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Perfeita Vingança - Pauline G
Perfeita Vingança - Pauline G
Capa: @lchagasdesign
Ilustração: @olhosdtinta
Com amor,
Pauline G.
Prazer em conhecê-lo
Espero que tenha adivinhado o meu nome
Mas o que lhe está intrigando
É a natureza do meu jogo
Divirta-se
Sympathy for the Devil ~ The Rolling Stones
Viver é fácil com os olhos fechados
Sem entender tudo o que você vê
Strawberry Fields ~ The Beatles
HANNAH MÜLLER
Aos vinte e oito anos, o cara é conhecido por exibir uma postura
indiferente, quase inalcançável, desfilando com a confiança de
quem tem o mundo a seus pés.
Nas playlists, apenas rock antigo. The Beatles, The Rolling Stones,
Bob Dylan e afins.
Eu tinha insistido para que Samanta fosse falar com ele antes de
tomar qualquer decisão da qual pudesse se arrepender.
Sam tem apenas dezenove anos, assim como eu. Jovem demais
para aquela situação caótica com um cara praticamente dez anos
mais velho.
E lá foi ela...
— Oi, Marcus.
— Vim falar com você porque... E-eu estou grávida — ela gaguejou.
Droga.
— E eu com isso?
Torci muito para que ela o xingasse, mas o que saiu da boca da
minha amiga esmagou meu peito com o peso de um caminhão:
Quase deixei o carro e corri até eles, tentando evitar que ela se
humilhasse ainda mais. Sam é tão doce e ingênua... Demais!
— Não fale assim, por favor. Aquela noite foi a melhor da minha vida
e...
MARCUS VENTURINI
Parece ser bem mais nova do que eu. Não sei se estranho mais a
idade ou o bom gosto musical. Não é nada comum ver jovens como
ela aqui na Records, interessadas nos vinis.
A pele dos seus ombros, avermelhada do sol, brilha com uma fina
camada de suor, me fazendo concluir que veio a pé.
É isso.
— Tem pessoas que são mais lerdas mesmo. Outras, são mais
espertas. Fazer o quê? É a vida... — Ela dá de ombros, com um
sorriso presunçoso que não mostra os dentes.
— Aposto que não sabe que é a mais brasileira das canções dos
Stones. — Me exibo, enganchando os polegares nos bolsos da
minha calça. — Falam que Jagger se inspirou...
Antes que eu possa avaliar se gostou do que viu, ela vira as costas.
Volta a mexer nos encartes dos discos com as pontas dos dedos,
entediada, como se eu não estivesse mais ali. Pelo jeito, se cansou
de conversar comigo. Que merda...
Será que vai mesmo voltar à loja amanhã? Ou falou por falar?
MARCUS VENTURINI
Conheço bem o tipo das três. Mulheres ricas e mimadas que dão
em cima de trabalhadores "baixa renda" escolhidos a dedo.
Só que não consigo dar a Lana a atenção que quer porque brota um
pedido de drink depois do outro, me fazendo correr para lá e para cá
atrás do balcão.
— Bebeu demais, amor? Isso que dá... — Ela solta um riso irritante
e quase me arrependo de tê-la trazido comigo.
— Não, "amor" — repito a palavra com deboche. — Só se controla,
ok? Prometo te dar o que quer no meu apartamento.
Eu estava sóbrio pra caralho. Não bebi uma única gota de álcool.
Primeiro, que não bebo em serviço. Segundo, que não bebo antes
de pilotar a moto.
Nos conhecemos quando me mudei para cá, quase dez anos atrás.
O homem foi o único vizinho que conquistou a minha confiança —
coisa rara de acontecer — , se tornando um bom amigo com o
passar do tempo. Uma amizade improvável, ainda mais naquele
comecinho. Um professor recém aposentado e um moleque de
dezoito anos recém saído do inferno.
— Pelo jeito a noite foi boa, meu filho. — Aponta para a chave
pendurada na fechadura pelo lado de fora. — Sabe que é perigoso
ficar com a porta destrancada assim.
Mordo o lábio quando percebo que ela está vindo até mim. Apoio os
cotovelos no balcão do caixa, me inclinando para a frente, o olhar
preso nela.
— Oi, Ana? Eve? Ainda não sei o seu nome, mas pelo menos já
descobri o que é um palíndromo. Preciso de mais dicas para
descobrir como se chama, linda.
MARCUS VENTURINI
Até que ela se livra do meu toque, passando as mãos pelos cabelos
soltos.
Puta que pariu. Não era “um” disco. Era “o” disco.
Como eu.
E se ela não voltar nunca mais? Não trocamos contato, nem nada.
Até que o sino da porta tilinta, indicando a chegada de alguém.
Minha hesitação vai embora quando seu calor se espalha pelo meu
corpo, me tomando, acelerando meus batimentos.
— Não. Daqui vou direto para o meu turno no bar. Só volto para
casa de madrugada. Você vai ter que esperar até amanhã.
— Ah, você tem outro trabalho... Que horas sai de lá? Queria tanto
já pegar o disco hoje! Eu não durmo cedo, de qualquer forma. Ou
posso ir até o bar e te esperar sair, hoje é sexta-feira.
— Bulldog? Escuto falar muito bem dele... É meio que um pub, não
é? Já sei! — Hannah pega o celular na bolsa e destrava a tela,
digitando depressa no aparelho. — Meus amigos estavam
escolhendo um bar para a gente ir hoje, vou sugerir o Bulldog.
Assim, fico lá com eles até você encerrar o turno e depois pegamos
o disco na sua casa. Pode ser?
Permaneço em silêncio, pensando nas possibilidades. Ela quer
mesmo pegar o disco comigo no meio da madrugada?
MARCUS VENTURINI
Tanto que não pude fazer uma única maldita pausa para fumar.
Correndo de um lado para o outro atrás do balcão, anotei pedidos,
preparei drinks e limpei a bagunça, sem intervalo, pelas duas
últimas horas.
Como o bom observador que sou, não posso deixar de secar sua
bunda marcada pela calça justa. Apoio os cotovelos no balcão e
acompanho os movimentos cadenciados dos quadris até que...
Tô fodido.
— Acho que sim, já que o único disco que me pediu eu não tinha
para vender. — Dou de ombros e ela ri. — Me dê um minuto, linda.
Lana.
Você diz que nunca se compromete
Com o vagabundo misterioso
Enquanto encara o vazio dos olhos dele
E fala: quer fazer um acordo?
Like A Rolling Stone ~ Bob Dylan
HANNAH MÜLLER
Para isso?!
Para me deparar com um homem simpático, interessante e
atencioso? Seria Marcus tão "duas caras" assim?
