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INTRODUÇÃO

AOS ESTUDOS
DA LITERATURA

Renan Cardozo Gomes


da Silva
O Barroco brasileiro
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Analisar um breve panorama do Brasil na época do Barroco.


 Diferenciar as noções de Antonio Cândido e de Haroldo de Campos
sobre o Barroco brasileiro.
 Ler de forma crítica as obras desse período.

Introdução
O Barroco corresponde ao movimento estético e ao período histórico que
vigorou na Europa entre o final do século XVI e meados do século XVIII.
Boa parte dos estudiosos da história, das artes e da literatura consideram
o Barroco como uma continuação do Renascimento, devido ao interesse
pela arte da antiguidade clássica. Todavia, ele não está fortemente atento
à transição cultural do feudalismo para a modernidade, mas sim ao Ab-
solutismo e à Contrarreforma católica.
Entre as inovações estéticas e temáticas trazidas pelo Barroco, podem
ser enumeradas as antinomias bem/mal, Deus/homem, céu/terra; a luta
entre o sagrado e o profano; o hedonismo; a valorização do presente; o
uso de metáforas, o gosto pelos pormenores e os malabarismos verbais.
No Brasil, o Barroco se integra ao período colonial brasileiro, que congrega
as primeiras manifestações literárias da colônia — basicamente, relatos
de viagem de cunho informativo e cartas e sermões dos missionários
catequistas jesuítas.
Neste capítulo, você vai ter acesso a conhecimentos que lhe permitirão
traçar um breve panorama do Brasil na época do Barroco. Além disso,
poderá contrastar a visão de críticos literários sobre o referido movimento,
especificamente por Antonio Cândido e Haroldo de Campos. Ao final,
você terá a possibilidade de desenvolver uma leitura crítica de obras
desse período: o épico Prosopopeia, de Bento Teixeira, o poema A Cristo
N. S. crucificado, de Gregório de Matos, e o Sermão da Sexagésima, de
António Vieira.
2 O Barroco brasileiro

Breve panorama do Barroco no Brasil


O Barroco teve o seu início no final do século XVI na Itália, e logo foi di-
fundido entre os reinos católicos da Europa e das Américas, alcançando por
fim, de maneira modesta e modificada, alguns reinos protestantes e o Oriente.
Derivado do Renascimento, o Barroco mantém a admiração pelas artes e
pela filosofia clássica, embora política e economicamente não tenha como
cerne a consolidação da modernidade, mas sim a necessidade de fortificar
as monarquias absolutistas. Alicerçado sobre o catolicismo, buscava também
combater a ética protestante que se alastrava pela Europa após a Reforma
proposta por Lutero na Alemanha.
Conforme Deleuze (1991), o Barroco é uma tentativa de reconstruir a razão
clássica e, sob diferentes olhares, diz respeito não somente a um movimento
estético, mas também a um período cultural e histórico. A vontade de recons-
truir o ideário greco-romano pautava-se pelo desejo de constituir, a partir dele,
novas maneiras de entender o homem, o mundo e Deus. Esses conhecimentos
seriam aplicados com propósitos táticos específicos, como o manejo efetivo
das massas e a sua doutrinação pela fé. A partir dessa perspectiva, as origens
do Barroco respondem a três vias principais: a histórica, a religiosa-política
e a econômica.
Historicamente, embora mantivesse o estatuto de centro cultural do Oci-
dente, a Itália estava enfraquecida pelos constantes ataques e pelas invasões
de inimigos como os germânicos, liderados por Carlos V. Isso culminou, em
1527, no Saque de Roma. Abalada internamente, a Itália perdeu força, e com
isso começou a desaparecer a esperança colocada sobre os tempos áureos do
Renascimento. Da mesma forma, o otimismo humanista entrou em colapso
frente às guerras constantes, à pavonice da igreja e à dominação do povo por
uma política cruel e hipócrita. Essas fragilidades deram forma ao Maneirismo,
uma corrente estética marcada pela excentricidade e pelo elogio ao bizarro,
cujos questionamentos e desassossegos eram embalados pelo estilo sofisticado
e experimental. No âmbito religioso, as crises estavam igualmente presentes,
embora as suas motivações fossem externas: a Reforma Protestante, cujo marco
é a publicação das 95 teses de Martinho Lutero, em 1517, colocava em risco
a unidade da Igreja e criticava vorazmente a idolatria católica, a opulência e
a corrupção do clero.
Diante da ameaça protestante, a Igreja convocou o Concílio de Trento,
realizado entre 1545 e 1563, voltado à orquestração da Contrarreforma, uma
série de medidas voltadas ao combate à ideologia luterana e à inibição da perda
de fiéis — e, consequentemente, de influência política. Algumas das medidas
O Barroco brasileiro 3

