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Capítulo 4

Regras e aprendizagem por contingência:


sempre e em todo lugar

Sôniâ dos Santos C'astanheira


f .H u /d id c dc h h so fU i c Ciânctos / / u/ u j / m s </./ UhMQ

Skinner (1960) afirma que aprendemos através de descrições verbais de contingências (regras) e/ou através do contato
direto com as mesmas, isto é, sofrendo as conseqüências, positivas ou nêo, na própria pele Ambos os tipos do comportamentos
sflo plausíveis, naturais e eficazes. Ambos demonstram conhecimento das contingências e podem ter topografias similares
Mas, como sâo adquiridos por métodos de aprendizagem diferontes, estAo sob tipos distintos de controle de estímulos e sflo,
portanto, operantes distintos E, por isto, os indivíduos passam a responder ao ambiente de forma diferente. Este trabalho
pretende: 1- aprosentar e definir os comportamentos que constituem as aprendizagens por regras e por contingências; 2-
salientar as diferenças mais significativas entre estas duas formas de aprendizagem; 3- mostrar porque o uso das regras
vem, com mais freqüência, substituindo o aprender fazendo e apontar as vantagens de se combinar estas duas formas
complementares de aprender. Formular e seguir regras sâo duas das atividades mais Importantes na vida e cultura humanas
mas nAo substituem, nunca, as sutilezas de um contato direto com as contingências.
Palavras-chave • comportamento governado por regras, comportamento modelado por contingências, aprendizagom

Skinner (1966) says that we learn through verbal descriptlons of contingencies (rules) and/or through direct contact with lhem,
that is, takmg the consequences, positive or not, ‘ on one s own skln" Both types of behavior are reasonable, natural and
effective Both of them show the contingencies knowledge and they may have similar topographies. But, as they are
acqulred through different methods of learnlng, they are under different types of stlmuli control and, thorefore, they are
considered distlnct oparants And for that, people respond differently to the environment The purpose of thls study is: 1- to
show and define these behaviors that constttute the learning through rules or by contingencies; 2- to emphas/ze tho friosI
slgnlficant dlfferencos between this two forms of learnlng; 3- to polnt out why the use of rules has more frequently replaced
learnlng by doing and 4- point out the gains in combinlng these two complementary forms of learnlng. Formulating and
followmg rules are two of the most important activities in human life and culture but this does not substltute, ever, the
subtleness of a direct contact with the contingencies.
Kay worda: rule-governed behavior, contingency-modeling behavior, learning

Qual ó a origem de um novo comportamento? Como são criadas as respostas em


nosso repertório? Qual a melhor forma de ensinar e de aprender? Esse assunto tem sido
discutido com muita freqüência e a literatura que aborda o tema descreve diferentes tipos
de processos de aprendizagem que explicam como se adquire um novo comportamento e
como o velho pode ser modificado: a modelação, o uso de estímulos facilitadores (prompts),
a modelagem por contingências (aprendizagem por experiência direta) e o uso de regras.
Baldwin e Baldwin( 1986) afirmam que, na maioria das vezes, estes processos se entrelaçam
em várias combinações, na vida cotidiana, mostrando que há vantagens em se aliar mais
de uma forma de aprendizagem na aquisição de um novo comportamento.
A literatura de Skinner (1966/1980) tem nos mostrado que nosso comportamento
pode se originar de duas fontes: na primeira, nós temos contato direto com as contingências,

