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Paysage Matria
rcale,
1941
A André Masson
Imagens de sonhos
• O Auto do frade tem como assunto o dia da morte do rebelde frei Caneca que já estava preso há mais de
um ano.
• Estava sendo preparado o cortejo, a população já se acumulava do lado de fora da cadeia. O frei tentava
dormir enquanto aguardava seu enforcamento.
• Como o juiz não havia chegado ao Tribunal de Justiça por causa de uma viagem de três meses, o
corregedor decidiu que o Frei Caneca seria enforcado em praça pública, após percorrer a cidade com uma
corda enrolada no pescoço.
• Assim, Frei Caneca foi retirado da prisão e muito fraco percorreu as ruas de Recife, várias pessoas o
seguiram em pleno meio da rua, em cada esquina mais gente se aproximava. Em todos os lugares existiam
espectadores do acontecimento abrangendo até mesmo o governador e toda a sociedade em geral.
• Frei Caneca chegou a dizer algumas palavras, mas foi obrigado a calar-se e até os gestos lhe foram
proibidos. Seu comportamento podia representar grande perigo aos oficiais que pregavam ser ele um
homem condenado à morte por trair o Rei e pretender o separatismo com a Confederação do Equador
(1824).
• Lentamente o cortejo vai levando o Frei que andava calado e sereno.
• Ao chegar à Igreja do Terço, Frei Caneca foi colocado no centro de um círculo formando de policiais, com
intuito de ninguém tentar soltá-lo ou se rebelar.
Auto do frade: Enredo
• Nesse evento Frei Caneca foi entregue ao oficial enviado pela Comissão do imperador que o
condenou à morte.
• O Frei solenemente andou no interior de um círculo de policias.
• Ao chegar na Praça do Forte, onde seria executada a sentença de réu, o carrasco designado
para matar o padre, recuou temendo a ação sobre ele de alguma força superior. Então todos
os carrascos se recusaram a enforcar o padre, alegando que ele foi visto "voando no céu".
Mesmo espancados resistiram a enforcá-lo.
• O Oficial de Justiça ofereceu perdão dos crimes aos presos, comida farta, emprego, cama e
mesa a quem fosse voluntário para a execução. Contudo ninguém se disponibilizou, nem
mesmos os presos que queriam liberdade.
• Ocorreu então que após algumas horas de espera, decidiu-se formar um pelotão de doze
homens para o fuzilarem, pois nenhum destes ousaria fazê-lo sozinho.
• Assim, Frei Caneca foi morto fuzilado.
Auto do frade: Ideal de rigor formal
A/cor/do /fo/ra/ de /mim /(7) acordar é ter saída.
co/mo há/ tem/pos /não/ fa/zi/a (7) Acordar é reacordar-se
A/cor/do /cla/ro,/ de/ to/do, (7) ao que em nosso redor gira.
a/cor/do /com /to/da a/ vi/da, (7) Mesmo quando alguém acorda
com/ to/dos /cin/co/ sen/ti/dos (7) para um fiapo de vida
e so/bre/tu/do/ co/m a /vis/ta (7) como o que tanto aparato
que/ den/tro /des/ta/ pri/são (7) que me cerca me anuncia:
pa/ra /mim /não /e/xis/ti/a. (7) esse bosque de espingardas
A/cor/do/ fo/ra /de /mim (7) mudas, mas Acordar não é de dentro,
co/mo/ vi/da a/po/dre/ci/da. (7) logo assassinas,
Auto do frade: Ideal de rigor formal
- Ei/-lo /que vem /des/cen/do a/ es/ca/da,
de/grau/ a de/grau. /Co/mo/ vem /cal/mo.
- Crê/ no /mun/do,e /quis/ com/ser/tá-lo.
- E a/in/da /crê,/ já /com/de/na/do?
- Sa/be/ que/ não o /con/ser/ta/rá.
- Mas/ que /vi/rão /pa/ra i/mi/tá/-lo.
