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Democracia, Política Social e Serviço Social
Democracia, Política Social e Serviço Social
DEMOCRACIA, POLÍTICA
SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2024
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Imagem de Capa: Nikol85 | Freepik
Revisão: Os Autores
D369
Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-5904-1
ISBN Físico 978-65-251-5909-6
DOI 10.24824/978652515909.6
2024
Foi feito o depósito legal conf. Lei nº 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela Editora CRV
Tel.: (41) 3029-6416 – E-mail: sac@editoracrv.com.br
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Conselho Editorial: Comitê Científico:
Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) Adalberto dos Santos Souza (UNIFESP)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Adriana de Oliveira Alcântara (UNICAMP)
Anselmo Alencar Colares (UFOPA) Claudiana Tavares da Silva Sgorlon (UNILA)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Jodeylson Islony de Lima Sobrinho
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT) (UNIOESTE/FBO)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Luciene Alcinda de Medeiros (PUC-RJ)
Carmen Tereza Velanga (UNIR) Maria Regina de Avila Moreira (UFRN)
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Três de Febrero – Argentina) Solange Conceição Albuquerque
Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) de Cristo (UNIFESSPA)
Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) Thaísa Teixeira Closs (UFRGS-RS)
Elizeu Clementino de Souza (UNEB) Vanessa Rombola Machado (UEM)
Élsio José Corá (UFFS) Vinícius Ferreira Baptista (UFRRJ)
Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB)
Francisco Carlos Duarte (PUC-PR)
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Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................ 9
Ana Maria de Vasconcelos
Maria Inês Souza Bravo
Silene de Moraes Freire
PREFÁCIO
A UNIVERSIDADE PÚBLICA E O SERVIÇO SOCIAL RESISTIRÃO,
APESAR DE TUDO ....................................................................................... 15
Ana Elizabete Mota
PARTE I
TEMAS DE POLÍTICAS SOCIAIS
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relação entre capital e trabalho. A partir disso, a autora buscou analisar o Ministério
da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em que se percebe o fortalecimento
da naturalização do trabalho não remunerado no âmbito da família como uma con-
dição intrínseca feminina.
O quarto capítulo da primeira parte “Emancipação política e emancipação
humana: contribuições a partir da Crítica da Economia Política”, de autoria de
Morena Gomes Marques, realiza uma análise crítica dos conceitos de emancipação
política e emancipação humana, de modo a demonstrar a natureza fundamental-
mente burguesa da primeira e o caráter anticapitalista da segunda. Em igual sentido,
apresenta o “Estado Político” na sua condição de “capitalista total ideal” e principal
responsável em propiciar as condições gerais de valorização do capital. A autora parte
da hipótese de que a forma predatória assumida pelas expropriações contemporâneas
impõe uma inflexão à emancipação política, aproximando-a da sua forma residual
originária como antes descrita por Marx.
O capitulo “Questão agrária e racismo na formação social brasileira: um estudo
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1 IAMAMOTO, Marilda V. e Carvalho, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço e uma
interpretação histórico-metodológica. 21. Lima, Peru: ed. Cortez: :CELATS, 2007.
2 MOTA, A. E. 80 anos do Serviço Social brasileiro: conquistas históricas e desafios na atual conjuntura. Serv.
Soc. Soc., São Paulo, n. 128, jan./abr. 2017, p. 47
3 NETTO, José Paulo. Transformações Societárias e Serviço Social: notas para uma análise prospectiva da
profissão no Brasil. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, ano 17, n. 50, 1996.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 17
nova cultura que está na base do projeto profissional do Serviço Social brasileiro. Na
minha percepção, essa processualidade fertiliza e fertilizou o terreno de um ideário
profissional enfeixado no que denominamos de Projeto ético-político do Serviço
Social brasileiro e que defino como nossa ideologia insurgente, progressista e orgâ-
nica a um projeto societário.
A minha hipótese (e o conteúdo deste livro parece comprovar) é de que o Serviço
Social que hoje conhecemos, recolhe do exercício profissional e da relação com a
realidade um conjunto de temas e questões que têm capilaridade para além da inter-
venção profissional propriamente dita, razão maior do seu significado social não se
ater à dimensão técnico-interventiva, cuja importância não pode ser menosprezada,
mas também não pode ser supervalorizada. Argumento que o Serviço Social brasi-
leiro não se restringe à intervenção imediata sobre a realidade, mas avançou rumo a
uma intervenção mediata, resultado da já referida insurgência e rebeldia em relação
à divisão técnica do trabalho e do saber, ou seja: vem se constituindo também numa
área de produção do conhecimento que pode não se voltar exclusiva e imediatamente
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4 MOTA, A. E.; RODRIGUES, Mavi. “O Serviço Social brasileiro em tempos de neofascismo: ameaças
a cultura crítico-profissional. 2023”. Comunicação apresentada no V Encuentro Laitnoamericano de
Profesionales, docentes y estudiantes de trabajo social. Crise do capital, irracionalismo e Serviço Social
Debates contemporáneos, interpelaciones desde una perspectiva critica. 2023. Tandil – Argentina, 18 a 20
de maio de 2023.
5 MOTA, A.E. 40 ANOS DA VIRADA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL: LIÇÕES E DESAFIOS In: MEDEIROS,
Evelyne, NOGUEIRA, L e BEZERRA, L (Orgs), Formação Social e Serviço Social: a realidade brasileira
em debate. São Paulo, Outras Expressões, 2019.
6 Sobre o tema, ver STEFANONI, P. ¿La Rebeldía se volvió de Derecha? Buenos Aires, Siglo XXI Ed.,
Argentina, 2022.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 19
vivemos o mais do mesmo. No meu entendimento, nossas pautas não foram apagadas,
mas precisamos (re)politizá-las com autonomia organizativa, vigilância e mobiliza-
ção política. Vivemos o que Gramsci conceituou como uma crise orgânica7, aquela
que, ao se originar no ambiente econômico, transita para o ambiente político. Uma
das características da crise orgânica é a concomitância entre a crise econômica (de
acumulação) e a emergência de uma crise política, determinada pelo acirramento dos
conflitos entre as classes e, no seu interior, entre as frações de classe. Ao se ampliar
para o campo das relações políticas, ideológicas, culturais, seus efeitos atingem a
essência das relações de classe, incidindo no conteúdo das lutas sociais.
Como qualquer fenômeno social, a sua compreensão requer contextualização
histórica: situá-la nas condições macrossociais da dinâmica capitalista, entender a
particularidade brasileira, seus traços estruturais conjunturais e a correlação de forças
entre as classes. Nosso cenário é de fragilidade após mais de 30 anos de ofensiva
neoliberal, acirrada desde o golpe de 2016, quando o desmonte de direitos trabalhistas
e sociais, a precariedade e insuficiência das medidas de proteção social pública e de
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7 Para uma síntese do conceito ver VOZA P. e LIGUORI G. Dicionário Gramsciano. São Paulo, Boitempo,
2017 p.162-164.
8 MOTA, A. E., & RODRIGUES, M. Legado do Congresso da Virada em tempos de conservadorismo
reacionário. Revista Katálysis, 23(2), p.204, 2020. https://doi.org/10.1590/1982-02592020v23n2p199.
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9 NEVES, Maria Lúcia W. (Org.). A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o
consenso. São Paulo: Xamã, 2005.
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PARTE I
TEMAS DE POLÍTICAS SOCIAIS
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RESISTIR E ENFRENTAR – CONTRA O
FASCISMO E CONTRA O CAPITAL1
Virgínia Fontes
DOI 10.24824/978652515909.6.23-34
dramas econômicos, sociais e ambientais não são naturais, eles têm sujeitos e sujeitas
que os impelem para diante, para um aprofundamento ainda maior dos horrores. O
sujeito central do tempo de catástrofes é uma figura abstrata e contraditória, o capital.
É sempre bom lembrar que sob essa figura gelatinosa existe um modo de produção,
ou seja, uma maneira social de ser, de viver, de sentir, de organizar o sociometabo-
lismo – a troca e as relações entre os seres sociais e a natureza. Esta forma de ser, ou
modo de produção, é elogiado pela pena, pela boca e pelos vídeos de seus defensores,
como se decorresse da natureza humana. Essa defesa desumaniza a vida social ao
apagar sua dimensão histórica, podando suas possibilidades, prossegue utilizando a
natureza como se fosse apartada de nós, seres sociais, quando, ao contrário, integra-
mos um sociometabolismo; não estamos fora da natureza, ela não é uma mera coisa
que podemos usar e destruir apenas para lucrar. Outros argumentos em defesa do
capital consideram que essa vida social supõe alguma existência transcendental que
teria autorizado e estimulado o uso predador da natureza.
O capital, no entanto, é a expressão de relações sociais e resulta de intensas
lutas históricas. Sua expansão gerou profundas transformações que, originadas na
Europa (especialmente na Inglaterra), disseminaram-se em todo o planeta a ferro
1 Agradeço às diversas pessoas amigas que tornaram possível esta publicação. Ivana Jinkings e, em nome
dela, a toda a equipe da editora Boitempo, assim como à Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, que
possibilitaram a minha participação em mesa redonda no dia 20 de maio de 2023, intitulada “Desafios para
desbolsonarizar o Brasil”. Eu estava ao lado de Paulo Arantes, o filósofo que, sempre com reflexão densa e
instigante costuma nos inquietar, nos retirando de zonas de conforto e nos confrontado com nossas próprias
limitações. E também de Christian Dunker, cujo aporte psicanalítico nos exige sonhar para inventar a saída
dos pesadelos reais. A Tábata Luz, mediando e formulando questões, permitiu iluminar pontos confusos e
trazer novos elementos.
Na sequência, agradeço a duas outras grandes amigas – Maria Inês Bravo e Ana Maria Vasconcelos que,
com enorme celeridade, fizeram a transcrição do debate, garantiram a possibilidade da publicação.
Essa foi a pré-história do texto, falta explicar que minhas intervenções foram curtas, e as questões do
público e de Tábata Luz me permitiram ir um pouco mais adiante. Mantive o texto o mais próximo possível
da intervenção oral, com diversos acréscimos e ajustes para permitir uma melhor compreensão.
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apagar o uso generalizado da violência que atravessa nossa formação histórica desde
a colonização, e que se expandiu e se atualizou, adotando formas mais “modernas”,
mais mercantis e agressivas. Há constante atuação de milícias rurais com pistoleiros
contratados e até mesmo modernas empresas de vigilância, com aparatos tecnoló-
gicos, a soldo de grandes proprietários, atacando e expropriando populações rurais,
ribeirinhas e outras. Empresas de vigilância estão disseminadas no país na proteção
de grandes empresas e empresários. Em boa medida, tais empresas de segurança
são constituídas por ex-policiais e ex-militares ou por intermediários quando tais
agentes ainda estão na ativa, assegurando uma estreita intimidade com as casernas de
origem, o que já demonstra a conexão entre a força pública e seus usos privados. As
tendências milicianas estão, portanto, disseminadas. E, sobretudo, todos têm interesse
de constantemente produzir insegurança para vender… “segurança”. Nem todas se
tornam exatamente milícias – a imbricação entre serviços públicos de segurança e a
compra e venda de atividades ilícitas -, mas todas exacerbam a violência privada e
abrem as portas para as conexões ilícitas mais diversas. O medo se torna uma arma
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das mais poderosas, com pesado material bélico, ao lado dos poderosos e contra a
massa da população.
O governo protofascista de Bolsonaro nos deixou um estímulo aos CACs2, além
da corrosão de polícias e militares. CACs são um novo tipo de milícia, que ainda não
sabemos exatamente como estará operando ao lado das outras, das mais clássicas,
como jagunços, matadores, seguranças privadas e das forças policiais e das Forças
Armadas, todas diretamente a serviço do patronato, do empresariado. Esse é o lado
coercitivo direto (não mediado sequer pelo direito), voltado para frear as reivindica-
ções populares através da violência. A essa violência difusa e permanente, se agrega
a violência institucionalizada, de forças policiais e jurídicas que discriminam bairros
e populações, especialmente negros e negras, trabalhadoras e trabalhadores.
2 – A segunda maneira é que muitos desses que contratam os meios violen-
tos, adotam práticas para nos convencer de que são gentis. Na atualidade, querem
se mostrar preocupados com as mulheres, preocupados com os negros e negras,
preocupados com as favelas. Insistem que estão muito chateados com tudo isso e
apresentam a filantropia como solução. Nas propagandas de suas filantropias dizem
que já resolveram o problema de todo mundo mas o problema só piora. Nas últimas
3 décadas, convivemos com uma malha crescente de entidades empresariais volta-
das para impedir as lutas autonomamente populares. As burguesias não conseguem
impedir que as lutas populares existam, mas tentam esterilizar a capacidade popular
de cortar o mal pela raiz, enfrentando o processo produtor de desigualdades, que é o
capitalismo, em cada uma de suas decorrências dramáticas: racismo, o patriarcalismo
machista, o envenenamento alimentar e das águas, o ataque aos povos originários, a
destruição da natureza, a reforma agrária, o direito de organização dos trabalhadores
etc. É uma filantropia mercantil (que pode ser rentável!) e direcionada pelo empre-
sariado, voltada para desmantelar as possibilidades de organização mais extensiva
das lutas populares, mas, caso não consigam, não hesitam a empregar a força bruta.
direitos populares conquistados etc. Precisamos ter clareza, todavia, que não pode se
limitar a atuar institucionalmente. Como assinalamos, as classes dominantes agem
por dentro e por fora do Estado, tanto na violência como nas suas práticas de conven-
cimento. Desenham no Estado os contornos da arena e definem quais – e quando –
divergências serão admitidas. A captura da democracia sob o capital é exatamente isso:
as classes dominantes estabelecem os parâmetros do tabuleiro recém conquistado.
O jogo se torna marcado. Mas tais classes dominantes não podem e não conseguem
dominar o volume de contradições que suscitam, nem mesmo com o uso de recursos
econômicos nas eleições, com a violência ou com suas filantropias. As contradições
aumentam, as tensões sociais crescem, pois, a produção das desigualdades é constante
e crescente, com seu cortejo de opressões. Os lucros e os dividendos enriquecem
alguns, e há cada vez mais trabalhadores sem empregos, sem direitos, com jornadas
exaustivas, segregados nas periferias. Avança a devastação ambiental, agora disfar-
çada de “capitalismo verde”, vandalizando o que ainda resta.
É sobre tais contradições que o fascismo procura se equilibrar, oferecendo
uma falsa solução, como a pura repressão, para tampar a panela de pressão das
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autônoma da luta social, para além da venda – com ou sem direitos – da força de
trabalho. Sabemos que não é fácil.
Devo dizer que eu estou decepcionada pois, desde o momento da eleição do
Lula, para a qual eu batalhei bastante, no meu modesto alcance, mas batalhei como
era possível, esse processo tem sido tímido, pequeno e muito menor do que espe-
rávamos e do que precisamos. Decerto, não basta exigir que os políticos eleitos o
façam. Embora seja uma obrigação deles, a de consolidar de maneira orgânica as
bases populares que os elegeram, assegurar que a capacidade popular de intervenção
social, econômica e política cresça. Assim como é uma obrigação a de não se deixa-
rem devorar pela fascinação dos tapetes felpudos e pela limitação que já conhecemos
dos limites institucionais. Entretanto, esse jogo parlamentar de cartas marcadas leva
muitos deles a temer as mobilizações populares e a limitar seus esforços no âmbito
das negociações com as classes dominantes e, portanto, com bolsonarismos abertos
ou discretos.
E fundamental tomarmos essa iniciativa – formar, informar, organizar, mobili-
zar – e que essa mobilização e essas organizações possam empurrar nossos eleitos,
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porque o que estava em jogo na eleição, continua em questão. O que estava em jogo
em primeiro lugar na eleição? Derrotar os fascistas. Estão derrotados? Não. Essa
ainda é nossa tarefa.
Para derrotar o fascismo, para desbolsonarizar, é preciso enfrentar o capital.
Porque aberta ou discretamente, é esse empresariado que mantém e permite que se
mantenham no país os grupos fascistas de todos os tipos, inclusive armados.
Nosso desafio é enorme: combater os fascistas ao mesmo tempo que enfrentamos
o capital, formando, informando, organizando, mobilizado. Só assim abriremos a
possibilidade que esse governo tenha de fato um perfil democrático, o que precisa-
mos de maneira urgente e imediata. Não haverá perfil democrático se um governo
de Frente Ampla escuta mais quem está nos gabinetes do que quem está nas ruas,
no enorme esforço popular de se organizar. Não haverá perfil democrático se nossas
lutas forem abafadas e silenciadas.
Por sorte, nós estamos hoje aqui num espaço de várias organizações popu-
lares. Ao falar disso, já declaro publicamente todo meu apoio ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais sem Terra-MST frente a uma Comissão Parlamentar de
Inquérito-CPI instaurada unicamente para criminalizar não apenas o MST, mas
para eliminar qualquer possibilidade de reforma agrária ou urbana e permitir a
grilagem, a violência e o controle pelos poderosos de todas as terras e águas do
país. Pior ainda, trata-se de criminalizar todos os movimentos populares, do campo
e das cidades: é importante que se tenha claro que hoje o agronegócio é o maior
ogro – sabe o ogro das historinhas de crianças? -, pois é, então ele é o ogro. É o
contrário de tech, de pop; o ogro é quem envenena pessoas, águas, flora e fauna;
é quem rouba as terras públicas, quem expulsa camponeses e indígenas, é quem
privatiza a água; é quem não paga imposto, é quem nunca fez aquilo que exige
dos outros. Vale lembrar, por exemplo, que arrotam mérito e concorrência, mas na
grande maioria são herdeiros e que, longe da concorrência que pregam, exercem
abertamente monopólios. O ogro não é apenas agrário, é o conjunto do capital, que
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***
Educação
Há uma luta efetiva que expressa a realidade concreta dos processos que esta-
mos vivenciando e que envolve o enfrentamento tanto ao bolsonarismo quanto
ao capital. É assim chamada “reforma” ou “novo” Ensino Médio. Essa “reforma”
do ensino médio está sendo cozinhada há pelo menos 20 anos pelo empresariado
brasileiro e estrangeiro. Pretende impor e legalizar processos que desmantelam a
educação pública brasileira, cuja imposição legal aliás não chegou a se implantar
completamente. A luta pela educação pública universal segue em curso há 40 anos,
desde a constituinte. Atualmente, em qualquer jornal da grande mídia proprietária,
se repete incessantemente o bordão: a educação pública e democrática é o velho,
nós precisamos do novo. Ora, a mídia faz juntamente como o empresariado mais
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 31
enriquecido do país; é o avesso disso: o que era uma conquista possível, fruto de
lutas centenárias por uma educação pública de massas de qualidade, o que seria de
fato a enorme novidade da sociedade brasileira, a isso chamam de velho. O que esse
empresariado, supostamente filantrópico, vem fazendo é implantar um cupinzeiro, um
caruncho sob seu controle no interior da educação pública. Desqualificam a educação
pública, e imediatamente procuram desqualificar qualquer luta por ela e, como não
conseguem, pretendem dirigir tais reivindicações através de entidades como Todos
pela Educação ou Movimento pela Base. Não é uma questão apenas de narrativas
(como gostam os pós-modernos), mas de práticas concretas: impedem que os recursos
públicos se direcionem para a educação pública, capturam esses recursos desde a
sua formulação legal e os canalizam na sua destinação e, além do mais, pretendem
dirigir diretamente a educação pública – pública, eu não estou falando da privada,
estou falando da educação pública.