tomadas foram a revisão da doutrina católica, que se voltou à busca de uma


nova concepção de Deus e a como o homem se relaciona com ele, à tentativa
de moralização da classe clerical e ao uso da arte sacra e da literatura como
instrumentos de catequismo.
As medidas da Contrarreforma afetaram diretamente a economia dos
reinos católicos, uma vez que as guerras e o traçado de rotas alternativas de
comércio demandavam uma reorganização. Por outro lado, devido à expansão
marítima dos reinos do Oeste europeu, a Itália deixou de ser o centro comercial
do continente, financiado pelas riquezas subtraídas das colônias.
Esses fatores, capitaneados pela Contrarreforma, modificaram substan-
cialmente o cenário sociocultural e econômico, dando origem ao Barroco.
Baseado pela ética teológica promulgada pelo Concílio de Trento, o Barroco
visava refrear a excentricidade maneirista, ao passo que buscava a reafirma-
ção da doutrina católica e a homogeneização de um estilo mais facilmente
compreensível pelo povo. Para isso, criou-se a figura do censor: geralmente
membros do clero, cuja função era manter a moralidade nas artes e na literatura.
Nesse contexto, constituem-se três elementos fundamentais para a estética
barroca: a ordem dos jesuítas, cujo papel intelectual e político moldou os
estilos do Barroco; as monarquias absolutistas, que financiavam a arte para
que esta representasse os seus valores; e a burguesia, classe que se consolidava
enquanto influência política e econômica, passando a letrar-se e a consumir
objetos artísticos e livros. Entre os grandes expoentes do Barroco na Europa,
podemos citar os pintores Caravaggio, Bernini e Velázquez, os compositores
e músicos Vivaldi e Monteverdi, os arquitetos Borromini e Cortona, e os
escritores Góngora, Marino, Gregório de Matos, La Fontaine e Dryden.

Cabe lembrar que, para fins puramente didáticos, o Barroco em Portugal teve início
em 1580, quando Portugal perdeu a sua autonomia política após a morte de Dom
Sebastião, passando a ser uma dinastia do Império Espanhol. No mesmo ano, morreu
Camões, o grande poeta Renascentista. O Barroco português passou a ter forte apelo
sebastianista, com a crença mística de que Dom Sebastião, “desaparecido” durante
a batalha de Alcácer-Quibir, regressaria como messias para elevar o povo português
novamente à sua honra e glória. O movimento teve o seu fim apontado em 1756,
com a fundação da Arcádia Lusitana, reputada academia literária portuguesa que deu
origem à tradição subsequente ao Barroco: o Arcadismo.
4 O Barroco brasileiro