— Infelizmente.
— Como assim?
— Quero.
Ao voltar para a mesa dos meus amigos, reparo que o bar já está
ficando vazio. Daniel, William e Júlia conversam tranquilamente,
com os copos de cerveja em mãos. Os três, assim como Samanta,
são os meus melhores amigos.
— Pode pegar seu prêmio mais tarde. Meus pais estão viajando,
então, já sabe. A casa é nossa.
— Está tudo sob controle, Will. Não sou uma Samanta da vida.
Tchau. — Belisco a bochecha dele e recebo em troca um tapinha no
ombro.
Will é tão óbvio... Sempre tive certeza de que alimenta uma paixão
platônica pela nossa amiga, mas é retraído demais para tomar a
iniciativa.
Marcus é tão alto que consegue manter os dois pés firmes no chão
mesmo montado naquela motocicleta enorme.
Sou como os insetos que se veem atraídos pela luz que os aniquila.
— Você é a primeira garota que conheço que não quer ser uma
princesa... — Dá a partida e puxa as minhas mãos mais para a
frente, quase no seu umbigo. — Precisa segurar direito em mim,
Hannah. Ou fica tímida?
Bingo.
Jogo o sutiã no colo dele, mordendo a boca para não rir da sua
expressão de surpresa.
— Jura que ela fez isso? — Tampo a boca com a mão. — Que coisa
maravilhosa! Por que não tive a mesma ideia? — Dou risada
enquanto ele me encara com uma sobrancelha arqueada. — Virei fã
da Lana.
— Você é como ela... Tô fodido. — Marcus se levanta, rindo
baixinho. — Preciso mesmo de uma ducha, já volto. Pode pegar o
Abbey Road naquela última caixa.
Você tem que ser livre
Venha cá, agora mesmo
Come Together ~ The Beatles
HANNAH MÜLLER
— Faz tempo que não mexo. É melhor que me mostre, por favor.
Como assim? Um balde de água fria não teria sido mais brochante.
Definitivamente, não era isso que eu esperava...
Marcus faz que sim e me dita o seu número. Já telefono para ele,
para que fique com o meu gravado no seu aparelho. O celular dele
passa a tocar em cima da mesa e eu corto a ligação.
— Não foi só isso e você sabe muito bem. O que quer? Hein? Está
brincando comigo, caralho... — Passa as mãos pelo cabelo,
aborrecido.
— Ok. Não vou discutir com você. — Ando até a porta, colocando
uma mão na maçaneta. Com a outra, seguro o Abbey Road. — Na
semana que vem te devolvo o disco na loja. Obrigada pelo
empréstimo. Boa noite.
— Ali está o Uber... — Aponto para o outro lado da rua ao ver o Gol
junto à calçada. — Atravesso sozinha, pode deixar. Tchau.
Meu amigo acelera com tudo, nos levando para longe dali.
— E aí, Nana, tudo certo? Que lugarzinho feio, hein... — comenta,
me fitando pelo espelhinho. — Olha... Estou apanhando para
conseguir dirigir isso aqui, não tem nem direção hidráulica. — Dá
risada, indicando o volante preto com o queixo.
Foi minha a sugestão que Daniel não viesse com seu Camaro
amarelo, para não chamar a atenção. Por isso, ele pediu
emprestado o Gol do porteiro do condomínio, mediante um
"incentivo" de cinquenta reais.
— Não está "tudo certo". — Pulo para o banco da frente assim que
ele para em um sinal vermelho. — Ele se ligou, Dani.
— Talvez um pouco das duas coisas. Não sei se tem salvação, acho
que já era.
— Não fica chateada, baby. Deixa pra lá. A luta nem era sua, em
primeiro lugar. — Aperta a minha coxa em um gesto de conforto. —
O que quer fazer? Quer ir direto para a sua casa?
MARCUS VENTURINI
Não sei até que ponto fiz certo em acusar a garota daquela
maneira.
“Você está aprontando alguma merda.”
O cenário ficou ainda mais claro quando trouxe Hannah para casa,
tentando me ater ao interesse dela pelo disco. Expliquei como
funcionava a vitrola com a maior paciência do mundo. Concentrado,
focado, sem sacanagem. Percebi que ela gostou. Ao final da
explicação, Hannah me presenteou com um sorriso bonito que
alcançava os olhos. Aqueles olhos cor de mel que me hipnotizaram
desde o primeiro maldito segundo.
Porém, quando começou a se jogar em cima de mim —
absolutamente do nada —, um sinal vermelho piscou na minha
cabeça. Como diz o velho ditado: “quando a esmola é demais, o
santo desconfia”.
Com riscos, rachaduras e... Não vou pensar nisso agora. Sofrer por
antecedência é uma merda.
Esquece.
Ao voltar para casa, tomo uma ducha e decido fazer a outra coisa
que mais me relaxa, ao lado de sexo, música e cigarro: me tatuar.
Pensei que não veria a garota tão cedo... Talvez nunca mais.
Como ela...
Nova demais.
MARCUS VENTURINI
Como se tivesse levado um tapa na cara, dou dois passos para trás,
sem desviar os olhos dela.
Sem parar de dançar, Hannah está olhando para mim. Seus cabelos
castanhos continuam presos no coque, com duas ou três mechinhas
soltas emoldurando o rosto corado.
E eu espero.
— Qual a diferença?
— É rapidinho. Seu turno não começa às oito? Não são nem sete
horas... — ela insiste. — Olha, se me deixar te pagar um suco, te
explico tudo sobre ballet. Vamos? Em agradecimento por ter me
trazido a carteirinha.
“Faz bem para a pele”, ela acrescentou, por fim, levando o canudo
transparente à boca. Me distraí com a visão daqueles lábios rosados
se fechando ao redor do objeto e deixei escapar:
“Sexo faz bem para a pele e não é nojento assim”, indiquei o copo
de vidro com aquela gosma verde.
Eu jamais diria em voz alta, mas o ponto alto do meu dia era
exatamente aquele: nós dois sentados ao redor daquela mesinha
alta, conversando e rindo, sem outras preocupações. Era bom. Era
muito bom.
Ou talvez seja.
— Vai lá.
21:34. Hannah: “Fico feliz em ver que lembrou que a alfafa vem
da Ásia Central, sua memória matusalém até que é boa. Mas
errou. Mais uma chance.”
Ok. Ela está me dizendo isso porque... Não precisei pensar muito. O
celular vibrou com o recebimento de outra mensagem, confirmando
minha suspeita:
MARCUS VENTURINI
É incrível como ela exala sensualidade até mesmo nas coisas mais
banais. Como dirigir um carro.