De certa maneira, o que o bolsonarismo e alguns grupos religiosos ultracon-
servadores católicos e evangélicos trouxeram é a generalização de uma raiva (ódio)
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confusa e sem fundamentos, que captura o cansaço popular. Ora, a raiva legítima é
também nossa, não basta sermos os simpáticos e civilizados, a fazer apenas o que é
possível, numa espécie de progressismo adaptativo, pois ele nos separa daquilo que
é nossa raiz, de nossa crítica radical. A escola de tempo integral é nossa luta, que
se eu não me engano, remonta aos anos 60. Nos anos 1980, a mesma Rede Globo
e sua Fundação Roberto Marinho, que agora perora repetitivamente na defesa do
“Novo Ensino Médio” denunciava, no Rio de Janeiro, que não era desejável escola
de dia inteiro para crianças pobres, que deveriam trabalhar para ajudar os pais…
A luta pelo tempo integral, que era também pela escola pública, não parou. O tal
“novo” ensino médio, que o empresariado defende, é a generalização do cupinzeiro
empresarial que vem corroendo a escola pública (em todos os níveis, da educação
infantil até a pós-graduação). Carol Cattini, professora da Unicamp, a denomina de
política do caruncho.
O que querem? 1) Acabar com as carreiras públicas nos âmbitos estatais desti-
nados a políticas voltadas diretamente para a população. Esse desmanche deve servir
como exemplo para a devastação de relações de trabalho com direitos. 2) Reduzir os
recursos públicos destinados a essas mesmas políticas, insinuando que não se trata
de volume de dinheiro, mas de má gestão pública. De fato, o que querem é vender
– e realizar – a gestão privada dessa massa de recursos que resulta de conquistas
constitucionais. Querem matar dois coelhos de uma cajadada – liberar parcela do
fundo público para atender unicamente aos interesses empresariais e, finalmente,
gerir diretamente tais recursos (inclusive através de acordos, contratos de parceria e
de vendas governamentais de seus próprios produtos). Para caçar seus ricos coelhos,
entretanto, não hesitam em estrangular a própria educação pública.
Será que alguém acredita que Jorge Paulo Lemann (e o trio Garantia, composto
por ele, Marcel Telles e Beto Sicupira, donos de vários conglomerados de perfil
empresarial – dentre os quais figura a faraônica fraude das Lojas Americanas, e de
outro conglomerado constituído de uma penca de entidades sem fins lucrativos, como
analisou a professora Adriana Farias), que Jorge Guerdau, que o grupo IOCHPE, que
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Roberto Marinho e outros que tais estão interessados na educação pública? Ora, no
entanto, são eles os dirigentes de Todos Pela Educação, junto com outras megaem-
presas ou suas fundações, de origem brasileira e estrangeira. Esses, que apoiaram
Bolsonaro, que silenciaram durante anos, pretendem agora levantar a bandeira da…
educação pública que estão devastando!
Decerto, a policialização das escolas públicas como propôs Bolsonaro é o ápice
do horror. É como um ataque de machadadas sobre a educação pública. Mas um horror
não apaga o outro. Se esquecermos que os organizadores de ambos é uma relação
social chamada capital, não desbolsonarizaremos a vida social.
Eu posso não saber que futuro podemos propor ou assegurar, mas sabemos
que inimigos nós precisamos combater. Essa segue uma questão crucial, porque
o machado e o cupinzeiro estão devastando todos os dias não são apenas os nos-
sos sonhos, são as nossas vidas. Essa dinâmica perversa do lucro a qualquer custo
desorganiza as nossas vidas cotidianamente e ao mesmo tempo exige que sejamos
plásticos – flexíveis – para nos adequar a qualquer custo às suas imposições. Não
***
Milícias
Ora, é fundamental trazer a discussão das milícias para um terreno histórico.
Decerto, há uma ralé ou delinquentes que foram convocados com o bolsonarismo para
os palácios. Infelizmente, já foram convocados há bastante tempo para os quintais das
classes dominantes, como seus protetores. Milícias não nascem agora e nem nascem
só no Rio de Janeiro. Esses são dois elementos importantíssimos – a temporalidade
e o território. Nós temos no país inteiro uma prática da associação entre a violência
privada e a pública, nascida no ambiente agrário e cedo transplantada para as cidades,
assim como as relações sociais de segregação e de racismo. Difunde-se a suposição
de que segurança privada é legítima, de que é “normal” contratar seguranças arma-
dos para fechar ruas de cidades e impedir que tipos “suspeitos” possam transitar. O
que é “tipo suspeito” jamais é explicado, embora saibamos exatamente sobre quem
incidem tais suspeitas, não é? É a segregação e o racismo escancarados. Há uma
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 33
generalização do subemprego para que vigiem e cuidem das casas ricas urbanas que
não ocorre apenas na cidade do Rio de Janeiro, está em cada vez mais capitais. Esse
é o processo dos alphavilles e dos condomínios, é a maneira pela qual a riqueza (e
classes médias que se acreditam milionárias) erige muros e os enfeita com concer-
tinas, cercados de câmeras e de vigilantes. Há um conto ótimo, eu não me lembro o
autor, que narra uma revolução ao contrário. Todos os bilionários foram convidados
para morar num dos mais luxuosos condomínios que se possa imaginar, mais bem
armado, mais bem equipado. Depois que todos se instalassem naquele Condomínio,
bastava trancar a chave e deixá-los lá dentro, sem poder sair.
Não é uma mera questão de pobreza ou de favela; aliás quem vai trabalhar na
segurança destes condomínios são os pobres e favelados. É uma questão de produ-
ção constante e crescente de desigualdade social, de centralização e concentração
da riqueza. Em todo o interior rural, o agronegócio (o OGRO), mantém tropas de
jagunços. Agora eles estão tecnologizados, com carros equipados com radar, têm
drones e sinal de satélite. São seguranças que funcionam linkados e sob vigilância
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também do exterior; o mesmo satélite que o proprietário usa para dirigir um trator
ou disseminar veneno, usa para controlar essa jagunçada contra indígenas, contra
sem-terra do MST, contra sem-terra dos outros movimentos ou meramente um sem-
-terra que vivia ali, e que será expulso, seja por conta da expropriação da água, seja
por conta da expropriação da terra, seja só porque ele “enfeia” a paisagem, exibindo
sua pobreza. Apenas por uma questão de paisagem. Essa tradição se intensificou
nos últimos anos e o número de seguranças privados é maior do que o das Forças
Armadas. Já era assim, e com a triste herança de Bolsonaro, o número de CACs é
também maior do que o das forças armadas.
Reparem. O fascismo e as milícias são formas pela qual os megaproprietários
convocam integrantes das classes subalternas contra elas próprias. É óbvio que ao
longo do tempo, uma afinidade eletiva entre esses ‘trabalhadores’ da vigilância/vio-
lência e classes dominantes se instaura: a banalização do enriquecimento sem limites
os ensina a extorquir, a “empreender” produzindo violência e vendendo “segurança”,
transformam-se em ralé enquanto as classes dominantes se habituam a dormir intran-
quilas e se armam a cada dia mais.
Em algumas situações essa aproximação está coligada ao fato de que um traba-
lhador sem direitos pode decuplicar a taxa de lucro dos dominantes, mas pode, tam-
bém, assegurar sua sobrevivência com maior folga, copiando as práticas devastadoras
que eles divulgam. Produzir massivamente trabalhadores urbanizados, precarizados,
plataformizados, onlinizados, gera empreendedores? Essa é a propaganda, mas o que
essa relação social em sua expansão cega produz são vendedoras de Avon, pilotos de
Uber, entregadores, trabalhadores docentes sem direitos, presenciais ou por EAD.
A precarização da vida também invade a educação pública, assim como a violência.
Essa afinidade eletiva se dissemina para os setores médios, temerosos de sua
própria segurança e aplicados alunos do empreendedorismo. Adoram exibir seus
carros, gostam de mimetizar para os ainda mais subalternos o tratamento que recebem
de seus superiores, mas estão prisioneiros de seus medos.
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DOI 10.24824/978652515909.6.35-53
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1. Introdução
O presente estudo é fruto de preocupações traduzidas nas produções dos auto-
res, em diferentes níveis e temporalidades. Desde o início do século XX é possível
perceber a necessidade do debate mais amplo sobre a política urbana, reconhecendo
que o Brasil é um lugar significativo para o estudo da “questão urbana”. Em contraste
com muitos países latino-americanos, que têm apenas uma cidade realmente grande,
nosso país possui inúmeros centros importantes (como São Paulo, Rio de Janeiro,
Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Curitiba, etc.) e imensos “problemas urbanos”
que atravessam décadas e até séculos. Tais problemas nos levam a reconhecer que
as “formas contraditórias” do desenvolvimento urbano são a revelação do caráter
historicamente determinado pelo capitalismo em cada latitude em que se desenvolve.
A compreensão do conjunto que compõe a totalidade das relações sociais pres-
supõe a identificação das contradições e mediações que constituem cada realidade
estudada. Desta forma, entendemos que é preciso ter clareza que o melhor caminho
reflexivo deve buscar se afastar de uma leitura simplória sobre o aprofundamento
das desigualdades sociais que os espaços urbanos apresentam em nossa sociedade.
Vale destacar que é impossível reduzir e superar as desigualdades sociais ignorando
a concentração de renda. Assim como é inconcebível acabar com a concentração de
renda sem se colocar a necessidade de se transpor a concentração da propriedade
privada. É fundamental pautar esse debate com urgência, sendo o mesmo imprescin-
dível para a compreensão da concentração de poder no Brasil. Se não considerarmos
esses níveis de concentração não existe política capaz de enfrentar os abismos entre
as classes sociais no país. Isso implica em também entender os limites persistentes
de superação que atravessamos frente às inúmeras problemáticas que envolvem o
espaço urbano.
Apesar do caráter introdutório de nosso estudo – traduzido na própria escassez
das páginas aqui apresentadas – pretendemos discutir algumas questões capazes de
36
1 Concordamos com Santos (2023, p.15) quando observa que a manipulação da realidade exercida pelo
complexo social do direito contribui para ocultar os fundamentos da vida social para pôr em seu lugar a
aparência de relações jurídicas desprovidas de quaisquer interesses de classe, e como campo de resolução
dos antagonismos oriundos da relação capital e trabalho.
2 Entendemos que “o conflito social é expressão das mudanças em ato e, portanto, é a expressão das tensões
e contradições da própria ordem social que constitui na própria medida que transforma” (Ramos, 2003, p. 2).
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 37
dos seus instrumentos e da sua aplicação pelas gestões locais. Como observaram
Fontes e Souki (2020, p. 8):
uso dúbio para os que advogam uma gestão democrática, pela possibilidade de (re)
orientar o planejamento em prol de interesses privados e de alto impacto territorial,
resultando, por vezes, em processos de segregação e gentrificação urbana. Ou seja,
impulsiona um processo de segregação socioespacial em áreas urbanas, caracterizado
pela valorização acentuada de determinada área, que acaba culminando na expulsão
de moradores antigos em razão do aumento local do custo de vida, alterando assim
o perfil social e econômico dos bairros e provocando sua valorização mercadológica.
Entendemos que as experiências históricas nos ensinam com muita sabedoria,
não apenas os limites das leis, como também os direitos que delas emergem, para
emancipação humana. Por isso é importante incrementar a crítica ao direito burguês
que apregoa “igualdade”, “liberdade” e “propriedade” realizáveis apenas mediante o
estatuto jurídico burguês. Por conseguinte, entendemos que um estatuto é insuficiente
para a plena expansão dos indivíduos sociais e sua igualdade substantiva, tendo
em vista que as relações sociais capitalistas alargam substancialmente a cisão entre
indivíduo e gênero humano, como, observou Francisca Santos (2023) ao aprofundar
as armadilhas do direito na sociedade capitalista.
Hoje, após mais de três décadas da Carta Magna, podemos avaliar que a crença
no potencial da Constituição de 1988 (como garantidora de direitos) fez não apenas
com que a mesma fosse reconhecida como Carta Cidadã, como também estimulou
uma ilusão sobre os avanços das conquistas sociais apenas pelo caminho do marco
formal das leis. Foi essa a Constituição que pela primeira vez na história do país
definiu os princípios da política urbana brasileira, posteriormente desenvolvida no
Estatuto da Cidade, conforme já mencionado, e isso não deixa de ser importantíssimo,
apesar dos limites da garantia de direitos na sociedade burguesa. Na época em que
a Constituição foi aprovada, segundo Santagada (1990, p. 121-143) menciona ao
analisar o período, “o país atingia 75% da população total concentrada em cidades,
41% da população vivendo em situação de pobreza (53.2 milhões de pessoas) e
ainda 55% delas vivendo nas cidades sendo que 18% concentravam-se nas regiões
metropolitanas”. Como observaram Koury e Oliveira (2021, p. 2)
38
Concordamos com Santos (2023) quando observa que a legitimidade social que
o direito adquire no cotidiano deve-se ao fato do direito ser uma ideologia restrita3.
Ou seja, o complexo que constitui o direito controla comportamentos e se coloca
como campo de mediação dos conflitos que, na superficialidade do cotidiano, apre-
sentam-se como conflitos pessoais, individuais, reforçando a ilusão jurídica de que
“a lei assentaria na vontade e, mais ainda, na vontade dissociada da sua base real,
na vontade livre. Do mesmo modo o direito é, por sua vez, reduzido, à lei” (Marx;
Engels, 2009, p.112 apud Santos, 2023, p. 88).
Não foram muitos os autores que apresentaram, em uma perspectiva históri-
3 Para Santos (2023) a partir da apreensão lukacsiana do direito como ideologia restrita e como falsa cons-
ciência, sendo o mesmo um complexo socialmente necessário à sociabilidade capitalista, cuja função é
dirimir os conflitos que têm por base o puro desenvolvimento econômico, adquirindo uma forma limitada e
insuficiente de consciência social, podemos perceber como ele corrobora na manutenção dos interesses
de classes, bem como ocultando os fundamentos da exploração do trabalho.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 39
Concordamos com Koury e Oliveira (2021, p. 12) quando destacam que a luta
política em torno do direito à cidade consolidou nesse período uma importante base
eleitoral, que contribuiu para a vitória do Partido dos Trabalhadores (PT) no pleito
presidencial do ano seguinte à aprovação do Estatuto. À vista disso, “esse foi o quadro
político que antecedeu a criação do Ministério das Cidades em 2003” (ibidem), e que
originou um curto período em que a instituição foi liderada por quadros políticos
comprometidos com a agenda da Reforma Urbana e dos movimentos sociais urbanos.
Como mencionaram Koury e Oliveira (2021, p. 12), mais de uma década separa a
Editora CRV - Proibida a comercialização
4 OSORIO, Jaime. América Latina: o novo padrão exportador de especialização produtiva – estudo de cinco
economias da região. In: FERREIRA, Carla; OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (org.). Padrão de reprodução
do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 103-139
40
uma disputa básica, como pano de fundo, entre aqueles que querem extrair dela
melhores condições de vida e aqueles que visam apenas extrair ganhos. A cidade
constitui um grande patrimônio construído histórica e socialmente, mas sua apro-
priação é desigual e o nome do negócio é renda imobiliária ou localização, pois
ela tem um preço devido aos seus atributos (Maricato, 2013, p. 20).
5 A frase faz parte do livro de Carlos Drummond de Andrade “A Rosa do Povo”, escrito durante a II Guerra
Mundial e publicado em 1945.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 41
Em razão disso, esses tempos recentes demonstram que, “os direitos da proprie-
dade privada e da taxa de lucro se sobrepõem a todas as outras noções de direitos”
(Harvey, 2014, p. 73). Donde nota-se a proeminência da intervenção estatal em
propiciar os investimentos urbanos especulativos, que tem como um de seus reveses
a expropriação e a potenciação da barbárie engendrada pelo capital que se revela
em projetos urbanos marcados pela inclusão excludente (Martins, 2002). Portanto,
enfrentar a questão urbana implica em ampliar os horizontes de compreensão dos
nexos do capitalismo e da expropriação persistente que conduz dentro da sua lógica
a reprodução das relações sociais.
objetivo político e econômico imediato (se bem que, de forma nenhuma exclusivo)
Editora CRV - Proibida a comercialização
o capitalismo luta, perpetuamente, portanto, por criar uma paisagem social e física
à sua própria imagem, e indispensável para suas necessidades em determinado
ponto do tempo, simplesmente para, com igual certeza, minar, desintegrar e até
destruir essa paisagem, num ponto posterior do tempo. As contradições internas
do capitalismo expressam-se através da formação e re-formação irrequietas das
paisagens geográficas. É de acordo com essa música que a geografia histórica do
capitalismo deve dançar, ininterruptamente.
expansão capitalista devorante dos recursos públicos, uma vez que estes são orien-
tados para os investimentos econômicos, em detrimento dos gastos sociais”.
Nessa medida, as políticas públicas implementadas no país, especialmente em
período posterior a adoção da administração urbana pautada em seu empresariamento
são dotadas de uma concepção especulativa, pois, segundo Harvey (1996, p. 53),
Isto posto, reafirmarmos que as políticas urbanas se tornaram cada vez mais
excludentes e seletivas, demonstrando a ilusão democrática que as permeiam. Estas,
por sua vez, prioritariamente vêm atuando a partir da perspectiva da garantia das
condições necessárias para a ampliação dos valores de troca e para a criação de novas
tendo em vista que o capitalismo tem sobrevivido, temos forçosamente que con-
cluir que o capital domina o trabalho não só no local de trabalho, mas também
no espaço de viver, através da definição da qualidade e dos padrões de vida da
força de trabalho, em parte pela criação de ambientes construídos que se adaptem
às exigências da acumulação e da produção de mercadorias (Harvey, 1982, p.
20, com grifos nossos).
6 A esse respeito ver: CORTES, Thaís Lopes. A Instrumentalidade do Programa Habitacional “Morar
Feliz” no Processo de Empresariamento Urbano em Campos dos Goytacazes/RJ no Início do Séc
XXI. Tese (Doutorado em Serviço Social/PPGSS – orientação Silene de Moraes Freire) – Faculdade de
Serviço Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, p. 369. 2023.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 45
Nada desse novo desenvolvimento poderia ter ocorrido sem despejos e des-
possessões massivas, onda após onda de destruição criativa que tem cobrado
não só um preço físico, mas também destruído solidariedades sociais, varrido
quaisquer pretensões de governança urbana democrática, e tem cada vez mais
recorrido ao terror e à vigilância policial militarizada como seu modo primário
de regularização social.
Portanto, não nos parece demasiado ressaltar que a expropriação tem relação
direta com o processo de empresariamento urbano que vem gerindo as políticas
Editora CRV - Proibida a comercialização
Podemos notar que as expropriações oficializadas pelo Estado a partir das polí-
ticas públicas, possuem um papel fulcral no novo ciclo econômico do capitalismo
decadente e em crise, pois permitem salvaguardar os interesses do modo de pro-
dução capitalista. Segundo Rolnik (2012, s/p), a política urbana atua com o intuito
de permitir
nizar ou de remover áreas das cidades que passaram a integrar o circuito econômico
em termos de mercado imobiliário. Como notou Mauriel (2018, p. 242), as políticas
urbanas tiveram um papel de “descortinar novas fronteiras e arenas para a acumulação,
desbravando novos locais de rentabilidade, disponibilizando novos terrenos para o
processo de valorização”, que foi efetivado por expropriações de comunidades intei-
ras e de bairros populares. O que se vislumbra é ainda mais deletério, uma vez que,
há uma generalização de recursos vultosos destinados a esse fim. Melhor dizendo,
voltado para uma urbanização excludente e seletiva, enquanto uma ampla maioria
da população brasileira permanece perene à própria sorte.