No Brasil, o Barroco iniciou por volta de 1600, final do Quinhentismo e


início do Seiscentismo. Esses períodos históricos e culturais dizem respeito às
manifestações artísticas e literárias produzidas no século XVI e XVII, isto é,
às primeiras manifestações culturais em território colonial. Como movimento
estético dominante durante boa parte do período colonial brasileiro, os seus
principais artistas são o pintor Eusébio de Matos e Guerra, o arquiteto Frei
Jesuíno do Monte Carmelo, o escultor Aleijadinho (Antônio Francisco Lisboa),
o compositor, dramaturgo e músico Antônio José da Silva (o Judeu) e o poeta
Gregório de Matos.
Diferentemente da forma como o Barroco se desenvolveu na Europa, em
terras brasileiras não havia a figura de uma monarquia própria e tampouco
de uma burguesia consolidada que pudesse financiar as artes. Assim, o papel
da Igreja foi fundamental para o desenvolvimento do movimento, e a figura
dos jesuítas ocupa o lugar central na expansão da estética barroca. Presentes
no Brasil desde 1549 e liderados por Manuel da Nóbrega, os jesuítas foram
responsáveis pelo processo de conquista do Sul com os Sete Povos da Missões,
que fundaram a sua primeira redução em 1682, na cidade de São Borja. Em
função disso, a maior parte do legado do Barroco brasileiro consiste em arte
sacra e literatura de cunho catequista/religioso, contexto em que o padre An-
tônio Vieira soma maior vulto. Este é precedido, no âmbito do Quinhentismo,
pelas contribuições da literatura de informação (ou de viagem) de Manuel
da Nóbrega e de Pero Vaz de Caminha. Nelas são representadas as visões
de um expedicionário e de um catequista — ambos colonizadores — sobre
o Brasil e sobre os seus povos originários, constituindo as primeiras marcas
da identidade nacional.
Assim, o Barroco irrompeu junto aos imaginários de conquista do Brasil
o deslumbramento pela paisagem e pela gentilidade do povo das capitanias,
tomando forma enquanto estética que tinha como essência as antinomias e o
maravilhamento. Essa visão é fundadora dos imaginários que se construíram
sobre a nação brasileira, gerada pelo Barroco. Podemos ler esse imaginário,
por exemplo, na Carta de Pero Vaz de Caminha a Dom Manuel, em que relata
a sua expedição ao Brasil e narra, por exemplo, a celebração da primeira missa
na praia da Coroa Vermelha, no Sul da Bahia:

Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir ouvir missa


e sermão naquele ilhéu. E mandou a todos os capitães que se arranjassem
nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou armar um pavilhão
naquele ilhéu, e dentro levantar um altar mui bem arranjado. E ali com
todos nós outros fez dizer missa, a qual disse o padre frei Henrique, em
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voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e
sacerdotes que todos assistiram, a qual missa, segundo meu parecer, foi
ouvida por todos com muito prazer e devoção.
Ali estava com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saíra de Belém,
a qual esteve sempre bem alta, da parte do Evangelho.
Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós
todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação,
da história evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do achamento
desta terra, referindo-se à Cruz, sob cuja obediência viemos, que veio
muito a propósito, e fez muita devoção. (CAMINHA, [2018?], p. 6).

Essa cena foi retratada pictoricamente por Victor Meirelles em A primeira


Missa no Brasil, datada na segunda metade do século XIX.

Concepções de Barroco segundo a crítica


literária: as visões de Antonio Cândido e
Haroldo de Campos
Traçadas algumas considerações sobre a relevância histórica do Barroco na
Europa e no Brasil e as suas inovações estéticas, faz-se interessante discutir
os modos como este é compreendido pela crítica literária. Como colocado
anteriormente, o Barroco, enquanto período histórico inicia na transição do
Quinhentismo para o Seiscentismo brasileiro, momento em que se consolidava
a visão dos expedicionários e dos catequistas sobre a colônia. Entretanto, no
seio da historiografia literária, a questão de situar o Barroco enquanto origem
do sistema literário nacional não é unívoca e, inclusive, é alvo de grande
disparidade. Como exemplo disso, podemos citar os argumentos de Cândido
(1997) e de Campos (1989) sobre Matos (2010) e o Barroco.
Antonio Cândido (1997), nos dois tomos da Formação da Literatura Bra-
sileira: Momentos Decisivos, mais especificamente nos apontamentos sobre
a literatura enquanto sistema, na introdução da obra, distingue duas noções:
a de manifestações literárias e de sistemas literários. Conforme o autor, as
manifestações literárias dizem respeito a obras que, embora possuam valor
indiscutível, não constituem parte da tradição literária de uma nação. Já os
sistemas literários, pautados na perspectiva de que a literatura é um sistema
formado pela articulação entre autor, obra e público leitor, tem continuidade
histórica e conforma uma tradição. Visando ilustrar a diferença, Cândido (1997)
menciona o Barroco — e especialmente Matos (2010) — quando defende que
6 O Barroco brasileiro

