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Rosso Malpelo, Giovanni Verga

Contextualização:

Conto é publicado em 1978 (próximo do processo de unificação italiana—»


1861);

Os mineiros sicilianos eram imensamente explorados: 14 horas de trabalho


diário e risco de morte constante, tudo por um salário que não basta, sequer,
para garantir alimentação diária;

Questão meriodional: regiões do sul italiano tidas como atrasadas cultural,


económica e industrialmente (Franchetti e Sonnino, homens de direita liberal e
moderada, procuram familiarizar o resto do país com as condições de vida do
sul italiano por meio de um inquérito de investigação na Sicília, 1877—-»
reformismo moderado dos autores que culpam a incompreensão quanto à
realidade destas comunidades por “15 anos de fracasso no governo”);—-» o
trabalho infantil nas minas sicilianas é, também, abordado;

Noção de necessidade de conhecer para melhor governar e evitar revoltas


sociais;

Um certo caráter de intervenção política que Verga vai perdendo ao longo da


sua carreira;

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Romance psicológico francês é antagónico à escrita naturalista de Verga;

Verga não só conhecia estes autores e havia estudado este inquérito (teoria
corroborada por Luperini, crítico literário italiano), como trabalhara com os
seus autores numa revista fundada pelo par;

O conto:
Protagonista vítima do código, das crenças e valores desta comunidade, vítima,
igualmente e pela mesma razão, da sua mãe e família—-» vítima de um sistema
que o sujeita a más condições (não significa que Rosso seja moralmente
exemplar);
Maldade humana em destaque;

Poética do ponto de vista em prática: “tornarmo-nos pequeninos nós também”


Se Fantasticheria representa a teorização da poética do ponto de vista, Rosso
Malpelo é a expressão e prática dessa base teórica;
A voz do narrador é a voz dos mineiros, da classe popular retratada—-» a sua
perspetiva é igual à dos trabalhadores, partilhando das suas crenças e
preconceitos (ex: crença na maldade de Rosso em consequência da sua
ruivez, “(…) he was called Malpelo because he had red hair (…)”;
Aplicação de uma lógica distorcida resultante do ideário da população—-»
expressões causais (”So everybody (…)”; “(…) since he was Malpelo (…));
Não há mediador entre leitor e o povo representado—-» o leitor burguês é
catapultado para uma realidade completamente diferente da sua (e que não
lhe é introduzida: não há um situar da narração; não há descrição);

Adaptação de ponto de vista também enquanto operação linguística: Verga


emprega uma voz que não é a sua (sociodialecto)——» um italiano popular
com recurso a empréstimos de vários dialectos locais, em particular o
siciliano: cria, verdadeiramente, uma língua nova;

O narrador não pensa nem fala como os leitores (ex: uso contínuo de
comparações com o mundo animal: comunidade rural que descreve a
realidade com base no seu ponto de vista ideológico e com base naquilo que
conhece);

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Duas palavras utilizadas pela crítica para falar deste conto: regressione e
straniamento:
Regressione, Baldi (regressão): o autor regride ao ponto de vista de um
narrador ignorante e supersticioso; não temos expressão do ponto de vista do
leitor—-» não é isto o que pensa Verga (hiato entre o ponto de vista explícito
do narrador e o ponto de vista implícito do narrador, ex: simpatia que o leitor é
induzido a nutrir pelo protagonista apesar da perspetiva negativa do narrador
e da comunidade)——» isto tem consequências para o leitor: o
straniamento;

Straniamento, Luperini (estranhamento; v-effekt—»alienation effect): artifício


teórico que remonta aos formalistas russos (Shklovsky, analisa um conto em
que o ponto de vista da narração é o de um cavalo, Cholstomer, incoincidente
com o ponto de vista do autor e do leitor), mostrando um fenómeno natural
como estranho, esse ponto de vista bizarro obriga o leitor a estabelecer uma
leitura crítica; suspensão do mecanismo de identificação do leitor com a
história (ex: carinhos da mãe ausentes devido à criança não acariciar a mãe -
lógica invertida- apresenta-se como normal algo que não o é);—-» também
expressão do pessimismo de Verga;
O ponto de vista do autor (que não é representado por nenhuma personagem)
é construído por meio da diferença e atrito entre pontos de vista, “escolha de
montagem”;
Revolução de estilo: “ o leitor tem que entender as pessoas, o que pensam as
pessoas no conto, pela maneira de assoar o nariz” (o leitor tira as próprias
conclusões sem que as coisas tenham que lhe ser ditas de forma explícita ou
direta)—-» temos que entender a psicologia das personagens pela sua “forma
de falar”, por pequenos gestos, etc…;
Expressão do doxa: crença comum, voz da comunidade, narrador de entidade
coletiva;

Non reliable narrator: um narrador que não compreende as ações do


protagonista, analisando-as por intermédio de uma perspetiva
preconceituosa;

“One thing was certain: not even his mother had ever had a caress from him,
and so she never gave him any”—-» relação causal suspeita; lógica da

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comunidade que vê primeiro a “”maldade”” de Rosso e depois aplica essas
crenças ao seu entendimento da realidade;
Esta operação de contar a história do ponto de vista interno pode ser lido
como algo progressista;

Literatura anti-idílica
A idealização paternalista de meados do séc. XIX desparece com autores
como Zola e Verga: deixamos de encontrar no povo os valores autênticos
arruinados pela modernidade;