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isto é, emitimos a resposta e sofremos as conseqüências, positivas ou não, na própria
pele. Dá-se a este comportamento o nome de comportamento governado por contingências
ou aprendizagem por experiência direta. "Fazemos o que fazemos por causa do que se
segue quando o fazemos". Na segunda, aprendemos através de descrições verbais das
contingências.Tais descrições, Skinner passou a denominar de regras, que regulam e
discriminam os comportamentos apropriados. Neste tipo de aprendizagem, nós não
vivenciamos as contingências no passado mas seguimos o conselho ou uma regra ditada
por alguém. Skinner diz que este é um comportamento governado por regras.
Cerutti (1989) aponta as semelhanças entre os dois: o comportamento governado
por regras se baseia no comportamento modelado por contingências e pode ser modificado
alterando-se seus antecedentes, seus conseqüentes, ou ambos. O comportamento
governado pela contingência ó modificado apenas pelas conseqüências especificadas
pelas contingências-não-verbalizadas, de reforço e punição, relativamente imediatas, que
não dependem de ouvir ou ler uma regra. São comportamentos diferentes, mas, em última
instância, também modelados pelas suas conseqüências.
Como nos últimos dez anos tem aumentado o interesse dos analistas do
comportamento no estudo das regras no controle do comportamento dos indivíduos, este
trabalho pretende: apresentar e definir os comportamentos que constituem a aprendizagem
por regras e por experiência direta (controle por contingências); salientar as diferenças
mais significativas entre estas duas formas de aprendizagem; mostrar que, na aprendizagem
de repertórios novos, temos, com mais freqüência, usado das regras para substituir o
contato mais direto com as contingências - o chamado "aprender fazendo" - e apontar as
vantagens de se combinar estas duas formas de aprender.
Para definir e explicar essas aprendizagens, começamos por identificar as variáveis
ambientais das quais o comportamento em estudo é função. O primeiro conceito a ser
definido é o de contingência. Em seguida, o de regra, auto-regra, ordem, conselho e
instrução.

Contingência e regra

Contingência significa, na análise do comportamento, qualquer relação de


dependência entre eventos ambientais ou entre eventos comportamentais e ambientais
(Skinner, 1966/1980). Catania (1998/1999) considera contingência como um termo técnico
que enfatiza como a probabilidade de um evento pode ser afetada ou causada por outros
eventos.
Como sujeitos verbais, observamos que grande parte de nosso repertório
comportamental não é adquirido através de uma longa exposição às contingências de
reforço ou punição, mas sim, através de descrições verbais, apresentadas como regras,
que especificam essas contingências. Hübner (1999) afirma que a criação de regras é
parte de nossa condição de sujeitos falantes e, por isto, o poder das regras pode ser bem
grande e até sobrepor-se às contingências.
A aquisição do comportamento verbal tornou os homens capazes de dizer uns
aos outros o que fazer e o que dizer, sob determinadas condições, para que ocorram
certas alterações no ambiente em que vivem (Nico,1999).

Sobre Comport.imrnto c CoRnlçJo 37


Em conseqüência, surgiram as Regras, guias codificados verbalmente (instruções,
sugestões, conselhos, dicas e indicações) que ensinam formas de lidar com certas
situações e influenciam nossos comportamentos (Baldwin & Baldwin,1986). Como descrição
verbal de uma contingência, é importante que a regra especifique: a resposta que se quer
emitida, a conseqüência e o estímulo discriminativo em cuja presença a resposta produzirá
aquela conseqüência.
Na opinião de Baldwin e Baldwin (1986), o controle por regras se desenvolveu e as
pessoas tendem a impor regras, uns aos outros, porque: 1- elas fornecem uma forma
rápida de ajudar ou forçar alguém a emitir respostas que são reforçadoras para quem
apresenta a regra; 2- se formuladas de forma séria, podem ter efeito imediato onde outros
procedimentos falharam; 3~ elas facilitam e mantêm a aprendizagem, quando os reforçadores
estão longe, no futuro; quando são poucos e esparsos, ou ainda, quando os comportamentos
que seriam modelados pelas contingências em vigor são indesejáveis, de aprendizagem
mais difícil ou sofrem ameaça de punição severa. Uma grande verdade que ninguém coloca
em dúvida é que as regras resumem anos de experiência direta, que pode ser passada
para outros indivíduos com grande economia de tempo, custos e até mesmo sofrimento
inútil.
Embora o estudo sobre a importância das regras no controle do comportamento
humano tenha se iniciado na segunda metade do século XX, sabemos que regras existem
desde o início dos tempos. A Bíblia Sagrada, um dos livros mais antigos da Humanidade,
está repleta de regras ou descrições de contingências. Já no Paraíso, Deus criava a
primeira regra para Adão e Eva. O preceito dado a eles, por Deus, parece se adequar à
nossa definição de regra, pois incluía a especificação de uma perfeita contingência: indicava
o estímulo discriminativo (o fruto da ciência do bem e do mal), a resposta (comer, tocar),
e as conseqüências - muitíssimo aversivas, caso não obedecessem. (Gênesis,2;16-
17;Bíblia). Eles preferiram seguir outra, da serpente do Mal (Gênesis 3;4~5). As Escrituras
são pródigas em exemplos, alguns bem conhecidos, que envolvem o controle por regras,
que nem sempre são seguidas : os Dez Mandamentos, as Bem Aventuranças e os
Conselhos do Sermão da Montanha são alguns deles (Mateus 5,1-12 ; 21-48; 7,1-12).
Cerutti (1989), discutindo o acatamento de regras, lembra que a obediência não
ocorre sempre. Ela deve, primeiro, ser modelada pelo agente que controla e é imprescindível
uma história passada de seguir instruções. Nem sempre os agentes controladores indicam
claramente os reforçadores positivos pela obediência ou os punitivos pela não-obediência.
E a necessidade de tal indicação vai depender do controle exercido por quem controla.
Talvez isto explique porque não seguimos todas as regras às quais somos expostos
durante toda a vida, todos os dias. Para compreender o controle exercido por todas as
descrições verbais que influenciam nossos comportamentos, até os tempos atuais, é
necessário que saibamos identificar e especificar as contingências nas quais elas se
inserem.
Baldwin e Baldwin (1986) consideram que, para seguir uma regra, não é necessário,
invariavelmente, que todos os três elementos - estímulo, resposta, conseqüência - sejam
explicitados, pois a aprendizagem prévia capacita as pessoas a inferir os elementos
ausentes. Por exemplo, algumas regras descrevem apenas os SD’s relevantes e os
operantes, sem os reforçadores ("se seu cartão fícou preso no Caixa eletrônico, chame o
gerente")', outras descrevem o operante a ser emitido e o reforço subseqüente ("digite sua
senha para obter o dinheiro")’, há regras que indicam apenas o comportamento a ser