o movimento não representa um sistema no Brasil, uma vez que, no período


inicial da literatura nacional, havia muitas dificuldades de formar grupos de
produtores de literatura e um discurso próprio, além do fato de não existir um
público leitor consolidado.
Essa constatação leva Cândido (1997) a conjecturar que a existência de
Gregório de Matos está condicionada à sua recuperação pelos escritores român-
ticos, ficando em um hiato de esquecimento, sem influenciar qualquer outro
escritor, isto é, sem contribuir para o sistema literário. Assim, o crítico situa as
origens do sistema literário nacional sobre as contribuições do Arcadismo e do
Romantismo. Nesse sentido, concorda com críticos estrangeiros que delegam
à temática indianista da geração árcade a constituição da verdadeira literatura
brasileira como expressão da realidade local e elemento positivo na construção
nacional. Logo, dado que o Barroco é deliberadamente um sistema estético
lusitano, a literatura brasileira teve o seu legítimo início com o Oitocentismo.
Campos (1989) se debruça longamente sobre a argumentação de Cândido
(1997) em seu livro O Seqüestro do Barroco na Formação da Literatura
Brasileira: o caso Gregório de Matos. Segundo Campos (1989), o conceito
de formação de um sistema literário defendido por Cândido (1997) não passa
de um construto teórico que se pauta unicamente em uma lógica de exclusão
e inclusão de textos. Na visão do autor, a entrada ou não de obras no sistema
literário está condicionada a um paradigma pré-construído de instituição de
uma identidade nacional; logo, é arbitrária. Ainda, Campos (1989) defende que
esse paradigma se sustenta sobre uma visão linear, evolucionista e metafísica
de história, a qual o autor sugere destituir em razão da construção de uma
tradição que lhe seja anterior. Para isso, é indispensável retornar ao Barroco e
considerá-lo enquanto uma das constantes da sensibilidade brasileira.

Para saber mais sobre a forma como Antonio Cândido vê as relações entre cultura, produção
e representação simbólica da sociedade, assista à palestra Brasil Século XXI, cedida em 1988
e disponibilizada pela Secretaria de Comunicação da TV Unicamp, acessando o link abaixo.:

https://goo.gl/oXsbqS

Lembremos que o texto de Cândido em questão foi escrito em 1957, ao passo


que o livro de Campos foi lançado em 1989 — três décadas após o primeiro.
O Barroco brasileiro 7

Embora seja uma contenda famosa na história da crítica literária brasileira, não
há um “vencedor” da discussão: tanto a visão de Cândido (1997) quanto a de
Campos (1989) são entendidas como pontos de vista teóricos distintos sobre o
mesmo movimento estético.

O Barroco em análise: um percurso pelas obras


de Bento Teixeira, Gregório de Matos e António
Vieira
Você verá agora uma leitura crítica de três obras do período: o épico Pro-
sopopeia, de Bento Teixeira, Buscando a Cristo, de Gregório de Matos e o
Sermão da Sexagésima, de António Vieira. Busca-se relacionar os seus estilos
com a tradição Barroca.

Prosopopeia, de Bento Teixeira


O escritor luso-brasileiro Bento Teixeira, nascido na cidade do Porto, em
1561, e provavelmente falecido em Lisboa ou em Pernambuco, em 1600, teve
como única obra o poema épico Prosopopeia, publicado em 1601. De origem
cripto-judaica (judeus convertidos ao cristianismo) chegada no Brasil em 1567
(aproximadamente), Teixeira estudou e trabalhou no Brasil, tendo estudado
no Colégio da Bahia e cursado seminário na mesma capitania. Ao desvelar
que era judeu, precisou fugir para Pernambuco, onde passou a exercer o papel
de professor de aritmética. Na cidade de Ilhéus, desposou a senhorita Filipa
Raposa, a quem assassinou sob alegação de adultério. Devido ao homicídio
cometido, foi obrigado a fugir novamente, escondendo-se no Mosteiro de São
Bento, em Olinda, quando escreveu a sua obra. Outras versões da história
dizem que ele foi acusado de ser judeu pela própria esposa, sendo julgado e
inocentado pela inquisição. A denúncia da esposa teria motivado o crime. Ao
ser descoberto no Mosteiro de São Bento, foi levado preso para Lisboa, onde
teria morrido em 1600.
Como podemos depreender da biografia do autor, são incertos os dados
sobre a sua vida. Ao longo do tempo, foram-lhe atribuídas as obras Relações
do naufrágio e Diálogos das grandezas do Brasil, que mais tarde foram
reconhecidas como escritas por Afonso Luís e Ambrósio Fernandes Brandão,
respectivamente. Assim, a sua única obra confirmada é Prosopopeia. O épico
segue a estrutura camoniana empregada em Os Lusíadas, tanto no que se
refere à organização estrutural da narrativa quanto à métrica empregada.
8 O Barroco brasileiro