Não nos faltam exemplos para elucidar a expropriação persistente efetivada
pelas políticas urbanas brasileiras. Sem nos alongar, podemos citar exemplos recen-
tes e amplamente conhecidos, como as remoções realizadas em função da Copa do
Mundo de 2014 e das Olímpiadas de 2016. Segundo as estimativas dos Comitês
Populares da Copa7, cerca de 62,5 mil residências foram desapropriadas. Além das
obras do chamado Porto Maravilha que expropriaram inúmeros sujeitos das suas
residências (Gonçalves; Costa, 2020). Nesta congruência, espaços tradicionais e
históricos foram removidos e a sua população reassentada para conjuntos habitacio-
nais precários, em áreas carentes de urbanização, longínquas das antigas moradias
e afastadas da malha urbana central, da geração de trabalho, de emprego e de renda
e do direito à cidade.
Outrossim, as expropriações fomentadas pelas políticas urbanas operam ainda
impondo novas condições e abrindo novos setores de mercado para a extração da
mais-valia que podem ser vislumbrados na esfera dos serviços. Estes se dão a partir
da venda e da comercialização de energia elétrica, de gás, de internet, dentre outros
serviços, que outrora eram acessados sem que onerassem os já escassos recursos das
classes subalternizadas pelo capital. O que, por conseguinte, revela a agudização das
expressões da “questão social” na vida desses sujeitos.
7 COMITÊS POPULARES DA COPA. Dossiê de Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa
– Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil. 112f. Brasil, 2012.
48
4. Considerações Finais
Como observou a assistente social Iamamoto (2008, p. 119) “‘a questão social’
é indissociável da sociabilidade capitalista fundada na exploração do trabalho, que a
reproduz ampliadamente”. Consideramos a questão urbana uma expressão da “ques-
tão social”.
Ao analisarmos as políticas urbanas, atentamos à barbárie engendrada pelo
capital que destrói sociabilidades e laços socioafetivos, além da historicidade dos
sujeitos para operar ao seu bel prazer. Isto é, alterando significativamente a organi-
zação socioespacial, a partir de intervenções urbanas que não lhe são inócuas. E que
também não podem ser compreendidas fora do movimento de reprodução do capital.
Não podemos perder de vista que sob a ilusão democrática, as políticas urbanas
implementadas se constituem em renovados processos de expropriações, pois vêm
efetivando uma massiva subtração dos meios sociais de subsistência imprescindíveis à
vida e a sua consequente mercadorização. Assim, as políticas supracitadas vêm sendo
efetivadas através de um elo que conjuga a expropriação e o empresariamento urbano,
pois a expropriação é efetivada com o intuito de ampliar os valores de troca de espa-
ços bem específicos das cidades. O que por sua vez, vem reafirmando a centralidade
8 As políticas sociais compensatórias têm como objetivo atenuar as expressões da “questão social”. Contudo,
não resultam na apropriação devida da riqueza socialmente produzida. Dessa forma, continuam a perpetuar
as desigualdades sociais e espaciais das camadas mais subalternizadas pelo capital. Conforme analisou
Martins (2012, p. 14), “são apenas débito a fundo perdido, preço a pagar pela sustentação de uma economia
cuja dinâmica bane e descarta parcelas da população”.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 49
9 Para aprofundamento, consultar: DESPEJO ZERO. Dados atualizados dos despejos no Brasil. Disponível
em: https://drive.google.com/file/d/1CIZjXacbUDgMqSaidkIps0ba9BF9q8Ju/view: Acesso em: abril. 2022.
50
REFERÊNCIAS:
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ção do capital e do urbano. Cidades, São Paulo, v. 9, n. 16, p. 62-85, 2012.
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são, pobreza e classes sociais. Petrópolis: Vozes, 2002.
QUINTO Jr., Luiz. Nova legislação urbana e os velhos fantasmas. Estud. av., v. 17,
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ROLNIK, Raquel. Planejamento urbano nos anos 90 novas perspectivas para velhos
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SANTAGADA, Salvatore. A situação social no Brasil nos anos 80. In: Indicadores
Econômicos, Revista Planejamento, v. 17, n. 4, Fundação de Economia e Estatística
FEE, Governo do Rio Grande do Sul, 1990. p. 121-143.
VAINER, Carlos. Como serão nossas cidades após as Copas e as Olímpiadas? In:
JENNING, Andrew; ROLNIK, Raquel; LASSANCE, Antonio (Orgs.) Brasil em
jogo: o que fica da copa e das olimpíadas?. São Paulo: Boitempo, 2014.
DOI 10.24824/978652515909.6.55-69
1. Introdução
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condições materiais, sociais e culturais pode ter sido reforçada e disseminada pela
atuação desse Ministério, à medida que favoreceu: a naturalização da subordinação
do trabalho do gênero feminino; introjeção do trabalho de “cuidado” como inerente
às mulheres, independente de seu caráter assalariado, ou na própria família.
Ao nos depararmos com o aprofundamento do neoliberalismo nos tempos atuais,
compreendemos que a exploração do gênero feminino tem sido adensada, tendo
em vista as constantes tentativas de regressão de direitos historicamente conquis-
tados. O sistema capitalista, a fim de manter suas taxas de lucro, vem fortalecendo
seus aparatos objetivos e subjetivos da força de trabalho; sendo esta força de traba-
lho, produzida e reproduzida através da exploração de trabalho não remunerado de
mulheres. Com isso, o neoliberalismo, que reforça princípios de individualismo e
meritocracia, ao promover a redução dos gastos em políticas públicas, rebate dire-
tamente nos aspectos da reprodução social que são organizados em maior parte por
mulheres. Isto tem por resultado a responsabilização exacerbada da família – e aqui
falamos sobre suas múltiplas conformações – pela sua própria reprodução, em que
políticas públicas essenciais vêm sendo erodidas, como por exemplo: a redução do
Assim, nos cabe explicitar que, nos marcos deste artigo, ao utilizarmos o termo
“reprodução social”, estamos nos referindo, de modo mais preciso, às condições que
perpassam as atividades de manutenção e renovação que compõem a reprodução da
vida, em que vão resultar na forma pela qual o trabalho físico, emocional e mental
de produção de pessoas será despendido.
A forma pela qual o trabalho de “produção de pessoas” – renovação diária e
geracional da força de trabalho – é invisibilizado nas relações sociais, nos demonstram
uma face generalizada e naturalizada de exploração do gênero feminino: tendo como
função não somente a procriação, mas também a manutenção da força de trabalho,
que no âmbito da família é um trabalho intenso e de tempo integral. Dessa forma,
homens e, majoritariamente, mulheres despendem do trabalho não remunerado na
família, para renovação da força de trabalho, que é a fonte de valor do sistema
capitalista. Por isso, é de fundamental importância que o sistema capitalista reforce
de forma naturalizada o trabalho não remunerado que gerações do gênero feminino
desempenharam e desempenham na família, pois objetiva encobrir, principalmente, a
imprescindibilidade desta função na acumulação de capital, oriunda da exploração da
2 Nos cabe demarcar que dentro do campo dos estudos feministas há uma polêmica acerca do caráter do
trabalho doméstico despendido por mulheres que não perpassa pelo objeto desta investigação. Todavia, é
importante ressaltar que para a Teoria da Reprodução Social – vertente de análise pela qual nos vinculamos
– o trabalho doméstico é valor de uso, visto que cumpre uma necessidade social específica de produção e
reprodução da força de trabalho para o Capital (Vogel, 2013).
58
A autora elucida que a reprodução social é algo de grande interesse para classe
capitalista, pois é no âmbito da família que a força de trabalho é criada e projetada
para atender as demandas do capital. A reprodução social não pode ser vulgarmente
compreendida como uma mulher que cumpre atividades do lar para garantir o retorno
de outros membros ao âmbito produtivo reabastecidos, mas sim como esta força de
trabalho é reproduzida, de forma que, subjetivamente, é gerenciado por interesses do
capital, como o grau de instrução e até as condições de saúde. De forma a exemplificar
melhor esta relação de interesse do Capital na reprodução social, podemos demons-
trar as predisposições ao trabalho, como o conhecimento de outras línguas e cultura,
sendo relações reproduzidas diariamente no âmbito familiar (Bhattacharya, 2019a).
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 59
3 Para Marx, mais-valia é um conceito chave para compreender a lei geral de acumulação capitalista, pois se
antes da generalização deste modo de produção era comum relações de vender algo que não é mais útil para
comprar algo de que necessita, depois se coloca dinheiro para efetuar a compra de uma mercadoria pela
qual se pretende vender em um valor diferenciado de sua compra. Nos termos do autor (M é mercadoria e
D é dinheiro), se antes a forma era de M-D-M, posteriormente torna-se D-M-D, e com relação à mais-valia a
forma completa é D-M-D’, em que D’ representa o valor adiantado somado a um adicional, ou seja, a venda
que tem como valor total o seu adiantamento somado a um incremento. Este excedente, ou incremento,
acrescido ao valor original é denominado como Mais-valia. Esta operação na esfera da produção modifica
a grandeza de valor ao adicionar um mais-valor na mercadoria, o que resulta na transformação do dinheiro
inicial em capital (Marx, 2017).
60
6 DIAS, Gabriel. ‘Deus, Pátria, Família’: de onde veio o lema fascista usado por Bolsonaro?. UOL, 29 Ago.
2022. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/08/29/deus-patria-familia-lema-de-bolsona-
ro-tem-origem-fascista-entenda.htm. Acesso em: 13 set. 2022.
7 “NA MINHA CONCEPÇÃO CRISTÃ, MULHER NO CASAMENTO É SUBMISSA AO HOMEM”, DIZ DAMA-
RES. Istoé. 17 Abr. 2019. Disponível em: https://istoe.com.br/na-minha-concepcao-crista-mulher-no-casa-
mento-e-submissa-ao-homem-diz-damares/. Acesso em: 20 nov. 2021.
62
Nos cabe mencionar que não temos os eventos recentes de emersão do con-
servadorismo como parte do triunfo político de Bolsonaro, mas sim, como uma
expressão da cultura política brasileira que foi resgatada como forma de garantir as
bases da hegemonia do grande capital. Freire (2018) afirma que esta “mentalidade
privatizante” resgata uma característica particular da cultura política brasileira, em
que “o moderno se constitui por meio do “arcaico”, recriando nossa herança histórica
ao atualizar aspectos persistentes e, ao mesmo, transformando-os no contexto da
mundialização” (Freire, 2018, p. 196). A autora vai demonstrar que, a exemplo dos
marcos macroeconômicos mundiais de mínimo para o social e máximo para o capi-
tal, o conservadorismo vai se expressar em ações de filantropia, assistencialização,
criminalização da pobreza, benemerência, sendo atualizados a partir dos “programas
focalizados de combate à pobreza” na atual conjuntura.
A religião – e aqui não mencionamos somente as de denominações pentecos-
tais – tem sido uma fundamental base do conservadorismo na atualidade brasileira
em que não podemos perder de vista a forma pela qual o Ministério da Mulher, da
8 RESENDE, Thiago. Bolsonaro Cortou 90% da Verba de Combate à Violência Contra a Mulher. UOL.
17 Set. 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/09/bolsonaro-cortou-90-da-ver-
ba-de-combate-a-violencia-contra-a-mulher.shtml. Acesso em: 21 set. 2022.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 63
homem. Assim, sendo veemente contra debates históricos do direito da mulher como
igualdade na inserção do mercado de trabalho, direitos sexuais e reprodutivos, os
quais envolvem o debate sobre sexualidade e aborto. Com relação a este último, a
Ministra Damares tem voz ativa nos movimentos em favor da vida desde a concepção,
tendo, inclusive, declarado durante a sessão anual do Conselho de Direitos Humanos
da Organização das Nações Unidas em Genebra, ocorrido em fevereiro de 2022,
que o governo do Presidente Jair Bolsonaro é a favor da liberdade e da vida desde a
concepção11. Este ministério foi um elo importante de incorporação e fortalecimento
do conservadorismo no governo do Presidente Jair Bolsonaro, passando a discussão
conservadora de família, mulher e religião para o âmbito institucional, responsável por
planejamento, descentralização e implementação de programas e políticas públicas.
Neste sentido, percebemos uma diluição entre o público e o privado e não res-
peito à laicidade do Estado. Além disso, discussões do campo progressistas como
aborto e equidade de gênero, dentre tantas outras, passaram a ser contestadas e regre-
didas de forma institucional e sob viés do conservadorismo. A ideologia conservadora,
9 Sobre o sistema patriarcal, cabe destacar: “Como já apontei, a dificuldade nesse debate diz respeito à
definição de patriarcado. Não há uma definição uniforme, mas um conjunto de proposições, algumas das
quais são compatíveis com as demais, enquanto outras são contraditórias. Uma vez que não posso analisar
todas estas definições, proponho, por enquanto, focar no conceito de sistema patriarcal, entendido como um
sistema de relações, tanto materiais como culturais, de dominação e exploração de mulheres por homens.
Este é um sistema com sua própria lógica, que é ao mesmo tempo maleável a mudanças históricas, em
uma relação de continuidade com o capitalismo” (Arruzza, 2015, p. 39).
10 SACONI, João Paulo. Cotada Ministra diz que ‘mulher nasce para ser mãe’ e ‘infelizmente tem que
ir para o mercado de trabalho’. O Globo. 31 nov. 2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/
cotada-paraministra-diz-que-mulher-nasce-para-ser-mae-infelizmente-tem-que-ir-paramercado-de-traba-
lho-23272762. Acesso em: 28 jun. 2022.
11 EM GENEBRA, MINISTRA DAMARES FAZ BALANÇO DE ATUAÇÃO EM DEFESA DOS DIREITOS.
Brasília: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. 28 fev. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/
mdh/pt-br/assuntos/noticias/2022/fevereiro/ministra-damares-faz-balanco-de-atuacao-em-defesa-dos-direi-
tos-humanos-em-genebra. Acesso em: 11 dez. 2022.
64
neste sentido, avança no conjunto da sociedade civil para realização das exigências
do mercado, de mesmo modo, amplia sua reprodução e de forma contínua se apropria
de esferas da cadeia econômica-produtiva que são essenciais para a reprodução da
vida. Assim, a ideologia conservadora cumpre seu papel na defesa intransigente da
acumulação capitalista, em que possibilita que o gênero feminino siga cumprindo
trabalho não remunerado de cuidado na família aparentemente de forma espontânea
e natural, possibilitando que o capitalismo mantenha seu controle sobre a qualidade
e quantidade de força de trabalho disponível no mercado através da exploração e
opressão de mulheres.
Dessa forma, compreendemos que a dispersão ideológica possibilita que a
ordem dominante possa impor o projeto neoliberal às outras frações de classe, reper-
cutindo no planejamento e financiamento das políticas sociais, em que demonstra
a forma pela qual a dinâmica dos processos políticos vai refletir “a disputa entre
diferentes projetos de poder” (Freire; Sierra, 2022, p. 214). Isto nos importa saber
tendo em vista que a deterioração e subfinanciamento das políticas sociais vão
influenciar diretamente sobre a responsabilização da família – ou a isenção de
12 Utilizamos o termo “senso comum” como um conglomerado de ideias tradicionais e pouco elaboradas que são
disseminadas às frações de classe e naturalizadas. Coutinho (2010, p. 30), explicita o “senso comum” como
algo “[...] com frequência contraditória, que orienta – muitas vezes sem plena consciência – o pensamento
e a ação de grandes massas de mulheres e homens”.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 65
público, são aspectos que giram em torno da reprodução social como um ponto crítico
na luta de classes e na opressão de mulheres.
e, com isso, o conservadorismo seria a forma pela qual a família seria resguardada
das possíveis ameaças.
Compreendemos que o aprofundamento do neoliberalismo realizado pelo
governo do Presidente Jair Bolsonaro e robustecido em sua forma ideológica pelo
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos corrobora na família como
principal espaço de suporte social e subsistência e com a desresponsabilização e
apoio do Estado no suporte por melhores condições de vida da classe trabalhadora,
os aspectos de reestabelecimento da energia vital diária e renovação geracional que
envolvem a reprodução social são precarizadas, acarretando a sobrecarga e opressão
das mulheres que são as agentes ativas dessa processualidade no âmbito familiar.
Em vista disso, percebemos que essa centralidade na “defesa da família” presente
na disputa ideológica é uma forma concessiva acerca da precarização das políticas
públicas, pois promove a desresponsabilização do Estado nas condições de vida da
família, transferindo a atribuição estatal para o âmbito privado, que sobrecarrega
mulheres para garantia da reprodução social. A ideia de que a família é o suporte para
Editora CRV - Proibida a comercialização
REFERÊNCIAS
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EMANCIPAÇÃO POLÍTICA,
EMANCIPAÇÃO HUMANA:contribuições
a partir da Crítica da Economia Política
Morena Gomes Marques
DOI 10.24824/978652515909.6.71-86
1. Introdução
O objetivo deste texto é dialogar sobre o conceito de emancipação política e
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1 Mandel define a trajetória do pensamento do jovem Marx à sua maturidade a partir dos seguintes estágios:
“da crítica da religião à crítica da filosofia; da crítica da filosofia à crítica do Estado; da crítica do Estado à
crítica da sociedade, isto é, da crítica da política à crítica da Economia Política, que termina na crítica da
propriedade privada” (Mandel, 1980, p.13).
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 73
as suas forças próprias como forças sociais e, portanto, não separa mais de si a
força social na figura da força política – é só então que está consumada a eman-
cipação humana (Marx, 2009, p. 72).
Mas, tal feito não se realiza por simples desejo. Para Marx (2009, p. 54), somente
é possível o alcance desta vida genérica real, desprovida de contradição, explicitando
a contradição violenta com as suas condições de vida e declarando permanente a
revolução. Assim, deve-se prosseguir até o confisco, até o imposto progressivo, da
supressão da propriedade privada até o máximo, ao que compreendemos como a
supressão da atual forma de Estado/sociedade civil fundada no trabalho alienado.
2 No que tange a participação parlamentar operária deve ser considerada a proeminência, num mesmo período
histórico, entre a ascensão monopolista/imperialista e a organização de poderosos partidos de massas, o que
conduziu a uma forte incidência operária na vida política e em conquistas sociais, vide o desenvolvimento
do sufrágio universal e o modelo clássico de democracia. Em termos subjetivos, a ilusão da igualdade
formal enquanto cidadão ou eleitor dissimulou a natureza material própria à desigualdade entre as classes
sociais e favoreceu, em maior amplitude, a legitimidade do padrão burguês de dominação. Fato verificável
na experiência socialdemocrata, em especial a alemã. A integração operária às esferas parlamentares e
institucionais, via conselhos ou comitês mistos, não resultou numa processual transformação socialista
do Estado e, muito menos, a uma redistribuição de riquezas que conduzisse a uma “economia mista”. Na
verdade, o que se vislumbrou foi uma alteração da forma de gestão do poder político, em muito distinta do
capitalismo concorrencial: agora, a incumbência em manter e assegurar a dominação política do capital
foi paulatinamente transferida do parlamento para os escalões superiores da administração pública. Daí a
tendência de centralizar a gestão do poder no aparato administrativo da máquina estatal.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 77
os escalões superiores do Estado3. Fato que pode ser facilmente ilustrado na atua-
ção da burguesia norte-americana, cuja maioria das decisões estratégicas globais e
formulação de interesses
3 É interessante observar as reflexões de Ianni (2004) sobre este aspecto a partir da experiência brasileira.