• Em Auto do Frade, a estrutura textual é diversa: os monólogos são construídos em
redondilhas maiores(7 sílabas), enquanto os demais versos são octossílabos. A linguagem é
criada não para documentar, mas para representar, concisa e contundentemente, uma
situação limite. As rimas são, em sua maioria, toantes.
• Os versos exprimem a força política e revolucionária das palavras de Frei Caneca.
• A morte, assunto constante da obra poética de João Cabral de Melo Neto, é também tema
central em Auto do frade.
TECENDO AS MANHÃS
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Poesia metalinguística: TECENDO AS
MANHÃS
• Não devemos deixar de considerar a abordagem metalinguística deste poema, e aproximar o
canto do galo “tecendo a manhã” com o canto do poeta sendo tecido, verso a verso, fio a fio no
poema.
• Podemos notar na divisão de estrofes dois movimentos bem assinalados, na primeira estrofe os
galos convocam a manhã que se apresenta no verso dez e domina a segunda estrofe de forma
leve (aérea), quando convocada no verso dezesseis: “que, tecido, se eleva por si: luz balão.”
• Pode-se considerar o eu - lírico transitando por duas dimensões de tempo, presente e futuro, e
duas situações: individual e coletiva.
• Nestas oposições um único canto não será capaz de trazer a luz e anular a escuridão, torna-se
necessário que o galo convoque todos os galos e que eles possam desta forma invocar a
manhã, que pela alocação do artigo definido transforma-se em amanhã, numa clara projeção
de futuro.
Poesia metalinguística: TECENDO AS
MANHÃS
• 1) O poema começa com uma paráfrase do provérbio “uma andorinha sozinha não faz verão”.
• 2) “Tecer”, “abrir”, “começar”, “costurar”, “pintar”, “unir”, “fiar” e “entrelaçar”, são os verbos que dão
o sentido de uma "tecimento" coletivo de muitos autores anônimos.
• 3) A metáfora mais saliente parece estar ligada a "tecer". Tecido por todos, ganha forma e constrói a
tenda para todos, (para se abrigar do sol?).
• 4) Na 1ª estrofe a presença de “galo/galos” está presente em todos os versos, exceto nos versos 3, 6, 9
(múltiplos de 3? ), inclusive, produzindo as rimas finais colabora na construção de sentido de
movimento, de construção do tecido, “um grito de galo” que vai passando de um a outro, tecendo a
manhã (amanhã ?).
• 5) Metáfora: “ se cruzem / os fios de sol de seus gritos de galo”; " se erguendo tenda, onde entrem
todos"; "se entretendendo para todos".
• 6) Neologismo: “entretendendo”. Tendo entre si/ entreter entendendo?
• 7) O poema é composto por 120 palavras, das quais 7 palavras são "galo(s)". Repete a palavra "todos"
4 vezes, "manhã" e "toldo" 2.
Poesia metalinguística: TECENDO AS
MANHÃS
• 8) Aliteração: Há 484 caracteres no poema, dos quais 31 são a letra "t". Somente o verso
14 não possui "t": "(a manhã) que plana livre de armação" [o amanhã sem tramas?].
• 9) Aliteração: Repete o letra "g" 12 vezes espontaneamente, no entanto, a repetição da
letra "t" parece intencional.
• 10) A palavra "outros" é repetida 6 vezes na 1ª estrofe. A construção do "tecido"
depende dos outros.
• 11) Metáfora: O galo é retratado como o trabalhador que constrói o futuro, a tenda
protetora.
• 12) Ele não usa o "canto" do galo, mas o "grito" do galo. Grito evoca alerta, protesto
(principalmente da vítima), greves e levantes.
• 13) Estaria o poeta sonhando com um futuro construído por todos, livremente, para
todos, isento de "armações", intrigas. Um mundo verdadeiramente socialista?
