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Moreira JR 2009
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Moreira JR 2009
TÉCNICAS
Resenha
SHINN, Terry; RAGOUET, Pascal. Controvérsias sobre a ciência: por uma
sociologia transversalista da atividade científica. Tradução de Pablo Rubén
Mariconda e Sylvia Gemignani Garcia. São Paulo: Associação Filosófica
Scientia Studia / Editora 34, 2008. 208 p.
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Mestrando do Programa de Pós‐Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos. E‐
mail: airton.moreirajr@gmail.com.
Resenha
Derek De Solla Price e Eugen Garfield. A abordagem iniciada por Merton é considerada
a origem das análises sociológicas sobre a atividade científica. Na perspectiva
mertoniana, a ciência é tratada como uma instituição social que influencia e é
influenciada por outras instituições, como a política e a economia, porém constitui
uma atividade social autônoma, fundamentada em valores comunitários – o ethos
científico – que regulam o seu funcionamento interno e contribuem para diferenciá‐la
das demais práticas sociais. A autonomia institucional da comunidade científica é vista
como algo necessário para que os pesquisadores possam desenvolver suas atividades e
garantir a expansão do conhecimento verdadeiro, sem interferências de valores e
pressões das outras esferas sociais.
A visão de Merton e de seus seguidores acerca da atividade científica recebe de
Shinn; Ragouet (2008) o nome de diferenciacionista, pois defende a distinção da
ciência diante das demais atividades sociais e a não‐influência de outras esferas sociais
nos rumos do trabalho científico. De acordo com os autores, a abordagem
diferenciacionista contribui para o início do interesse sociológico pela atividade
científica, mas possui diversos limites. O principal deles diz respeito ao olhar
externalista que essa abordagem lança sobre a ciência. Na sociologia mertoniana, a
ciência é uma instituição social homogênea, graças à sua estrutura comunitária e o
respeito ao ethos científico. Deste modo, o estudo sociológico da atividade científica se
resume a analise dos seus elementos institucionais, não se confundindo com o estudo
da construção do conteúdo cognitivo do conhecimento. Nas investigações dessa
corrente, a “atividade científica” é sinônimo direto de “produção científica”, isto é, à
ciência feita e pronta tal qual se encontra nas publicações e nas citações. Mais que
uma abordagem sociológica, a visão diferenciacionista seria um ideal de ciência
marcadamente presente na mentalidade de boa parte dos pesquisadores do período
em questão.
Todavia, três fatores presentes a partir da década de 1970 são apontados por
Shinn; Ragouet (2008) como fundamentais para a decadência da visão
diferenciacionista. O primeiro deles é o impacto da obra de Thomas Kuhn acerca da
estrutura das revoluções científicas. Este autor propiciou uma nova abordagem sobre a
atividade científica a partir dos conceitos de “ciência normal” e “paradigma”, pela qual
o conteúdo social e o cognitivo das práticas de pesquisa chegam a se confundir (KUHN,
2005). Com base na leitura de Kuhn, diversos analistas da ciência passaram a adotar
um crescente relativismo quanto à construção do conhecimento científico, visto como
inseparavelmente originário de práticas sociais contingentes e contextuais. O segundo
fator é o aumento das críticas negativas de intelectuais e movimentos sociais acerca
do desenvolvimento científico‐tecnológico, que passa a ser visto como predatório para
a sustentabilidade ambiental e a liberdade social. Por fim, outro fator é a entrada da
teoria construtivista nas análises da sociologia da ciência e das técnicas. Para o
construtivismo, o conhecimento é construído a partir das relações ativas dos sujeitos a
partir suas necessidades práticas, e não a partir de estruturais mentais pré‐existentes à
ação; logo, permite um relativismo ainda maior quanto à construção do conteúdo
cognitivo da ciência.
Com base nestes fatores, surgem diferentes abordagens sobre a atividade
científica, doravante chamadas de “nova sociologia da ciência” em contraposição à
corrente mertoniana.