Para este autor, o alargamento das funções econômicas do Estado e o seu comprometimento com o capital
implicam a expansão do executivo em detrimento do legislativo, numa forma de “bonapartismo” inerente à
contemporânea estrutura do Estado burguês. Deste modo, “o legislativo se forma e reforma como o lugar
das controvérsias, oposições, propostas alternativas. Mas esse legislativo não dispõe da faculdade de votar
ou influenciar decisivamente o orçamento federal. As suas comissões parlamentares de inquérito podem
chegar a qualquer resultado, mas estes não se tornam decisões que afetam o executivo. Não têm força
para tal. Além do mais, o legislativo é continuamente cooptado pelo executivo, por meio do empreguismo,
das concessões de recursos para atendimento de bases eleitorais, promessas de escolha para ministérios,
superintendências” (Ianni, 2004, p. 260). Por consequência, vislumbra-se tanto uma independência entre
os três poderes – legislativo, executivo e judiciário – dissolvidos na expansão e predomínio do executivo;
como, uma dissociação entre Estado e sociedade, onde os interesses de amplos setores populacionais
encontram-se à margem e apartados do poder.
4 Essa “reprivatização não oficial” dos interesses burgueses a partir da dominação financeira e econômica
direta da máquina estatal se constitui através de meios determinados, dentre os quais destacamos os cha-
mados “grupos de pressão” e o papel da burocracia. Os primeiros são identificados como representantes
dos interesses de determinados grupos específicos da indústria e do comércio, do capital financeiro e de
firmas exportadoras contra os produtores nacionais, responsáveis por emendas e novas medidas governa-
mentais, quando muitas vezes pela palavra final das decisões do Estado. No que diz respeito a burocracia, a
78
justaposição entre a articulação privada dos interesses burgueses e a forte concentração das deliberações no
âmbito técnico-administrativo do Estado levou a uma “síntese da aliança pessoal entre grandes empresários
e altos (os mais altos) funcionários do governo” (Mandel, 1985, p. 345). Ainda que não seja via de regra a
identidade dos funcionários estatais com a natureza do próprio Estado, é indiscutível o vínculo de classe
daqueles presentes nos altos cargos e nas ocupações estratégicas do executivo. Ou, como bem traduziu
Mandel (1985, p. 343) sobre a dinâmica dos escalões superiores do aparato do Estado: “os ministros entram
e saem, a polícia e os secretários permanentes ficam”.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 79
organização das massas trabalhadoras em sua constituição como “classe em si”. Eles
são produto do enfrentamento da classe trabalhadora ao capital, em sua luta histórica
por melhores condições de vida e trabalho e devidamente reconhecidos em legislação
social e trabalhista. O que Iamamoto considera por ser a sua “outra face” explicita-se
na sua execução. É através desta que “debilitam o componente autônomo e, portanto,
o caráter de classe das lutas operárias, esvaziando-as, como também reorientam a seu
favor o conteúdo e os ganhos da mesma” (Iamamoto, 1982, p. 100). Ao defrontar-se
com a organização operária e a radicalidade das suas pautas, a burguesia assume como
suas tais reivindicações, despolitizando-as a partir de uma atenção fragmentada e
individualizada. Assim, a luta de classes cede lugar à intervenção setorial através de
políticas específicas – assistência, saúde, previdência, educação, etc.
Deslocam-se as contradições da esfera pública da luta de classes para as vias
institucionais. E neste ínterim se apresenta a interessante contradição entre público/
privado no trato às refrações da “questão social”. Ao reconhecer como de responsa-
bilidade pública as sequelas da ordem burguesa, a organização monopólica rompe
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5 Cf. WACQUANT, Loic. Punir os Pobres. A Nova Gestão da Pobreza nos Estados Unidos. Rio de Janeiro.
REVAN/Instituto Carioca de Criminologia, 2002.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 81
6 Para Harvey (2004), a “acumulação por espoliação” supõe a atual expansão do capital via caracteres típicos
da acumulação primitiva, cujas características arcaicas e bárbaras acreditavam-se superadas. Porém, Fontes
(2010) reconhece ser este raciocínio um tanto quanto “problemático”, advindo de uma leitura equivocada do
conceito como cunhado pelo próprio Marx. Segundo a autora, Harvey presume “que Marx trata a expropriação
como um momento original (primitivo), que desaguaria em seguida na acumulação ampliada, normalizada,
embora sujeita a crises. Por essa razão nomeia a situação atual de acumulação por espoliação, pois seria
qualitativamente diferente da forma tradicional. [...] No entanto, em inúmeras passagens d’O Capital, [...]
[Marx] reafirma que a expansão das relações sociais capitalistas pressupõe sempre sucessivas expropria-
ções, para além daqueles trabalhadores já “liberados” (inclusive mencionando a expropriação de capitalistas
menores). Além disso, a expansão histórica do capitalismo jamais correspondeu a uma forma plenamente
“normalizada”, pois nunca dispensou a especulação, a fraude, o roubo aberto e, sobretudo, as expropriações
primárias, todos, ao contrário, impulsionados.” (Harvey, 2004, p.63-64)
7 Hoje, de modo mais agudo que no passado, dada a elevação da composição orgânica do capital, defrontamo-nos
com a reprodução ampliada de trabalhadores sobrantes. Se a disponibilidade de força-de-trabalho é um advento
multissecular, “o processo jamais se interrompeu e volta a ter visibilidade em escala internacional na passagem
82
Este último aspecto é considerado por Fontes (2010) como o ponto mais “dramático”
das atuais expropriações, pressuposto para o violento (e ora silencioso) desmante-
lamento dos direitos:
para o século XXI, com fluxos migratórios crescentes em proveniência de países devastados por guerras (levadas
a efeito por países europeus e pelos Estados Unidos, como a Líbia), por razões políticas ou econômicas [...]. A
presença e disponibilidade de tais imigrantes contribuem para disciplinar as massas trabalhadoras já estabelecidas
naqueles países, mas aumentam as tensões políticas, racismo, etc.” (Fontes, 2018, p.26)
8 Segundo Harvey (2004, p.119-124), por sobreacumulação compreendemos uma condição em que exce-
dentes de capital (por vezes acompanhados de excedentes de trabalho) estão ociosos sem ter em vista
escoadouros lucrativos. Como elemento intrínseco a este fenômeno está o surgimento do dinheiro “supérfluo”,
resultante do excesso de entesouramento que não encontra possibilidades de investimento produtivo dentro
das fronteiras dos Estados nacionais e nos lócus produtivos existentes.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 83
“colapso geral”, esse mesmo sistema produz intencionalmente crises como forma de
renovar o seu estoque de ativos, via desvalorização dos ativos de capital e da força
de trabalho, intensificando sobre esta última o desemprego e o barateamento do seu
valor-de-troca. Com este propósito cumprem papel fundamental os meios externos
de indução de crises (o imperialismo norte-americano e o sistema financeiro inter-
nacional sob o protagonismo do FMI), combinando a nível local, regional e global
desvalorizações, liberalizações financeiras e programas de austeridade fiscal. Apesar
dos graves riscos que este movimento implica, as crises podem ser “orquestradas,
administradas e controladas para racionalizar o sistema”, resultando na criação perió-
dica de um estoque de ativos desvalorizados fadados ao uso lucrativo de excedentes
de capital sobreacumulados (Harvey, 2004, p. 124-126).
O efeito do que Harvey (2004) compreende como a “expropriação de terras
comuns” – a entrega ao mercado de ativos de propriedade do Estado para que o capital
sobreacumulado possa expandir e realizar-se – é duplo: a privatização e a regressão
dos estatutos regulatórios. E, ambos os casos, dizem respeito à transição do papel
protetor do Estado. A partir do advento neoliberal, o objetivo principal das políticas
estatais reside na transferência dos ativos de propriedade pública à iniciativa privada.
Não é por menos que o fundo público se torna um lócus estratégico. Enquanto “no
capitalismo concorrencial o fundo público comparecia como um elemento a poste-
riori; no capitalismo contemporâneo a formação da taxa de lucro passa pelo fundo
público, o que o torna um estrutural insubstituível” (Oliveira apud Behring, 2008,
p. 53). Sob a tentativa de absoluto controle privado dos recursos estatais, o que se
impõe na ordem do dia é uma retórica ideológica: a farsa da “crise do financiamento
9 Dentre os novos mecanismos, Harvey (2004, p.123) destaca os chamados “direitos de propriedade intelectual”
(o patenteamento e licenciamento de material genético e do plasma de sementes); a biopirataria e a pilhagem
mundial de estoques genéticos; a escalada global de destruição de recursos naturais (terra, ar e água); a
mercantilização de formas culturais e históricas; e de bens até então considerados de direito público.
84
política de uma classe social” (Mandel, 1980, p. 349). Sendo a emancipação política
compatível a esta eterna forma de ser da sociabilidade burguesa o problema que se
apresenta aos trabalhadores neste momento é duplo: 1. como ultrapassar o horizonte
estratégico da emancipação política? 2. Qual o lugar dos direitos e das políticas
sociais neste processo?
E aqui se apresenta a nossa principal divergência com Sérgio Lessa. Reivindicar
a emancipação humana e uma estratégia socialista não é o suficiente quando não
dialogamos sobre como realizá-la. A emancipação humana não se resolve por mero
desejo ou de forma auto-proclamatória. Assim como Lessa não considera, sequer em
parte, as garantias sociais proporcionadas pelo Estado de Bem-Estar Social como uma
vitória dos trabalhadores, o autor restringe a sua análise a uma dimensão estratégica,
ignorando os meios táticos que conduzem a possibilidade efetiva da emancipação
humana. E apenas o faz porque não há como fugir do papel que desempenha a pauta
dos direitos sociais e das garantias democráticas fundamentais no processo de mobi-
lização que antecede qualquer processo revolucionário. Se formos ao exemplo da
Revolução Russa de 1917, o lema bolchevique “paz, terra, pão, liberdade e trabalho”
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REFERÊNCIAS
BEHRING, Elaine Rosseti. Acumulação Capitalista, Fundo Público e Política Social.
In: BOSCHETTI, Ivanete. et al. (Orgs). Política Social no Capitalismo: tendências
contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2008. p.44-63.
MARX, Karl. Para a Questão Judaica. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comu-
nistas. In: Lutas de classes na Alemanha. São Paulo: Boitempo, 2010.
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cor-
tez, 2011.
QUESTÃO AGRÁRIA E RACISMO NA
FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA: um
estudo a partir do modo de produção escravista1
José Amilton de Almeida
DOI 10.24824/978652515909.6.87-100
1. Introdução
Diferentemente das bases do nascimento do modo de produção capitalista na
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1 Esta pesquisa é fruto de minha tese de doutorado e contou com o apoio financeiro da Capes.
2 O uso das aspas na palavra “escravo” é devido a seu caráter mistificador e naturalizado, contra o qual o
movimento negro e antirracista contemporâneo tem convencionado substituir por “escravizado”.
88
irradiadas dos centros colonizadores. Valor este que se formava nas fazendas escra-
vistas e ia parar no mercado mundial, como o açúcar, o café, o algodão, o ouro, o
diamante etc., enquanto os trabalhadores escravizados, ao contrário, ingressavam no
Brasil como mercadorias e iam parar nas fazendas escravistas como propriedades
privadas dos senhores, e produtores diretos daquelas outras mercadorias agrícolas
exportáveis. Um ciclo no qual importava-se mercadoria-escrava para exportar mer-
cadoria agrícola-tropical e minerais com sobrevalor. Geralmente, o mesmo navio
que levava mercadoria, trazia “escravos”, esta era a lógica predominante. Por isso,
buscamos reconstituir como era a vida do humano escravizado sob a condição de
uma propriedade privada, uma mercadoria humana tão somente, reduzido a uma
coisa ou a um instrumento de trabalho nas mãos e na mente da classe dominante.
Elucidamos como este humano reagia contra tal estado de coisas, mostrando-se,
ao contrário, não ser objeto nem instrumento, mas sujeito; não ser passivo, mas
ativo; rompendo as cadeias da exploração de classe e, consequentemente, com sua
alienação, material e ideológica. A dialética deve mostrar que se havia escravizados
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própria escravização. Frente a esta suposta “passividade”, o que fica invisível, con-
tudo, é o sujeito e a contradição, sem os quais não há produção social, nem história.
3 Para um aprofundamento teórico preciso da renda fundiária, ver: MARX, K. O capital. Livro III. Seção VI.
São Paulo: Boitempo, 2017.
94
brotou por meio de uma divisão étnico-racial do trabalho e de uma reprodução racista
das relações social. Entendemos, assim, que revisitar a escravidão moderna implica
resgatar debates históricos, pois, nela encontramos elementos essenciais das contradi-
ções entre as relações de produção e as relações sociais escravistas que dão origem à
formação social brasileira, e à natureza socioeconômica do trabalho escravizado, em
cujo berço, tendo submetido indígenas e africanos, constitui um componente racial
e xenófobo real, mediado através de uma divisão racial do trabalho ou uma divisão
social racializada ou, se quiser, uma divisão sociorracial do trabalho, que sustentará
a economia, a política, a moral e a ideologia da sociedade içada sobre esse modo de
produção, gerador de um mundo livre e de riquezas para os colonizadores; e de um
mundo escravo e miserável para os colonizados.
Se, hoje, houvesse uma reparação histórica a ser feita com esses dois povos,
Americanos e Africanos, submetidos a um terceiro, aos Europeus, deveriam ser devol-
vidos aos negros e aos indígenas o solo, assim como a todos os seus descendentes
pobres e expropriados da terra a terra, no que implicaria, mais do que uma reforma,
foram parar no Novo Mundo, constituindo a Nova Inglaterra no norte do atual Estados
Unidos, fazendo com que atrasasse à sua adesão ao trabalho escravo nas plantations
em 150 anos (Prado Jr., 2014), em Portugal, essas condições inexistiam. Portanto, ou
se forçava as pessoas a produzirem através da escravização ou a empresa lucrativa
denominada colonização não poderia se realizar. Aos indígenas, as modalidades de
trabalho e de intercâmbio trazidos pelos invasores não interessavam, pois, prati-
cantes de uma economia natural, inexistia o mercado como condição da satisfação
das necessidades, nem contava com a propriedade privada individual como centro
das relações sociais, não fazendo o menor sentido intercambiar com mercadorias,
ou se submeterem a exploração do trabalho para produzir excedente para outro. O
mesmo vale para os povos da África, roubados para serem escravizados nas lavouras
do Novo Mundo. Que interesse teriam eles em migrar espontaneamente para um
outro continente e se submeter ao branco num regime de exploração como aquele
necessário à agricultura extensiva e monocultural? Essa é a verdade mais primária e
simples a respeito da economia que se formou nesta colônia de exploração denomi-
nada Brasil. Uma verdade pura e simplesmente econômica, sem nenhum elemento
moral e desvestida de qualquer “sutileza metafísica ou argúcia teológica” (Marx,
2006). Conforme já concluiu Eric Williams (1975, p. 12) acerca da relação entre o
racismo contra negros e a escravidão moderna, “a escravidão não nasceu do racismo:
ao contrário, o racismo foi uma consequência da escravidão”.
Ela marca a ruptura do desenvolvimento natural milenar de povos, que viviam
com outros modos de produção e outras modalidades de consciência, para impor o
modo de produção eurocêntrico, conforme as necessidades do mundo de onde vinha
o colonizador. As sutilezas metafísicas virão depois, no sentido do europeu con-
vencer a si mesmo e de se alienar em sua própria consciência sobre os negros, mas
também aos outros, persuadindo-os com a ideia que sua prática escravizadora “não
era, assim, tão ruim” (James, 2010, p. 28). Terá, para isso, de inferiorizar o negro
teológica, “cientifica” ou pseudocietificamente, entendê-lo e explicá-lo por meio
de conjecturas eugenistas, formulações higienistas, por determinismos geográficos,
96
O que isso tem a ver com a divisão de classes e com exploração racial do tra-
balho ou sua expressão genérica, o racismo? Em termos simples, do nosso ponto de
vista, tem a ver com quem foi expropriado e com quem se beneficiou da expropriação;
com quem são suas vítimas no campo, mas pelas mesmas circunstâncias, também se
tornam vítimas nas cidades, seja como superpopulação relativa latente ou estagnada,
respectivamente, como sem-terras ou sem-tetos ou congêneres. A hipótese que, como
pressuposto, atravessa nosso estudo, é que, no escravismo, o negro ocupava o centro
da produção, assim sendo, o trabalho era moralmente condenado, repudiado pelas
elites aristocráticas, escravagistas e monárquicas. Isto porque em sua plenitude, o
trabalho era realizado por escravizados, considerados inferiores e assim inferiorizados
em todas as escalas da vida social. Para que o trabalho adquirisse o sentido ético que
tinha no jusnaturalismo de John Locke4, por exemplo, e na “Ética protestante e o
espírito do capitalismo” de Max Weber, teria de desvencilhar-se do elemento negro
que desvalorizava este tipo de ética liberal do trabalho. Vale lembrar que, apesar da
abolição, nada mais houve como processo de reparação e, justamente nesta quadra
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histórica dos fins do século XIX, que a maioria dos elementos estruturais da “ordem
escravista e senhorial” é simplesmente transferida para a “ordem social competitiva”
(Fernandes, 1975), passando do escravismo para o capitalismo do século XX.
De tal modo que, se o ano de 1888 simboliza o fim da “escravidão” no Brasil,
ela não significa necessariamente o fim da prática escravizadora, que, em suas múl-
tiplas formas, serão chamadas de “condição análogas à escravidão” ou “escravidão
contemporânea”. De 1995 a 2022, a CPT (2023) registrou mais de 60.000 casos de
“trabalho escravo” no Brasil. Nem precisamos mencionar qual é a cor predominante
do “escravo contemporâneo”.
4 John Locke que, aliás, era acionista da Royal African Company, empresa que traficava escravos pelos mares
e os vendia na América.
98
Considerações Finais
REFERÊNCIAS
CPT. Conflito no campo. Brasil, 2022. Goiania: CPT, 2023. Disponível em: https://
www.cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/6354-conflitos-no-campo-bra-
sil-2022. Acesso em: 18 jul. 2023.
LUKÁCS, Giörgy. Para uma ontologia do ser social I. São Paulo: Boitempo, 2012.
MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Editora Contexto, 2010.
Disponível em: http://www.suelourbano.org/wp-content/uploads/2017/09/O-Cativei-
ro-da-Terra-Jos%C3%A9-de-Souza-Martins-1.pdf. Acesso em: 11 jan. 2022.
MARX, Karl. O capital: o processo de produção do capital. Livro I, v. 1, 23. ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: livro II: o processo de circu-
lação do capital. São Paulo: Boitempo, 2014.
MARX, Karl. O Capital: o processo global da produção capitalista. Livro III. São
Paulo: Boitempo, 2017.
MOURA, Clóvis. Dialética radical do Brasil negro. São Paulo: editora Anita, 1994.
NETTO, José Paulo. Introdução ao Estudo do Método de Marx. São Paulo: Expres-
PRADO JR., Caio Prado. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 2014.
PARTE II:
SERVIÇO SOCIAL E RESISTÊNCIA
AO CONSERVADORISMO
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SAÚDE NO GOVERNO BOLSONARO,
LUTAS CONTRA A PRIVATIZAÇÃO
E CONTRIBUIÇÃO DO
SERVIÇO SOCIAL1
Maria Inês Souza Bravo
Juliana Souza Bravo de Menezes
DOI 10.24824/978652515909.6.103-118
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1. Introdução
A crise sanitária brasileira da covid-19 se insere no quadro de uma pandemia
mundial, no interior da crise estrutural do capital e da falência das medidas neoli-
berais e ultraneoliberais. Este texto tem como objetivo analisar a política de saúde
neste contexto pandêmico.
