interpretar a aplicação da lei federal.
Exemplificando o exposto, imagine uma situação em que uma vítima de
acidente automobilístico ajuíza uma ação de compensação pelos danos morais
sofridos em razão do acidente. Nesse caso, com certeza, as partes não ajustaram
nenhuma taxa de juros aplicável na atualização do valor da indenização, mesmo
porque o dever de indenizar surgiu com o ato ilícito, e não com um contrato.
Assim, temos um claro exemplo de hipótese em que os juros de mora não
foram estipulados pelas partes. Dessa forma, caso condenado, o réu deverá pa-
gar o valor da indenização com o acréscimo de juros de mora correspondentes
à taxa Selic, os quais incidirão desde a data em que ocorreu o acidente até o
momento do efetivo pagamento.
A propósito, os juros moratórios são contados desde a data em que verifi-
cada a mora do devedor. Assim, se se tratar de uma obrigação certa e com data
de vencimento, não sendo necessária nenhuma notificação para o devedor, os
juros incidem logo quando do descumprimento. Por outro lado, se para a carac-
terização da mora for necessária a notificação do devedor, os juros incidirão a
partir da referida notificação ou, ainda, a partir da data da citação no processo
de cobrança (art. 405 do Código Civil).

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 9

Imagine a hipótese de uma dívida de


uma nota promissória, a qual contém o
valor exato e a data de vencimento. Nesse
caso, por se tratar de uma obrigação certa
e líquida, os juros fluem a partir da data
do vencimento, independentemente de
notificação encaminhada ao devedor.
Por fim, o art. 407 do Código Civil
prevê que os juros de mora são devidos
mesmo que seja alegada a inexistência
de prejuízo experimentado pelo credor.
Desse modo, não cabe ao devedor alegar que os juros não são devidos porque,
de alguma forma, não houve prejuízo a partir do descumprimento da obrigação.

CLÁUSULA PENAL

A cláusula penal, conhecida como multa contratual, é o valor que passa a ser
devido pelo inadimplemento da obrigação, podendo este ser total ou parcial
(art. 409 do Código Civil). Nos termos do disposto no art. 408 do Código Civil,
essa multa é devida a partir do momento em que ocorrer o descumprimento da
obrigação de forma culposa.


Destarte, submete-se, a priori, a uma pena o devedor que descum-
prir a obrigação culposamente, ou cumpri-la com atraso, tipifi-
cado como mora. O instituto é utilizado com extrema frequência
nos contratos. Raros serão os contratos que não a têm. Num con-
trato de locação, por exemplo, estipula-se multa, caso o locatário
pague o aluguel após um dia do mês fixado. É comum as partes
camuflarem a cláusula penal, estipulando-a ao avesso, isto é, no
contrato de locação, fixam um desconto, caso o devedor pague até
determinado dia, rezando a avença que o preço do aluguel é ou-
tro, mais elevado. Trata-se de verdadeira multa moratória, como
veremos. No mesmo exemplo do contrato de locação, geralmente
são encontradas as duas formas tradicionais de cláusula penal:

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U N I C ES U M A R

a moratória, já acenada, e a compensatória, quando se estipula


uma multa, no caso de infringência de qualquer das cláusulas do
contrato, como, por exemplo, desvio de uso do imóvel ou da coisa
em geral, resolução antecipada etc. (VENOSA, 2013, p. 354).

A cláusula penal pode ser estipulada tanto para compensar os prejuízos de-
correntes do inadimplemento da obrigação quanto como uma punição ao
devedor pelo seu descumprimento. Na primeira situação, chamamos a multa
de cláusula penal compensatória, ao passo que, na segunda, nomeamos de
cláusula penal moratória.

Cláusula penal compensatória

Segundo dispõe o art. 410 do Código Civil, quando se estipular a cláusula penal
para o caso de total inadimplemento da obrigação, ela será convertida em alter-
nativa a benefício do credor. Esta é, aliás, a definição da cláusula penal compen-
satória, que serve como uma indenização devida ao credor diante do descum-
primento total da obrigação.
Imagine que João adquire um veículo de Maria, no valor de R$ 70.000,00,
com a previsão de entrega para os próximos três meses. No contrato, há uma
cláusula prevendo que, no caso de perda do veículo, será paga uma indenização
no valor de R$ 70.000,00.
Dessa forma, caso o veículo seja destruído antes da entrega, João poderá exi-
gir somente o valor previsto pelas perdas e danos. Não poderá, com efeito, exigir
esse valor acrescido do valor pago, pois ele já serve como indenização pré-fixada
pelas pernas e danos.