Assim, o texto é construído em rimas oitavas de versos decassílabos, em sua


maioria distribuídas entre proposição, invocação, dedicatória e narração. As
seis primeiras rimas são cruzadas (A..B..A..B..A..B), e as duas últimas são
emparelhadas (C..C).
Diferentemente de Camões, que pede inspiração às Tágides e dedica a
sua obra ao rei, Teixeira pede inspiração ao Deus cristão e dedica a obra a
Jorge d'Albuquerque, que também é ficcionalizado como herói da epopeia.
Composta por 94 estrofes, a narrativa canta os feitos dos irmãos d’Albuquerque
nas terras da Nova Lusitânia (Brasil) durante a batalha de Alcácer-Quibir, em
que estes teriam se destacado. Também é contado o naufrágio dos irmãos a
bordo da Nau Santo Antônio.
No que se refere ao nível estético, a obra de Teixeira é desprestigiada, uma
vez que, segundo críticos, não possui originalidade e tampouco demonstra
grande habilidade poética. Entretanto, é relevante enquanto obra que marca o
início do Barroco no Brasil. Para a crítica, é reiterado o interesse pela estrofe
LX, tida como um prenúncio da temática indianista, base dos movimentos
estéticos vindouros: o Arcadismo e o Romantismo. Leia a estrofe a seguir e
veja a sua análise estrutural, em que são apresentadas algumas falhas na me-
trificação (na estrofe, há apenas três versos decassílabos) e há preponderância
de rimas pobres entre substantivos.

LX
o-lhaio-gran-de-go-zoe-do-ce-gló-(ria) (9 sílabas) A
que-te-reis-quan-do-pos-tos-em-des-can-(so) (10 sílabas) B
con-tar-dees-ta-lar-gae-tris-te-his-tó-(ria) (10 sílabas) A
jun-to-do-pá-trio-lar-se-gu-roe-man-(so) (10 sílabas) B
que-vai-da-ba-ta-lhaa-ter-vic-tó-(ria) (9 sílabas) A
o-que-do-mar-in-cha-doaum-re-man-(so) (9 sílabas) B
is-soen-tãoha-ve-rá-de-vos-soes-ta-(do) (9 sílabas) C
a-os-ma-les-que-ti-ver-des-já-pas-sa-(do) (11 sílabas) C

Buscando a Cristo, de Gregório de Matos


Gregório de Matos Guerra, também conhecido como Boca do Inferno (ou
Boca de Brasa, em sua juventude), foi um poeta e advogado luso-brasileiro
tido como um dos maiores expoentes da poesia barroca e satírica no Brasil
e em Portugal. Descendente de família lusitana burguesa, Gregório estudou
no Colégio dos Jesuítas, na Bahia, em 1642, e continuou os seus estudos em
Lisboa, formando-se em “cânones” na Universidade de Coimbra, em 1652. Ao
O Barroco brasileiro 9

terminar os seus estudos, foi nomeado Juiz de Alcácer do Sal (no Alentejo) e
acabou por regressar à Bahia em 1679 como desembargador, sendo nomeado,
em 1692, tesoureiro-mor da Sé por Dom Pedro II. Foi destituído de ambos os
cargos por não usar batina e por não aceitar ordens de seus superiores pelo
arcebispo Frei João da Madre de Deus. Em função disso, dedicou-se à escrita
de poemas satíricos, em que criticava os costumes da época.
Devido à sua má fama e aos inimigos que arranjou (entre eles o próprio
governador), Gregório de Matos foi deportado para Angola. Todavia, em função
dos seus préstimos a D. João de Lencastre, governador da Bahia, após auxiliar
no combate a uma conspirata militar, Gregório foi autorizado a retornar ao
Brasil, sem, no entanto, voltar à Bahia.
O poeta acabou por morrer em Recife, em 1696, devido a uma febre ad-
quirida em Angola. Gregório é conhecido como um poeta maldito, dadas as
críticas que fazia à Igreja e aos poemas pornográficos que escreveu, o que lhe
garantiu o apelido de Boca do Inferno. Entretanto, os seus biógrafos apontam
para a expressão de culpa e de arrependimento em seus últimos sonetos, escritos
no leito de morte, em especial no A Cristo N. S. crucificado. Leia o poema:

A Cristo N. S. crucificado

Meu Deus, que estais pendente de um madeiro,


Em cuja lei protesto de viver,
Em cuja santa lei hei de morrer,
Animoso, constante, firme e inteiro:

Neste lance, por ser o derradeiro,


Pois vejo a minha vida anoitecer;
É, meu Jesus, a hora de se ver
A brandura de um Pai, manso Cordeiro.