Mas não posso "cair para cima" ou isso aqui vai virar um encontro. É
foda... Nunca pensei que uma ida ao cinema pudesse ser algo tão
complicado.
Estamos instalados na penúltima fileira do cinema minúsculo, com
apenas mais um casal à nossa frente.
— Quero.
MARCUS VENTURINI
Apesar da tensão sexual quase palpável entre nós, ela não voltou a
se jogar em mim e eu não tomei a iniciativa de ir para cima dela.
Melhor assim.
Hannah é... Nova demais. Linda demais. Rica demais. Tudo demais.
Hannah quer fazer sua primeira tatuagem e pediu minha ajuda, por
saber que entendo da qualidade das tintas, das máquinas e o
caralho. Não comentei com ela que sei tatuar porque... Sei lá.
Nunca tatuei ninguém além de mim mesmo. É uma puta
responsabilidade.
Que o diga Seu Alfredo, meu vizinho, com sua íntima aposentadoria
de professor... Viveu sem grana e vai morrer sem grana.
Meu sangue ferve de raiva e me seguro para não voar para cima do
filho da puta. Porém, por mais que todos estejam grogues e
drogados, seria burrice minha brigar com eles. Seis contra um? Não
dá.
Nem fodendo.
Chega. De saco cheio, dou as costas a ele para voltar para casa.
Não satisfeito, Yuri me chuta até deixar meu corpo de barriga para
cima.
— Tô vazando!
— E vou para onde? Não sou rico como você, Hannah. Meus
salários mal cobrem o aluguel naquela merda de prédio e...
— Eu não disse "sozinha". Você ainda não foi à minha casa, então,
não tem como saber... Lá contamos com uma dúzia de funcionários,
entre eles dois seguranças altamente treinados. É impossível ficar
mais segura. Além disso, aprecio a nossa amizade. Gosto da sua
companhia, das nossas implicâncias, das nossas conversas sobre
músicas, etc. Em resumo, nos damos bem e você sabe disso.
Porra... Quando ela para de falar, minha cabeça passa a girar com
as possibilidades. Realmente não tenho outro lugar para ir. Não
tenho família. Sou um fodido.
Seu Alfredo é o mais próximo que tenho de "família", mas mora
naquele mesmo prédio podre do qual quero distância.
HANNAH MÜLLER
Eu sei que o cara sabe tatuar. O que eu não sei, afinal de contas?
— Por que não me disse antes? Você sabe que estou pensando em
fazer uma tatuagem. Podia me tatuar — provoco, esticando o braço
na sua direção. — Teria coragem de me furar?
Mas, quando penso que vai dar o assunto por encerrado, o homem
me surpreende. Em um movimento inesperado, ele segura o meu
pulso com uma mão. Com a outra, escorrega as pontas dos dedos
pela pele do meu antebraço. Seu toque é levemente áspero, porém
cuidadoso. Bruto e delicado ao mesmo tempo.
Marcus sobe o olhar para me fitar. Sei que minhas bochechas estão
mais quentes e me forço a reassumir o controle da situação. Não
gosto que perceba o efeito que causa em mim.
Mordo a boca para não sorrir ao ver sua pele ficar arrepiada, os
pelinhos loiros mais claros por conta da luz fluorescente do teto.
— Isso não é para mim. Tatuagem tem que combinar com o estilo
da pessoa e eu sou uma bailarina. Bailarinas usam collants e
sapatilhas, não tatuagens. Não sei se é verdade, mas já ouvi falar
até que as escolas mais tradicionais não selecionam garotas que
tenham tatuagens aparentes. Enfim, não quero correr o risco de me
prejudicar à toa.
— Você leva mesmo a sério o lance do ballet, Hannah? Cursa
faculdade de dança?
HANNAH MÜLLER
— Seu vizinho passou pelo túnel do tempo? Veio direto dos anos
60? Não é possível...
Não consigo parar de rir, tanto que meus olhos se enchem de água.
— Acabou? — Ele arqueia uma sobrancelha. — Fico feliz em ver
que lhe entretenho tanto — completa mal-humorado.
— Ainda não acredito que vou mesmo para a sua casa... — Ele
balança a cabeça, prendendo o cinto de segurança. — Tem noção
do quanto isso é surreal?
— Vou ter que encenar que sou gay para os seus pais?! — Ele
arregala os olhos de uma maneira cômica, me fazendo cair na
risada.
— Relaxa! Você não vai precisar encenar nada para os meus pais.
Os dois estão viajando, lembra? Só vai ter que confirmar que é
bailarino, se os funcionários fizerem perguntas, e não tocar em mim
na frente deles. É o único jeito, Marcus! Meus pais não deixariam
um cara aleatório passar um tempo em casa comigo. Mas se for um
bailarino do Premier... Sei que eles não iriam se opor. Vai ser
tranquilo! O que acha?
— Não sei... — Morde a bochecha, me espiando de soslaio. — Um
bailarino, Hannah? Porra... Não vai ser fácil.
Wild Horses passa a tocar nas caixas, preenchendo o carro. Sei que
Marcus aprovou a escolha, porque sorri discretamente de canto,
cantarolando a letra junto com a música.
Não abre a boca, não usa a língua. Ainda assim, dispara ainda mais
meu coração, que parece querer saltar pela garganta, me
ensurdecendo com a pressão que entope os ouvidos.
— Mas não vai rolar... — murmura, separando os nossos rostos. —
É perigoso ficar parado aqui, vamos embora.
Como assim? Ele quer parar? Não, não pode ser. Impossível. Deve
apenas estar com receio depois daquele ataque que sofreu...
— Ei... Não tem perigo. Os vidros são escuros, ninguém veria nada
— argumento, apontando para as janelas. — E com a Polícia lá do
outro lado, não ousariam nos assaltar e...
Não posso acreditar que o diabo me enrolou direitinho... Sim, ele fez
isso.
MARCUS VENTURINI
Nós quase não conversamos depois que deixamos a minha rua. Sei
que aborreci a garota ao lhe dar aquele corte.
Mais um.
— Sim! Conhece?
Certo. Ela se tocou que fez besteira sozinha, mas ainda assim faço
questão de dizer:
Eu nunca falo às garotas que estudo lá. Depois que fiz a burrada de
ficar com uma caloura da faculdade que me deu uma puta dor de
cabeça, evito misturar mulheres e estudos.
— Tanto faz, não sou exigente. Não sei nem se ficarei aqui, de
qualquer forma. Vai depender da nossa conversa.
— Obrigado.
Afundo os dedos nos seus joelhos, notando seu peito subir e descer
depressa, os seios delineados sob o tecido da blusinha. Ao me
lembrar das minhas mãos sobre eles, meu pau lateja forte em
resposta.