VOCÊ SABE RESPONDER?


E se o credor tiver sofrido prejuízos que são superiores ao valor estipulado na
cláusula penal compensatória, será que ele estaria limitado àquele valor?

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 9

Retornando ao exemplo do veículo que João adquiriu de Maria, imagine que, no


período entre a assinatura do contrato e a data da entrega, o comprador realizou
diversas despesas para receber o bem, como, por exemplo, a construção de uma
garagem, a aquisição de equipamentos especiais e outras. Nessa hipótese, con-
siderando que a cláusula penal compensatória está limitada ao valor do veículo,
não seria uma alternativa interessante para o credor exigir somente esse valor,
pois ele excluiria qualquer outra indenização.
Desse modo, verificando que o prejuízo é superior ao valor da obrigação,
o credor deverá optar pela resolução do contrato exigindo a restituição do que
foi pago e a compensação pelos demais prejuízos. Note que a existência de uma
cláusula penal compensatória não obriga o credor a exigir esse valor, de modo
que ele pode optar pelo que for mais interessante.
Conforme Venosa (2013, p. 355),


[...] a maior vantagem da cláusula penal compensatória é que o cre-
dor não precisa provar a ocorrência de dano, pois ela estabelece
uma presunção e será devida sem que o devedor possa questionar
se os danos realmente existiram ou não (art. 416 do Código Civil).

Porém, caso esses danos sejam superiores ao valor estabelecido, é melhor que o
credor, em vez de exigir a multa compensatória, demande pelas perdas e danos
integrais, hipótese em que ele deverá comprovar todo o prejuízo.

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Na multa compensatória, a opção será do credor. Se ele entender
que seus prejuízos pelo inadimplemento foram mais vultosos que o
valor da multa, partirá para a via das perdas e danos. Se, por outro
lado, entender que a multa lhe cobre os prejuízos, ou, ainda, se não
deseja submeter-se a custosa e difícil prova de perdas e danos, opta-
rá pela cobrança da multa. Geralmente, a parte inocente no contrato
pedirá sua rescisão, cumulando tal pedido com a condenação no
pagamento da multa (VENOSA, 2013, p. 357).

Cláusula penal moratória

Diferentemente do que ocorre com a cláusula penal compensatória, na morató-


ria, o que há é a imposição de uma verdadeira multa como consequência pelo
inadimplemento da obrigação. Essa multa, conforme estabelece o art. 411 do
Código Civil, pode ser exigida de forma cumulada com a obrigação principal.
Retornando ao nosso exemplo anterior, imagine que, naquele contrato, há a
previsão de que, caso não seja entregue o veículo no prazo acordado, a obrigação
será acrescida do valor de 10% do contrato. Veja que a ideia é acrescentar o valor
de uma multa ao valor da obrigação, não havendo uma substituição.
A cláusula penal moratória é comumente estabelecida na forma de percentual
a ser acrescido à obrigação principal e tem como principal função aumentar o
valor devido pelo descumprimento. Trata-se de uma disposição que visa a de-
sestimular o descumprimento da obrigação, não fazendo uma correlação exata
a algum prejuízo que o credor possa ter.

Limites da cláusula penal

A principal limitação quanto à cláusula penal é aquela de que trata o art. 412
do Código Civil, para o qual o valor da multa não pode exceder o da obrigação
principal. Nesse caso, estamos diante da limitação da cláusula penal compensa-
tória e, conforme vimos anteriormente, sendo os prejuízos superiores ao valor
da obrigação, é melhor que o credor demande pelas perdas e danos integrais.
Quanto à cláusula penal moratória, exceto nas relações de consumo, não há
uma previsão específica sobre a sua limitação. Normalmente:

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[...] os limites costumeiros são de 20% do valor da prestação inadim-
plida […]. Esse limite de 20% para as relações civis e empresariais é
resultado de uma longa experiência histórica e de uma verdadeira
repetição de condutas em matéria contratual (SIMÃO, 2021, s. p.).