Poesia metalinguística: TECENDO AS
MANHÃS
• Sempre guiado pela lógica, pelo raciocínio, seus poemas evitam análise e
exposição do eu e volta-se para o universo dos objetos, das paisagens, dos
fatos sociais, jamais apelando para o sentimentalismo. Por isso, o prazer
estético que sua poesia pode provocar deriva, sobretudo de uma leitura
racional, analítica, não do envolvimento emocional com o texto.
" De um que apanhe esse grito que ele " (v.3) – Metáfora - Elipse.
" que apanhe o grito que um galo antes "(v.5) – Metáfora – Elipse.
" os fios de sol de seus gritos de galo " (v.8) – Eufemismo. (fios de sol= manifestos /protesto)
" para que a manhã, desde uma tela tênue, "– Analepse (remeter a ação para o futuro).
" se vá tecendo, entre todos os galos ". (v.9 e 10) – Prolepse (remeter a ação para o futuro).
" que, tecido, se eleva por si: luz balão". (v.16) – Metáfora.
Poema de desintoxicação:
METALINGUAGEM E POESIA
IMAGÉTICA
Em densas noites O poema inquieta
com medo de tudo: o papel e a sala.
de um anjo que é cego Ante a face sonhada
de um anjo que é mudo. o vazio se cala.
Raízes de árvores Ó face sonhada
Enlaçam-me os sonhos
No ar sem aves de um silêncio de lua,
vagando tristonhos. na noite da lâmpada
Eu penso o poema pressinto a tua.
da face sonhada, Ó nascidas manhãs
metade de flor que uma fada vai rindo,
metade apagada. sou o vulto longínquo
de um homem dormindo.
Poema de desintoxicação:
METALINGUAGEM
E POESIA IMAGÉTICA
• METALINGUAGEM: O primeiro da grande série de metapoemas é o
POEMA DA DESINTOXICAÇÃO, em que a intimidade ou a convivência
do poeta com sua poesia é sempre artesanal, de construção
obsessiva com as palavras e as ideias, palavras de uma concretude
absoluta. Parece pintar em vez de escrever.
• IMAGENS: A intimidade ou a convivência do poeta com sua poesia é
sempre artesanal, de construção obsessiva com as palavras e as
ideias, palavras de uma concretude absoluta. Parece pintar em vez de
escrever.
No cemitério de Mondrian: Poesia referencial
“(...) que então tem de arear
para chegar ao pouco ao mais limpo, ao perfil
em que umas poucas coisas asséptico e preciso
revelam-se, compactas, do extremo de polir,
recortadas e todas,
ou senão despolir
e chegar entre as poucas até o teto da estopa
à coisa coisa e ao miolo ou até o grão grosseiro
dessa coisa, onde fica de matéria de escolha”
seu esqueleto ou caroço, (...)”
Piet Mondrian
Quadro II. 1921
Óleo sobre tela
Ruptura na concepção estética:
A D
1. O Deserto
O Rio
ao partir companhia
desta gente dos alagados
que lhe posso deixar,
que conselhos, que recados?
—somente a relação
do nosso comum retirar
só esta relação
tecida em grosso tear./.../
Morte e vida Severina: O social sem o
panfletário
Como há muitos Severinos, O meu nome é Severino,
que é santo de romaria, Mas isso ainda diz pouco:
deram então de me chamar se ao menos mais cinco havia
Severino de Maria. com nome de Severino
Como há muitos Severinos filhos de tantas Marias
com mães chamadas Maria, mulheres de outros tantos
fiquei sendo o da Maria já finados,Zacarias,
do finado Zacarias. vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
Somos muitos Severinos
e que foi o mais antigo iguais em tudo na vida,
senhor desta sesmaria. morremos de morte igual,
mesma morte severina:
Como então dizer quem falo que é a morte de que se morre
ora a Vossas Senhorias? de velhice antes dos trinta,
Vejamos: é o Severino de emboscada antes dos vinte,
da Maria do Zacarias, de fome um pouco por dia
lá da Serra da Costela, (de fraqueza e de doença
limites da Paraíba. é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Morte e vida Severina: O social sem o
panfletário / Secura, dureza, aspereza, vazio
• Morte e Vida Severina, o texto mais popular de João Cabral de Melo
Neto, é um auto de natal do folclore pernambucano e, também, da
tradição ibérica. Foi escrito entre 1954-55.