38 Sôm.i dos Santos Castanltrira


emitido ( a figura de uma enfermeira com o dedo nos lábios, na parede de um hospital,
pede para fazer silêncio no local) e outras, apontam apenas o SD (um cartaz com um
cigarro riscado ao meio, indicando ser proibido fumar no locaf).
Muitas das regras que guiam nossos comportamentos são aprendidas de outros
mas, para segui-las, são necessários como pré-requisitos: a linguagem (as regras não
têm qualquer significado para os bebês) e, também, bastante experiência anterior com o
uso de regras, que serão seguidas se houver uma história de coerência ou incoerência
entre as regras e as contingências.
Para Baum (1994/1999), formular e seguir regras talvez seja a função de
comportamento verbal mais ampla, antiga e fundamental, além de serem duas das atividades
mais importantes na vida e cultura humanas. Como as pessoas freqüentemente imitam
modelos e seguem regras, elas são, na sua maioria, formuladas, transmitidas e ensinadas
explicitamente.
Elas incluem, não só descrições de contingências, mas normas morais (não
roubarás!), instruções (diga sempre por favor e muito obrigado) e informações sobre o
ambiente (você pode precisar de uma bota neste inverno). Quanto mais relação têm com
o reforço a longo prazo, melhor; mais elas se propagam de indivíduo a indivíduo e de grupo
a grupo. As regras podem ser escritas ou faladas, variam de um lugar para outro e de uma
época para outra. Podem vir na forma de uma descrição verbal simples (o Tato, de Skinner
- “se se faz isto, então acontece aquilo") ou na forma de uma sugestão, pedido, instrução
ou demanda (o Mando.de Skinner-"agora devo fazer isto"). Neste último caso, a afirmação
geralmente implica alguma contingência comportamental adicional que sustenta a obediência
à regra; por exemplo, a aprovação social pela pessoa que fez a afirmação e que geralmente
se utiliza de estímulos especiais (na maioria, aversivos) para garantir o seu seguimento
(Malott,1988). Com as regras, a transmissão cultural de práticas sociais se dá de uma
forma particularmente rápida entre as pessoas e os seus descendentes.
As explicações tradicionais do seguimento de regras são mentalistas; fala-se de
regras como se fossem “internalizadas", como se estivessem arquivadas ou retidas em
algum espaço interno. Se há algum sentido em falar de regras como estando em algum
lugar, Baum (1999) afirma que os behavioristas as colocam no ambiente. Elas se apresentam
concretamente sob a forma de sons e sinais. Elas são estímulos (verbais) que têm
propriedades eliciadoras, estabelecedoras, reforçadoras ou discriminativas devido à sua
participação em relações arbitrárias com outros estímulos. Como resultado do
comportamento verbal, devem ser identificáveis como eventos ambientais independentes
do comportamento que elas controlam (Glem, conforme citado por Zettle, 1990).