Reportando ao exemplo da compra e venda do veículo, no valor de R$ 70.000,00,


imagine que a multa moratória estabelecida tenha sido no montante de R$
50.000,00. Note que, embora a cláusula penal moratória seja, em regra, estabele-
cida em percentual, nada impede que as partes tenham combinado um valor fixo.
Assim, havendo o descumprimento da obrigação de entregar o veículo no
prazo, em tese, o credor poderia demandar pela resolução do contrato, exigindo
o valor de R$ 70.000,00 mais a multa de R$ 50.000,00. Como tese de defesa o
devedor, ele deverá alegar que a cláusula penal moratória é abusiva, pois corres-
ponde a aproximadamente 70% do valor da obrigação, e requerer a redução dessa
multa para 20%, que daria algo em torno de R$ 14.000,00.
Nesse ponto, vale o alerta de que o percentual de 20% não é uma unanimi-
dade, havendo tanto autores quanto julgados que entendem que o limite seria
até menor. Tartuce, por exemplo, filia-se à corrente que afirma que “o limite para
os contratos civis é de 10% (dez por cento) sobre o valor da dívida, conforme
previsto nos arts. 8º e 9º da Lei de Usura” (2019,s. p.).
Por outro lado, em se tratando de uma dívida de consumo, o art. 52, §1º, do
Código de Defesa do Consumidor, possui previsão específica de que a cláusula
penal moratória não pode ser superior a 2% do valor da prestação. Essa dispo-
sição é específica das relações de consumo, devendo ser avaliada a natureza da
relação entre as partes para verificar se o limite é aplicável ou não.
Se estivermos diante de uma obrigação na qual existe a previsão da cláusula
penal moratória e da compensatória, o credor está limitado a exigir apenas uma
delas. Se requerer o pagamento da pena compensatória, deverá a moratória ser
afastada e vice-versa.


O que não pode ocorrer é se exigir a prestação devida cumulada
com a cláusula penal compensatória, pois o credor receberia duas
vezes a prestação (uma in natura e outra na forma de perdas e danos
prefixadas). Isso não se verifica no caso de cláusula penal morató-
ria (ver art. 411 do CC). Há também uma normal correlação entre

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a cláusula penal compensatória e o valor do objeto da prestação.


Normalmente, se fixada em percentuais, estamos diante de uma
cláusula penal moratória. Escolhida a cláusula penal pelo credor,
a obrigação original desaparece. Nada mais poderá o credor exigir
(SIMÃO, 2021 s. p.).

Por fim, o art. 413 do Código Ci-


vil contém uma importante regra
de equilíbrio contratual, ao prever
que a penalidade deve ser reduzi-
da equitativamente pelo juiz se
a obrigação principal tiver sido
cumprida em parte ou se a mul-
ta for manifestamente excessiva.
Embora grande parte dos auto-
res defenda que essa redução seja
uma obrigação do juiz, ou seja,
que ele deverá reduzir a multa
ainda que as partes não tenham
requerido (de ofício), como é o caso de Venosa (2013, p. 364) e Tartuce (2019, s.
p.), há aqueles que defendem que, por se tratar de uma questão de direito patri-
monial disponível, somente seria cabível a redução obrigatória em contratos de
adesão (SIMÃO, 2021, s. p.).

Cláusula penal nas obrigações divisíveis e nas indivisíveis

Se estivermos diante de uma obrigação indivisível e houver vários devedores,


caso um deles descumpra a obrigação, o que descumpriu a obrigação poderá
ser cobrado pelo valor integral da multa, ao passo que os demais responderão
somente de maneira proporcional (art. 414 do Código Civil).
Imagine que, por exemplo, quatro devedores são responsáveis pela entrega
de um cavalo de competição, com a previsão de multa moratória de R$ 4.000,00.
Caso a entrega, por culpa de um dos devedores, não seja realizada no prazo
estipulado, esse devedor que deu causa ao descumprimento estará obrigado ao
pagamento integral do valor da multa (R$ 4.000,00), ao passo que os demais
somente se responsabilizam pela cota correspondente (R$ 1.000,00).

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Uma outra hipótese é aquela em que a cláusula penal, em si, é um objeto in-
divisível. Imagine que a multa pelo descumprimento de determinada obrigação,
assumida por dois devedores, seja a entrega de um touro reprodutor.