Hannah passeia com o olhar pelo meu rosto, dos olhos à boca, ida e
volta. Mesmo cumprindo o combinado — sem me tocar e sem me
pedir que a toque —, eu me sinto mexido pra caralho, me segurando
por um fio para não a agarrar.
— Por que você faz isso comigo...? — rosno, apertando sua cintura.
— Eu não estou fazendo nada. — Sorri como uma diaba,
levantando as mãos no ar. — Não tenho culpa se o seu pau fica
duro só de chegar perto de mim... — Desce os olhos para o volume
na minha cueca. — Aposto que ele está pulsando de tesão, assim
como a minha boceta... Estou toda melada, Marcus.
HANNAH MÜLLER
Mas sei que ele não vai gostar porque, ao trazer Marcus para cá,
acabei com a festa que seria ter a casa só para a gente durante a
viagem dos meus pais.
“A casa vai ser só nossa por dois meses, Nana?”, quis saber
enquanto descartava a camisinha usada no banheiro, conversando
comigo através da porta aberta.
Fiz que sim com a cabeça, sem forças para verbalizar nada. Fitei
seu corpo definido, resultado da dedicação à academia, ainda
entorpecida com o sexo de minutos antes.
Mas já era... Will me viu com Marcus hoje cedo e já deve ter ido
fofocar para Daniel. Homens são mais fofoqueiros do que mulheres
e ninguém me convence do contrário. Nunca conseguem segurar a
porcaria da língua.
E por falar em não segurar a língua... Ainda não acredito que quase
estraguei tudo. Deixei escapar a Marcus que sabia que ele estudava
na ESPM e tive que vir com uma desculpa improvisada que não
envolvesse o nome da Sam.
— Calma, Sam... Você não deve ficar nervosa com o bebê que...
— Fala logo!
— Falo. Pessoalmente. Está em casa? Vou até aí. Você está bem?
Nenhuma resposta.
A barba por fazer pinica meus lábios e quase levo as mãos a ela,
desejando explorar cada centímetro daquela aspereza com os
dedos.
Não posso nem imaginar a barra que é estar no lugar dela. Ninguém
merece uma gravidez indesejada aos dezenove anos.
— Percebi que ele é esperto, mas estou otimista. Vai dar tudo certo.
— Balanço a cabeça para cima e para baixo. — Assim que eu
conseguir a gravação, a gente mostra tudo para o seu pai e pronto.
O romance entre eles foi curto, e com final trágico. Os dois ficaram
pela primeira vez na festa julina da ESPM. Dias mais tarde, ela
perdeu a virgindade com ele em um dos laboratórios desativados do
campus. No calor do momento, não usaram camisinha. Repetiram o
sexo mais duas vezes em um motel na Zona Sul. Eu vi os recibos
das pernoites — que inclusive mencionava o veículo em que o casal
deu entrada, uma "motocicleta preta" —, ela os guardou sei lá por
qual motivo.
— Mas não quero que você durma com ele, Nana. Me promete? Sei
que você é muito ativa sexualmente, mas… — Passa as mãos pelos
cabelos castanhos, as pontas na altura dos ombros. — Eu ficaria
arrasada. Meu coração burro ainda sofre pelo desgraçado. Droga,
estou derretendo aqui…
HANNAH MÜLLER
Chegando mais perto, posso até mesmo escutar sua voz rouca
cantando uma música dos Stones:
If you start me up
If you start me up I'll never stop
I've been running hot
You got me ticking
Gonna blow my top
(Se você me ligar
Se você me ligar nunca vou parar
Estou ficando quente
Por sua causa estou fazendo barulho
E vou explodir)
O que será que ele quer... Perco a linha de raciocínio ao vê-lo entrar
no quarto com a toalha branca enrolada na cintura.
Filho da mãe.
Sua voz rouca repercute com tudo na minha calcinha. Ai... Estou tão
ferrada!
Droga. Não era para ser assim. Não era para ele assumir o controle
do nosso jogo de gato e rato.
Com a boca seca, fujo de seu olhar penetrante. Sem pensar, acabo
fixando os olhos na sua bunda. E ela é....
E agora?
De repente, a minha ideia inicial — "vai ser lindo foder com a vida
dele" — já não é atraente. Nada atraente.
— Sim. O bar vai lotar, vou me dar mal. — Solta um riso fraco,
preenchendo o copo com mais água.
— Que motivo?
— Então, não conheci a minha mãe. Ela foi embora quando eu era
bebê, me deixando com o meu pai. Ele me criou do melhor jeito que
pôde, mais acertando do que errando. Até errar feio — diz, a voz
cuidadosamente sem emoção. Ainda assim, consigo identificar uma
mágoa nas entrelinhas. — Mas... Foda-se. Hoje está morto. Ele
morreu há quase dez anos.
— Sinto muito. E imagino que você não tenha herdado nada... Bens
ou valores.
— Só herdei uma poupança que ele tinha, que não era grande
coisa. Pelo menos, serviu para pagar a matrícula na ESPM, anos
depois. Como a matrícula é o valor cheio, quase me ferrei. Depois
de passar no vestibular dos meus sonhos, fiquei desesperado por
não ter o dinheiro... Até me lembrar da herança.
"Valor cheio"? Como assim? Embora não tenha verbalizado nada,
devo ter feito uma expressão de confusão, porque Marcus voltou a
falar, me lendo com muita facilidade:
Parei.
HANNAH MÜLLER
15:27. Daniel: "Por quê? Pelo que me lembro, você iria foder
com a vida do otário, não oferecer abrigo para ele. O plano de
vingança virou projeto de caridade"?
15:33. Hannah: "Mas podemos nos ver mais tarde. Passa aqui,
a gente dá uma volta."
15:34. Daniel: "Ok. Te pego às 19h."
Volto para casa ainda mais desanimada do que saí. Pela primeira
vez nos últimos dois anos, não consegui transar com Daniel.
— Sei lá. Eu falei para a gente não vir para cá. Você insistiu, gastou
dinheiro à toa. Eu só queria sair para dar uma volta.
— Pensei que aqui você se animaria… Até peguei a suíte mais top
com jacuzzi. — Ele deixou a cama e caminhou em círculos pelo
quarto. — Mas pelo jeito me enganei.
— É, se enganou. — Fiquei em pé, pegando a bolsa da poltrona. —
Quero ir para casa.
Não trocamos mais uma única palavra até ele me deixar em casa.
— Boa noite, Hannah. Preciso dormir, amanhã o dia vai ser longo.