Ordens e conselhos

As regras, às vezes, vêm em forma de ordens, conselhos, pedidos ou instruções


que também agem como estímulos discriminativos verbais e podem alterar o nosso repertório
de comportamentos. A ordem é uma regra que é fortalecida pelo reforçamento liberado
pela pessoa que a apresenta, ou seja, quando as conseqüências que mantêm a resposta
descrita na regra estão sob poder do mandante.

Sobre Comportamento c CojinlçAo 39


O conselho ó uma regra que ó reforçada pelas conseqüências naturais do
comportamento de segui-la, sem reforçamento social específico dado pela pessoa que o
estabeleceu. Baldwin e Baldwin (1986) acreditam que o conselho só é sustentado quando
ajuda a pessoa que o obedece a conseguir mais reforçadores. Como é barato e fácil de
dar, as pessoas ouvem mais conselhos do que são capazes de seguir e ficam com a difícil
tarefa de aprender a discriminar os bons dos maus conselhos. Só seguimos (ou pagamos)
bem os conselhos de especialistas, módicos, corretores, advogados e chefes, porque
eles podem indicar contingências (produzir SD's verbais) que nós não podemos
(Baum,1999).
A ordem não se confunde com o conselho porque o evento reforçador tem uma
relação extrlnseca (artificial, arbitrária) com a resposta (Guedes, 1997). Se a pessoa que
dá a ordem tem o poder de reforçar ou punir, ela provavelmente terá um efeito mais forte
sobre o comportamento dos outros que o conselho.

Instruções e auto-regras

O controle instrucional caracteriza o comportamento governado por regra, mas os


dois termos são distintos: regra sugere controle numa ampla variedade de circunstâncias
e instrução sugere restrições situacionais. Cerutti (1989) cita a imitação que pode, algumas
vezes, ser utilizada como uma forma de controle através da instrução ("observe como eu
faço isto"). Ordens são dadas, conselhos são oferecidos, leis são postas em vigor e assim
por diante. Catania (1998/1999) considera que cada um desses casos envolve o controle
instrucional.
Zettle (1990) define as auto-regras (ou autoverbalizações) como estímulos verbais
especificadores de contingências, que são produzidas pelo comportamento verbal do próprio
indivíduo a quem estas contingências se aplicam. Podem ser explícitas (abertas, públicas)
ou encobertas, ímplícítas (pensamentos).
Uma vez que o comportamento de formular auto-regras tenha sido adquirido, um
conjunto adicional de contingências pode ajudar a manter tal comportamento. Formulando-
as, o indivíduo pode reagir mais efetivamente no momento, ou mais tarde, quando o
comportamento modelado por contingências estiver enfraquecido.
Segundo Hayes e cols. (1989), há diferenças entre seguir regras feitas peíos
outros e seguir as próprias regras, porque as contingências sociais envolvidas em seguir
regras não podem operar da mesma forma quando uma pessoa ouve o seu próprio discurso.
Não ó raro o indivíduo formular para si próprio regras inadequadas, ambíguas, imprecisas,
irreais e impossíveis de seguir. Algumas vezes, as pessoas fazem autoverbalizações
descritivas de contingências identificadas na sua vida e formulam "auto-regras" que passam
a controlar seus comportamentos, muitas vezes de forma mais efetiva que as próprias
contingências. Nesse sentido, Hünziker (1997) considera que as autoverbalizações podem
influenciar nos estados de depressão e identifica o "desamparo aprendido" como um dos
exemplos de comportamento governado por auto-regra. Banaco (1997) aponta exemplos
de auto-regras que descrevem falsas contingências em um caso clínico de patologia
comportamental.