Mui grande é o vosso amor e o meu delito;


Porém pode ter fim todo o pecar,
E não o vosso amor que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar,


Que, por mais que pequei, neste conflito
Espero em vosso amor de me salvar.
(MATOS, 2010, p. 314).
10 O Barroco brasileiro

O soneto guarda vários traços estéticos do Barroco. Primeiramente, tem-se


a dimensão religiosa, que sustenta a visão da dependência do homem frente a
Deus e a crença no perdão divino. Ainda, tem-se a presença de anomias como
vida/morte, pecado/perdão, humano/divino e finito/infinito, assim como o jogo
retórico criado pelo sujeito lírico (um malabarismo verbal): o amor do cristo
é infinito, o seu pecado, por maior que seja, é finito e menor que o amor do
Pai; logo, dada a finitude dos seus pecados e a infinitude do amor de Deus, o
eu-lírico acredita em sua salvação.

Sermão da Sexagésima, de António Vieira


António Vieira (ou Antônio Vieira, na grafia portuguesa ou brasileira) é o maior
expoente da oratória barroca brasileira e portuguesa. Nascido em Lisboa, no
ano de 1608, e falecido em Salvador, em 1697, Vieira foi um religioso, filósofo,
orador, escritor e gramático jesuíta. A sua obra é marcada pela catequização dos
indígenas brasileiros e pelas suas atitudes de proteção aos povos originários, ao
combater a sua escravização e extermínio. De igual modo, defendeu os judeus
e a extinção da diferenciação entre os cristãos velhos (católicos tradicionais) e
novos cristãos (aqueles convertidos à fé católica). Defendeu ainda a abolição
da escravatura dos povos negros e foi crítico severo da Inquisição, do clero
corrupto e da sociedade burguesa do Brasil.
Na literatura colonial, os sermões de António Vieira conformam as prin-
cipais contribuições luso-brasileiras ao Barroco. Entre seus textos, são mais
comentados o Sermão da Sexagésima, o Sermão de Santo Antônio aos peixes
e o Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal Contra as de Holanda.
Respectivamente, os sermões possuem como temática a arte retórica da pre-
gação, a crítica à escravização dos indígenas e à burguesia maranhense e, por
fim, a invasão holandesa no nordeste brasileiro em 1640, em que Vieira toma
partido a favor de Portugal e contra os holandeses protestantes.
Dedique um tempo à leitura do seguinte excerto do Sermão da Sexagésima:

Ecce exiit qui seminat, seminare. Diz Cristo que «saiu o pregador evan-
gélico a semear» a palavra divina. Bem parece este texto dos livros de
Deus. Não só faz menção do semear, mas também faz caso do sair: Exiit,
porque no dia da messe hão-nos de medir a semeadura e hão-nos de
contar os passos. O Mundo, aos que lavrais com ele, nem vos satisfaz o
que dispendeis, nem vos paga o que andais. Deus não é assim. Para quem
lavra com Deus até o sair é semear, porque também das passadas colhe
fruto. Entre os semeadores do Evangelho há uns que saem a semear, há
O Barroco brasileiro 11

outros que semeiam sem sair. Os que saem a semear são os que vão
pregar à Índia, à China, ao Japão; os que semeiam sem sair, são os que
se contentam com pregar na Pátria. Todos terão sua razão, mas tudo
tem sua conta. Aos que têm a seara em casa, pagar-lhes-ão a semeadura;
aos que vão buscar a seara tão longe, hão-lhes de medir a semeadura e
hão-lhes de contar os passos. Ah Dia do Juízo! Ah pregadores! Os de cá,
achar-vos-eis com mais paço; os de lá, com mais passos: Exiit seminare.
(VIEIRA, [2018?], p. 1).