Ele nem deve ter conseguido jantar nada naquele bar infernal. Seu
chefe tinha organizado uma festa de arromba, com direito a casa
lotada, contagem regressiva para o Ano Novo e música ao vivo.
Um Réveillon caótico.
Após a ceia, preparo um prato para ele e o cubro com outro prato ao
contrário. Coloco um post-it amarelo por cima: "Feliz Ano Novo,
Marcus! Não sei que horas vou voltar da balada, não precisa me
esperar acordado. Com carinho, Hannah." Deixo a comida na
prateleira de cima da geladeira, bem visível para ele.
— Vamos? Os outros já devem ter ido para a Heaven. — Will me
chama do hall.
MARCUS VENTURINI
— Hannah?!
É real.
Mas não faz sentido. Hannah está aqui? Sozinha? Ela ia sair com os
amigos para uma balada cara e...
— Hannah, por favor... Me escuta. Minha noite aqui no bar foi uma
merda. Não parei por um segundo e... — Coço a nuca, notando
seus olhos correrem pelo meu antebraço. Gosto de ver seu
interesse pelas minhas tatuagens.
— E...?
Ela resiste de início, mas logo passa os braços pela minha cintura.
Solto o ar pela boca, satisfeito em ver que o clima está melhor entre
a gente.
— Quer dizer que você me acha bonita... — Ela sorri e eu faço que
sim com a cabeça, sem desviar os olhos. — E quem garante que
todos eles queriam me beijar?
— Eles, eu não sei. Eu, sim. — Me inclino na sua direção por cima
do balcão e aproximo os nossos rostos, porém Hannah me empurra,
dando risada.
— Foi mal, garanhão. Você não está em uma micareta e eu não vou
pegar baba de outra. Seria nojento — completa ainda sorrindo,
indicando Denise com o queixo.
Meu peito fica mais quente no mesmo instante. Devoro o jantar com
a alma mais leve, sem conseguir tirar um sorriso dos lábios.
Certo de que isso vai mudar tudo o que existe entre a gente,
caminho até o quarto de Hannah, abrindo a porta com cuidado.
Na verdade, relaxo por meio segundo. Porque assim que ela vira a
cabeça e me vê, um turbilhão de emoções me assola, me levando a
empertigar a postura.
— Preciso jogar limpo. Não sei o que espera de mim... Mas não
espere nada. Não tenho nada a oferecer. Sou um fodido e...
— Tudo bem, eu te quero mesmo assim. Me beija logo, vai — pede,
a voz delicada me causando o efeito oposto, explodindo tudo dentro
de mim com a força de um vulcão.
Sem quebrar o beijo, Hannah sobe por cima de mim. Agarro a sua
cintura enquanto invado a sua boca com a língua, mergulhando
nela, explorando cada cantinho, misturando as nossas salivas.
Mas, por mais que seus toques me acendam como uma maldita
árvore de Natal, é o seu gemido que acaba comigo.
HANNAH MÜLLER
— Por quê?
— Que queria que eu desse uma chance para a gente. Eu falei mil
vezes que não tinha a menor possibilidade. Até que ela apelou, me
fazendo uma proposta humilhante.
— E eu com isso?
— Você é o pai.
— Não fale assim, por favor. Aquela noite foi a melhor da minha vida
e...
E, agora que sei que não é o pai, sinto ainda mais remorso por ter
cogitado prejudicá-lo daquela maneira.
Não quero ir dormir sem vê-lo. Preciso saber como estão as coisas
entre nós depois daquela conversa de ontem.
Não tenho como ignorar meu desejo visceral de vivenciar uma noite
de sexo com ele. Se antes eu não pretendia ir até o fim por conta de
Samanta — sempre me recusei a transar com caras que já
dormiram com as minhas amigas —, agora a história é outra.
Por outro lado, já fiz sexo com uma porção de garotos. Todos da
minha idade, mais ou menos. Daniel, por exemplo, também tem
dezenove anos. Porém, exatamente como eu disse, "garotos".
Marcus é um homem.
Mais velho. Mais experiente. Mais gostoso. E não vejo a hora de ter
essa nova experiência com ele.
Seus olhos azuis cintilam para mim, um tom mais escuro como duas
safiras.
I'll be the devil in your eye, if it's what you need to hear
I'll be the devil in your eye, if it'll change the way you feel
(Eu serei o diabo em seus olhos, se é o que você precisa ouvir
Eu serei o diabo em seus olhos, se isso mudar a maneira como
você se sente)
Colocando os meus cabelos para o lado com uma mão, com a outra
aperta mais a minha cintura, depositando beijos molhados pelo meu
pescoço, me arrepiando inteirinha.
— Comigo não acontece, não — sussurro, me remexendo no seu
colo. — Eu não me interesso por amor. Tenho outras prioridades na
vida.
— Sabe o que está doendo, Hannah? O meu pau. Ele está quase
explodindo, desesperado para entrar em você.
— Manda ver.
— Ih, a minha memória não é tão boa, acho que já esqueci como
foi... — Para na porta do meu quarto, segurando o riso. — E agora,
o que eu faço? — Levo uma mão à boca, brincando com ele.
MARCUS VENTURINI
Nunca fui tão mimado assim, por ninguém. Não posso querer mais
nada.
O papelzinho do lanche de ontem — um post-it no formato de uma
estrela amarela —, não consegui jogar fora. Depois de chegar
exausto do Bulldog, pensei que nada poderia me animar. Até
encontrar o bilhete.
"Boa noite, moço tatuado! Sei que aos sábados o Bulldog fica
insuportável de cheio. Por isso, preparei um sanduíche especial.
Espero que goste. Da sua, Hannah."
Nossa relação é incrível, na cama e fora dela. Nos damos bem pra
caralho. As conversas sobre músicas, filmes e séries. A companhia
confortável, mesmo quando silenciosa. As brincadeiras bobas
repletas de segundas intenções. As provocações. As intimidades.
— Lembrou que tem casa? — Caminho até ela, que rodeia meu
pescoço com um braço.
— Pode ser das duas coisas? Não tenho culpa... — Sobe as mãos
por dentro da minha camiseta, apalpando o abdômen. — Me deixou
mal-acostumada com o sexo matinal. Hoje não teve, fiquei subindo
pelas paredes.
Hannah espia pelo olho mágico e vira depressa o rosto para mim.
Franzo o cenho ao vê-la mais pálida.
Fodeu.
Haverá uma resposta, deixe estar
Let It Be ~ The Beatles
HANNAH MÜLLER
— Oi, Nana. Estou saindo mais de casa agora que me sinto mais
disposta. A azia da gravidez me deu uma trégua — explica,
passando a mão pela barriga redonda. — Hoje temos mais um
integrante no grupo? — Aponta com a cabeça na direção do homem
que mal respira na cadeira, de tão apreensivo. — Tudo bem com
você, Marcus?