Nesse caso, havendo o descumprimento, com culpa de apenas um dos devedores,


o credor poderá exigir de qualquer um dos dois devedores o touro por inteiro,
uma vez que o objeto é indivisível. Se aquele que deu causa ao descumprimento
entregar o touro ao credor, ele não poderá exigir nada do outro devedor, ao passo
que, se o devedor que não deu causa entregar o touro ao credor, ele poderá exigir o
valor inteiro do que deu causa.

O devedor que não deu causa ao descumprimento, arcando com a sua proporção
na multa divisível ou com o pagamento integral na multa indivisível, tem resguar-
dado o seu direito de exigir o valor pago ao devedor faltoso. É a regra do art. 414,
parágrafo único, do Código Civil, para o qual, aos não culpados, fica reservada a
ação regressiva contra aquele que deu causa à aplicação da pena.

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ARRAS OU SINAL

As arras ou sinal, palavra sinônimas, funcionam como uma espécie de garantia


tanto para o credor quanto para o devedor da execução do contrato. É “o valor
dado em dinheiro ou bem móvel entregue por uma parte à outra, quando do
contrato preliminar, visando a trazer a presunção de celebração do contrato de-
finitivo” (TARTUCE, 2019, s. p.).
O Código Civil prevê duas espécies de arras ou sinal, uma delas com a função
de confirmar o contrato (arras confirmatórias) e a outra com a função de indeni-
zar a parte que não deu causa ao fim do contrato (arras penitenciais). Para o art.
417 do Código Civil, havendo a conclusão do contrato, esse valor antecipado ou
será devolvido ou será computado na prestação devida, a depender da natureza
dele, se confirmatória ou se indenizatória.


Dadas as arras, considera-se assegurada a conclusão do contrato.
Distinguem-se da cláusula penal, pelo fato de ser convenção real, no
sentido de que um dos contratantes entrega desde logo ao outro uma
importância em dinheiro ou uma outra coisa móvel, ao passo que a
cláusula penal consiste numa convenção acessória, pela qual a parte
infratora pagará à outra o valor estipulado (PEREIRA, 2017, p. 345).

Arras confirmatórias

As arras ou o sinal confirmatório é “o adiantamento do preço, como garantia de


cumprimento de um contrato” (VENOSA, 2013, p. 370). Elas existem em con-
tratos que não contêm a previsão de direito de arrependimento, sendo um valor
que será retido ou exigido pela parte que não deu causa à conclusão do contrato,
além das perdas e danos (art. 418 do Código Civil).

Desse modo, tem-se duas situações distintas e com consequências distintas, quais
sejam, a inexecução contratual pela parte que deu as arras ou o sinal e a inexecução
pela que recebeu as arras ou o sinal. Se for pela parte que deu as arras, o valor será
perdido em proveito de quem recebeu; se a inexecução for por quem recebeu, a
parte será obrigada a restituir o valor recebido mais o equivalente.

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Exemplificando, imagine que João adquire de Maria um imóvel no valor de R$


100.000,00, cujo pagamento e a transmissão do imóvel ocorrerão em um ano,
tendo sido dado em sinal o valor de R$ 10.000,00. Antes do prazo de conclusão
do contrato, João desiste da compra, hipótese em que Maria terá duas opções:
ou ela exige o cumprimento do contrato, isto é, o valor restante, acrescido de
eventuais prejuízos comprovados, ou ela considera o contrato desfeito, retendo
o valor já recebido e pleiteando eventuais prejuízos superiores.
No nosso exemplo, ainda, caso a desistência seja por Maria, isto é, pela parte
que recebeu o sinal, João poderá exigir o cumprimento do acordo, pagando o
valor restante e ficando com o imóvel, além de eventuais prejuízos que compro-
var, ou poderá ainda considerar o contrato desfeito. Nessa última hipótese, ele
exigirá de Maria o valor pago em sinal, além de juros e correção monetária, mas
na forma dobrada, tudo como forma de indenização, além de eventuais prejuízos
comprovadamente existentes.