40 Sônia do* Suntos C\ist.inhcir.i


Em algumas circunstâncias (o autocontrole de algum vício), é importante o sujeito
verbalizar suas auto-regras publicamente porque, além de assumir um compromisso social,
o reforçamento arbitrário, mediado pela comunidade sócio-verbal, ó mais poderoso que as
contingências que mantêm o comportamento de segui-las. Ainda quando uma
autoverbalização, encoberta, controla um comportamento aberto, subseqüente, Costa
(2000) defende que a relação entre estes dois comportamentos funciona como nas regras,
ou seja, depende das situações às quais o indivíduo ó ou foi exposto, existindo sempre
um evento ambiental responsável pela auto-regra.

Comportamento governado por regra e comportamento modelado por


contingência (experiência direta)

Existe um histórico sobre o controle das regras no comportamento humano. Na


década de 40, Skinner escreve, pela primeira vez, sobre eventos privados e, em uma
conferência de 1947, chama o comportamento governado por regras de condicionamento
do ouvinte (Costa,2000). Em 1957, quando da publicação de seu livro Verbal Behavior,
Skinner introduz o termo comportamento verbal e, em 1965, passa a se referir ao
condicionamento do ouvinte como comportamento governado por regras.
Vinte anos mais tarde, o comportamento governado por regras ganha status,
quando Skinner (1966/1980) analisa o comportamento humano complexo e define a “
resolução de problema “ como um comportamento que também está relacionado
funcionalmente a um conjunto de contingências de reforçamento. Foi nesta época que,
num artigo teórico (Uma Análise Operante da Solução de Problemas), fez a distinção
entre comportamento governado por regras e comportamento modelado pelas contingências.
Dal emergiu uma nova classe de comportamento: via instruções ou regras, uma
pessoa pode comportar-se adequadamente diante de um novo conjunto de condições
sem ter sido exposta a elas anteriormente. Vaughn (1995) observa, então, que aquele
longo processo de modelagem por contingências, através de reforçamento diferencial, que
só é possível por causa de uma longa e complicada história de condicionamento, pode
ser, agora, desprezado.
Na realidade, os estudos e as pesquisas que envolvem o controle das regras
sobre o comportamento operante constituem, na opinião de Costa (2000), mais do que
tudo, uma preocupação bem contemporânea dos behavioristas. Mesmo concordando com
Skinner (1966/1980) de que o comportamento governado por regras constitui grande parte
de nosso repertório, reagiram às críticas dos cognitivistas aos modelos comportamentais
(considerados simplistas, limitados e incompletos). E como também estavam interessados
em analisar o comportamento verbal de seus clientes, os analistas do comportamento se
voltaram para o estudo do comportamento encoberto e do comportamento controlado por
regras como uma forma de aprendizagem mais econômica.
Como conseqüência, a década de 80 foi prodigiosa em trabalhos sobre o assunto
e estes tornaram mais claro que o comportamento, puramente modelado por contingências,
é raramente encontrado em humanos verbais.
Esta movimentação suscitou questionamentos: como as regras funcionam para
facilitar o comportamento? Por que são seguidas com tanta presteza? Será que o controle

Sobre Com portjmenlo c C'o#mí«Jo 41


do comportamento por regras resulta apenas em vantagens? Basta formular regras para
que elas controlem nossos comportamentos? E as vantagens da experiência direta? Por
que os terapeutas comportamentais estão tão empenhados em ensinar seus clientes,
como sugere Delitti (1997), a “quebrar regras e dar mais chance às contingências", ou
como propõe Banaco (1997), “duvide de toda regra que você seguir ou que alguém descrever
para você; teste-a pela exposição à contingência"? O comportamento modelado por
contingências seria mais natural, rico, variável, diferente e criativo?
Extensas discussões e estudos são desenvolvidos sobre estas questões e sobre
a distinção entre estes dois tipos de comportamento. As diferenças mais significativas
entre as duas formas de aprendizagem são vistas assim por Skinner (1966/1980) e por
Baldwin e Baldwin (1986):

Comportamento modelado por Com portam ento governado por


contingências regras
(aprendizagem por experiência direta) (a pren dizage m p o r re gras)

