Elastografia Hepática
Elaborado por Isabela Miller
Doenças do Fígado
O fígado é um dos órgãos mais
importantes do corpo. Além de
filtrar o sangue , ele elimina
toxinas e elementos danosos ao
organismo advindos dos
alimentos ingeridos. Por isso, a
saúde entra em risco quando o
órgão adoece, já que o processo
de filtragem fica comprometido.
As doenças mais comuns que
atingem o fígado são as hepatites A, B e C, a
esteatose hepática, a hepatopatia alcóolica, o
câncer do fígado e a cirrose.
A fibrose hepática é o processo de cicatrização que
representa a resposta hepática a lesões. Ao longo do
tempo, este processo pode resultar em cirrose
hepática, podendo ocorrer complicações graves
como como insuficiência hepática e câncer
hepático.
Atualmente, a cirrose e câncer hepático estão entre
as dez principais causas de morte em todo o mundo.
Diagnóstico da Fibrose Hepática
Os testes utilizados para estagiar a fibrose incluem
testes de imagem não invasivos, exames de sangue,
biópsia hepática, e testes mais recentes que avaliam
a rigidez do fígado. Os exames de imagem não
invasivos são a ultrassonografia (US), a tomografia
(TC) e a ressonância magnética (RM). Estes testes
podem detectar evidências de cirrose. Porém, estes
testes não são sensíveis por si só
para detectar fibrose moderada ou
mesmo avançada. Muitas vezes o
dignóstico é inespecífico podendo
indicar somente gordura no tecido
hepático, Novas tecnologias
podem aumentar a precisão do US e da RM para
detectar fibrose em estágios mais precoces; e entre
elas está a Elastografia.
A biópsia hepática continua sendo o padrão ouro
para diagnóstico e estadiamento da fibrose
hepática. Porém, é um procedimento invasivo que
pode resultar em alguma complicação leve ou grave
ao paciente. Além disso, a biópsia hepática é
limitada pelo erro de amostragem e concordância
imperfeita entre os patologistas durante a
interpretação. O escore METAVIR foi proposto para
a avaliação histológica e classificação da fibrose
hepática, e é composto por uma letra e um número
que foram um código, sendo: F0: sem fibrose; F!:
fibrose portal sem septação; F2: fibrose portal com
raros septos; F3: numerosos septos sem cirrose e F4
cirrose.
A biópsia hepática, embora imperfeita, é o exame
diagnóstico padrão-ouro, porém está cada vez mais
sido suplantada por alternativas não invasivas,
como a Elastografia.
Elastografia
O ato de apalpar manualmente sempre foi usado
para procurar e classificar órgãos e tecidos do corpo
humano. A eficiência da
apalpação está baseada no
fato de algumas doenças
causarem mudanças nas
propriedades mecânicas e
aumento na rigidez ou
elasticidade do tecido.
Entretanto, se caracteriza por uma percepção
qualitativa e não fornece informações quantitativas
acerca das propriedades mecânicas do tecido.
Nos últimos anos, uma nova modalidade de exame
por imagem chamada Elastografia tem sido
desenvolvida, a qual refere-se a qualquer medida ou
técnica de imagem que forneça informações
mensuráveis diretamente relacionada às
propriedades mecânicas de tecidos.
Desde a sua introdução clínica inicial, houve um
desenvolvimento rápido e contínuo de diversas
variações da Elastografia. A princípio a Elastografia
por compressão foi desenvolvida e usada
clinicamente. Esta técnica consiste em avaliar as
alterações teciduais decorrentes da aplicação de
uma força externa (seja com auxílio do transdutor,
via respiração ou batimentos cardíacos do
paciente). Como a quantidade de força aplicada não
é conhecida, o grau exato de rigidez dos tecidos não
pode ser medido, portanto é uma técnica
QUALITATIVA.
Tecidos rígidos não deformam, enquanto tecidos
moles deformam diantes a aplicação de uma força.
Uma outra técnica já desenvolvida foi a Elastografia
por ondas de cisalhamento (shearwave). Nesta
técnica, uma força mecânica ou um impulso de força
de radiação acústica (ARFI) é usada para gerar ondas
shearwave junto aos tecidos examinados.
As ondas shearwave se propagam
PERPENDICULARMENTE à força aplicada, de modo
similar às ondulações observadas quando uma
pedra é atirada na água. As
ondulações correspondem às
ondas shearwave, e a pedra à
força aplicada.
A velocidade da onda shearwave depende da rigidez
tecidual: é mais lenta em tecidos moles e mais
rápida em tecidos duros.