Os processos de privatização das políticas sociais e da saúde em particular não
começam a partir de 2016, nos Governos de Temer e Bolsonaro, mas se aprofundam
neste contexto. Tais retrocessos se inserem no quadro social, econômico e político
sintonizado com processos observados mundialmente e se concretizam com as media-
ções relacionadas às condições de inserção do Brasil no cenário político-econômico
mundial e ao seu particular desenvolvimento histórico.
Segundo Behring (2003), desde 1990 vivencia-se no Brasil o processo de
contrarreforma do Estado, resultando em inflexões no campo das políticas sociais,
impactando a saúde pública e o conjunto da Seguridade Social. Essas mudanças
estão em consonância com as orientações de transformações no mundo do trabalho,
por meio da reestruturação produtiva (Harvey, 1993) e de redefinição das funções e
responsabilidades do Estado com vistas à inserção do Brasil na economia mundia-
lizada (Chesnais, 1996).
Ao analisar o contexto atual de crise estrutural do capital, pode-se afirmar que
a saúde tem sido um espaço de grande interesse de grupos econômicos em sua busca
por lucros e em seu movimento para impor a lógica privada nos espaços públicos. O
seu caráter público e universal, tão defendido pelo Movimento de Reforma Sanitária
brasileiro dos anos 1980 e pelos lutadores da saúde, vem sendo ameaçado.
1 Este texto é uma versão revisada e ampliada do artigo publicado pelas autoras “Saúde em Tempos de
Pandemia da COVID-19 e as Lutas da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde”, na coletânea “Crise
Capitalista, Pandemia e Movimentos Sociais”, organizada por: CABRAL, M. S. R.; ASSIS, I. M.; SOUZA, G.
A. C., de novembro de 2021.
104
2 Quando falamos de política de morte podemos trabalhar com o conceito de Necropolítica desenvolvido pelo
filósofo negro, historiador, teórico político e professor universitário camaronense Achille Mbembe que, em
2003, escreveu um ensaio questionando os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve viver e
quem deve morrer. Para maior aprofundamento com relação ao conceito de Necropolítica ver Mbembe (2018).
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 105
desrespeitando os direitos coletivos. Ao mesmo tempo, disse que desejava “um sis-
tema privado forte” e “solidário”. Afirmou ainda que o Ministério da Saúde tem um
orçamento muito grande.
Se por um lado, a afirmação de que não haveria retrocessos na máxima constitu-
cional do direito de todos e dever do Estado na saúde pode ser avaliada positivamente,
a defesa de um setor privado forte e a não proposição de mais recursos orçamentários
para o SUS são preocupantes, pois não contribuem para o fortalecimento do SUS e
seu componente público e estatal. Durante o período em que esteve à frente da pasta
foram apresentadas e executadas diversas propostas pelo seu Ministério no ano de
2019 e início dos anos 2020, que serão apresentadas a seguir:
A revisão da política de saúde para a população indígena, que foi alvo de críticas
por parte de representações indígenas. A carreira de Estado para médicos e não para
os demais trabalhadores da saúde; o fortalecimento das Santas Casas e a proposta
de “choque de gestão” nos seis hospitais federais e nos três Institutos vinculados ao
Ministério da Saúde, localizados no Rio de Janeiro.
Com relação à Política de Saúde Mental e a Política de Álcool e Drogas, em
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Outra medida que ocorreu foi a reformulação do Programa Mais Médicos com
o discurso de torná-lo “mais técnico e menos político”. O que de fato aconteceu foi
o desmonte do mesmo com a saída dos médicos cubanos deixando amplas regiões
do país descobertas de assistência médica.
No que se refere à participação social, em que pesem as medidas regressivas
ocorridas no governo, teve-se avanços na convocação e organização da 16ª Confe-
rência Nacional de Saúde, ocorrida de 4 a 7 de agosto de 2019, espaço democrático
de avaliação sobre a situação de saúde e de proposição de diretrizes para a política
nacional de saúde. Nesta Conferência, também denominada de 8ª + 8, o tema Demo-
cracia e Saúde retomou a perspectiva histórica e a mobilização popular presente
na 8ª Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em 1986. Este avanço, entretanto,
decorreu da articulação do Conselho Nacional de Saúde com diversos movimentos
sociais e de sua autonomia frente ao governo. Importante destacar que houve pouca
participação do governo no financiamento da mesma.
Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declara que a
disseminação do novo Coronavírus em todos os continentes se caracteriza como
Luiz Henrique Mandetta, médico e com vínculo com a Unimed e com as Ins-
tituições Filantrópicas foi demitido em 16 de abril de 2020. A troca do primeiro
ministro pelo segundo se deu devido a divergências no enfrentamento da pandemia.
O segundo ministro Nelson Teich teve uma passagem relâmpago no ministério (de
17 de abril a 15 de maio de 2020), se afastando da pasta também por discordar do
presidente acerca do uso da cloroquina (não comprovada cientificamente) para o
tratamento da covid-19. Após a saída de Nelson Teich, Eduardo Pazuello assume,
interinamente, o Ministério da Saúde, se tornando ministro efetivo da pasta apenas
em 16 de setembro de 2020.
A subnotificação, a ocultação dos dados da pandemia e a militarização do Minis-
tério da Saúde são algumas características desta terceira gestão do ministério e que
provocou o total descontrole da covid-19 no país. O General do exército, que ficou
5 Tais informações estão disponíveis em: https://covid19.who.int. Acesso em: 31 mar. 2023.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 107
como ministro interino por quase quatro meses à frente da pasta, avançou em uma
política que promoveu o negacionismo, a censura e o obscurantismo. Não existiu
um comando nacional para o combate a pandemia no país, nem mesmo um plano
com diretrizes orientadoras (Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, 2020).
Cabe destacar algumas outras medidas do General Eduardo Pazuello no Minis-
tério da Saúde:
primeira, fato que tornou o problema ainda mais grave e complexo, considerando
aglomerações desnecessárias e declarações públicas de autoridades governamentais
afirmando que não retrocederiam das medidas de flexibilização.
Tal situação tem gerado uma preocupação dos estudiosos da saúde pública.
7 A ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) lança um documento sobre o seu posicionamento
com relação a campanha nacional de vacinação contra a Covid-19. Ver a nota na íntegra em: https://www.
abrasco.org.br/site/wp-content/uploads/2020/12/Posicionamento-Abrasco-Minuta-final2.pdf.
8 Tal proposta significa um desmonte total da Política de Saúde Mental no SUS com a revogação de cem (100)
portarias sobre saúde mental, editadas entre 1991 a 2014, ameaçando diversos programas e serviços do
setor, tais como: os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs); os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),
em suas diversas modalidades (CAPS I, II, III, CAPSi, CAPSAD, CAPSAD III); o Programa de Volta pra Casa
(PVC); as Unidades de Acolhimento adulto e infanto-juvenil e os Leitos em Hospital Geral; os Consultórios
de Rua; as estratégias de Saúde Mental na Atenção Básica junto às Equipes de Saúde da Família (ESFs)
e aos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs), entre outros. A Política Nacional de Saúde Mental
implementada desde a década de 1990 propiciou a inversão do destino de recursos financeiros públicos
de hospitais psiquiátricos para a rede substitutiva de serviços de base comunitária e territorial, garantindo
o cuidado em liberdade, com inclusão social. Várias entidades e movimentos sociais vêm repudiando, com
manifestos, notas e abaixo assinado, a proposta apresentada pelo Governo Federal de desmonte da RAPS,
reforçando a defesa do SUS, da Reforma Psiquiátrica, dos direitos humanos e do cuidado em liberdade.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 109
ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), mas ainda não tinha sido votado
no Senado Federal. Queiroga não tinha vínculo com o setor público e nem experiên-
cia em gestão. E todo o discurso foi de continuidade e não de rompimentos com o
trabalho desenvolvido.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia no Senado foi ins-
talada, em 27 de abril de 2021, com o objetivo de identificar os responsáveis por
ações e omissões no combate ao Coronavírus “SARS-CoV-2” e, em especial, no
agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os
pacientes internados; e as possíveis irregularidades em contratos, fraudes em licita-
ções, superfaturamento, desvios de recursos públicos, assinatura de contratos com
empresas de fachada para prestação de serviços genéricos ou fictícios, entre outros
ilícitos, se valendo para isso de recursos originados da União Federal, bem como
outras ações ou omissões cometidas por administradores públicos federais, estaduais e
municipais, no trato com a coisa pública, durante a vigência da calamidade originada
pela pandemia do Coronavírus, limitado apenas quanto à fiscalização dos recursos da
Editora CRV - Proibida a comercialização
União repassados aos demais entes federados para as ações de prevenção e combate
à pandemia da covid-19, e excluindo as matérias de competência constitucional
atribuídas aos Estados, Distrito Federal e Municípios.
A CPI se encerraria em agosto, mas foi prorrogada e seu Relatório Final foi
apresentado em outubro de 2021. A Comissão Parlamentar de Inquérito da Pande-
mia, após seis meses de intensos trabalhos, concluiu, a partir da coleta de provas,
que o governo federal de Jair Bolsonaro foi omisso e optou por agir de forma não
técnica, negacionista e desidiosa no enfrentamento da pandemia do novo Coronavírus,
expondo a população a risco concreto de infecção em massa.
10 Este item está baseado no artigo publicado pelas autoras “Democracia, participação e controle social: as
lutas em defesa da saúde”. In: Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea. Nº 50. Rio de Janeiro:
UERJ/Faculdade de Serviço Social. jul/dez. 2022.
112
11 A live comemorativa dos 10 anos da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde está disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=L8DIw50nqWs&fbclid=IwAR2mu7664dqB_ET4ol9oHk9ehHi4CqXZPxXuR-
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 113
W1bp_eWkTiySin9AUd1d-4.
114
12 Algumas reflexões presentes nessas considerações finais estão baseadas no artigo de BRAVO, M. I. S. &
MENEZES, J. S. B. Lutas pela Saúde: desafios à assessoria realizada pelos assistentes sociais. In: DUARTE,
M. J. O. (et al.) (org.). Política de saúde hoje: interfaces & desafios no trabalho de assistentes sociais.
Campinas, SP: Papel Social, 2014b.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 115
Diversos desafios estão postos para efetivar a participação social nas políticas
públicas na atual conjuntura. A retomada dos pressupostos que marcaram as lutas
sociais e que foram incorporados por diversas profissões, entre elas, a de Serviço
Social é de fundamental importância na atualidade para combater as tendências de
reforço do terceiro setor, de desresponsabilização do Estado e da participação cidadã13.
O Serviço Social brasileiro, nos seus diversos documentos legais que fundamen-
tam o seu projeto ético-político, ressalta a construção de uma nova ordem social, com
igualdade, justiça social, universalização do acesso às políticas sociais, bem como a
garantia dos direitos civis, políticos e sociais para todos. Os projetos profissionais,
segundo Netto (1999), são indissociáveis dos projetos societários que lhes oferecem
matrizes e valores e expressam um processo de luta pela hegemonia entre as forças
sociais presentes na sociedade e na profissão.
Os assistentes sociais no Brasil, desde os anos 1980 – período marcante de
releitura da profissão – incorporaram a temática dos movimentos sociais na formação
profissional, nas pesquisas e na produção acadêmica. Entretanto, a articulação do
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debate com análises empíricas e sua relação com o trabalho do Serviço Social foi
pequena, como identifica Durigueto (1996) em pesquisa realizada. A autora afirma
que os profissionais de Serviço Social têm dificuldade de tomar sua inserção frente
aos movimentos sociais como trabalho profissional. Essa questão também se expressa
pela falta de reflexões sobre a influência das instituições assessoras na organização
dos movimentos sociais (Durigueto, 1996, p. 145).
Na década de 1990, o debate do Serviço Social se desloca para os espaços de
controle democrático face ao esvaziamento dos movimentos sociais e a implementa-
ção dos conselhos de políticas sociais e de direitos. Considera-se, entretanto, que os
estudos e intervenções com relação aos movimentos sociais tornam-se fundamental
na atualidade.
Nesta direção, os profissionais adeptos do projeto ético-político da profissão
precisam qualificar suas ações a fim de contribuírem para a ampliação de uma cultura
política crítica e democrática e defender a garantia dos direitos humanos e sociais.
Diversos autores têm ressaltado a ação socioeducativa do Serviço Social como
fundamental para o trabalho com movimentos sociais e assessoria.
Iamamoto (2002) considera que é importante a ação dos assistentes sociais
nos movimentos sociais. Trata-se de reassumir o trabalho de base, de educação, de
mobilização e organização popular que parece ter sido submerso do debate teórico-
-profissional frente ao refluxo dos movimentos sociais. É necessária uma releitura
crítica da tradição profissional do Serviço Social, reapropriando-se das conquistas e
habilitações perdidas no tempo e, ao mesmo tempo, superando-as de modo a adequar
a condução do trabalho profissional aos novos desafios do presente.
Abreu (2002) faz um retrospecto da função educativa no processo histórico bra-
sileiro relacionando com as influências internacionais. Destaca três perfis pedagógicos
13 Há uma grande diferença entre a concepção de participação social na perspectiva marxista e a proposta
de participação cidadã que tem sido estimulada na valorização da participação colaboracionista, como já
foi ressaltado.
116
REFERÊNCIAS
ABREU, Marina Maciel. Serviço Social e organização da cultura: perfis pedagó-
gicos da prática profissional. São Paulo: Cortez, 2002.
em Política Social (NEPPOS/CEAM/UnB). ano 13, n. 36. jun. 2021. Disponível em:
https://a8635449-bd1f-4059-9e57-fb1f0ab683f9.filesusr.com/ugd/db28ff_d5537b7a-
b5f64fe08e715a022791c880.pdf. Acesso em: 17 de janeiro de 2022.
BRAVO, Maria Inês Souza; MENEZES, Juliana Souza Bravo. Lutas pela Saúde:
desafios à assessoria realizada pelos assistentes sociais. In: DUARTE, Marco José
de Oliveira et al. (org.). Política de saúde hoje: interfaces & desafios no trabalho
de assistentes sociais. Campinas, SP: Papel Social, 2014.
DOI 10.24824/978652515909.6.119-139
1. Introdução
A escolha dos instrumentos e técnicas a serem operados pelo assistente social
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1 Essas notas sobre reunião nada tem a ver com o “Serviço Social de grupos” como método do Serviço Social
tradicional, quando indivíduos isolados (Serviço Social de Casos) e os denominados “grupos” (Serviço
Social de grupo e comunidade) são tomados como objeto de controle/transformação/modificação, com
o objetivo explícito de manutenção do “bom funcionamento da sociedade capitalista” e “humanização” de
uma sociedade impossível de ser humanizada, estruturada que está na exploração da força de trabalho,
nas opressões de classe, etnia e gênero e na concentração de propriedade, riqueza e poder político.
120
sociais na história, tem nos levados a obscurecer a sociedade de classes, o que pode
estar mostrando que conservamos do “velho Serviço Social”, do qual partimos para
pensar e realizar práticas mediadas pelo projeto do projeto do Serviço Social, mais
do que gostaríamos.
“Grupo” é uma noção assimilada da psicologia e da sociologia que, a partir
de importantes e influentes estudos (a despeito de contribuições na apreensão do
movimento das relações sociais e da subjetividade humana no capitalismo), vem
favorecendo o obscurecimento da sociedade de classes e, atravessando a literatura do
Serviço Social, vem também alimentando os debates na profissão. Como podemos
aprender desses estudos que vêm orientando historicamente a formação e a atuação
dos assistentes sociais, o que fica e está ausente deles é a noção de classe. Como
mostra Mészáros (2015, p. 49), na sociedade do capital, no lugar de classe, temos a
vaga noção universal de “grupos”.
Isso quer dizer que os segmentos da classe trabalhadora junto aos quais atuamos
– nas organizações socioassistenciais públicas e privadas – vêm sendo desarticula-
dos da perspectiva de classe, quando, em vez da denominação de trabalhadores e
trabalhadoras, são considerados, abstratamente, como grupos sociais autônomos que
passam a ser denominados como “comunidade”, família, vizinhança, vulneráveis, em
risco social, colaboradores, empreendedores etc., o que também deixa na sombra o
caráter de classe do Serviço Social e da atividade dos assistentes sociais, os quais são
requisitados pela burguesia e pelo Estado capitalista, desde a origem da profissão, a
atuar sobre a classe trabalhadora em busca de controle e manipulação, ora através da
ajuda, ora através da “atuação técnica qualificada”, objetivando um “bom funciona-
mento social” que garanta a exploração da força de trabalho necessária aos processos
de acumulação de capital e a manipulação e controle dos supérfluos para o capital.
Sendo assim, aqui abordaremos a atuação dos assistentes sociais junto a seg-
mentos da classe trabalhadora quando a escolha do instrumento reunião se torna
necessária e estratégica, mais ainda diante da recusa de grande parte dos assistentes
sociais em priorizar esse instrumento no contato com os trabalhadores. Escolha
estratégica significa que a reunião não é uma escolha tática que deve ser utilizada em
alguns momentos da prática profissional, mas uma escolha necessária e prioritária
que estruture a atividade dos assistentes sociais junto aos diferentes segmentos da
classe trabalhadora com os quais atuamos; atividade geralmente iniciada através de
atendimentos individuais (entrevistas) e coletivos (reuniões) com os trabalhadores/
usuários nas instituições privadas e do Estado capitalista. Essa é uma escolha que
reestrutura a prática do assistente social junto aos trabalhadores, na medida em que
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 121
nunca e um sujeito isolado, mas sempre se insere num conjunto (maior ou menor,
mais ou menos estruturado) de outros sujeitos. Esse caráter coletivo da atividade do
trabalho é, substantivamente, aquilo que se denominara de social”.
A percepção da reunião como força organizadora vem sendo destacada ao longo
da história. No decurso da Revolução Francesa, seu valor como instrumento de orga-
nização e luta da classe trabalhadora não passa despercebido pela burguesia. Com a
derrota da ação revolucionária, seus líderes foram presos “e promulgaram-se leis que
proibiam reuniões populares e determinaram o fechamento de clubes democratas”
(Marx, 2011, p. 34, nota 8).
Ora, nos diferentes golpes de estado, atos e decisões dos dominantes na História,
as coisas não se deram de forma diferente, especialmente em se tratando de Brasil. No
episódio mais recente, nos direitos sequestrados nos 25 anos da ditadura civil/militar
iniciada em 1964, através de Atos Institucionais3, contraditoriamente, em nome de
“assegurar a autêntica ordem democrática”, temos que, em meio à autorização de
intervenções, cassação de mandatos políticos e muitos outros atentados à própria
democracia burguesa, fica proibido o direito de reunião. Historicamente – especial-
mente no capitalismo –, quem domina, necessita destruir os meios de autodefesa de
quem vai ser submetido à exploração, condicionada à opressão, dominação, con-
trole. Mas não podemos esquecer que são múltiplos os instrumentos de destruição
das formas de defesa individual e coletiva tendo em vista assegurar que contra o
poder econômico e político do capital não haja oposição. Para além da destruição
2 Recuperamos aqui reflexões iniciadas em 1982 e que podem ser acompanhadas no seu desenvolvimento e
aperfeiçoamento nas referências abaixo. Faço uma releitura, em especial, de parte do item 4.3: Capítulo 4,
de Vasconcelos, 2012. Um texto de base foi publicado em Horst e Anacleto; CRESS/MG, 2023. Disponível
em: https://cress-mg.org.br/wp-content/uploads/2023/06/Livro-CRESS-MG-_-A-dimensa%CC%83o-te%C-
C%81cnico-operativa-no-trabalho-de-assistentes-sociais-.pdf. Na falta de espaço para aprofundamento de
noções e argumentos, recomendamos a leitura de Vasconcelos, 2015.