Mudança de paradigma: cai por terra a ideia da aldeia enquanto intocável não
afetada pela civilização—» Verga dá “o direito das classes populares serem
más na Literatura”;

Encontrar VS Procurar (Fantasticheria) —-» ideia de uma comunidade


orgânica de entreajuda é destruída;
Cai a ideia romântica da comunidade rural;

Darwinismo social de Rosso


O protagonista, apesar de não ter formação, demonstra uma evidente clareza
intelectual ao olhar a realidade—-» uma espécie de filósofo popular;

Darwinismo social (Spencer): assimila a sociedade humana e as suas


instituições à vida biológica—» estende os princípios do evolucionismo de
Darwin a todas as formas de vida; o princípio da sobrevivência do mais forte e
de “struggle for life”, são aplicados também à sociedade humana; aplicação
da Biologia a toda a sociedade humana; “sobrevivência dos mais aptos”—-»
processo natural da seleção biosociológica era prejudicado pelo Estado,
conforme se adotavam medidas sociais de auxílio aos mais pobres;

Transformação de uma questão social numa questão universal/filosófica;

Realidade mórbida—-» “Tools that can´t be used any more ane thrown far
away.”;

O Darwinismo social justifica o local de Rosso no mundo;—» aceitação total


do modus operandi da sociedade; aceita os maus-tratos;
Domínio do forte pelo mais fraco é expressão direta da resignação orgulhosa
de Malpelo na sua vida e no seu trabalho (”(…) the head and the shoulders

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was a result of strong pide or desperate resignation, and you couldn´t even tell
if he was wild or timid.”);

Rosso dá a Ranocchio autênticas aulas de Darwinismo social (ex: episódio


com o burro);

“There, jackass! A jackass, that´s what you are! If you´re not game enough to
defend yourself from me who doesn´t have anything against you, you´ll let just
anybody smash your face.”——» tough love; relação aluno/professor; Rosso
procura ensinar Ranocchio a sobreviver na comunidade a que pertencem;
“The donkey must be beaten, because he can´t beat us; if he could, he´d
smash us under his hoofs and rip our flesh off with his teeth”—-» “Darwinismo
social 101”; Rosso explica o domínio/sobrevivência do mais forte; uma espécie
de metáfora/parábola;

Imobilidade social
“But it would have been better for him if he´d never been born”—-»
nascimento enquanto condicionante e imobilizador;

Justificação da própria existência (Rosso) levada a um plano universal e


justificada num plano filosófico: a vida é que é má;

Visão sobre o mundo completamente materialista e ateia:

“Frog, instead, took great pleasure in explaining to him why the stars were
up there; and he said that up there was paradise where dead people go if
they´ve been good, and if they haven´t given their parents trouble.”——»
visão pseudo-religiosa de Ranocchio;

VS

“My father was good and didn´t do anything wrong to anybody, so they
called him the Jackass. But he´s there below, and they´ve even found his
tools and his shoes, and these pants I´ve got on.”—» aceitação; lógica
retorcida da comunidade; perspetiva ateia da existência de Rosso;

Filosofia do “mal de viver”, Leopardi (radicalmente pessimista), vislumbrada


na filosofia de Rosso—-» a existência causa desconforto;

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Estratificação social, até mesmo dentro da comunidade: Proprietário »
Comunidade maldosa » Pai de Rosso » Rosso Malpelo » Ranocchio; (micro-
cosmos, perspetiva com que Rosso vê a comunidade);

Rosso fantasia sobre a possibilidade de mudança, sabendo-a impossível (shift


narrativo, ponto de vista narrativo do próprio Malpelo-adaptação da narração
em 3ª pessoa ao protagonista)—-» “But his father had been a quarryman and
Malpelo had been born to this kind of work.” (determinismo social);

Malpelo enquanto consciência crítica desta sociedade: fala da existência


rejeitando qualquer tipo de hipocrisia; fala das relações sociais como elas
efetivamente são—-» em simultâneo, por meio do Darwinismo social e da
filosofia do “mal de viver” (global), torna natural aquilo que é histórico;

Ideia da imobilidade social expressa-se ao longo da obra de Verga: Il


Malavoglia (personagem torna-se burguês e sofre por isso) e Fantasticheria
(”(…) or an urge for a better life, or curiosity to know the world, then the world,
like the voracious fish that it is, swallowed him up along with his nearest and
dearest”) referenciam isto mesmo;

Divisão da narrativa em “episódios”:

Nota: “morte do sapo” alude à morte de Ranocchio, a fonte é italiana, pelo que a
tradução ficou um pouco macarrónica;

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Relação com os restantes textos

O Darwinismo social é uma filosofia conservadora: justifica a desigualdade,


apresenta-a enquanto natural —-» torna aquilo que é historicamente
construído em algo natural (oposição àquilo que Marx faz no Manif.
Comunista);
Opressores VS Oprimidos —-» para Marx é histórico, não natural, enquanto
que, para Spencer, é uma constante natural, uma fatalidade;

Para Marx a “ideologia é uma falsa consciência”——» aquilo que aqui faz
Malpelo (as suas aulas de Darwinismo social justificam a sua própria condição
como oprimido);
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Fim da ilusão da harmonia e idealismo rural ainda presente em Fantasticheria;


Colocar em prática da mudança de ponto de vista e da teorização para a
compreensão que se faz no conto anterior;

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