 Elastografia Transitória (Fibroscan)
A Elastografia hepática transitória foi proposta para
avaliar a elasticidade tissular em pacientes com
doenças hepáticas crônicas e estimar o grau de
fibrose de forma não invasiva e indolor. O Fibroscan®
foi o primeiro dispositivo desenvolvido para medir a
elasticidade hepática como alternativa à biópsia.
O dispositivo é baseado na elastografia
unidimensional, técnica que utiliza ondas elásticas
e ultrassons de baixa frequência. A sonda produz
vibrações de leve amplitude e baixa frequência que
são transmitidas pelo transdutor e se propagam
através do tecido hepático. Ao mesmo tempo, o
sistema de ultrassom emite pulsos que permitem
acompanhar e medir a velocidade de propagação.
Quais mais endurecido o tecido, mais rápida é a
propagação das vibrações. Os valores podem variar
de 2 a 75 kPa.
Limitações e contraindicações:
- são necessárias 10 medições corretas: se uma
medida for igual a zero todo exame deve ser refeito;
- não é recomendável em pacientes com ascite, pois
esta prejudica a propagação da onda elástica;
- contraindicado para gestantes pois não existe
compravação da segurança do exame neste
contexto;
- o dispositivo deve ser calibrado a cada 1000
medidas e possui um alto custo.
 Elastografia por Ressonância Magnética
(ERM)
Este método permite medir a elasticidade dos
tecidos com base em estimativas de comprimento
de onda mecânica no meio, quando submetido a
uma excitação mecânica dinâmica. A ERM é um
método rápido e sensível para medir deslocamentos
em tecidos pela sintonia dos gradientes do campo
magnético, com vibrações mecânicas externamente
aplicadas à amostra de forma dinâmica.
A ERM é um método de alto custo e pode ser
incomodo para o paciente pelo ambiente fechado e
uso de contraste.
  Elastografia Point Shearwave (ElastPQ)
Existem algumas técnicas que usam pulsos de ARFI
para gerar ondas shearwave e em que uma imagem
de ultrassom em modo B é necessária para
determinar onde a medida da velocidade da onda
sheawave está sendo obtida.
Na Elastografia Point Shearwave uma única região
de interesse pequena pode ser estabelecida no
tecido a ser analisado. A velocidade calculada
representa o valor médio das velocidades dentro da
região de interesse.
 Elastografia Shearwave Bidimensional
(ElastQ)
Nesta técnica múltiplos pulsos ARFI podem ser
aplicados ao longo de um campo visual maior para
estimar a velocidade da onda shearwave em uma
área de tecido mais ampla. Além disso, uma
codificação de cor dos pixels no mapa de exibição é
usada para visualizar a variação da velocidade da
onda dentro da região de interesse e pode ser feita
em tempo real. A mudança da escala pode ser usada
para ajudar a visualizar as diferenças de rigidez no
tecido que está sendo avaliado.
Fatores que interferem no exame
Recomendações gerais para realizaro exame
 O paciente deve estar de jejum por pelo
menos 4 horas antes do exame;
 A medição deve ser realizada no espaço
intercostal em decúbito lateral com o braço
direito em extensão;
 As medições devem ser feitas em apinéia do
paciente, sem respiração profunda;
 A medição deve ser realizada pelo menos a
1,5 a 2,0 cm abaixo da cápsula hepática;
 Os resultados podem ser reportados em
m/s ou kPa;
 A shear wave se propaga de forma ideal de
4 a 4,5 cm em relação ao transdutor. A partir
de 5 cm o pulso é atenuado limitando a
geração de ondas adequadas;
 Uma imagem adequada do fígado no modo
B é essencial para que a onda shear wave
seja rastreada corretamente;
 Os segmentos 7 e 8 do fígado são os mais
indicados para a aquisição;
 Evitar posicionar a amostra sobre vasos,
ductos e sombras das costelas;
 Manter sempre a amostra no centro da
imagem e paralela a face do transdutor;
 Respiração do paciente: medidas tomadas
durante movimentação podem ser
imprecisas;
 Pacientes obesos: o pulso ARFI atenua
conforme passa pelos tecidos. A partir de
5cm de profundidade a geração de ondas
pode ser prejudicada;
 A atenuação é maior em tecidos mais
rígidos. Pacientes com cirrose avançada
podem ter medidas variadas;
 Angular o transdutor durante a aquisição
das medidas;
 Condições que podem aumentar
“artificialmente” a rigidez do fígado:
Protocolo de medidas – ElastPQ
 A literatura sugere a aquisição de 10
medidas.
 Se mais medidas forem tomadas, eliminar
valores que fogem da tendência.
 IQR/Med < 30% (kPa) e IQR/Med < 15%
(m/s) sugere que o conjunto de dados
adquiridos é bom.