3 Ver especialmente os Atos Institucionais nº 2 e nº 5. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm;
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-02-65.htm; Consulta: outubro de 2022.
122
dos sindicatos4, temos, dentre tantas outras estratégias, a cooptação dos partidos de
esquerda que, autotransformados em partidos eleitorais, estão esquecidos da luta
anticapitalista emancipatória e a cooptação de representantes da classe trabalhadora
em Conselhos, Comissões etc.
No contexto de mais farmácias e menos bibliotecas/livrarias, nos encontra-
mos submetidos a um “Sim às drogas, não às conversas”; sim à busca de soluções
individuais, não à busca de soluções coletivas; sim ao embotamento da consciência,
não à libertação. Isso porque, enquanto nos distraímos com drogas lícitas e ilícitas
e nos [aparentemente] isolamos, abdicamos do direito de conversar, que é por onde
brotam ideias, alternativas, esperanças com o resgate da importância da conversa
quando as pessoas se reúnem.
Na atualidade, ainda que como fruto do protagonismo dos trabalhadores e de
segmentos democráticos na luta de classes, o que está assegurado na denominada
Constituição Cidadã de 1988, como integrando os Direitos e Deveres Individuais e
Coletivos, no Art. 5º. -{o “direito de livre manifestação do pensamento” e a “invio-
4 Os sindicatos se constituem como a mais odiada organização dos trabalhadores, entre a burguesia e seus
serviçais, principalmente os de “nível superior”, ainda que o sindicato, como instituição própria do capitalismo,
cumpra o papel de legalizar a disputa pelo preço da força de trabalho e o próprio controle dos trabalhadores,
quando suas lutas permanecem voltadas somente para a distribuição da pequena parcela da riqueza do
capital para o trabalho.
5 Não se pode negar que se o Artigo 5º diz respeito ao conjunto da população brasileira, os Artigos 6º, 7º e
Título VIII, por exemplo, têm endereço certo: a parte da sociedade a ser explorada pelo capital: a classe
trabalhadora constituída pelos operários, demais trabalhadores assalariados e os supérfluos para o capital.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 123
Como afirma Marx, “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas
necessidades. Ou seja, é a importância da reunião na e para a vida que condiciona
sua importância crucial na atuação do assistente social junto à classe trabalhadora.
Posto isto, como nos referencia o projeto do Serviço Social, para o assistente
social que pretende articular sua atividade profissional aos interesses e necessidades dos
trabalhadores, como caminho para a realização do seu compromisso com a humanidade
e com os trabalhadores, a reunião e a entrevista são utilizados, não na busca de apa-
rente solução para problemas de ordem psicológica e/ou social como requer o capital/
burguesia, mas como instrumentos de aproximação/comunicação/diálogo individual
e coletivo, o que pode resultar em condições psicológicas e sociais favoráveis para os
participantes, mediante apoio, orientação, acesso a conhecimentos, informações, bens
e serviços, mesmo diante de sua necessária negação como finalidade. Isso porque, é
exatamente esse espaço-tempo institucional que o assistente social pode aproveitar
para oferecer aos trabalhadores e trabalhadoras/usuários um espaço de debate, de
diálogo, onde, tendo como objeto de análise teórico-crítica suas manifestações e o
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contexto onde elas se dão, eles possam se colocar criticamente diante daquilo que o
capitalismo disponibiliza, oferece e fez deles (Ver Vasconcelos, 1997).
Na perspectiva do projeto do Serviço Social, os indivíduos não são tomados
como objeto de transformação psicológica e/ou social, o que exige do assistente
social a criação de espaços de atendimento individual e coletivo que tanto resga-
tem do movimento social práticas que aglutinem; que favoreçam a mobilização e a
organização; que oportunizem e favoreçam reflexão crítica, troca de experiências, de
vivências, de relações democráticas e horizontais, como possibilitem a identificação
de necessidades e interesses coletivos que expressem e articulem os interesses indi-
viduais – manifestados a partir das demandas dos trabalhadores/usuários dirigidas
individualmente às instituições e ao Serviço Social. Conectados às questões centrais
e relevantes para a classe trabalhadora e para a humanidade (o que exige do assistente
social teoria, ou seja, conhecimento da realidade), poderá vir à tona, dentre tantas
outras coisas substanciais, o fato de que não é o acesso a bens e serviços – o que
certamente contribui para manutenção da existência – que pode favorecer o protago-
nismo dos trabalhadores na luta de classes, mas a possibilidade do assistente social
contribuir na formação – desenvolvimento da consciência de classe-, mobilização e
organização da classe trabalhadora.
Isso significa que o assistente social participa com conhecimentos, informações,
questionamentos, sinalização de contradições, deixando claro que questionar não é
mostrar o que é proibido ou incitar a proibição. No processo de ética e teoricamente
favorecer a negação – aqui compreendida como uma das principais categorias do
método da teoria social de Marx – do que não favorece os próprios trabalhadores,
está embutida a esperança, quando encorajamos os trabalhadores a entender o que
se passa, consigo e à sua volta; encorajamos e favorecemos a busca de informações
e conhecimentos que desnudem o que está por detrás daquilo que é oferecido de
forma aparentemente fácil – não somente o acesso a bens e serviços, mas de solu-
ções fáceis, principalmente relacionadas à eliminação daqueles que somos levados
124
a compreender, não como diferentes, mas como inimigos, como vem acontecendo
com o ressurgimento da direita no Brasil e no mundo.
Assim, tanto os trabalhadores/usuários terão a oportunidade de aprender a essen-
cialidade de seu protagonismo nas lutas sociais (ao se verem e ou a serem conectados
a elas), para além da busca incessante e, na maioria das vezes, inglória de serviços/
recursos para manutenção da sua sobrevivência, como os assistentes sociais poderão
realizar seu compromisso com os trabalhadores objetivado no favorecimento da for-
mação, mobilização e organização da classe trabalhadora. Um processo condicionado
a permanente análise teórico-critica tendo em vista, numa espiral dialética, negar o
que desfavorece, conservar o que favorece, rumo a condições favoráveis de práticas
mediadas pelo projeto profissional.
O Serviço Social nesta direção não é uma psicoterapia e não se resume a acon-
selhamentos, apoio e alívio de tensão. Isso porque, na atenção aos trabalhadores/
usuários, o assistente social não tem como objeto, diretamente, a cura – seja de
doenças físicas e/ou mentais -, nem o trabalho das realidades internas dos indivíduos,
6 Se a tarefa do facilitador pode ser benéfica a uma prática conservadora, ela não tem relação nenhuma
com o perfil do assistente social referenciado pelo projeto do Serviço Social. Reivindicando neutralidade
e tarefas burocráticas de organização e facilitação de tarefas, esta velha novidade apropriada por tantos
profissionais na atualidade, o que requer do assistente social um papel de administração de conflitos e
criação de espaços favoráveis ao funcionamento social da sociedade do capital, em busca da garantia de
consenso e consentimento diante da exploração e das opressões, não guarda nenhuma relação com um
assistente social crítico, criativo e propositivo, rico ética e teoricamente, como requer o projeto do Serviço
Social brasileiro.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 125
à instituição, via o assistente social.7 Para além da posse de bens materiais e/ou
acesso a um serviço ou submissão à lei do capital, fica claro aqui que somos nós,
os assistentes sociais que, mesmo assumindo como princípio e objetivo o compro-
misso com os trabalhadores, passamos a contribuir com a operação da interdição,
individual e coletiva, da necessária “posse8 do poder de tomada de decisão pelos
indivíduos sociais em um sentido substantivo, e não meramente formal, a respeito de
todos os assuntos de suas vidas” (Mészáros, 2021, p. 86). Posse do poder de tomada
de decisão pelos indivíduos sociais que condiciona a “socialização da participação
política e da riqueza socialmente produzida”; “a universalidade de acesso aos bens
e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão demo-
crática”; “o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discrimi-
nados e à discussão das diferenças” – e tudo mais que afirmamos como princípios
no Código de Ética do assistente social (1993). Diante disso, fica clara e evidente
a falsidade do “empoderamento” de indivíduos e pequenos grupos e do empreen-
dedorismo (que individualiza, responsabiliza e despolitiza), como também está em
Editora CRV - Proibida a comercialização
7 São nossos levantamentos de dados em estudos sociais, preenchimento de cadastros etc. que vêm ali-
mentando sistemas que contêm informações extremamente relevantes para os trabalhadores, os quais,
geralmente, negligenciadas no planejamento das nossas ações e não democratizados/debatidos com os
maiores interessados, os próprios trabalhadores, são utilizados única e exclusivamente para a realização de
controle do Estado capitalista sobre o trabalho. Isso fica claro, por exemplo, quando o assistente social, no
âmbito do Judiciário, resume sua atuação à extração de informações e coleta de dados junto a indivíduos
e famílias para elaboração de laudos e pareceres que vão alimentar decisões de juízes, promotores na
aplicação da lei capitalista sobre o trabalhador/trabalhadora.
8 Para Mészáros (2021, p. 86), “o modo como as posses materiais são repartidas entre os indivíduos, bem
como pelas classes sociais, é necessariamente dependente de um conceito muito mais fundamental de
posse. E essa posse abrangente se afirma também como o poder capaz de distribuir a grande variedade
de posses materiais entre as pessoas”.
128
9 Com a noção de grupamento, chamamos a atenção para o fato de que nem sempre uma reunião de pessoas
com objetivos comuns resulta na formação de um grupo coeso e de longo prazo, como podemos observar
na escola, na família, no trabalho, no partido político, no sindicato, em diferentes movimentos sociais etc.
10 O mesmo se dá com relação à classe capitalista, com seus diferentes segmentos: urbano, rural, industrial,
comercial, financeiro; pequena e grande burguesia; burgueses homens, mulheres, hetero e homo; idosos,
adolescentes e crianças.
11 Em obediência à legislação, na política de Assistência Social, por exemplo, o assistente social reúne famílias,
com o objetivo de tanto apresentar o caminho da burocracia a ser percorrido para acesso a bens e serviços,
como, periodicamente, reúne aquelas famílias que precisam ser controladas com relação ao cumprimento
das condicionalidades impostas pela política e/ou participam dos programas institucionais. Ressaltamos
130
que, como mostram nossos estudos, não é raro que o assistente social resuma sua tarefa na atenção às
famílias à operação da burocracia de constituição de reuniões, ao entregar sua coordenação a outro pro-
fissional – enfermeiro, psicólogo, educador etc. – abdicando do seu papel de trazer à tona e problematizar
o social presente naqueles processos.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 131
12 Ressaltamos que coordenar um processo que envolve duas pessoas – a entrevista – favorece o coordenador
no sentido de, dentre outras coisas, recuperar as questões relevantes presentes nas manifestações do
trabalhador/trabalhadora, apontar e problematizar contradições etc., além de oferecer uma falsa segurança
diante daquele que institucional e socialmente é considerado hierarquicamente inferior: o trabalhador/usuário.
Ver Vasconcelos, 1997.
132
13 Reiterando, para aprofundamentos dessa questão, sugerimos a leitura de Vasconcelos, 1997, 2015 e 2016.
14 Para Netto “trata-se de postular e de construir uma democracia de massas que se, desde já, não pode
ferir imediata e medularmente o caráter de classe do Estado constituído, é organizável de baixo para
cima, combinando a intervenção instituída com a instituinte” (Netto, 1990, p. 126). Nesse sentido, cabe
aos assistentes sociais interessados, assessorados e favorecidos pelos seus organismos de representa-
ção (Conjunto CFESS/CRESS/ ABEPSS/ ENESSO), o levantamento dos movimentos sociais, sindicatos,
partidos, representativos dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras, tendo em vista romper com o
círculo vicioso de encaminhamento interinstitucional público e privado, assim como identificar no movimento
social organismos que realmente se articulem com pautas que visem a superação do capitalismo.
134
individual, mas “da nova potência de forças que decorre da fusão de muitas forças
numa força global”. Assim, o mero contato social, ao provocar nos trabalhadores,
emulação e excitação particular dos espíritos vitais (animal spirits), pode favorecer
a ampliação da consciência de classe, de forma que a participação de uma dúzia de
trabalhadores/trabalhadoras em uma reunião, durante 2 horas, pode potencializar o
acesso a conhecimentos, informações, instrumentos de indagação e crítica, vivência
de relações solidárias, de cooperação e troca de experiências, muito mais do que
ocorreria com 12 trabalhadores/trabalhadoras sendo atendidos de forma isolada,
mesmo contando com uma hora para cada um. Ora, a luta social é complexa e árdua
e a participação coletiva permite distribuir as diferentes tarefas entre as diferen-
tes cabeças e forças a partir das experiências e possibilidades de cada trabalhador
envolvido, fortalecendo ao mesmo tempo cada indivíduo e o conjunto, o que agiliza
a realização das tarefas e potencializa e reforça a pressão coletiva de imposição de
limites ao capital.
É neste processo que o assistente social pode democratizar/disponibilizar, para
16 Desde 1979, desenvolvo pesquisas junto a assistentes sociais objetivando contribuir na busca de práticas
mediadas pelo projeto do Serviço Social brasileiro. A continuidade dessa investigação se dá, desde 2002,
através do NEEPSS (Núcleo de Estudos, Extensão e Pesquisa em Serviço Social/FSS/UERJ, que conta
com vasto material empírico, que referencia este texto.
17 No contexto do projeto do Serviço Social brasileiro, uma prática planejada e avaliada nas suas consequências
exige um complexo processo de planejamento, sistematização e análise teórico-crítica, o que vai muito além
das manifestações de agrado ou desagrado dos trabalhadores sobre aquilo que realizamos. Diante disso,
propomos em Vasconcelos, 2015, capítulo 3, um Eixo de Análise da prática que busca problematizar essa
questão junto aos assistentes sociais e à categoria.
136
para eles, para a classe e para a humanidade, sentem-se “felizes” e gratos, contagiados
que ficam pelo clima agradável criado pelas dinâmicas de grupo e pelo “atendimento
respeitoso” dispensado pelo assistente social, um profissional de nível superior que,
mesmo na condição de pertencente à classe trabalhadora, é o representante da auto-
ridade institucional, ao fim e ao cabo, representante do capital/capitalistas.
É assim que um instrumento tão poderoso e rico para os assistentes sociais e
para a classe trabalhadora (um instrumento que agrega e favorece a organização;
um instrumento que reúne e une o que está disperso e fragmentado; um instrumento
tão poderoso que é garantido na lei maior do país como direito fundamental de todo
brasileiro e brasileira; um instrumento que expressando a união favorece a solida-
riedade de classe), quando é utilizado como um fim em si mesmo, ou seja, apartado
do fundamental instrumento teórico-crítico e de objetivos emancipatórios, revela-se
como espaço/tempo de manipulação e controle.
Em suma, operadas pelos assistentes sociais (frequentemente em conjunto com
outros profissionais de nível superior, quase sempre inadvertidamente diante da fra-
gilidade ético-política e teórica dos profissionais), reuniões reduzidas a aplicação de
Considerações finais
Enfim, o que fica claro com estas notas é que é impossível abordar um instru-
mento sem que se faça menção ao papel do sujeito da ação profissional e ao conteúdo
ético e teórico que o referencia e que ele veicula, o que nos remete a abordar o Serviço
Social, sua direção social, a organização e o planejamento da atividade profissional
– do que faz parte a definição de instrumentos de atuação e sistematização, tendo
em vista a análise teórico crítica de um processo que tem condições de favorecer a
superação de práticas conservadores no Serviço Social e nas diferentes instâncias
da vida social.
Outra questão que considero relevante destacar é que, em busca de realização
do compromisso dos assistentes sociais com a classe trabalhadora e com a humani-
dade, a atribuição central dos assistentes sociais não está centrada no planejamento
e na gestão das miseráveis políticas sociais miseráveis, pensadas e comandadas pelo
Estado capitalista, sem a participação dos trabalhadores, ainda que garantida em lei,
políticas que, ainda que necessárias aos trabalhadores – em alguns momentos fun-
damentais – , no limite, contribuem para diminuir a pobreza e a miséria. Em busca
de realização do nosso compromisso expresso no projeto do Serviço Social, tendo
como pressuposto o caráter educativo da profissão, é reunidos com e junto aos traba-
lhadores que poderemos contar com alguma possibilidade de participar e favorecer
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 137
–, se faça mais presente o apoio e o alívio de tensão. É a partir da análise das pos-
sibilidades dos espaços ocupados pelo assistente social – o que está condicionado
ao planejamento da prática – que se pode avaliar o limite de cada um, o que torna
claro o nível de abrangência das ações profissionais em um CTI ou em um Posto
de Saúde, por exemplo; em uma empresa ou em uma entidade filantrópica; em uma
penitenciária ou em uma Vara de Família...
Nessa direção é que podemos compreender os espaços do Serviço Social “ser-
vindo mais ao trabalho do que ao capital”, na medida em que como espaços de
relações sociais, políticas, culturais e valorativas, sem abandonar o papel que temos
na operação de políticas e serviços socioinstitucionais, podemos favorecer diferentes
segmentos da classe trabalhadora a partir/através de práticas distintas da lógica da
mercadoria; práticas que tanto resgatem meios de mobilização e organização como
os favoreçam, desse modo, podendo resultar em nossa pequena contribuição ao
protagonismo dos trabalhadores na luta de classes.
Nesse processo, não podemos menosprezar o fato de que a transformação do
trabalho como mera mercadoria, com a subsunção real do trabalhador assalariado ao
capital no capitalismo, todos nós – burguesia e seus asseclas, trabalhadores, desem-
pregados e supérfluos para o capital – somos compulsoriamente formados/socia-
lizados e levados a reproduzir o modo capitalista/classista de ser, pensar e viver.
Mas, mesmo assim, das lutas sociais e da classe trabalhadora ao longo da história,
emergem práticas emancipatórias – democráticas, transformadoras, libertárias – que,
para se converterem em lutas transformadoras que superem a posição de resistência
e imposição de limites ao capital e ao capitalismo, necessitam, além de identificadas,
serem fortalecidas, democratizadas, universalizadas, vivenciadas, processo que não
se dá por desejo e boa intenção porque está condicionado a uma exigente formação
acadêmico profissional e humana, que favoreça uma análise social e uma prática
fundada na segurança de princípios emancipatórios e na teoria social que possibilite
uma análise social fundada na crítica da economia política, referenciada por Marx
e pelos marxistas.
138
REFERÊNCIAS
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que regulamenta a profissão de Serviço Social. Brasília, 1993. Disponível em: https://
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Editora CRV - Proibida a comercialização
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Congresso Brasileiro de assistentes sociais – CBAS, 15, 2016, Anais [...], [S.l.: s.n].
Editora CRV - Proibida a comercialização
EXPRESSÕES DO CONSERVADORISMO
CONTEMPORÂNEO NO
SERVIÇO SOCIAL
Ana Luiza Avelar de Oliveira
DOI 10.24824/978652515909.6.141-157
1. Introdução
O debate sobre o conservadorismo no Serviço Social não é um tema novo,
Editora CRV - Proibida a comercialização
1 Baseado em: OLIVEIRA, Ana Luiza Avelar de. Reatualização conservadora: o conservadorismo con-
temporâneo no serviço social e a disputa por hegemonia no Brasil na atualidade. Tese (Doutorado em
Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
p. 421. 2021.