Se a parte que deu as arras não cumprir o contrato, as arras devem
ser devolvidas à outra parte mais seu equivalente (mínimo de inde-
nização), que poderá, ainda, pedir a resolução do contrato por ina-
dimplemento (“haver o contrato por desfeito”). [...] A lei não utiliza
o termo “dobro”, pois objetos não têm dobro (só dinheiro tem). Se
João deu um cavalo em arras e se arrepende, João perde o cavalo.
Se Maria recebeu o cavalo em arras e se arrepende, Maria devolve
o cavalo mais seu valor em dinheiro. O dinheiro é o equivalente
universal. Se João deu R$ 1.000,00 em arras e se arrepende, João per-
de o dinheiro. Se Maria recebeu R$ 1.000,00 em arras e se arrepende,

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Maria devolve os R$ 1.000,00, com correção monetária desde a data


do recebimento (momento em passou a usufruir do dinheiro), mais
juros de mora iniciados com o inadimplemento, tendo a obrigação
data de vencimento (ver art. 397), mais honorários de advogado, em
dobro (SIMÃO, 2021, s. p.).

Arras penitenciais

As arras penitenciais são as existentes em contrato com direito de arrependi-


mento, e servirão como função indenizatória para a parte que não deu causa ao
fim do contrato, não havendo, no caso, perdas e danos. Aliás, esta é a principal
diferença entre as arras confirmatórias e as arras penitenciais: a inexistência de
cumulação com perdas e danos nas arras penitenciais.
O art. 420 do Código Civil prevê que, caso haja o direito de arrependimen-
to previsto no contrato, as arras terão a função unicamente indenizatória. O
artigo prevê de forma expressa que não haverá a possibilidade de exigência de
indenização suplementar.

E M FO CO

Confira a aula referente a este tema. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo


digital do ambiente virtual de aprendizagem.

NOVOS DESAFIOS
O inadimplemento das obrigações é um fenômeno que traz implicações muito
diversas do simples prejuízo imediato experimentado pela parte inocente. Além
do valor devido, podem ocorrer outros prejuízos previstos ou não nos contratos.
Nesse contexto, o presente tema de aprendizagem abordou quais são as ver-
bas incluídas no conceito das perdas e danos, bem como a necessidade de que
todos os prejuízos efetivamente sofridos pela parte inocente sejam comprovados.
Vimos que, por exemplo, não é admissível a cobrança de indenização por dano
hipotético que não tenha efetivamente ocorrido no mundo dos fatos.

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Neste ponto, aliás, é muito importante que o profissional jurídico tenha em mente
tal regra, a fim de melhor orientar o seu cliente a documentar todos os prejuízos
que efetivamente sofreu quando diante de um inadimplemento contratual. Por
outro lado, é importante ainda que ele saiba identificar a prova de tais prejuízos,
caso esteja em defesa da parte inadimplente, a fim de evitar que sejam pagos
valores que não foram comprovados.
Vimos, ainda, que nas obrigações podem incidir valores adicionais que fun-
cionarão ou como compensação ou como remuneração do credor. Tais valores,
como estudamos, estão, em regra, limitados a uma taxa de 12% ao ano, com
exceção das obrigações contraídas com as instituições financeiras.
Essa limitação de juros, inclusive, há muito tempo tem sido um campo de
atuação para o profissional jurídico, cuja função primordial é a de identificar a
existência de juros superiores aos legalmente previstos e orientar na tentativa
de redução destes.
Por fim, estudamos, ainda, a cláusula penal e o sinal, bem como os limites
destes e as diferenças entre ambos os institutos. Vimos que a cláusula penal é uma
multa que pode tanto se somar ao valor devido quanto substituir esse valor, como
uma indenização pré-fixada, bem como que o sinal tem uma função semelhante,
mas, ao invés de ser requerido após o inadimplemento, é estabelecido previamente.
Nesse cenário, o profissional jurídico deve estar atento às referidas
peculiaridades de cada uma dessas verbas estudadas nesta unidade, a fim de
identificar quais são cumuláveis e quais não são cumuláveis. Conhecer essas
consequências do inadimplemento das obrigações é imprescindível para prestar
uma boa orientação às partes, tanto ao credor quanto ao devedor, de modo a
evitar a perda de valores devidos e a afastar cobranças abusivas.

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VAMOS PRATICAR

1. “À vista disso, seja por princípios gerais do direito, seja pela principiologia adotada no CDC,
ou, ainda, por comezinho imperativo de equidade, mostra-se abusiva a prática de estipular
cláusula penal exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou de inadimple-
mento contratual absoluto, ficando isento de tal reprimenda o fornecedor em situações
de análogo descumprimento da avença. Destarte, prevendo o contrato a incidência de
multa para o caso de inadimplemento por parte do consumidor, a mesma multa deverá ser
considerada para o arbitramento da indenização devida pelo fornecedor, caso seja deste a
mora ou o inadimplemento absoluto.”