Embora a fibrose hepática seja um processo
heterogêneo, a “melhor” precisão do valor de
rigidez é de várias medições no mesmo local.
Protocolo de medidas – ElastQ
 A literatura sugere a aquisição de 5
medidas.
 As medições devem ser realizadas em áreas
onde a propagação da shear wave foi
adequada (usar mapa de confiança como
referência).
 IQR/Med < 30% e IQR/Med < 15% (m/s)
sugere que o conjunto de dados adquiridos
é bom.
 Pode-se adquirir um cineloop (pelo menos 6
segundos) e fazer medidas em diferentes
frames.
 Não colocar mais de 2 amostras por frame.
 O mapa de cores é útil na avaliação da
rigidez sem a necessidade de observar
valores.
Em mapas de cores heterogêneos, o
posicionamento da amostra deve ser feito sempre
na área mais rígida de acordo com a escala de cores.
Leve sempre em consideração o mapa de confiança
para posicionamento correto da amostra.
Mapa de confiança - ElastQ
O mapa de confiança fornece uma indicação visual
da confiança nos valores relatados de
velocidade/rigidez através de uma análise
inteligente da propagação das ondas shearwave e
da imagem em modo B.
Cada pixel da imagem recebe um valor de confiança
de 0 a 100 e uma cor correspondente (vermelho,
amarelo ou verde). Valores baixos de confiança, de
vermelho a amarelo, indicam menos confiança na
confiabilidade dos valores enquanto que de amarelo
para verde indicam maior confiança.
Presença de vasos sanguíneos, regiões de baixa
ecogenicidade e movimentação tecidual são alguns
fatores que podem exibir valores baixos de
confiança.
Limite de Confiança (Confidence Threshold) -
ElastQ
O limiar de confiança define as áreas de uma
imagem com menor confiança como transparente.
Por exemplo, definir o limite de confiança para 60%
definirá áreas de uma imagem de rigidez com um
valor de confiança inferior a 60% como
transparente. As áreas transparentes não serão
medidas. Alterar o limite de confiança não altera o
mapa de confiança.
Entendendo as medidas
Unidades de Elastografia: os valores da
elastografia são apresentados em
velocidade (m/s) ou rigidez (kPa). Tecidos
mais rígidos apresentam valores mais altos de
velocidade e rigidez. O equipamento mede em m/s
e converte para kPa, sendo essa conversão não
linear.
Avg: a média é calculada somando-se todos os
valores de um conjunto de dados e dividindo-se pelo
número de elementos desse conjunto. A média
resultante também é conhecida como uma medida
de tendência central.
Std: o desvio padrão é usado para
quantificar a quantidade de variação
entre os pontos de dados da amostra.
Um desvio padrão próximo de zero
sugere que os dados da amostra tendem a estar
próximos da médias desses dados. Um desvio mais
alto sugere que os dados estão espalhados por uma
ampla gama de valores.
Med: a mediana é o número que divide o conjunto
de dados ao meio: 50% são superiores a média e
50% são mais baixos. A mediana pode ser
encontrada escolhendo o valor médio em um
conjunto de pontos de dados.
IQR: a faixa interquartil é uma medida de
variabilidade, baseada em dividir um conjunto de
dados em quartis. O quartil superior e o quartil
inferior são removidos do conjunto de dados,
deixando assim “cinquenta do meio” em torno da
mediana do conjunto de dados.
IQR/Med: o intervalo interquartil dividido pelo
valor mediano fornece um indicador de qualidade
dos dados. O IQR/Med é expresso em porcentagem.
IQR/Med menor que 30% sugere um conjunto de
dados bom. Como a conversão de m/s para kPa não
é linear, o valor expresso em m/s será menor
(menor que 15%) que o valor correspondente em
kPa.
Resultados e valores de corte (cut-off)
Com os avanços da tecnologia e o rápido
desenvolvimento no campo da
Elastografia, novas evidências e
melhorias estão agora disponíveis. A
WFUMB atualizou o conjunto de diretrizes que
foram publicados em 2015 e publicou em junho de
2020 um novo consenso para incorporar
informações substanciais.
Tal atualização foi baseada na perspectiva clínica
que é mais importante incluir ou excluir doença
significativa do que prover um estadiamento e
também na tentativa de prover um sistema
unificado de valores de corte entre os diversos
métodos usando na ultrassonografia.
Para tanto, espelhou-se na utilização da Elastografia
transitória (Fibroscan) pelo Consenso Baveno VI e na
introdução do termo doença hepática crônica
avançada compensada (DHCAc). Acredita-se que,
após a introdução de novos métodos não invasivos
como a Elastografia, seja possível a identificação da
doença hepática em fases mais precoces e
assintomáticas.