Esse sermão, proferido na Capela Real de Lisboa em 1655, baseia-se na


passagem bíblica do calendário litúrgico, que era Semen est verbum Dei (S.
Lucas, VIII, 2), ou, em tradução livre, A semente é a palavra de Deus. No
parágrafo que você acabou de ler (o segundo da obra), Vieira emprega a esté-
tica barroca ao fazer da parábola do semeador uma metáfora para as missões
catequistas e ao comparar os missionários aos trabalhadores que semeavam
a palavra de Deus. Assim, é desvelada a estética barroca entre a prosa sacra,
em que a preocupação do locutor se centra no conteúdo (conceptismo) e na
persuasão do ouvinte. Outra característica barroca presente no parágrafo é
o malabarismo verbal de refletir sobre o poder e o impacto da pregação da
palavra de Deus ao realizar um sermão.
Seguindo a temática bíblica, Vieira ([2018?]) a inverte em pergunta: “Se
a palavra de Deus é tão eficaz e tão poderosa, como vemos tão pouco fruto
da palavra de Deus?”. Em resposta a essa pergunta, o jesuíta faz uso de duas
alegorias. Primeiro, para que uma alma se converta, é necessário que o pregador
apresente a doutrina e persuada o ouvinte, que o ouvinte compreenda a mensa-
gem e que Deus permita o entendimento. Segundo, para que o homem se veja,
é necessário que tenha olhos para enxergar, que tenha um espelho para refletir
a sua própria imagem, e luz para iluminar o ambiente de forma que ele se veja.
O orador faz um paralelo entre os olhos e o ouvinte que deve compreender a
doutrina, tendo para isso o pregador como espelho de virtudes e de aplicação
prática da palavra de Deus, ao passo que Deus é a luz que ilumina o homem e
permite que ele veja a si mesmo a partir do espelho, que é o pregador.
Centrando-se sobre a prática proselitista da catequese e refletindo sobre
a culpa de haver poucos frutos, Vieira ([2018?]) afirma que a culpa não é de
Deus, pautando-se na “[...] proposição [...] de fé, definida no Concílio Tridentino
[...]”, que deu início à Contrarreforma. Sendo Deus inocentado, a culpa cabe
ou ao pregador, ou ao ouvinte. Usando a parábola evangélica do semeador
que semeia trigo, Vieira ([2018?]) compara uma vez mais o pregador à figura
daquele que semeia, ao passo que os lugares em que este semeia, entre os
12 O Barroco brasileiro

espinhos e as pedras, são os ouvintes: os maus ouvintes que anseiam somente


por elogios e aqueles ouvintes que têm o coração endurecido para receber a
palavra de Deus.
Vieira ([2018?]), encaminhando-se para a conclusão de seu raciocínio, diz
que o semeador poderia livrar-se dos espinhos e das pedras para dar espaço
às sementes que germinariam no bom solo. Porém, isso não é necessário,
uma vez que “virá tempo em que as mesmas pedras o aclamem [ao Cristo]
e esses mesmos espinhos o coroem”. Os ouvintes também são livrados de
toda a culpa. A culpa, então, segundo Vieira ([2018?]), é “culpa nossa”, dos
pregadores, que fazem discursos vazios e hipócritas, cuja lógica é a do “Fazei
o que eu digo, mas não o que eu faço”. Assim, o Sermão da Sexagésima é,
em termos de metalinguagem, a materialização da retórica barroca buscada
pela Contrarreforma, que se centra na necessidade de rever a forma como os
sacerdotes da Igreja doutrinam os fiéis e na urgência de moralizar o clero.

CAMINHA, P. V. A carta de Pero Vaz de Caminha. [2018?].


CAMPOS, H. O seqüestro do barroco na formação da literatura brasileira: o caso Gregório
de Matos. Bahia: Fundação Casa de Jorge Amado, 1989.
CÂNDIDO, A. Formação da literatura brasileira. 8. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1997.
DELEUZE, G. Dobra (a): Leibniz e o Barroco. Campinas: Papirus, 1991.
MATOS, G. Poemas escolhidos: Gregório de Matos. São Paulo: Companhia das Letras,
2010. Seleção e organização de José Miguel Wisnik.
VIEIRA, A. Sermão da sexagésima. [2018?].

Leituras recomendadas
BENJAMIN, W. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.
CHUVA, M. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco, moderno e
civilizado. Topoi, Rio de Janeiro, v. 4, n. 7, p. 313-333, 2003.
Conteúdo:

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