1. A aprendizagem é mais lenta. 1. Se usadas corretamente, as regras


produzem uma aprendizagem mais
rápida.
2. O indivíduo passa por reforçam en to 2. As regras evitam erros e conseqüências
diferencial e pode errar. aversivas.
3. O comportamento é mais variável, 3. O comportamento é emitido de forma
flexível, natural, coordenado e sutil. mais mecânica, estereotipada e rígida.
4. As conseqüências reforçadoras são 4. Os reforçadores são sociais: elogios e
lucro e prejuízo. reprimendas.
5. Há bom senso. 5. Falta bom senso.
6. O indivíduo conhece toda a história de 6. O indivíduo conhece as regras mas não
como aprendeu e tem um " sentimento" tem a "sensibilidade" para quebrá-las ou
das complexidades envolvidas, muitas não, na hora certa. As regras fazem
vezes sem consciência verbal das com que a pessoa sinta que está
causas de seu comportamento. verbalmente consciente das razões de
seu comportamento.
7. O com portam ento m odelado por 7. O comportamento controlado por regra
contingências coincide com o quase sempre compreende o "saber
conhecimento operacional e exprime o “ sobre “.
saber como
8. É mais fácil verbalizar sobre o
8. É mais difícil falar sobre como executar
comportamento. É instruído, comentado,
o comportamento; apenas se demonstra
dirigido e deliberado.
o ato.
9. O indivíduo tem um conhecimento
9. O indivíduo tem um conh e cim e n to explícito a respeito do comportamento
intuitivo, privado e tácito sobre o que
e pode torná-lo público, compartilhado.

42 Sônia dos Santos Caftanlicira


aprendeu, que é difícil de ser transmitido. É fácil transmiti-lo porque foi codificado
É baseado na experiência direta e verbalmente desde o início. Sobrevive a
quando a pessoa morre, morre também seu criador. Ainda que o conhecimento
todo o conhecimento original e pessoal público seja de segunda mão e, às
que amealhou durante toda sua vezes, grosseiro, as regras acumuladas
existência. culturalmente ajudam as pessoas a
aprender mais do que poderiam, se
usassem apenas a experiência pessoal
direta.
10. Skinner diz que esta aprendizagem é 10.Para Skinner, essa aprendizagem é
natural, afetiva e ligada ao princípio do chamada de racional, intelectual, lógica,
prazer. artificia l e ligada ao p rin cípio da
realidade.

Ambos os tipos de comportamentos sâo plausíveis, são naturais, são eficazes.


Ambos demonstram “conhecimento das contingências”, e podem ter topografias similares.
O comportamento modelado pelas suas conseqüências não é mais misterioso do que o
governado por regras. Skinner (1966/1980) diz que, como foram adquiridos por métodos
de aprendizagem diferentes, estão sob tipos distintos de controle de estímulos e são,
portanto, operantes distintos. E, por isto, os indivíduos passam a responder ao ambiente
de forma diferente.
De acordo com o mesmo autor, as pessoas que aprendem com regras têm
conhecimentos diferentes das pessoas que experimentam as contingências. Por exemplo:
“um sujeito que joga bilhar calculando os ângulos (regra), sente a correção de seus
cálculos, mas não a tacada em si. Um outro, que joga instintivamente (contingências),
sente a correção de sua força e a direção na qual a bola é tacada.” Cerutti (1989) exemplifica,
também, dizendo que fazer sexo após ler um manual é diferente de experimentá-lo após
uma interação individual socialmente experenciada; dirigir um carro ou tocar um instrumento
após ler um livro sobre direção ou estudar uma partitura é bastante diferente de fazê-lo
após meses de experiência direta. O comportamento controlado por regras não pode
captar, completamente, o refinamento do comportamento controlado diretamente pela
experiência. Apesar disso, por que seu uso é tão disseminado e seguimos regras o
tempo todo?
Para Guedes (1997) e Malott (1998), há uma importante função das regras no
controle dos comportamentos humanos, apontada por Skinner, que não pode ser
desprezada: cobrir uma "falha" do condicionamento operante (a contigüidade temporal
resposta-estímulo reforçador). Para eles, é como se nós precisássemos da liberação
imediata de algum reforço ou punição para controlar nossos comportamentos. Então,
quando essa contingência natural não provê essa liberação imediata, precisamos das
regras, sejam elas materiais, sociais ou sobrenaturais. É como se estivéssemos
programados para, o tempo todo, fugir/esquivar de punidores imediatos e buscar
reforçadores positivos imediatos.
Estamos conscientes de que vários de nossos comportamentos controlados por
regras são reforçadores para os outros e não produzem nenhum reforço perceptível imediato