BRASIL. Ementa, relatório e voto no Recurso Especial nº 1.614.721/DF. Ministro Luis Felipe
Salomão. Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. DJe de 25 jun. 2019, s. p.

Em um contrato, nem sempre a pena pelo descumprimento é prevista de forma igualitária


para ambas as partes. Nesses casos, quase sempre é necessário recorrer à justiça para cor-
rigir essa desigualdade. Em um breve texto, aborde os critérios utilizados para a aplicação
da penalidade contratual de forma simétrica, em contratos que a preveem somente para
uma das partes.

2. “O parágrafo único do artigo 404 arma o juiz de poderes para agir por equidade. Esta, como
justiça do caso dado, ou faculdade de conceder ou decidir fora dos termos estreitos da lei,
permitirá ao julgador pesar as circunstâncias de cada caso, animado de dois elementos
inspiradores: a ausência de cláusula penal e a insuficiência dos juros moratórios para co-
bertura do prejuízo do credor. O artigo não especifica, nem ao menos oferece elementos
para estabelecer em que consiste a indenização complementar. Para isto, pode valer-se
de dados concretos, ou proceder sob inspiração de seu arbítrio de bom varão – arbitrium
boni viri. Não cabe, entretanto, ao juiz proceder discricionariamente. Deverá valer-se tanto
quanto possível dos elementos consagrados em lei e nos usos e costumes, inclusive judi-
ciais. Dentre os critérios utilizáveis, estará a correção monetária, que é aplicável às dívidas
de valor, como as condenações judiciais, e bem assim os juros compensatórios.”

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017, p. 325.

Sobre a indenização suplementar, é correto afirmar que:

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VAMOS PRATICAR

a) A indenização suplementar será devida sempre que o julgador, com base nas suas regras
de experiência, a considerar justa.
b) A indenização suplementar somente será devida quando, mesmo atualizando o valor das
perdas e danos, este não é suficiente para custear os danos efetivamente comprovados.
c) A indenização suplementar é discricionária, valendo-se o juiz de elementos que ressaem
à relação obrigacional.
d) Não existe previsão legal de fixação de indenização suplementar, sendo uma construção
costumeira.
e) A indenização suplementar será devida sempre que o valor das perdas e danos for su-
ficiente para custear os danos efetivamente comprovados.

3. “CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. TAXA LEGAL. CÓDIGO CIVIL, ART. 406. APLICAÇÃO DA TAXA
SELIC. 1. Segundo dispõe o art. 406 do Código Civil, ‘Quando os juros moratórios não forem
convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação
da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de
impostos devidos à Fazenda Nacional’. 2. Assim, atualmente, a taxa dos juros moratórios a
que se refere o referido dispositivo é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e
Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts.
13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e
30 da Lei 10.522/02). 3. Embargos de divergência a que se dá provimento.”

BRASIL. Acórdão nos Embargos de Divergência em Recurso Especial de nº 727.842/SP,


Relator Ministro Teori Albino Zavaski, Corte Especial. Superior Tribunal de Justiça. DJe de
20.11.2008, s. p.

Sobre os juros moratórios não pactuados, considere as seguintes afirmativas.

I - Os juros moratórios não pactuados são os mesmos aplicáveis às dívidas de impostos


devidos à Fazenda Nacional.
II - Parte da doutrina sustenta que a taxa aplicável é a SELIC, uma vez que esta é a que
corresponde aos juros moratórios dos tributos federais.
III - Não existe divergência sobre a taxa aplicável aos juros não pactuados.

É correto o que se afirma em:

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VAMOS PRATICAR

a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.

