Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A agenda estava fechada, jogada tão de qualquer jeito na mesinha de cabeceira que
algumas páginas dobraram lá dentro. O único compromisso de hora era acordar. Check.
A esposa vai ficar brava, mas eu penso em uma desculpa melhor do que a família merece
justiça enquanto eu dirijo. O conhecido caminho fica no cantinho da mente enquanto
isso.
&
LETÍCIA & AMIGA DA
VÍTIMA
L: Visitar meus avós. Meu aniversário foi ontem e queria passar com eles. Por isso eu e
meus pais fomos pra lá, depois da escola.
E por quê?
L: Porque ela queria falar mais um pouco sobre o término de seu namoro e eu não queria
ouvir mais nada. Ela ficou brava, mas nunca consegue ficar emburrada por muito tempo.
Mas ela estava com raiva na hora e aí…
E aí ela desistiu.
L: E aí ela desistiu.
Mas a mãe dela disse que ela não voltou pra casa aquela noite
L: Ela não falou nada, eu achei que estivesse segura em casa! Ela deve ter ido pra praia, ela
gostava de nadar e boiar “pra não pensar”, era o que ela sempre nos dizia.
Ela abaixou a cabeça como se quisesse esconder as lágrimas que lhe escorriam o rosto, mas
os soluços cortados pela metade não permitiam esconder. Ela chegou na mesma conclusão
que qualquer um chegaria: que alguém aconteceu entre o caminho de volta pra casa.
L: Não era incomum ela não ir; mais faltava do que aparecia.
L: Nada. Eu até mandei mensagem na sexta de manhã, mas ela não respondeu. A gente
sempre conversa o tempo todo… Você quer ver ?
Nada de resposta. A próxima notícia que eu tive dela foi quando um policial ligou pra a
minha mãe.
L: Foi de uma forma ou de outra uma traição. Nós somos… éramos… um quarteto. Eu, ela,
Monica e Bernardo. Monica namorava o Gustavo, mas ela era apaixonada por ele também.
Só eu escutei dois anos de tentativas de conhecer outra pessoa e largar ele pra Monica. Mas
aí os dói terminaram e o Gustavo foi pra cima dela. Só pra se vingar da Mônica, já que só
durou dois meses. Ela sabia disso, o que só piorou a culpa pela traição.
Aí o quarteto se dividiu. Eu tive que ficar do lado dela. Não podia deixar ela sozinha, ela já
estava muito mal. Mas eu também tinha perdido minha amiga por causa dessa história, e
uma hora chegou pra mim….
M: Essa pergunta foi esquisita, então vou supor que você já sabe que eu não estava
conversando com ela.
Nós temos razões para acreditar que ela foi morta entre quinta feira de madrugada e o dia
de sexta, apesar do corpo só ter sido encontrado hoje, no sábado.
M: Olha só, ela era a minha melhor amiga! Antes de sermos um grupinho, éramos uma
dupla. Crescemos juntas! Mas ela me traiu. Ela era uma hipocrita, e quem é hipocrita é
todos os outros defeitos também. Talvez ela tenha irritado mais alguém e recebeu o que
recebeu. Não me pergunte se eu estou triste porque a minha melhor amiga morreu. Mas
eu já passei por todas as fases do luto, porque ela está morta pra mim há dois meses já.
Onde você estava na quinta feira à noite?
E os seus pais?
M: Isso, exceto quando fui comprar mais pipoca no mercadinho da esquina. Você pode
tentar pedir pro seu Marcos te mostrar a gravação das câmeras que comprovam que eu
passei por lá, mas eu acho que vai ter “apagado” tudo. Ele não gosta muito de ajudar
policiais desde que ele foi roubado e os policiais não deram muita importância pro caso, só
porque ele é preto.
E o namorado?
M: Pergunte ao Bernardo.
Por quê?
M: Porque os dois eram próximos, os únicos caras do grupo. Mas da última vez que eu me
permiti olhar nas redes sociais dele, o Gustavo estava em outra cidade.
E quando foi a última vez que a “Juíza” deu permissão para uma espiadinha?