— Comigo e com o seu bebê também está tudo ótimo, obrigada por
perguntar — ela provoca. Sentando-se ao lado dele, Sam dá um
tapinha no joelho tatuado.
Marcus fica em pé no mesmo instante, como se tivesse levado um
choque. Ele apaga o cigarro praticamente inteiro no cinzeiro, com os
dedos tremendo de raiva.
Estou até enjoada, muito aflita com a situação, sabendo que preciso
falar a verdade a Marcus, mas morta de medo de que ele nunca
mais olhe na minha cara. E errado não estaria...
São quase dez da noite e estou apavorada com a ideia de que não
volte para casa. Onde ele vai dormir? E com quem?
Hannah: "Marcus, volte para casa, por favor. Eles já foram todos
embora. Tenho algo importante para conversar com você."
— Fala.
O tom arrastado de sua voz deixa claro que bebeu. E não foi pouco.
Droga. Não me sinto preparada para uma D.R. agora. Mas, quer
saber? Chega de mentiras. Respirando fundo, decido jogar limpo.
— Tudo bem ter medo, às vezes. Hoje eu senti medo de que você
não voltasse…
Passando um braço pela sua cintura, dou apoio a Marcus para que
consiga andar em linha reta. Subimos juntos os degraus e o levo até
o banheiro do seu quarto, já abrindo o chuveiro dentro do box.
Nós nunca dormimos juntos. Por mais que tenhamos feito sexo
milhares de vezes, cada um passava a noite em seu quarto. Meu
Deus… Jamais pensei que ele proporia isso ao dizer "algo
diferente".
Perco a coragem.
Não sei. Só sei que cada uma das possíveis reações que prevejo dá
no mesmo resultado.
Ligando o aparelho, escolho uma faixa que sei que ele vai aprovar.
Quando os Beatles começam a cantar "Let It Be", Marcus abre um
sorriso tão bonito que quase me faz explodir em lágrimas. Engolindo
o choro, prendo os cabelos em um coque alto, deixando o pescoço
completamente à mostra.
Ele levanta o meu joelho com uma mão, me abrindo mais antes de
me preencher com uma única estocada, me invadindo até o fundo.
MARCUS VENTURINI
— Ele lhe adora, Marcus... Só não apareceu antes porque não lhe
ouviu chegar. Já não tem a mesma audição, está velho… Velho
como eu. — Seu Alfredo deixa o sofá, levantando-se devagar. —
Venha, vamos tomar um café.
"Suas raridades" são os meus discos de vinil. Seu Alfredo tem muita
admiração pela minha coleção, principalmente porque a maior parte
dos álbuns são de bandas da época dele.
— "Namorar"... Para falar a verdade, não sei bem como agir. Nunca
me envolvi assim com ninguém. É foda. — Respiro fundo, coçando
a nuca.
Mais cedo, mandei uma mensagem explicando por alto o que tinha
acontecido. Não agi certo com ela ao sair correndo do estúdio de
ballet, mas, naquela hora não pensei em nada, extremamente
preocupado com meu antigo vizinho.
— Oi, linda. Tudo certo. — Desligo o motor da Honda e retiro o
capacete. — Onde estava?
— Samanta…
— Me desculpe por ter gritado com você. É que tudo o que envolve
a Samanta me aborrece pra caralho.
Depois do almoço, coloco para tocar pela última vez o vinil do Elvis,
balançando os pés no ritmo do rei do rock 'n' roll. Em seguida, enfio
o álbum na mochila e parto para o meu trabalho na Records.
— E você tem um carinho especial por ele. Posso saber por que
decidiu se desfazer? O cliente me pergunta pelo disco há anos,
você nunca quis vendê-lo. — questiona, franzindo as sobrancelhas
grossas.
— Que beleza... Podemos fazer alguma coisa por esses dias, já que
está com as noites livres. Sair para tomar uma cerveja ou algo do
tipo. — Sorri, mexendo nos cabelos castanhos.
— Foi só uma ideia estranha que ela teve de última hora, para que
os pais não reclamassem da minha estadia na casa... — explico por
alto, já pensando em como encerrar aquela conversa esquisita. Não
me sinto nada à vontade aqui, batendo papo com ele.
— Sei bem das ideias estranhas da Nana... É cada merda que ela
inventa. — Olha para o céu, parecendo pensativo. De repente, ele
endireita o rosto e me encara, esbanjando um brilho diferente nos
olhos claros. — Como o plano para te ferrar. Quanto tempo você
levou para descobrir a verdade, hein? Estou curioso. — Abre um
sorriso debochado, congelando o sangue nas minhas veias. Porra…
— Quer um resumo? Ok. Hannah quer foder com a sua vida. Por
você ter engravidado a melhor amiga dela e agido como um
canalha. O plano é você se apaixonar por ela e ser expulso da
ESPM pelo pai da Sam. Fim.
Hannah: "Sim."
Daniel: "Por quê? Pelo que me lembro, você iria foder com a
vida do otário, não oferecer abrigo para ele. O plano de
vingança virou projeto de caridade"?
Hannah: "Ele é esperto, sim... Mas podemos nos ver mais tarde.
Passa aqui, a gente dá uma volta."
Eu não vou sair na mão com ele. Eu não posso... É como se toda a
energia tivesse sido sugada do meu corpo.
Quero fugir daqui, mas não sei nem como ligar a porra da moto. Não
consigo raciocinar, nem respirar.
HANNAH MÜLLER
Será que não me ouviu? Ou, talvez, precisou correr para usar o
banheiro.
Foi ali, na Records, que tudo começou. Marcus e eu. Nós dois
conversamos pela primeira vez entre os corredores desgastados e
os discos de vinil, acendendo uma faísca que me recuso a deixar
apagar.
Hoje, vim até aqui movida por uma centelha de esperança. Tênue,
fraca, tão improvável que beira a loucura.
— Sinto muito, isso é pessoal. Não posso falar sobre a vida dos
meus antigos funcionários com uma pessoa estranha.
Droga, Marcus... Não precisava ter vendido o seu disco. Eu teria ido
com você a qualquer lugar.
— Já. Mas acho que me bloqueou. Não sei mais o que fazer.
Imagino que o senhor não queira me passar o endereço dele. Ou o
nome da agência do estágio — arrisco a sorte. Vai que…
Após dar quatro voltas nas quadras procurando por uma vaga,
finalmente estaciono o carro nos arredores da ESPM.