142
dos autores conservadores, nem isolacionista, nem intervencionista, não lhe cabendo
intervir para impor um modelo de democracia, mas sim para instaurar a liberdade. Já
as guerras seriam permitidas, desde que norteadas por questões de interesse nacional,
e não por questões materiais. São considerados assim como princípios do pensamento
conservador nessa área a defesa do país e das tradições; a prudência; a tolerância e
a pluralidade; e a crença nos valores cristãos.
O último pilar que sustenta o pensamento conservador estadunidense refere-se
aos rumos tomados pela sociedade. As políticas liberais, baseadas na noção de direitos
humanos, o enfraquecimento das tradições e do papel da Igreja, seriam considerados
por eles como os responsáveis por uma sociedade corrompida. A percepção desses
autores a respeito da imigração, do aborto e da família deve ser entendida a partir
da relação com a religião e da tradição. A família, a comunidade local e a igreja
desempenham para eles papel fundamental para manutenção da ordem e da moral,
uma vez que possuem a autoridade e a hierarquia necessárias, para além da proteção
às liberdades individuais.
Um dos autores responsáveis pela reestruturação do pensamento conservador
no século XX é Russel Kirk. Segundo análise de Catharino (2014), Kirk possui, para
o pensamento conservador norte-americano, a mesma importância que Burke tem
para a formação do conservadorismo britânico.
Segundo Catharino (2014, p. 50), a proposta conservadora de Kirk deve ser
considerada como um “conjunto de conselhos prudenciais que nos alerta para os
riscos de desconsiderarmos totalmente os valores e costumes testados historicamente
pela tradição em nome da arrogância racionalista de erigir uma nova ordem social a
partir dos caprichos humanos”.
Durante toda sua obra, Kirk promove uma cruzada contra os erros ideológicos da
modernidade, que poderiam ser descritos por ele como o conflito entre três posturas
distintas nos últimos três séculos. A primeira delas seria a reacionária, que possui
uma visão idealizada do passado, buscando defender as tradições contra qualquer
forma de mudança. A segunda postura seria a liberal ou progressista, que baseada
144
individual, que para os conservadores não é absoluto, mas sujeito a um outro valor
mais elevado que é a autoridade do governo existente. Nesse sentido, Scruton (2015)
considera que o conservadorismo não está relacionado à liberdade, mas sim à auto-
ridade, visto que a liberdade dissociada da autoridade não seria útil para ninguém,
nem mesmo para quem a detém.
Outro teórico do pensamento conservador de especial relevância, nos últimos
anos, é Theodore Dalrymple. Diferentemente do observado nos outros autores con-
servadores contemporâneos, Dalrymple (215a; 2015b; 2015c) não se identifica em
sua obra como conservador, no entanto, é possível encontrar nela alguns elementos
centrais do pensamento conservador. Apesar de o autor se propor a realizar uma
análise racional, o que foi possível constatar é a existência de uma obra construída
a partir de sua experiência pessoal e sua apreensão daquilo com que se defrontava,
elemento encontrado em várias passagens.
Observa-se então que há em suas análises uma exaltação de suas experiências
pessoais como verdades incontestáveis e tomadas como referências para promo-
ver análises sobre os temas. Desse modo, considera-se que a obra de Dalrymple
(215a; 2015b; 2015c) instaura um debate a partir do senso comum, por meio de
suas experiências individuais, e que é a partir delas que o autor irá teorizar sobre
temas cotidianos.
De modo geral, nas análises elaboradas pelos conservadores contemporâneos,
há centralmente a defesa da propriedade, que para eles encontra-se vinculada a defesa
da família, como na análise de Scruton. Essa centralidade ocupada pela propriedade e
pela família indica a vinculação desses valores com os pilares da sociedade capitalista.
Manter as estruturas sociais que lhes dão sustentação é o que garante à dinâmica da
sociedade do capital a ideia de imutabilidade. Para esses autores, as mudanças são
aceitáveis, no entanto, devem ser evitadas a todo custo, uma vez que, em todas as
análises realizadas, de forma geral levariam mais a prejuízos do que avanços.
Considera-se então o conservadorismo, em qualquer tempo histórico que se
apresente, como o projeto da burguesia, que se reinventa a partir das crises do capital,
146
pode ser analisada como estanque, sendo considerada apenas didaticamente, tendo
em vista que na realidade brasileira os autores e defensores de pautas conservadoras
se enquadram em mais de uma dessas correntes.
Segundo Castro (2018), a extrema direita e os neoconservadores reproduzem
no Brasil os movimentos da Europa Oriental – como a luta contra o comunismo e o
antagonismo às minorias –, em um país que nunca teve um governo comunista ou
até mesmo esteve sob ameaça efetiva de um levante comunista. Do debate norte-
-americano, recuperam, com meio século de atraso, o discurso sobre a necessidade
de combater os “ativismos” presentes hegemonicamente nas universidades a partir
do “marxismo cultural” e que seriam responsáveis pela degradação dos valores da
verdadeira nação brasileira. Por fim, mas de encontro ao que propõem os partidos da
Europa Ocidental, o nacionalismo populista é neoliberal e cosmopolita, preterindo as
indústrias e o emprego nacional pelo regresso das relações econômicas de submissão
do Sul pelo Norte, principalmente aos interesses dos Estados Unidos.
Assim como o pensamento conservador brasileiro sofreu influências da literatura
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por vezes limitada. Dessa forma, considera-se que há na obra de Carvalho (2013) um
debate com alguns grandes nomes das Ciências Sociais, mas que é alimentado por
elementos do senso comum, e sem realmente se apropriar das discussões elaboradas
por eles. Sendo assim, considera-se que há uma grande fragilidade teórica nas análises
que buscam, a partir desse suposto diálogo, garantir uma conotação de conhecimento
científico a um discurso referenciado por elementos do senso comum.
Constata-se então que no debate conservador contemporâneo brasileiro atual é
possível encontrar os traços mais gerais do conservadorismo moderno, tais como a
dificuldade em assumir uma filiação teórica ou tradição ideológica; o presentismo;
a aproximação com o pragmatismo ou um acentuado empirismo; e a oposição às
mudanças propostas pela classe trabalhadora, assim como definidos por Souza (2015).
Afirma-se então, a partir dos autores analisados, que há hoje no mercado edi-
torial brasileiro dois “nichos” do conservadorismo que por vezes coexistem dentro
das obras de um mesmo autor: um dominado “conservadorismo teórico”, a partir do
qual os autores buscam teoricamente apresentar suas análises, e o outro, dominado
por certo “conservadorismo do senso comum”, em que os autores apresentam suas
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defesas a partir dos elementos mais básicos, citando autores e bibliografias no intuito
de referendar suas análises, sem no entanto compreender de forma clara o conteúdo do
trabalho, podendo-se considerar como meramente uma reprodução ipsis litteris deste.
Observa-se, a partir dos autores analisados, uma presença mais marcante desse
“conservadorismo do senso comum”, principalmente quando o debate versa sobre
pautas morais, assim como no embate com a esquerda. Avalia-se que esses são ele-
mentos centrais para se compreender a difusão do pensamento conservador no Ser-
viço Social
5 .REFERÊNCIAS
ALENCAR, Gustavo de. Evangélicos e a Nova Direita no Brasil: os Discursos Con-
servadores do “Neocalvinismo” e as Interlocuções com a Política. Teoria e Cultura,
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LeYa, 2010.
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André; CODAS, Gustavo (org.). São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2015.
DOI 10.24824/978652515909.6.159-176
1. Introdução
Indissociáveis da atividade concreta dos sujeitos sociais estão os projetos que
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que mais que diferentes são antagônicas entre si; que estes projetos profissionais têm
uma dimensão política; e que, necessariamente, respondem a determinado projeto
societário; conclui-se ainda que é a partir da identificação daquelas diferenciações
que extrapolam o âmbito de um mesmo projeto profissional, que se torna possível
identificar a heterogeneidade de projetos no interior de uma mesma profissão. E,
consequentemente, dimensionar o complexo campo de tensões e de disputas incon-
ciliáveis que percorre, por vezes de forma silenciosa, a relação entre esses projetos,
já que todo corpo profissional é um campo de tensões e de lutas. Sempre existirão
segmentos profissionais que proporão projetos alternativos; mesmo um projeto que
conquiste hegemonia nunca será exclusivo (Netto, 2007, p. 145).
Isso impõe à reflexão em torno dos projetos profissionais, o reconhecimento de
uma diversidade de pensamentos que, por sua vez, expressa divergências e contra-
dições (mais ou menos abertas) na luta pela conquista da hegemonia no interior de
determinada profissão (Netto, 2007). E que, por sua vez, também respondem a proje-
tos de sociedade – cujas diferenciações estão baseadas na finalidade de conservação
ou superação deste status quo, mas também se diversificam a partir dos diferentes
Editora CRV - Proibida a comercialização
1 Embora não haja condições de me aprofundar a respeito, vale destacar que este sentido não pode ser des-
colado de condições históricas específicas – que extrapolam o Serviço Social brasileiro (cujo entendimento
se remete ao legado proporcionado pelo Movimento de reconceituação latino-americano) e o contexto
geral da luta de classes (que coincidiu com o processo de organização dos trabalhadores brasileiro contra
a ditadura cívico-militar instaurada em 1964).
162
Com base nos supostos até aqui desenvolvidos, é possível dizer que, dentre
outras particularidades que especificam o projeto ético-político brasileiro, em Netto
(2007),2 cinco delas me parecem minimamente consensuais e evidentes3:
I) O reconhecimento de um vínculo específico ao projeto societário de cunho
transformador. Ou seja, propõe-se um projeto de profissão cuja interface societária
tenha como direção o favorecimento da construção de uma nova ordem social, sem
exploração/dominação de classe, etnia e gênero – que lhe assegura um caráter não
apenas crítico à ordem vigente (anticapitalista), mas também voltado para a eman-
cipação da classe trabalhadora (ibid, p. 155) – que, numa perspectiva de análise
marxista, como se propõe este estudo, só pode ter como horizonte o socialismo.
2 A escolha de privilegiar a obra do autor em tela se justifica pelo entendimento de que, a meu ver, é o artigo
que melhor sistematiza o projeto ético-político e, não por coincidência, vem sendo regularmente utilizado
por parte expressiva das obras mais relevantes sobre o assunto.
3 O resumo aqui proposto visa apenas, a partir da pesquisa bibliográfica realizada, destacar elementos
indispensáveis e consensuais – sem, com isso, ter qualquer pretensão de esgotá-los, aventura que exigiria
uma pesquisa mais profunda e específica.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 163
Social tradicional foi, na verdade, uma busca da ruptura” (Acosta, 2008, p. 20, grifos
nossos). Assim, é possível dizer que permanece atual o registro de Netto (1996),
quando refere que “se amadureceu, no campo profissional, um vetor de ruptura com
o conservadorismo, ele ainda não consolidou uma ‘nova legitimidade’ para o Serviço
Social junto às classes subalternas” (p. 108).
No entanto, além de extrapolar espacialmente a realidade brasileira, como se
pôde notar em parte dessas menções, essa fragilidade (ainda que não absoluta) no
que tange ao espraiamento dos supostos do projeto ético-político para o âmbito da
intervenção profissional, também apresenta uma dimensão temporal muito relevante.
Isso porque também pode ser identificada entre aquelas pesquisas que – tratando do
objeto em questão e recorrendo a pesquisa empírica –, no meu entendimento, podem
ser consideradas as mais elucidativas sobre o assunto sobre as décadas de 80, 90 e 00,
respectivamente: Mota (1998), Vasconcelos (2007) e Forti (2010).5 De tal forma que,
seja sob o suporte ou não de pesquisas empíricas, os estudos que tratam do espraiamento
do projeto ético-político entre aqueles assistentes sociais em atuação no campo das
políticas sociais, evidenciam sua fragilidade histórica não apenas ante à sua persistência
5 Vale mencionar que além do fato de buscarem identificar a ocorrência ou não de pressupostos que extra-
polam o conservadorismo no cotidiano profissional; são produções teóricas cujo conteúdo metodológico se
mostra alinhado aos supostos do projeto ético-político; de significativa disseminação no âmbito da categoria;
e que recorreram a pesquisas empíricas desenvolvidas entre três décadas-chave para o debate em voga,
ou seja, contemplam desde o período do amadurecimento dos elementos que condicionam sua condição
hegemônica até seu contexto mais consolidado.
6 Ver Moreira (2014), Mattos (2012) e Oliveira (2012) – que, mediante o suporte empírico de pesquisas na
década de 00 junto a assistentes sociais que atuam no campo, também concluíram a prevalência do conteúdo
conservador entre as profissionais pesquisadas.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 165
grifos meus), como também o caráter velado com que os projetos conservadores se
desenvolvem na atualidade. O que, segundo a autora, nos coloca diante de um desafio:
7 De certa forma, os indícios dessa metamorfose conservadora – cuja atualidade é aqui sistematizada por
Vasconcelos (2015) e suas evidências já se manifestavam mais explicitamente em minha dissertação
de mestrado – já se faziam emergentes, ainda que de forma mais sutil, no estudo de Forti (2010). Nesta
pesquisa, apesar da maioria das profissionais pesquisadas não reivindicar, explicitamente, o vínculo com o
projeto ético-político (Forti, 2010, p. 214 – 216), contraditoriamente, em sua maioria, mencionaram (ainda
que formalmente) materializar os princípios do Código de Ética profissional em seu cotidiano interventivo
(ibid, p. 231).
166
8 Dentre essas respondentes, a variação se limitou ao grau de acordo – sendo que 27 manifestaram “acordo
integral” e 03 mencionaram possuir “algumas divergências” (com o projeto ético-político).
9 A profissional que não manifestou materializar o referido projeto profissional, por outro lado, não negou
materializá-lo – optando por uma resposta discursiva, onde se limitou a uma resposta abstrata: “Considero
difícil, mas é uma perspectiva e cotidianamente são necessárias refletir sobre o exercício profissional e criar
estratégia para enfrentar os desafios”. Dentre as demais, optaram por alguma dentre as alternativas dispostas
no questionário: “Sim. Em larga medida” (17/30 – 57%); “Sim. Mas apenas eventualmente” (3/30 – 10%; e
“Sim. Totalmente” (08/30 – 27%).
10 Trata-se de um curso voltado para assistentes sociais e estudantes da área que, na oportunidade, foi orga-
nizado por mim e outros/as assistentes sociais e parceiros/as: Aline Santiago, Felipe Gouveia, Fernanda
Ventura, Leticia Amed, Mariana Lopes, Rafaela Silva e Tamires Santos.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 167
não elimina a interlocução com relevantes autores de áreas como as ciências sociais,
história, filosofia e educação – como, por exemplo, Ricardo Antunes, Virginia Fonte,
Lukács e Paulo Freire. Da mesma forma, o predomínio de autores brasileiros não
exclui a marcante presença de autores internacionais de relevância mundial – inclusive
de clássicos como Marx, Mandel, Mészáros, Ângela Davis etc.
Legenda: Dados coletados a partir de questionários de confirmação das inscrições respondidos por 30
assistentes sociais em exercício inscritas no curso “A abordagem grupal do assistente social numa
perspectiva de ruptura com o conservadorismo / RJ”, ministrado em 2020.
Fonte: Jonatas Lima Valle; Estratégias e táticas pedagógicas no cotidiano do assistente social; Doutorado em
Serviço Social/FSS/UERJ, 2020.
Mas, a meu ver, o que parece central para esta exposição é que os questionários
analisados também transmite certo aguçamento do pensamento crítico no Serviço
Social, responsável pelo processo de gestão e conquista de hegemonia e do projeto
ético-político. De tal forma que a predominância, no que diz respeito ao marxismo
como matriz de pensamento e aos autores que referenciam o cotidiano interventivo
serem expoentes do projeto ético-político, se remetem (ainda que indiretamente) ao
dado anteriormente exposto: a reivindicação dessas profissionais pelo vínculo ao
projeto ético-político.
168
Ou seja, nos onze princípios do Código de ética tomados como totalidade, em uni-
dade e associação com as referências teórico-metodológicas e técnico-operativas
contidas no Projeto de formação da ABEPSS/1996, é que podemos apreender os
aspectos socializantes, emancipatório, revolucionário e anticapitalista que pode
assumir o projeto do Serviço Social brasileiro (Vasconcelos, 2015, p. 297).
11 Essa pergunta foi exposta de maneira fechada, ou seja: foram listados todos os princípios do Código de
Ética e foi mencionada a possibilidade de marcar quantas opções considerassem válidas.
12 É, por exemplo, analisada de maneira articulada à “nova ordem societária, sem dominação-exploração
de classe, etnia e gênero” que a “liberdade como valor ético central” pode assumir um sentido essencial,
verdadeiramente revolucionário. Tomada de maneira isolada ela tende ao esvaziamento, a se tornar uma
mera retórica – abstrata e inócua.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 169
13 Um dado que, portanto, se contrapõe frontalmente àquele anteriormente indicado, referente ao fato de
que 29/30 (97%) das profissionais pesquisadas entendem que, em alguma medida, materializam o projeto
ético-político em seu cotidiano interventivo.
170
III – Reconhecimento de que sua condição hegemônica não anula a condição objetivamente
2 9%
desvantajosa e o caráter plural de disputa em relação a outros projetos no interior da profissão
IV – Reconhecimento de que as diferenças que não extrapolam sua essência são marcas
0 0%
inelimináveis e positivas no interior do projeto
V – O reconhecimento de que, para além dos assistentes sociais, o projeto profissional também é
0 0%
composto e enriquecido por outros agentes – como docentes, pesquisadores, etc.
14 Para além de elementos evasivos e/ou abstratos, foram identificados 05 equívocos. Esses se deram, basica-
mente, por: uma tentativa de conferir sua identidade a uma especificação documental, expressa em palavras
escritas; por uma interpretação idealista do projeto – equalizando-o à própria erradicação de processos
que só ganham condições de serem efetivados pelo conjunto da classe trabalhadora que comunguem um
projeto societário de cunho transformador; e pela falsa suposição, centralmente debatida neste estudo, de
que haja uma homogeneidade no interior da profissão.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 171
15 Agora, uma curiosa e relevante ressalva: dessas conclusões, não se pode indicar que essas assistentes
sociais, na medida que for, não materializam o projeto ético-político – já que tal afirmativa apenas se tornaria
possível se pautada na análise da ação (e não do discurso acerca da teleologia) dessas profissionais. Por
outro lado, haja vista a relevância da teoria na conformação da teleologia e desta com a práxis profissional,
isso, de fato, aponta uma tendência maior à não materialização desse projeto por parte dessas profissionais
em específico – ou apenas o fazerem de maneira espontânea e, talvez, sincrética.
172
10
13
5
9
6
O Gráfico acima indica que, nesse plano teleológico (do nível societário), a não-
-homogeneidade observada extrapola o campo da margem mínima de diversidade,
agrupando projetos que, do ponto de vista qualitativo da teoria política, mais que
diferentes, são contraditórios entre si. Para me ater apenas àquelas categorizações
cuja proporcionalidade gera um mínimo de representatividade, se observam: I) um
grupo de 13/30 (44%) se mostra mais alinhado ao reformismo revolucionário e, por
isso, caracteriza-se por ser anticapitalista e revolucionário; II) outro grupo, classificado
como reformismo revisionista (que corresponde a um total de 9/30 (30%) profissio-
nais), encarna, de maneira conflituosa, uma qualidade cumulativamente anticapitalista
e antirrevolucionária; e um último, III) que agrupa 6/30 (20%) assistentes sociais que
demonstram maior aproximação ao reformismo conservador – que aponta para uma
projeção que, apesar de progressista (no sentido de pleitear reformas civilizadoras)
como os anteriores, é cumulativamente antissocialista e antirrevolucionária.