• Naquela ocasião, Maria Clara Machado, que dirigia o teatro Tablado,
no Rio, pedira que João Cabral escrevesse algo sobre retirantes. O
poeta escreveu, então, um grupo de poemas dramáticos, para "serem
lidos em voz alta" e os dedicou a Rubem Braga e Fernando Sabino,
"que tiveram a ideia deste repertório".
Morte e vida Severina: O social sem o
panfletário
• É por esse motivo que, no poema, João Cabral usa preferencialmente o verso
heptassilábico, a chamada "medida velha", ou redondilha maior, verso sonoroso
e facilmente obtido.
• Morte e Vida Severina estruturalmente está dividida em 18 partes; no entanto,
outra divisão muito nítida pode ser feita quanto à temática: da parte 1 a 9,
compreende-se o périplo(relato de viagem) de Severino até o Recife, seguindo
sempre o rio Capibaribe, ou o "fio da vida" que ele se dispõe a seguir, mesmo
quando o rio lhe falta e dele só encontra a leve marca no chão crestado pelo sol.
• Da parte 10 a 18, o retirante está no Recife ou em seus arredores e sofridamente
sabe que para ele não há nenhuma saída, a não ser aquela que presenciou no
percurso: a morte.
Morte e vida Severina: O social sem o
panfletário
• Sua linha narrativa segue dois movimentos que aparecem no título: "morte" e "vida". No primeiro, temos o
trajeto de Severino para Recife, em face da opressão econômico-social, Severino tem a força coletiva de uma
personagem típica: representa o retirante nordestino.
• No segundo movimento, o da "vida", o autor não coloca a euforia da ressurreição da vida dos autos
tradicionais, ao contrário, o otimismo que aí ocorre é de confiança no homem, em sua capacidade de resolver
os problemas sociais.
• O auto de natal Morte e Vida Severina possui estrutura dramática: é uma peça de teatro.
• Severino, personagem, se transforma em adjetivo, referindo-se à vida severina, à condição severa, à miséria.
• O retirante vem do sertão para o litoral, seguindo a trilha do rio Capibaribe. Quando atinge o Recife, depois
de encontrar muitas mortes pelo caminho, desengana-se com o sonho da cidade grande e do mar.
• Resolve então "saltar fora da ponte e da vida", atirando-se no Capibaribe. Enquanto se prepara para morrer e
conversa com seu José e uma mulher anuncia que o filho deste "saltou para dentro da vida" (nasceu).
• Severino assiste ao auto de natal (encenação comemorativa do nascimento). Seu José, mestre
carpina(carpinteiro), tenta demover Severino da resolução de "saltar fora da ponte e da vida".
Uma Faca só Lâmina: Texto conceitual
• Assim como uma bala • relógio que tivesse
enterrada no corpo, o gume de uma faca
fazendo mais espesso e toda a impiedade
um dos lados do morto; de lâmina azulada;
• assim como uma bala • assim como uma faca
do chumbo mais pesado, que sem bolso ou bainha
no músculo de um homem se transformasse em parte
pesando-o mais de um lado; de vossa anatomia;
• qual bala que tivesse um • qual uma faca íntima
vivo mecanismo, ou faca de uso interno,
bala que possuísse habitando num corpo
um coração ativo como o próprio esqueleto
• igual ao de um relógio • de um homem que o tivesse,
submerso em algum corpo, e sempre, doloroso
ao de um relógio vivo de homem que se ferisse
e também revoltoso, contra seus próprios ossos.
Uma Faca só Lâmina: Texto conceitual