B: Quem te contou?
E ainda assim ele postou uma foto nas redes sociais fazendo parecer que estava em outra
cidade.
B: Ele só queria ver a mãe em paz, mas se ela descobrisse que ele estava aqui, não teria
dado paz. Teria insistido em vê-lo, porque não basta importunar por mensagem. Mas só
ficamos jogando videogame na casa dele
B: Isso.
A que horas você voltou pra casa?
B: Mais ou menos 11:30. Tarde o suficiente para os semáforos já não estarem mais
funcionando e eu não precisar ficar parando, mas não tarde demais para atrapalhar a escola
amanhã
B: Ela não foi a escola a semana toda. Ela estava insistindo há um tempo que não queria
mais isso de estudar.
B: Não, não! Eu tenho pavor de água. Nunca poderia ter sido eu.
Mas eu tenho aqui uma foto que você postou dentro do mar.
B: E da pra ver pela minha cara o pavor. As vezes minha mãe me manda tomar conta da
minha irmãzinha mais nova e ela ama água. Ai eu preciso ir buscá-la quando vai muito
longe.
Então por que você tem tanta certeza de assassinato?
B: Porque ela sabia nadar. Ela nunca comentou com nenhum de nós, não pra mim pelo
menos, mas eu tenho certeza que ela amava água. Direto eu a via na praia. Ela não teria se
afogado.
(E ela não se afogou. Não é afogamento a história que o corpo me contou. Mas isso eu vou
manter só pra mim por enquanto)
PARE!
Se você passar para a próxima página, vai descobrir QUEM MATOU ELA.
Se você ainda tem dúvidas, vou te dar um presente. Pode fazer uma pergunta
para um dos suspeitos, uma das testemunhas que eles mencionaram ou o
médico legista. Só mandar sua pergunta para o número
(34) 99818-5017
Mas cuidado! Você só tem direito a uma pergunta, então pense bem!
E o assassino é…. Ninguém!
Quer dizer, não sei como Vossa Senhoria detetivesca chama quando é a pessoa mesmo
quem tira a própria vida. Sim, foi suicídio. Mas você já sabia né, só estava tentando
descobrir quem levou o corpo dela para a praia depois…
No pescoço, é possível ver a marca da corda. Mas e se fosse homicídio, alguém que a
enforcou? Então as marcas da corda não estaria verticais, indo pra cima. Se fosse
estrangulamento, a corda teria ficado reta, e as marcas, horizontais.
E sabe o livor mortis? As mãos e pés dela estão coloridas pelo sangue. Como ela se matou e
ficou pendurada por pelo menos umas 6 horas, o sangue desceu todo para a parte inferior
do corpo dela (por conta da gravidade), e manchou permanentemente as pontas dos dedos
e os pés. Ela ficou dependurada lá, provavelmente, a noite toda, até que Letícia a desovasse
na praia no dia seguinte…
E como você é o melhor entre os melhores, você já sacou que foi a Letícia. A história dela
está cheia de furos! As mensagens, para começar: nenhuma mensagem de noite, nem
perguntando se tinha chegado bem em casa. A próxima mensagem foi mandada às nove
horas da manhã de sexta feira. Se a escola começa às 07:00 e ela só mandou as mensagens
duas horas depois, é porque ela chegou atrasada, depois de ter colocado o corpo na praia.
Não colocou na água; posicionou bem afastado do mar, longe de olhares curiosos e por isso
demorou tanto para alguém encontrar.
Ainda sobre as mensagens, o tom preocupado delas era puro fingimento, apenas pra tentar
criar um álibi. Bernardo disse que ela mal ia para a escola, então porque o desespero
perguntando onde ela estava? Um desespero que veio duas horas depois do momento em
que Letícia teria visto que a amiga não estava presente.
E uma preocupação que não se estendeu até a tarde, porque não manda novas
mensagens. Sem resposta mas sem preocupação?
Aiai, espero que você tenha se divertido. Agora pode voltar para a sua aposentadoria.
Por enquanto….