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Terry Shinn já explorou as possibilidades de se utilizar a abordagem de Bourdieu sobre o campo
científico para investigar as hierarquias sociais e cognitivas existentes entre os pesquisadores,
demonstrando como a relação entre esses dois tipos de hierarquias implica em diferentes práticas de
pesquisa (Cf. SHINN, 1988).
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campos científicos, no plural, relativamente autônomos uns dos outros. Por outro
lado, os autores argumentam que em certos aspectos a proposta conceitual de
Whitley (1984) parece mais interessante que a de Bourdieu, pois enquanto esse último
autor ainda corrobora uma visão de produção científica focada na “ciência feita” tal
como concebia Merton, a abordagem de Whitley incorpora elementos como, por
exemplo, a incerteza técnica e a interdependência funcional dos cientistas e as formas
variadas assumidas por tais elementos nos diferentes campos da ciência. Seja como
for, em ambos os casos Shinn & Ragouet argumentam que a noção de campo científico
pode ser tida como um sinônimo imperfeito de “disciplina”.
A partir do referencial propiciado pela noção de campo, Shinn; Ragouet (2008)
propõe uma superação dos paradigmas diferenciacionista e antidiferenciacionista,
defendendo uma abordagem transversalista da atividade científica. Nesse sentido,
argumentam que é necessário focar a análise não apenas nas dinâmicas intrínsecas aos
campos científicos, mas principalmente no modo como os cientistas lidam
constantemente com as diversas dinâmicas e lógicas dos diferentes campos científicos,
além dos demais campos sociais – como o político e o econômico. A atividade
científica implica em um constante atravessamento das fronteiras entre os campos
para que os pesquisadores construam e legitimem socialmente os conhecimentos
científicos e objetos técnicos desenvolvidos por eles.
Esse transbordamento de fronteiras assume aspectos diferentes de acordo com
os contextos organizacionais da ciência, que Shinn; Ragouet (2008) nomeiam “regimes
de produção e de difusão da ciência”. Os autores concebem uma tipologia de quatro
regimes possíveis (disciplinar, utilitário, transitório, transversal), que se caracterizam
pelo modo como interagem os agentes dos campos científicos entre si (no caso, eles se
referem às disciplinas) e com os demais campos sociais. Eles identificam no campo da
instrumentação técnica contemporânea – isto é, a construção dos instrumentos
tecnológicos utilizados na experimentação científica dos laboratórios – um modelo
ideal de transversalidade, uma vez que, nesse caso, os pesquisadores produzem
instrumentos genéricos facilmente adaptáveis a princípios de aplicação diversificados
dos vários campos científicos e sociais.
Shinn; Ragouet (2008) comparam tal modelo explicativo cunhado por eles a um
outro tipo de abordagem sobre a produção científica que adquiriu bastante sucesso
entre os estudiosos sobre o assunto, especialmente nos anos de 1990: o modelo da
Hélice Tripla, de Etzkowitz; Leydesdorff (2000). Para esses autores, teria ocorrido nas
últimas décadas uma “Segunda Revolução Acadêmica” a partir da qual a atividade
científica teria tomado para si a preocupação com a aplicabilidade produtiva e
empreendedora dos resultados de suas práticas de pesquisa e, com isso, teriam sido
redefinidos os padrões de relacionamento entre os três atores relevantes da dinâmica
científica e inovativa: o Estado, a universidade e as empresa. Para somarem força ao
seu modelo explicativo, Shinn; Ragouet (2008) estabelecem diversas semelhanças
entre a abordagem transversalista proposta por eles e a abordagem da Hélice Tripla,
sendo esta o tema de um apêndice contido em Controvérsias sobre a ciência3.
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Esse apêndice é a tradução de um artigo anteriormente publicado por Shinn no periódico Actes de la
recherche en sciences sociales (SHINN, 2002).
Revista Brasileira de Ciência, Tecnologia e Sociedade, v.1, n.1, p.130‐135, jul/dez 2009.
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Referências
Revista Brasileira de Ciência, Tecnologia e Sociedade, v.1, n.1, p.130‐135, jul/dez 2009.
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