Seguindo, portanto, a sistematização proposta por Netto (2007), que supõe a
indissociabilidade entre projetos societários e profissionais, é necessário compreender
que esses diferentes projetos societários correspondem, na verdade, a projetos profis-
sionais proporcionalmente distintos. Logo, por trás da representação contraditória que
parte dessas profissionais têm acerca do “projeto ético-político”, impera não apenas o
formalismo de uma análise da realidade fetichizada da realidade, mas também uma
apropriação qualitativamente distinta em termos de projeto profissional. Ou melhor, há
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 173
3. Conclusão
É verdade, sim, que os dados aqui explorados expõem a necessidade de inves-
timentos filosóficos capazes de enfrentar, conceitualmente, as concepções genéri-
cas que, sob a aparência de amplitude, relativizam o projeto ético-político e, com
isso, evidenciá-las como uma força ideológica e política que busca tomá-lo abstra-
tamente. Para tanto, se faz necessário demarcar suas especificações/fronteiras com
os demais projetos profissionais e reafirmá-lo enquanto projeto cuja particularidade
passa por sua capacidade imprescindível de favorecer as necessidades essenciais da
classe trabalhadora.
No entanto, o conjunto analítico que compõe os achados da tese em questão
aponta esta problemática em sua inscrição num contexto maior, onde se registra,
mesmo que não de forma absoluta, uma defasagem da produção teórica no Serviço
Social no trato da dimensão teleológica da realidade – em primazia daquela dimen-
são referente às determinações causais da realidade posta. Por isso, a problemática
desenhada neste artigo não aponta, apenas, para uma incapacidade de apreensão
conceitual do que se convencionou chamar de “projeto ético-político”. Se tomado
isoladamente, esse dado não faria mais do que, simplesmente, discernir e categorizar
mentalidades diferenciadas no interior da profissão para, em seguida, classificá-las
em diferentes blocos de projeto profissional a serem, no máximo, valorativamente
hierarquizados entre si. Trata-se, inversamente, de reivindicar uma postura teórica
onde, o plano das determinações causais seja articulado aos investimentos no plano
da análise teleológica profissional como um todo. Ou seja: mais do que reivindicar,
16 Não será possível, aqui, me aprofundar acerca dessas distinções no plano pedagógico da intervenção
profissional – que, inclusive, compõe o eixo central da tese aqui mencionada. O que será socializado pos-
teriormente, em condições mais oportunas.
174
aprioristicamente, este projeto ou falar em seu nome, nossos estudos devem aprofun-
dar as discussões conceituais sobre ele, sem deixar de ressaltar de maneira concreta
suas particularidades.
No entanto, isso deve ser compreendido apenas como parte de um redireciona-
mento intelectual mais profundo que, analiticamente falando, não fracione determi-
nações causais e teleológicas. E que, não abstraindo este último plano da realidade,
a considere desde o debate em torno do projeto revolucionário (e suas distorções e
oposições) até as mediações mais minuciosas ao trato do cotidiano interventivo. Isso,
contudo, sem retroagir aos vícios ecléticos experimentados num passado ainda recente
da profissão – como o messianismo, o fatalismo, o metodologismo, o voluntarismo,
o partidarismo etc. Mas entendendo que, para superá-los objetivamente, mais do que
evitados, esses vícios – facilmente permeáveis às analises que se propõem a debater
o campo da teleologia profissional – devem ser enfrentados e exemplarmente supe-
rados. Mais do que satisfazer-se com a condição histórica de “petição de princípios”,
até aqui prevalecente entre assistentes sociais de campo e relativamente comum na
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CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL
Debora Lopes de Oliveira
DOI 10.24824/978652515909.6.177-191
1. Introdução
Em tempos nefastos para a democracia, que ameaçam as conquistas e direitos
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1 Esse artigo é resultado da tese de doutorado: OLIVEIRA, Debora Lopes de. Na cadência da Saúde do
Trabalhador: compassos e descompassos da trajetória do CEREST Duque de Caxias / Rio de Janeiro.
Tese (Doutorado em Serviço Social/PPGSS – orientação Maria Inês Souza Bravo) – Faculdade de Serviço
Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 327f, 2022.
2 Adotamos nesse artigo a linguagem inclusiva através da flexão de gênero feminino para a expressão ‘Saúde
do Trabalhador e da Trabalhadora’ por entender que: “A flexão de gênero carrega em si a potência de ser
um gesto de intervenção cultural com impacto simbólico no imaginário coletivo, ainda tão marcadamente
sexista e desigual. É importante destacar que a sociedade brasileira foi forjada sob o sistema patriarcal
e tal fato sustenta uma gama de manifestações de violência contra a mulher que assolam o país. Esse
imaginário simbólico da cultura machista se assenta sobretudo no campo da linguagem, veiculadora dos
sistemas de pensamento. [...] A prática de generalizar uma profissão, um cargo, uma ocupação a partir de
uma única designação de gênero (apenas substantivos masculinos) revela o preconceito contra as mulhe-
res na sociedade brasileira. É negar-lhes o direito de ter o mesmo espaço profissional e intelectual que os
homens, é relação de poder e interfere diretamente na construção imagética e cultural para atribuir papéis
de gênero que perpetuam as desigualdades e violências contra as mulheres.” (Kokay, 2021)
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Partimos do entendimento que STT é campo que surge da questão social, ques-
tão que fere e mácula, que explora o corpo, dilacera a mente pela alienação. É questão
como Diego Souza (2016) traz à baila, mas também é campo como Minayo-Gomes
(1997) defende e fundamenta, e por se constituir como “questão” e como “campo”
está em constante construção e desconstrução. É um campo ameaçado pelas contrar-
reformas na saúde e trabalhista, mas também na Previdência e Assistência Social.
É uma questão agudizada pela supressão dos direitos e consolidação de um estado
penal, coercitivo e ultraneoliberal.
Este artigo tem por objetivo discutir a STT e as contribuições do Serviço Social
tanto para o debate quanto para as ações e práticas no SUS. Para tanto, está organizado
em três seções: a primeira discute a STT como questão de saúde pública, elucidando
sua origem como questão e como campo; a segunda traça os caminhos percorridos na
sua institucionalização no SUS, recuperando as tensões, limites e desafios; a terceira
tece considerações sobre a contribuição do Serviço Social para a incorporação das
ações de STT na saúde.
A STT se constitui como uma prática social que se propõe a contribuir para a
melhoria das condições de vida e saúde das(os) trabalhadores(as) e, por extensão, da
população em geral, a partir da compreensão das relações entre a inserção pessoas
em processos de trabalhos particulares, o consumo de bens e serviços e o conjunto
de valores crenças, ideias e representações sociais, próprios de um dado tempo e
lugar. Na condição de prática social, as ações de STT apresentam dimensões sociais,
políticas e técnicas indissociáveis, relacionadas à determinação social do processo
saúde-doença que possibilite abordar, conhecer e intervir no sofrer, adoecer e morrer
das classes e grupos sociais inseridos em processos produtivos.
Na Lei 8080, de 19 de setembro de 1990, a STT é definida como um conjunto de
atividades que se destina à promoção e a proteção da saúde dos(as) trabalhadores(as),
assim como visa a recuperação e reabilitação daqueles(as) submetidos aos riscos e
agravos advindos das condições de trabalho. Conjunto de atividades que se refere a:
assistência ao(a) trabalhador(a) acidentado(a), os estudos, a avaliação e o controle
de riscos e agravos potenciais à saúde existentes nos processos de trabalho; a nor-
malização e fiscalização das condições de trabalho relativas a substâncias, produtos,
máquinas e equipamentos que apresentam riscos à saúde dos(as) trabalhadores(as);
a avaliação do impacto das tecnologias sobre a saúde; a informação sobre os riscos
e os resultados decorrentes da fiscalização e das avaliações ambientais aos(a) traba-
lhadores(as), entidade sindical e empresa, e a revisão periódica da listagem oficial
de doenças originadas no processo de trabalho.
Com a criação do SUS, a STT conquista expressão normativa, ao passo que
inaugura a incursão para que a área possa se expandir e se espraiar dentro do SUS,
e de onde a intervenção sobre os fatores determinantes do processo saúde-trabalho-
-doença deve ter início (Vasconcellos; Aguiar, 2017).
A conformação do SUS, movimento vivo e dinâmico, remete a desafios expres-
sos no plano jurídico-formal, técnico-institucional e sociopolítico. Quanto a isso,
Bravo (2011) assinala para a incorporação das conquistas constitucionais no âmbito
das Constituições Estaduais, da necessária expansão da rede de serviços e elevação de
184
integração, considerando que enquanto parte do SUS deveria ser pensada e organizada
de acordo com os seus princípios doutrinários e organizativos.
Os desafios que emergem no período pós-constituinte, como já observado, não
são exclusivos da área da saúde do trabalhador, mas irão impactar com maior inten-
sidade nesta área por se tratar de um campo novo de atuação na saúde. As tensões e
os conflitos de interesse que perpassam os embates deste campo irão refletir na forma
como a STT foi se incorporando no SUS, como referem vários autores, destacando a
marginalidade com que ocorre a sua institucionalização como ação programática no
SUS. Deste modo, não seria incoerente afirmar que seja esta uma marca seminal deste
processo, decorrente também de uma concepção distorcida sobre suas atribuições,
como algo que não é do campo da saúde e sim do direito trabalhista e previdenciário.
Durante a década de 1990, considerada um divisor de águas entre as práticas
voluntaristas e periféricas do sistema e a necessidade dar respostas aos princípios
norteadores do sistema de saúde, de modo legítimo e não ‘clandestino’ (VASCON-
CELLOS; SILVA, 2004, p. 192), há um crescimento vertiginoso das ações de saúde
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3 Pestana e Mendes (2004, p. 7) afirmam que “A Constituição Federal de 1988 instituiu um federalismo
singular ao definir os municípios como entes federativos com competências tributárias e autonomia política
e administrativa. E deu as bases para a municipalização do SUS. A Lei nº 8.080/90 consolidou o aparato
legal de municipalização do sistema público de serviços de saúde. Mas foi a NOB SUS/93 – editada após
a realização de uma Conferência Nacional de Saúde que teve como lema “A municipalização é o caminho”
– que consolidou esse processo de descentralização do SUS ao instituir as formas de gestão municipal:
incipiente, parcial e semiplena.”
186
e dos caminhos percorridos, para entender, como afirma Vasconcellos e Leão (2011
por que a “rede não enreda”, levando em consideração elementos que decorrem
não apenas das práticas, da gestão direta das ações, mas também as questões estru-
turantes que estão relacionadas com a conjuntura dos retrocessos sociais, políticos
e econômicos desencadeados através das contrarreformas, em particular na saúde.
A perceptível manutenção das dificuldades, alvo de discussão e mobilização
no ordenamento das ações desde o final dos anos de 1990, mesmo após a criação da
RENAST, exibe a relevância de repensar, avaliar e construir proposições que cola-
borem para a efetivação das mudanças necessárias na perspectiva da integralidade.
O que deve incorporar todos os sujeitos políticos envolvidos com a STT, particu-
larmente os trabalhadores, de tal forma que os mecanismos utilizados oportunizem
uma ampla participação social, onde as necessidades, demandas e percepções dos
trabalhadores sejam reconhecidas.
Nessa mesma direção, Lacaz (1997) chamava atenção para a persistência de uma
dicotomia e a pulverização de ações concorrentes nos organismos da esfera federal
em relação ao viés assistencialista enfatizado nas ações propostas. Por outro lado,
houve um apoio significativo pelos profissionais e técnicos da área da STT e setores
do movimento dos(as) trabalhadores(as), reconhecendo na formulação “uma opor-
tunidade de institucionalização e fortalecimento da Saúde do Trabalhador, no SUS”
(Dias; Hoefel, 2005, p. 821)
Enquanto uma estratégia para atenção à STT deveria integrar e articular as
linhas de cuidado da atenção básica, da média e alta complexidade ambulatorial,
pré-hospitalar e hospitalar, sob o controle social, nos três níveis de gestão: nacional,
estadual e municipal. O eixo central das ações são os Centros de Referência em Saúde
do Trabalhador – CEREST que assumem o papel: “de suporte técnico e científico e
de núcleos irradiadores da cultura da centralidade do trabalho e da produção social
das doenças, no SUS”. Sendo o “lócus privilegiado de articulação e pactuação das
ações de saúde, intra e intersetorialmente, no seu território de abrangência [...]”
(Brasil, 2002).
A próxima seção se dispõe a discutir, a partir das reflexões sobre a constituição do
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campo da STT no SUS, bem como dos desafios da apropriação da questão da STT de
forma central, a contribuição do Serviço Social na implementação das ações no SUS.
4. Considerações Finais
A STT passa por mudanças significativas no cenário contemporâneo devido às
conquistas obtidas no plano jurídico-institucional, no entanto persistem entraves à
sua efetivação, postos pelo contexto da política neoliberal de desmonte do Estado,
a partir dos anos 1990. Destaca-se que a implementação da RENAST foi realizada
por um Estado que teve a sua atuação marcada pela restrição de direitos dos traba-
lhadores, bem como pela diminuição dos investimentos sociais e crescimento da
desproteção social.
No âmbito da saúde, temos como reflexo dos tensionamentos mencionados o
questionamento do Projeto da Reforma Sanitária e a consolidação do Projeto De
Saúde Articulado ao Mercado, pautado na política do ajuste cabendo ao Estado a
garantia do mínimo aos que não podem pagar, deixando para o setor privado o atendi-
mento aos cidadãos consumidores (Bravo, 2004). Nesta conjuntura, surge um terceiro
projeto, nomeado por Bravo como “Projeto da Reforma Sanitária Flexibilizada”, o
projeto do SUS possível apoiado por representantes históricos da Reforma Sanitária
que diante dos limites da conjuntura atual, abrem mão de algumas bandeiras que
marcaram a luta dos anos 80 e a essência da Reforma Sanitária.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 189
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 18. ed., atualizada e
ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 1998 (Coleção Saraiva de Legislação)
BRAVO, Maria Inês de Souza. Serviço Social e Reforma Sanitária: Lutas Sociais
e Práticas Profissionais. 2. Ed. São Paulo, Cortez, 2007.
BRAVO. Maria Inês de Souza et al. Saúde e Serviço Social. São Paulo: Cortez; Rio
de Janeiro: UERJ, 2004.
MENDES, Jussara Maria Rosa Mendes; WÜNSCH, Dolores Sanches. Serviço Social
e a saúde do trabalhador: uma dispersa demanda. Serviço Social & Sociedade, n.
107, p. 461–481, jul. 2011.
DEMOCRACIA, POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL 191
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8. ed. São Paulo:
Cortez, 2011.
OLIVEIRA, Maria Helena Barros; VASCONCELLOS, Luiz Carlos Fadel de. Políticas
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Rio de Janeiro, v. 24, n. 55, p. 92-103, maio/ago. 2000.
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SOUZA, Diego de Oliveira; MELO, Ana Inês Simões Cardoso de; VASCONCELLOS,
Luiz Carlos Fadel de. A saúde dos trabalhadores em ‘questão’: anotações para uma
abordagem histórico-ontológica. O social em questão, Rio de Janeiro, v. 18, n. 34, p.
107-136, 2015.
VASCONCELLOS; Luiz Carlos Fadel de.; SILVA, Jacinta de Fatima Senna. Uma
década de Saúde do Trabalhador no setor saúde: tempo de construção, avanços e
desafios. Revista Saúde em debate, Rio de Janeiro, v. 28, n. 68, p. 191, set/dez. 2004.
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ÍNDICE REMISSIVO
A
Abordagem grupal 166, 167, 170, 172
Assistente social 11, 16, 48, 116, 118, 119, 120, 123, 124, 125, 126, 127,
128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 162, 167, 168,
170, 171, 172, 173, 175, 176, 197, 198
Autônoma 29, 85, 182
C
Compensatoriamente 184
Conservadorismo 10, 11, 12, 16, 18, 19, 20, 55, 62, 63, 67, 69, 101, 104,
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141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155,
156, 157, 161, 163, 164, 167, 170, 172, 176
D
Determinação social 111, 177, 183, 185, 189
Direitos humanos 10, 11, 47, 55, 60, 61, 62, 63, 65, 66, 67, 68, 69, 72, 74,
108, 115, 143, 146, 198, 199
Direitos sociais 18, 28, 71, 74, 75, 78, 80, 82, 84, 85, 104, 113, 114, 116,
129, 133, 180, 185, 190, 191
Direito trabalhista 179, 185
E
Ecletismos 12, 159
Estratégia 11, 45, 53, 60, 62, 67, 84, 85, 105, 106, 107, 117, 119, 121, 166,
187, 190
F
Fascismo 9, 10, 23, 24, 26, 27, 29, 30, 33, 34
Fatores determinantes 183, 184
Força de trabalho 10, 11, 27, 28, 29, 42, 44, 55, 56, 57, 58, 59, 64, 65, 66, 67,
76, 78, 81, 82, 83, 90, 92, 95, 98, 112, 119, 120, 122, 124, 130, 133, 179, 180
Frente nacional contra a privatização da saúde 11, 103, 107, 110, 111, 112,
113, 114, 116, 117, 118, 198
194
I
Imobilismo 189
Indissociáveis 81, 115, 159, 178, 183
Institucionalização 13, 38, 176, 178, 181, 184, 185, 187
L
Liberdades democráticas 104, 185
M
Marxista 10, 12, 39, 51, 53, 55, 57, 114, 115, 150, 156, 162, 163, 167, 175,
182, 188
Mecanismos 15, 62, 83, 88, 113, 146, 152, 184, 186, 188
T
Táticas pedagógicas 167, 170, 172
Trabalhador 12, 33, 56, 65, 78, 87, 89, 90, 91, 92, 94, 96, 107, 124, 125, 127,
128, 131, 132, 133, 134, 135, 137, 177, 178, 179, 181, 182, 183, 184, 185,
186, 187, 188, 189, 190, 191
Trabalho não remunerado 11, 55, 56, 57, 58, 59, 64, 65, 67
U
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 15, 44, 55, 68, 69, 141, 156, 175,
176, 177, 191, 197, 198
Urbano 10, 35, 37, 41, 42, 43, 44, 45, 48, 49, 51, 52, 53, 98, 129
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SOBRE AS (OS) AUTORAS (ES):
Virgínia Fontes
Historiadora, com mestrado na UFF (1985) e doutorado em Filosofia – Université
de Paris X, Nanterre (1992). Atua na Pós-Graduação em História da UFF. Integra
o NIEP-MARX – Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Marx e o
marxismo. Trabalhou na Fiocruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio-
-EPSJV, onde também coordenou e participa de curso de Especialização. Em atuação
conjunta entre Escola Nacional de Saúde Pública-ENSP, a EPSJV e o Ministério da
Saúde, coordenou coletivamente e atuou no mestrado profissional “Trabalho, Saúde,
Ambiente e Movimentos Sociais”. Principais áreas de atuação: Teoria e Filosofia
da História, Epistemologia, História do Brasil República, História Contemporânea.
E-mail: virginia.fontes@gmail.com
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SOBRE O LIVRO
Tiragem: 1000
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5 | 11,5 | 13 | 16 | 18
Arial 8 | 8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal | Supremo 250 g (capa)