Segundo diretrizes do Baveno VI, ficou definida a
“regra dos 5” para a classificação dos valores de
rigidez hepática por Fibroscan, descrita na tabela
abaixo:
Valor de rigidez hepática Significado do resultado
Abaixo de 10 kPa Afasta DHCAc na ausência de outros
sinais clínicos
Entre 10 e 15 kPa Implica outros testes confirmatórios
Acima de 15 kPa Altamente sugestivo de DHCAc
Tabela: Regra dos 5 para Fibroscan
Para a Elastografia por ultrassonografia, os novos
valores de corte e seus significados clínicos estão
descritos na tabela a seguir:
 Valor de velocidade
de propagação da onda
≤ 5 kPa (1,3 m/s)
< 9 kPa (1,7 m/s)
Entre 9 – 13 kPa (1,7 - 2,1 m/s)
> 13 kPa (2,1 m/s)
> 17 kPa (2,4 m/s)
Tabela: Avaliação da rigidez hepática com Elastografia por ultrassom
Elastografia Pediátrica
O uso de uma técnica não invasiva para
estadiamento da fibrose hepática é de
grande interesse, uma vez que pode
evitar biópsias, que, além de suas complicações bem
conhecidas, é particularmente estressante para
pacientes pediátricos. Em crianças, o acúmulo de
gordura no fígado é a causa mais comum de doença
hepática crônica.
Apesar de ser uma técnica atraente para o público
pediátrico, o número de publicações permanece
baixo e os valores de corte variam muito. O
procedimento utilizado em adultos deve ser
adotado.
Em casos onde as crianças são incapazes de segurar
a respiração, o consenso sugere a gravação de um
cineloop por até 30 segundos na ElastQ (2D-SWE).
Após a aquisição, rever o loop e escolher a imagem
que demonstra um padrão estável da cor para a
medição da rigidez. Escolher somente uma imagem
para cada cineloop.
Para a maioria dos estudos publicados, não há
influência significativa da idade sobre os valores de
rigidez hepática. No entanto, não há ainda literatura
suficiente para outro tipo de recomendação em
pacientes pediátricos.
O valor médio normal varia de 1,07 a 1,16 m/s. Para
doença hepática associada à outras doenças como
fibrose cística, hepatites etc, cabe ao médico definir
se a Elastografia entra no seu controle para avaliar a
progressão da fibrose. Lembrando sempre que os
resultados devem ser interpretados levando sempre
Significado do resultado
Ausência de fibrose significativa
Exclui DHCAc. Se houver sinais clínicos
conhecidos, entretanto, pode necessitar
de testes para confirmação
Sugestivo de DHCAc, sendo necessários
mais testes para confirmação
Compatível com DHCAc
Sugere hipertensão portal clinicamente
significativa
em consideração condições clínicas e exames
laboratoriais.
Avaliação de Esteatose
A esteatose hepática está presente em
70% dos obesos moderados e em
todos os obesos graves. Hoje se sabe
que a esteatose é a manifestação inicial da doença
hepática gordurosa não alcoólica, em inglês “non-
alcoholic fatty liver disease” (NAFLD). A NAFLD varia
de uma simples esteatose até cirrose avançada,
passando por estágios intermediários de fibrose.
Presume-se que nos próximos anos, 3 milhões de
pessoas irão desenvolver cirrose por conta da
esteato-hepatite não alcoólica, em inglês “Non-
alcoholic steato hepatitis” (NASH), que é a forma
agressiva da NAFLD.
A NAFLD (e sua forma mais grave, NASH) ocorrem
pelo acúmulo de lipídeos nos hepatócitos. Sua
cronificação cursa com inflamação lobular e evolui
com fibrose hepática, cirrose e câncer. O
diagnóstico precoce do acometimento hepático é
desejável em razão da melhor resposta ao
tratamento na fase inicial da doença. O diagnóstico
e o controle da fibrose podem ser realizados por
exames laboratoriais, exames de imagem e biópsia.
O teor de gordura no fígado vem sendo avaliado
usando o ultrassom associado à Elastografia. Apesar
de alguns resultados positivos, ainda não há
evidências suficientes neste momento para
fornecer recomendações sobre o uso desse método.
Estes trabalhos iniciais sugerem que a Elastografia
por ultrassom será clinicamente útil no futuro.
Futuro da Elastografia
O desenvolvimento de novas tecnologias por
ultrassom como a medida da atenuação e dispersão
terão papel importante na avaliação da esteatose e
inflamação, condição importante para diferenciar
uma esteatose simples de uma esteato-hepatite não
alcoólica. No entanto, as evidências disponíveis para
estas técnicas não estão em um nível onde as
recomendações podem ser dadas.
Anotações