Nós duas nos vimos bastante nas últimas semanas, em uma luta
constante para levantar o meu astral. Inclusive, tenho que admitir
que deve ser um porre para ela escutar os lamentos de mais uma
amiga, na fossa pelo mesmo cara.
Confesso que não me sinto tão otimista... Não disse nada a ela para
não a magoar, mas detestei o resultado. Fiquei com cara de pré-
adolescente revoltada e estou rezando para essa porcaria sair logo
depois de algumas lavagens.
Marcus Venturini.
A verdade é que desejo vê-lo. Demais. Porém não quero que seja
de surpresa. Gostaria de poder me preparar psicologicamente
primeiro, antecipando o eventual encontro entre a gente.
Se bem que, por mais que eu planeje o que falar a ele, sei que na
hora vai sair tudo completamente diferente do script por conta do
nervosismo. Eu odeio me sentir tão exposta e vulnerável, e não
tenho ideia do que fazer para me ajudar.
Um garoto alto e forte, com a barba espessa e escura, vem até mim,
Telma e Alice. Ele não está com a bandana, mas traz pequenos
potes de tinta nas mãos.
É quando o vejo.
Então, quando foco o olhar no seu rosto perfeito, seus olhos azuis
se conectam aos meus com tudo, desencadeando uma corrente
elétrica que percorre a minha coluna de ponta a ponta.
Marcus não acena, não sorri, não suaviza o olhar. Não faz nada.
Eu iria com você para qualquer lugar, meu anjo. Até para o inferno.
Enfio as mãos por dentro da sua camiseta, alisando a pele lisa com
tanta empolgação que é como se eu não o tocasse há anos.
Sem falar mais nada, Marcus encaixa a glande por fora da minha
boceta e me penetra com tudo, afundando direto até o final.
Será que Marcus sentiu a minha falta como eu senti dele? Será que
vamos nos reaproximar?
MARCUS VENTURINI
Mas não era exatamente assim que ela me via? E não foi a minha
suposta canalhice que motivou aquele seu plano de vingança de
merda?
Foda-se.
Eu não tinha ficado com mais ninguém desde que deixei a casa
dela, e três semanas sem trepar era a porra de um recorde. Mas a
verdade é que eu não sentia ânimo para nada.
Dói fisicamente não a ter nos meus braços. No meu colo. Na minha
cama.
Pois bem, para não passar vinte e quatro horas por dia pensando
nela, procurei ocupar a mente com atividades aleatórias. Arrumando
a mudança que levei para o apartamento de Seu Alfredo. Correndo
no parque. Tocando os discos na vitrola. Passeando com Oz.
Aliás, a música e os passeios com o peludo foram a contraprestação
combinada, uma vez que o homem não me deixou pagar em
dinheiro pelo aluguel do quarto.
E foi isso que motivou toda a canalhice que cometi no bar. Isso, e a
necessidade visceral que senti de separá-la daquele moleque que
não saía de cima, como a porra de um gavião com as garras à
mostra. O ciúme foi o gatilho que me levou a abordá-la, fazendo-a
minha mais uma vez.
Meu coração burro sangrou por ela, quase me fazendo correr atrás
da garota de quem eu deveria manter distância.
Os próximos dias passam em um borrão.
Telma engata uma conversa com Jonas, mas não consigo assimilar
uma única palavra que sai da boca dela, com a pressão nos meus
ouvidos quase me ensurdecendo.
Sua mão agarra com força a alça de uma bolsa de pano, deixando
os nós dos seus dedos completamente brancos.
— Eu que lhe agradeço. Ainda que por pouco tempo, "you have
made my life complete..."
Never let me go
You have made my life complete
And I love you so
(Nunca me deixe partir
Você tornou minha vida completa
E eu te amo tanto)
Me fodi.
De novo.
Amor, eu só quero dançar
Com você
Happiness Is a Butterfly ~ Lana Del Rey
HANNAH MÜLLER
Eu me sentia mais leve por ter conseguido falar a Marcus tudo o que
tinha planejado. Me desculpei, me declarei e ainda lhe devolvi o
disco do Elvis.
Agora, a bola está com ele. Se quiser reatar comigo, sabe onde me
encontrar.
Sim, Alice é a garota que ficou com Marcus no dia do trote. Mesmo
assim, eu não a odeio. Pelo contrário, eu a acho bem legal.
Até poucos meses atrás, quando optei por cursar a ESPM, pensei
que estudaria junto com Sam e que seria o máximo. Ela estaria dois
semestres na minha frente, mas nos veríamos nos intervalos, nas
palestras e etc. Agora, ela está com a matrícula trancada por causa
da gravidez e a nossa amizade já era. Além disso, pensei que seria
maravilhoso conhecer garotos interessantes pelo campus. Agora,
apenas um em específico me atrai.
— Não. E nem vai saber. Não tenho mais nada com ele. — Dou de
ombros, mordendo o lábio.
— Ah... Fui falar com aquele veterano que me beijou no dia do trote,
mas ele não me deu abertura. Pelo jeito, não gostou de ficar comigo
— diz cabisbaixa, cutucando a unha do polegar.
Eu não sabia se ficava triste por ela, ou feliz por Marcus tê-la
dispensado. Pensando bem... Sabia, sim. Jamais diria em voz alta,
mas com certeza é a segunda opção.
— Não leve para o lado pessoal — Telma aconselha, tocando na
mão de Alice. — É assim mesmo... Algumas ficadas evoluem,
outras não.
Do nada, colocam uma canção lenta para tocar, que reconheço ser
de Lana Del Rey. Sorrio com a lembrança de ter escutado uma
música da mesma cantora com Marcus, na Records, quando
compartilhamos os fones de ouvido.
— Verdade.
Aposto que ele já sabe que o tiro saiu pela culatra quando eu
esboço um sorriso perverso.
Ele solta um riso incrédulo antes de me puxar para ainda mais perto,
apoiando o queixo no topo da minha cabeça. Talvez para que eu
não possa mais olhar em seus olhos.
— Joga uma água que melhora. Vem cá... — Me puxa pela mão
pelo meio das pessoas, cruzando a sala a passos rápidos. Me
levando ao andar de cima, abre uma porta no final do corredor.
Quando volto para o quarto, ele está com a camisa aberta, sentado
na beirada da cama, desabotoando a calça.
— Marcus, eu não vou transar com você, para depois te ver com
outras garotas por aí… Ou você cogita a ideia de reatar comigo?
Eu não conseguiria fazer sexo casual com ele, como fazia com
Daniel. Com Marcus, é diferente. Porque estou completamente
apaixonada por ele.