Sobre Comportamento c Co#niç«lo 43


para nós. Muitas vezes, as conseqüências das quais fomos ou somos protegidos por
seguir regras já se tomaram duvidosas. E mais, se em algum momento, as conseqüências
naturais para o seguimento de regras nào aparecerem, estas respostas deixarão de ser
emitidas logo que as conseqüências arbitrárias forem retiradas (Skinner, 1966/1984).
Ainda assim, parece que aprender por regras foi, para o homem, a contingência
salvadora de sua espécie e criadora de sua cultura. Ainda quando sofremos a arbitrariedade
das conseqüências sociais na aquisição de nossos comportamentos, e mesmo quando
muitos deles só se mantêm por conta destas contingências aversivas, com todos os
efeitos colaterais deste tipo de controle, ainda assim Guedes (1997) ressalta que o controle
por regras garante a emissão de comportamentos que não ocorreriam se não houvesse a
imposição de alguém e aponta as principais vantagens para se explicar a inclusão deste
comportamento em nosso repertório: sem regras, seriamos muito lerdos e devagar na
vida; não estarlamos usufruindo dos conhecimentos e das contingências vividas pelos
outros; não teríamos conhecimento acumulado e tudo seria sempre redescoberto por
cada um; não teríamos cultura.
Será que existe um exemplo puro de comportamento governado por regras ou por
contingências? Parece que não. É difícil pensar em exemplos puros de comportamento
modelado por contingências e poucos padrões de comportamento são tão simples que
possam ser descritos completamente por um conjunto de regras. Mas alguns estudos
têm concluído que há, de fato, no nosso repertório, uma interação destas duas formas de
aprendizagem. Muitos de nossos comportamentos começam com regra e instrução e
então passam a ser modelados pelas conseqüências, quando se aproximam de sua forma
final. A primeira aproximação grosseira é controlada por regras, mas o produto final é
sempre modelado por contingências. Mesmo com um excelente conjunto de regras (e
modelos e prompts), a maioria de nossos comportamentos só adquire eficiência após um
longo período de prática quando ocorre essa experiência direta com as conseqüências
(Baldwin e Baldwin,1986). Há situações onde o contato com a contingência suplanta, em
muito, o contato com as regras e há outras onde a contingência é mais difusa, menos
intensa, e o poder das regras em controlar o comportamento ó bem maior (Hübner, 1999).

Algumas considerações

Apesar de todas estas proposições, não reconhecemos nenhum dilema para ser
solucionado, já que todas as duas formas de ensinar, ensinam. Aprender com regras
parece ser a mais escolhida, por ser mais fácil do que ousar experimentar as contingências.
Se tentamos ensinar aos outros sempre por meio de regras, podemos reduzir a
probabilidade de que venham a aprender fazendo. Muitas regras impedem o indivíduo de
entrar em contato com a experiência direta e as instruções não podem substituir, nunca,
as sutilezas de um contato direto com as contingências. São formas complementares de
aprendizagem que propomos devam ser experenciadas juntas, sem o privilégio de uma
sobre a outra.
Se iniciamos experimentando as conseqüências, isto é, nos expondo
às contingências do ambiente, o passo seguinte é completar a aprendizagem com as
regras.

44 Sònld do* Santo* Ca*tanheira


Se começamos com regras, ó importante a experiência direta após seu uso para
preencher as lacunas, corrigir erros e diminuir as inadequações. Os desempenhos
desajeitados e mecânicos do início se suavizam sob a influência das conseqüências.
O segredo ó nunca recear experimentar algo de novo, pois a vida nâo é só um
processo de repetições, seguindo regras mas, também, de criação, experimentando as
contingências. As regras trazem em si a magia da realização, mas as contingências têm
o poder da transformação. E se prestarmos atenção, existiram sempre e estão em todo
lugar.

Referências

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