4. “Destarte, submete-se, a priori, a uma pena o devedor que descumprir a obrigação cul-
posamente, ou cumpri-la com atraso, tipificado como mora. O instituto é utilizado com
extrema frequência nos contratos. Raros são os contratos que não a têm. Num contrato
de locação, por exemplo, estipula-se multa, caso o locatário pague o aluguel após um dia
do mês fixado. É comum as partes camuflarem a cláusula penal, estipulando-a ao avesso,
isto é, no contrato de locação, fixam um desconto, caso o devedor pague até determinado
dia, rezando a avença que o preço do aluguel é outro, mais elevado. Trata-se de verdadeira
multa moratória, como veremos. No mesmo exemplo do contrato de locação, geralmente
são encontradas as duas formas tradicionais de cláusula penal: a moratória, já acenada, e
a compensatória, quando se estipula uma multa, no caso de infringência de qualquer das
cláusulas do contrato, como, por exemplo, desvio de uso do imóvel ou da coisa em geral,
resolução antecipada etc.”

VENOSA, S. de S. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13.
ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 354.

Sobre a cláusula penal, é correto afirmar que:

a) A cláusula penal pode ser estipulada tanto para compensar os prejuízos decorrentes
do inadimplemento da obrigação quanto como uma punição ao devedor pelo seu des-
cumprimento.
b) A maioria dos contratos não contém a previsão de cláusula penal, devendo a compen-
sação ser sempre avaliada em juízo.
c) O devedor será sujeito à pena independentemente de ter agido culposamente.
d) A cláusula penal será sempre compensatória, representando uma indenização pelo
descumprimento contratual.
e) A cláusula penal sempre será fixada em percentual devido ao credor.

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5. 5. “Na multa compensatória, a opção será do credor. Se ele entender que seus prejuízos
pelo inadimplemento foram mais vultosos que o valor da multa, partirá para a via das perdas
e danos. Se, por outro lado, entender que a multa lhe cobre os prejuízos, ou, ainda, se não
deseja submeter-se a custosa e difícil prova de perdas e danos, optará pela cobrança da
multa. Geralmente, a parte inocente no contrato pedirá sua rescisão, cumulando tal pedido
com a condenação no pagamento da multa.”

VENOSA, S. de S. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13.
ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 357.

Imagine que João adquiriu um veículo de Maria e, entre a assinatura do contrato e a data da
entrega, o comprador realizou diversas despesas para receber o bem, como, por exemplo,
a construção de uma garagem, a aquisição de equipamentos especiais e outras. O contrato
prevê uma cláusula penal que é exatamente o valor do veículo. Nesse caso, assinale a opção
que melhor representaria os direitos de João.

a) João deverá pleitear a cláusula penal compensatória, não lhe assistindo nenhum direito
sobre os prejuízos suplementares.
b) Se o prejuízo for superior ao valor da obrigação, João deverá exigir de Maria tão somente
o valor dos prejuízos experimentados.
c) Considerando que os prejuízos devem ser repartidos proporcionalmente, João arcará
com metade dos seus gastos e Maria com a outra metade.
d) Verificando que o prejuízo é superior ao valor da obrigação, João deverá optar pela
resolução do contrato exigindo a restituição do que foi pago e a compensação pelos
demais prejuízos.
e) Se João optar pela cláusula penal compensatória, ele deverá provar os prejuízos.

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REFERÊNCIAS

CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL (org.). Enunciado de nº 20 da I Jornada de Direito Civil. A


taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Na-
cional, ou seja, um por cento ao mês. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enun-
ciado/666. Acesso em: 3 ago. 2023.

BRASIL. Acórdão nos Embargos de Divergência em Recurso Especial de nº 727.842/SP, Relator


Ministro Teori Albino Zavaski, Corte Especial. Superior Tribunal de Justiça. DJe de 20.11.2008.

BRASIL. Acórdão no Recurso Especial de nº 1.553.790/PE, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva, Terceira Turma. Superior Tribunal de Justiça. DJe de 09.11.2016.

BRASIL. Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933. Dispõe sobre os juros nos contratos e dá outras
providências. DOU de 8.4.1933. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/
d22626.htm. Acesso em: 3 ago. 2023.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e
institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. DOU de
27 out. 1966. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm.
Acesso em: 3 ago. 2023.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Institui o Código de Defesa do Consumidor.


DOU de 12 set. 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compila-
do.htm. Acesso em: 7 ago. 2023.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. DOU de 11 jan. 2002. Dis-
ponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 31 jul. 2023.

NADER, P. Curso de Direito Civil: obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 29. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017.