— Ok, você não quer. Não está afim. Paciência. Eu arranjo quem
queira, sem problemas. — Dá de ombros, fechando a calça. Seus
dedos tatuados passam a trabalhar habilidosamente nos botões
enquanto seus olhos azuis me observam indecifráveis.
MARCUS VENTURINI
Nem fodendo.
Eu não iria confiar nela nunca mais. Por que me arriscaria? Para
fazer papel de otário de novo? Eu ia pedi-la em namoro naquele
final de semana, porra! Trouxa pra caralho.
Mal sabe Hannah que, com ela, nunca seria apenas sexo. Os
lanches na madrugada, os ensaios de ballet, as conversas sobre
músicas... Eu sentia uma puta falta. De tudo.
Trancada. Porra…
Colo o ouvido contra a madeira, os nervos à flor da pele. Então,
quando escuto gemidos femininos, sinto o sangue gelar. Não penso
duas vezes antes de pegar distância e voltar com tudo, arrombando
a porta com o ombro.
Parecem tão loucas que nem notam minha chegada nada discreta.
Eu quase derrubei as portas, cacete…
— Oh, eu não devia falar nada, porque você é um babaca, mas vou
te ajudar — Alice torna a falar. — Ela deve estar com o Hector. Nós
quatro jogamos truco por um tempo naquela mesa e eles saíram
daqui juntos.
Hector está beijando alguém, mas não consigo ver direito quem é.
Voo até o casal, já fechando as mãos em punhos, mas, antes de
fazer alguma merda, visualizo os cabelos ruivos da garota.
— Não começa, Marcus. Eu já disse que não vou fazer sexo com
você.
— Tá. — Ela deixa escapar uma risada e meu coração burro pula
uma batida. Como sentia falta do seu riso para mim, puta que pariu!
— Então, me diga como eu poderia lhe pagar.
— Vamos.
Eu tenho dormido sozinho
Por Deus, estou com saudades
Miss You ~ The Rolling Stones
HANNAH MÜLLER
Marcus vira o rosto para mim e solta uma risada sem graça, me
fitando com atenção.
— Nome completo?
— Idade?
— 19 anos.
— Família?
— Melhores amigos?
— Não. Para ser franca, ele me levou ao motel uma vez, mas não
consegui ir em frente.
É tudo ou nada.
Coitado, ficou sem ninguém tão cedo, penso, mas não digo.
— Não. Eu que fui. Acredita que ele tinha escondido a droga no meu
quarto? E, para piorar, na hora do flagrante, ele me entregou. Disse
aos policiais que o filho era problemático porque não tinha mãe e...
Imagina a merda.
— Minha nossa... Nem sei o que falar. Por que ele fez isso com
você?
MARCUS VENTURINI
— Eu falei que não transaria hoje com você. Agora... — Ela remexe
a bunda no meu colo, fazendo o meu pau acordar. — Estou ainda
mais apaixonada por você. E tarada, muito tarada.
— Lembra que a nossa primeira vez foi aqui neste mesmo sofá? —
pergunta, deslizando as unhas pelo meu peito, me arrepiando da
cabeça aos pés.
Abrindo mais suas pernas, pouso meus olhos bem ali. Ela está tão
molhada que até brilha, com a lubrificação escorrendo. Puta que
pariu…
Afasto a minha mão e passo a chupar toda a sua boceta, que chega
a pulsar com espasmos, se derretendo na minha boca.
— Pode.
— Delicado, você.
— Confio.
E, quando enterro a ponta do indicador no seu buraco apertado,
Hannah estremece com tudo, convulsionando em um orgasmo
absurdo. Seus espasmos estrangulam o meu pau, com tanta força
que quase me assusto.
Então deslizo para fora dela, caindo como uma marionete sem vida
no chão. Sem energia para mais nada. Puta merda…
Hannah faz menção de sentar do meu lado, mas a puxo para o colo,
a abraçando com força.
— Perfeito.
Pegue essas asas quebradas e aprenda a voar
Toda a sua vida
Você esteve esperando por esse momento
Blackbird ~ The Beatles
MARCUS VENTURINI
Tento me alegrar com a empolgação dela, mas não consigo cem por
cento, com a cabeça já na apresentação de ballet. Será a primeira
vez que desfilaremos como namorados e… Porra… O frio na barriga
está me matando.
Um pouco antes das 20h00, estaciono a minha Honda em frente ao
Theatro Municipal, respirando fundo ao guardar a chave no bolso.
Em minutos, vai começar a apresentação de Hannah.
Logo encontro o meu lugar, percebendo que já tem uma garota ruiva
acomodada na cadeira ao lado. É Júlia, a melhor amiga de Hannah.
— Oi, Marcus. Tudo bem e você? Hannah me disse que viria, mas
pensei que tivesse desistido. A apresentação já vai começar em
menos de dois minutos... — Ela sorri, com os seus lábios pintados
de vermelho. — Você se lembra do Will? — Aponta para o garoto do
seu lado direito, que me fita intensamente com seus olhos
castanhos quase pretos.
— Sim, como vai? — Me dirijo a ele, acenando com a cabeça.
Fim da apresentação.
Aos poucos, a nossa fileira se levanta, seguindo em direção à área
de espera dos artistas. Hannah vai aguardar por todos nós lá,
conforme o combinado.
— Você veio — diz com um sorriso bonito nos lábios. — Sei que
apresentação de ballet pode ser entediante para quem assiste...
Obrigada por ter vindo, amor.
HANNAH MÜLLER
Minha aflição parece ainda mais palpável com a luz branca da sala
me cegando. Estou tremendo do ar-condicionado e, principalmente,
de desespero. Por sorte, Marcus me emprestou seu paletó, que
estou usando por cima das vestes brilhantes da apresentação.
— É um parto prematuro. Estou tão nervosa… — choramingo,
deitando a bochecha no ombro dele.
— Acho que não. Pelo o que sei, ela não revelou a eles a identidade
do pai do bebê.
Hannah: "Me avise assim que nascer. Espero que fique tudo bem
com o bebê e com ela."
Meu Deus…
MARCUS VENTURINI
— Sei lá. Ela ficou obcecada por você, depois que se beijaram
naquela festa julina. Acho que, por Samanta ser extremamente
mimada, não aceitou bem a rejeição.
MARCUS VENTURINI
Ela continua do lado de fora do meu Honda Civic, a única coisa que
me dei ao luxo de comprar com o dinheiro dos meus primeiros
salários.
Não sei explicar como é possível, só sei que me sinto ainda mais
apaixonado por ela.
— Fala — insisto.
Suas palavras fazem com que uma onda de eletricidade corra pela
minha coluna, me acendendo inteiro.
FIM
E nos reencontramos aqui!
Com carinho,
Pauline G.