SIMÃO, J. F. Do direito das obrigações. In: SCHREIBER, A.; TARTUCE, F.; SIMÃO, J. F.; MELO, M. A.
B. de; DELGADO, M. L. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2021.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmula 596. As disposições do Decreto 22.626/1933 não se apli-
cam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições
públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional. Disponível em: https://portal.
stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=30&sumula=2017. Acesso em: 3 ago. 2023.

TARTUCE, F. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 14. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019. E-book.

VENOSA, S. de S. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13. ed.
São Paulo: Atlas, 2013.

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CONFIRA SUAS RESPOSTAS

1. O Superior Tribunal de Justiça, recentemente, no Tema Repetitivo 971, firmou o entendimento


de que, no contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora, havendo previsão
de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada
para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. Assim, o que ocorrerá é
a aplicação da multa pelo descumprimento do acordo de forma inversa, respondendo a
construtura pela não execução do combinado do mesmo jeito que o consumidor responderia
se o inadimplemento fosse dele. Nesse julgamento, foi considerada a necessidade de inter-
pretação simétrica do contrato, de modo a equilibrar a relação contratual e a tratar as partes
com igualdade. Além disso, foi considerado que a ideia de equivalência entre as partes é uma
base ética das obrigações, não podendo uma das partes ser tratada com tamanho privilégio
em detrimento da outra. Esse julgamento refere-se a uma relação específica de consumo,
mas nada impede que o mesmo raciocínio seja estendido a outras relações. Se estivermos,
por exemplo, diante de uma relação contratual em que o prejuízo pelo descumprimento do
acordo ocasione prejuízos semelhantes a ambos os contratantes, a aplicação simétrica da
cláusula penal é perfeitamente cabível. Nesses casos, deverá haver a demonstração, por
meio de provas, de que o descumprimento contratual tem as mesmas consequências para
ambas as partes. Caso não seja assim evidenciado, a aplicação simétrica não será possível.

2. Opção B. O art. 404, parágrafo único, do Código Civil, prevê expressamente a indenização su-
plementar. Em atenção à necessidade de preservar o caráter reparatório das perdas e danos,
o art. 404, parágrafo único, do Código Civil, prevê ainda que o juiz pode conceder ao credor
uma indenização suplementar, caso ele verifique que os juros da mora não são suficientes
para cobrir o prejuízo. Assim, as demais alternativas estão incorretas, pois consideram que
ela é discricionária e que não há previsão legal para tanto.

3. Opção C. Se estivermos diante de uma obrigação na qual esses juros não foram combinados
pelas partes, o art. 406 do Código Civil prevê que eles devem ser considerados como sendo
os mesmos aplicáveis às dívidas de impostos devidos à Fazenda Nacional. Essa taxa de juros
de que trata o mencionado artigo é bastante discutida, havendo muita divergência sobre
qual seria essa taxa. Para alguns, esses juros moratórios devem ser calculados com base na
taxa SELIC, ao passo que, para outros, o valor seria o de 1% ao mês. O erro na afirmativa III é
considerar que não existe divergência sobre a taxa, quando, na verdade, há quem defenda
ser a de 1% ao mês.

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4. Opção A. A cláusula penal, conhecida como multa contratual, é o valor que passa a ser devido
pelo inadimplemento da obrigação, podendo este ser total ou parcial (art. 409 do Código
Civil). A cláusula penal pode ser estipulada tanto para compensar os prejuízos decorrentes
do inadimplemento da obrigação quanto como uma punição ao devedor pelo seu descum-
primento. Na primeira situação, chamamos a multa de cláusula penal compensatória, ao
passo que, na segunda, nomeamos de cláusula penal moratória. Além disso, é uma pena
imposta à parte que culposamente deixou de cumprir com o acordo, podendo ser fixada
em valor fixo ou em percentual, quase sempre presente nos contratos. Assim, as opções B,
C, D e E estão equivocadas.

5. Opção D. A maior vantagem da cláusula penal compensatória é que o credor não precisa
provar a ocorrência de dano, pois ela estabelece uma presunção e será devida sem que o
devedor possa questionar se os danos realmente existiram ou não (art. 416 do Código Civil).
Porém, caso esses danos sejam superiores ao valor estabelecido, é melhor que o credor,
em vez de exigir a multa compensatória, demande pelas perdas e danos integrais, hipótese
em que ele deverá comprovar todo o prejuízo. Assim, verificamos, ainda, os equívocos nas
opções A, B, C e E.

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